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A PEDAGOGIZAÇÃO DA DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

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A PEDAGOGIZAÇÃO DA DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Rodrigo Saballa de Carvalho, UFRGS1 Marcelo Oliveira da Silva, UFRGS2 Amanda de Oliveira Lopes, UFRGS3 Resumo

O presente trabalho, a partir do campo dos Estudos Culturais em Educação em sua vertente pós- estruturalista e das contribuições de Michel Foucault, tem como objetivo discutir as tecnologias de pedagogização da docência presentes no manual: Campos de experiências - efetivando direitos e aprendizagens na Educação Infantil. Isso quer dizer que, no contexto do trabalho, define-se a pedagogização da docência como o conjunto de estratégias discursivas por meio das quais se busca decodificar, traduzir e ensinar para os professores de um modo acentuadamente prescritivo e "didático" as orientações constantes Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Para tanto, metodologicamente, a partir da análise do discurso de inspiração foucaultiana, evidencia-se os pressupostos teóricos da Pedagogia da Infância como constituintes da racionalidade em pauta, bem como potentes tecnologias discursivas utilizadas para capturar a atenção do leitor, posicionando-o em uma situação de autoavaliação profissional e de permanente prospecção de mudanças que devem ser efetivadas em sua prática docente. Para tanto, a partir de palavras de ordem endereçadas aos professores leitores, tais como: apoiar, fortalecer, estimular, enfatizar, abandonar, rejeitar, não definir e garantir, o texto presente no Manual orienta detalhadamente a ação pedagógica com bebês, crianças bem pequenas e crianças pequenas, além de indicar ações relativas a gestão da instituição. Nesse sentido, o manual em questão, indica os modos considerados adequados de organizar o planejamento das atividades pedagógicas na Educação Infantil, a partir dos conceitos de campos de experiências e direitos de aprendizagens, propostos na Base Nacional Comum Curricular. Nesse contexto, enquanto artefato cultural, o Manual ensina, prescreve e difunde um modo específico de exercício da docência, que se encontra em consonância com os pressupostos do que vem sendo enunciado no campo epistêmico da área de Educação Infantil sobre a figura do professor como

1 Pós-Doutor em Educação pela Universidade Federal de Pelotas. Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGEDU/UFRGS). E-mail: rsaballa@terra.com.br

2 Pós-doutorando em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Coordenador Pedagógico da Educação Infantil do Centro Integrado de Desenvolvimento. E-mail: moliveiras@gmail.com

3 Graduanda do Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (FACED/UFRGS). Bolsista de Iniciação Científica (BIC/CNPQ). E-mail: hamandaol.lopes@gmail.com

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um parceiro mais experiente das crianças, propositor de espaços, tempos, materiais e mediador de relações que potencializem experiências. Por fim, os resultados das análises evidenciam o denso campo de disputas e de relações de poder no qual encontra-se a formação de professores de Educação Infantil após a homologação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Além disso, os resultados também indicam a necessidade de que continuem sendo problematizados os discursos presentes em manuais de formação, como o do texto analisado. Tendo em vista de que no contexto contemporâneo à docência deveria ser pensada para além de roteiros regulatórios, ou seja, como espaço de criação, invenção e produção de outros modos de habitar a escola.

Palavras-chave: Educação Infantil; discurso; pedagogização; docência.

Considerações iniciais

O trabalho, a partir do campo dos Estudos Culturais em Educação (PEREIRA; RATTO, 2008; BOCHETTI, 2009; BUJES, 2009; CARVALHO, 2013) e das contribuições de Michel Foucault (2007, 2008), tem como objetivo analisar as tecnologias de pedagogização da docência presentes no manual: Campos de experiências - efetivando direitos e aprendizagens na Educação Infantil (OLIVEIRA, 2018). No contexto da discussão empreendida, entendemos a pedagogização da docência como o conjunto de tecnologias discursivas por meio das quais se busca decodificar e ensinar aos professores, “um modo de pensar específico sobre a Educação [Infantil], sobre a ação pedagógica e sobre as necessidades de formação” (BOCHETTI, 2009, p. 84) a partir de um econômico processo de governamento (FOUCAULT, 2008).

Metodologicamente, a partir da análise do discurso de inspiração foucaultiana (FOUCAULT, 2007), evidenciamos os pressupostos teóricos da Pedagogia da Infância como racionalidade em pauta no material, bem como estratégias textuais e discursivas utilizadas para capturar a atenção do leitor, posicionando-o em uma situação de autoavaliação profissional e de permanente prospecção de mudanças em sua prática.

2 O design metodológico: da materialidade investigativa às ferramentas analíticas

O manual pedagógico Campos de experiências - efetivando direitos e aprendizagens na Educação Infantil (OLIVEIRA, 2018) é composto por 122 páginas apresentadas em nove

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seções, assim intituladas: a) Apresentação; b) Introdução; c) O eu, o outro e o nós; d) Corpo, gesto e movimentos; e) Traços, sons, cores e formas; f) Escuta, fala, pensamento e imaginação;

g) Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações; h) Algumas considerações sobre os direitos de aprendizagem; i) Leituras recomendadas. O foco central são os campos de experiências, bem como a explicitação dos objetivos dos mesmos e as possibilidades de planejamento de propostas decorrentes das orientações constantes na Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017).

A partir da apresentação, cabe destacarmos que o que nos interessa é análise do discurso do material, portanto, entendemos o conceito de discurso, “como um conjunto de enunciados que se apoia na mesma formação discursiva” (FOUCAULT, 2007, p.132). Isso porque, “é a ordem do discurso pedagógico que permite aos seus enunciados se inscreverem em certo horizonte teórico e definirem o que pertence a este campo, os limites entre proposições verdadeiras e falsas” (BUJES, 2009, p.285) no que diz respeito ao exercício da docência. A partir disso, destacamos que os discursos têm sentido somente a partir de sua exterioridade, ou seja, não há nada por trás dos discursos, esperando para ser descoberto conforme postulam as teorias críticas. Desse modo, em nossas análises procuramos estabelecer a relação entre os enunciados e aquilo que eles descrevem, interrogando a linguagem, o que efetivamente foi dito a respeito de determinado aspecto relativo à docência com crianças (CARVALHO, 2013).

Nesse sentido, concordamos com Bujes (2009, p.270), quando afirma que a formação docente “pode ser considerada como uma problemática de governamento, se a entendemos como um domínio prático e técnico cuja finalidade é a de potencializar a capacidade de alguns para agirem sobre as condutas alheias”. Nessa lógica, o conceito de governamento é concebido como qualquer modo mais ou menos calculado de direcionamento dos comportamentos e/ou ações dos indivíduos (DEAN, 1999). Portanto, consideramos que o material, opera no governamento docente ao criar “vocabulários comuns, orientações teóricas, posições normativas e formas de explicação que ajudam a estabelecer as formas de coordenação e associação entre, indivíduos, grupos e organizações” (BUJES, 2009, p. 271). Por meio do compartilhamento de orientações e da correlata constituição de um vocabulário pedagógico comum, a meta do Manual é a de formar e transformar não apenas o que a professora de Educação Infantil faz ou sabe, mas a sua própria maneira de ser (DEAN, 1999). É pela liberdade de escolha e pela sedução das tecnologias empregadas que a professora se filia aos discursos pedagógicos veiculados pela publicação. Isso quer dizer que a liberdade é tomada como

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condição para o exercício do governamento (BOCHETTI, 2008). Ratificando o argumento apresentaremos a seguir, uma transcrição do texto de apresentação do material:

É impossível e indesejável estabelecer um roteiro de ações a ser meramente cumprido no trabalho em Educação Infantil. A escolha das práticas a serem promovidas no espaço educativo é do professor, iluminado por sua formação profissional e pela proposta pedagógica construída coletivamente na unidade de Educação Infantil, mas, em especial, por sua sensibilidade para, a cada dia, ouvir e acolher os propósitos das crianças de seu grupo (OLIVEIRA, 2018, p. 4)

A transcrição evidencia que o governamento encontra-se relacionado ao modo pelo qual, indivíduos livres, nesse caso, os leitores da publicação, são levados a governar a si mesmos como sujeitos simultaneamente dotados de liberdade e de responsabilidade (DEAN, 1999). De modo algum, se trata de um processo de dominação, pois os leitores têm liberdade de escolha e até mesmo de contestação. Por outro lado, a partir de um processo de reflexão contínua, os leitores são situados “no interior de um ordenamento peculiar, avaliando a distância entre aquilo que são [como docentes que atuam com crianças] e o que devem se tornar”

(BOCHETTI, 2009. p. 80) caso sigam as indicações descritas na publicação. Desse modo, a

“questão em pauta não é da ordem da coerção, mas da produção de cidadãos intervenientes nos jogos e nas relações de poder, os quais supostamente vivenciam mais autonomia e liberdade”

(CARVALHO, 2013, p. 80).

3 Delineando o cenário: pedagogização da docência e Base Nacional Comum Curricular

A Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017) foi elaborada para regulamentar e de garantir a operacionalização das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2009). A Base apresenta os seguintes direitos de aprendizagem e desenvolvimento:

conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se. Tais direitos, devem ser garantidos às crianças por meio dos seguintes campos de experiência: 1) O eu, o outro e o nós;

2) Corpo, gestos e movimentos; 3) Traços, sons, cores e formas; 4) Escuta, fala pensamento e imaginação; 5) Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações. Os campos de experiência não são vinculados a áreas de conhecimento, áreas do desenvolvimento ou ainda a datas comemorativas, que historicamente vêm constituindo o currículo nas instituições de Educação Infantil. Por outro lado, o que deveria ser um documento inspirado na Pedagogia da

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Infância e, portanto, de cunho mais aberto para produção de um currículo que atendesse das demandas dos professores e crianças, encerrou-se na versão final da BNCC (BRASIL, 2017) com uma lista de objetivos de aprendizagem e desenvolvimento a serem alcançados por faixa etária e por campo de experiência. Explicitar listas de objetivos, como faz a Base circunscreve as práticas dos professores, a partir de determinados modelos de raciocínio, que incidem no governamento dos mesmos por meio da condução de suas condutas.

Alinhados aos objetivos de aprendizagem e desenvolvimento apresentados na BNCC (BRASIL, 2017) para cada faixa etária, o manual pedagógico que estamos analisando apresenta uma série de orientações para o exercício da docência, tendo em vista que os objetivos sejam alcançados e os direitos de aprendizagem e desenvolvimento das crianças garantidos. Dessa forma, os textos da publicação “em sua constituição mecânica, levam sempre ao mesmo caminho de compreensão” (PEREIRA; RATTO, 2008, p. 7), a partir da veiculação de práticas que considera necessárias para que a professora da Educação Infantil atinja os objetivos traçados pela Base. E é, justamente nesse cenário mercadológico educacional contemporâneo, que se proliferam cursos, palestras, oficinas e treinamentos que veiculam abordagens, pedagogias e livros didáticos que, supostamente, pretendem formar uma professora de Educação Infantil que saiba desenvolver uma prática pedagógica que esteja em consonância com os “mandamentos” presentes nos documentos curriculares.

Por essa razão, ao tratarmos do processo de pedagogização da docência na Educação Infantil, estamos nos referindo particularmente ao modo como os materiais de formação profissional endereçados aos professores, após a homologação da Base, têm se configurado em modelos de caráter prático, didático e aplicável. Isso quer dizer que por meio da pedagogização, transformam-se princípios teóricos em sequências de orientações que têm como objetivo central a constituição de um determinado professor de Educação Infantil. Além do exposto, para ilustrar o contexto no qual emergiu a publicação que estamos analisando, destacamos que atualmente vem sendo cada vez mais utilizados livros didáticos endereçados às professoras de Educação Infantil. Obviamente que antes da Base, o mercado editorial de livros didáticos para docentes já existia. Por outro lado, após a homologação do documento curricular, nos chama atenção a difusão cada vez mais crescente de “manuais pedagógicos” (BUJES, 2009) que têm como foco a docência com crianças pequenas. Tendo em vista ilustrar o argumento, referenciaremos duas obras recentemente lançadas, que também prometem orientar as professoras em relação aos modos como elas devem exercer a docência.

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A primeira obra é a publicação: Aprender com a criança: experiência e conhecimento (DEHEINZELIN; MONTEIRO; CASTANHO, 2018). O livro é organizado para que a professora planeje a sua prática pedagógica independente da realidade da turma, contexto social e filosofia da escola. Tendo em vista a ampliação do repertório da professora, a obra apresenta indicações literárias, cinematográficas, musicais e uma miríade de atividades que são complementadas através de materiais de apoio disponíveis on-line. Além disso, as autoras apresentam uma pauta de observação na qual constam os aspectos que devem ser registrados para a realização da avaliação das crianças.

Na mesma perspectiva, outro livro que merece destaque é a obra: Educação Infantil: um mundo de janelas abertas (ROSSET; RIZZI; WEBSTER, 2017). A publicação, apresenta um modo de organização diferente do livro anterior, ainda que pautada na mesma racionalidade. A obra está focada nos campos de experiências e em cada capítulo apresenta um repertório de imagens, reflexões e propostas para o exercício da docência. Embora, as autoras do livro em sua introdução, apontem que o objetivo da publicação não é servir de modelo, é evidente o processo de pedagogização da docência em pauta.

A partir do exposto sobre o cenário no qual foi publicado o manual pedagógico em análise, cabe destacarmos que as “linhas de raciocínio apresentadas nos textos [dos manuais]

se inscrevem segundo um determinado regime de verdade, o que significa que o conteúdo obedece a um conjunto de regras, dadas historicamente, afirmando verdades de um certo tempo e de um certo lugar” (PEREIRA; RATTO, 2008, p. 7). Isso implica dizer, que atualmente estamos vivenciando um tempo, no qual é crescente o desenvolvimento do mercado educacional, o qual tem sido pautado em processos cada vez mais meticulosos de pedagogização da docência.

4 Campos de experiências: efetivando direitos e aprendizagem na Educação Infantil

Os direitos de aprendizagem, assim como os campos de experiência apresentados na BNCC (BRASIL, 2017), têm o intuito de operacionalizar o currículo da Educação Infantil, anteriormente definido nas Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Infantil – DCNEI (BRASIL, 2009). Em tal perspectiva, o texto da BNCC (BRASIL, 2017, p. 36) conceitua campo de experiência como “um arranjo curricular que acolhe as situações e as experiências concretas da vida cotidiana das crianças e seus saberes, entrelaçando-os aos conhecimentos que fazem

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parte do patrimônio cultural”. Sendo assim, a intenção do documento curricular não é a de que sejam realizadas atividades tendo em vista a promoção de experiência em determinado campo.

Ao contrário, os campos de experiência devido a sua natureza transdisciplinar, devem possibilitar com que sejam pensados planejamentos que promovam experimentações e investigações com as crianças.

A esse respeito, cabe lembrar que no sentido empregado pela Base, especificamente no caso da Educação Infantil, não é viável pensar em uma proposta que contemple apenas um único campo de experiência. No entanto, para que as professoras entendam o seu papel e a posição docente que devem assumir frente ao trabalho com os campos de experiências, a formação continuada das mesmas tem sido realizada por meio da difusão de manuais pedagógicos que procuram direcionar seus modos de atuação profissional.

Por conseguinte, a partir da discussão, convém destacarmos que o manual pedagógico em análise foi publicado no intuito de capacitar as professoras para que entendam de modo objetivo os princípios da organização curricular prescrita nas DCNEI (BRASIL, 2009) e BNCC (BRASIL, 2017). Para tanto, a partir de um intenso processo de pedagogização da docência, no qual a autora se empenha em instituir verdades a respeito dos modos como deve ser desenvolvida a prática pedagógica, opera-se um processo de governamento do leitor (BOCHETTI, 2008). Como bem lembra Bujes (2009, p. 272), “os modos de dizer já configuram uma prática que constitui aqueles/as que se embrenham na leitura de manuais de orientação para a ação docente”. Nesse âmbito, o aspecto que nos chama atenção é o fato de todas as orientações constantes no manual que estamos analisando serem iniciadas por verbos no infinitivo. Antes de iniciar a listagem de orientações, há o seguinte texto: “o foco do trabalho do professor é:”. Dessa forma, nos parece clara a pedagogização da docência, por meio de

“mandamentos” que devem ser seguidos pela professora de Educação Infantil.

Por exemplo, para o primeiro campo, “O eu, o outro e o nós”, são estabelecidas vinte e nove orientações. No segundo campo “Corpo, gestos e movimentos” são apresentadas doze orientações, assim como para o terceiro, “Traços, sons, cores e formas” são apresentadas treze orientações. Para o quarto campo, “Escuta, fala, pensamento e imaginação”, são prescritas sete orientações. Por fim, no campo “Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações”

localizamos onze orientações. Ao total, a autora propõe setenta e duas orientações, algumas delas com dois verbos aos quais a professora deve atender.

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Como exemplo, a seguir apresentaremos o Quadro 1, no qual quantificamos a incidência dos verbos utilizados pela autora para iniciar as suas orientações, incluindo os campos de experiência em que cada verbo aparece. Vale notar que alguns verbos se repetem em um mesmo campo de experiência. Nesse sentido, esclarecemos que de modo algum, se trata de uma análise linguística, porém queremos enfatizar a regularidade e o modo incisivo como são prescritas as orientações para as professoras no decorrer do texto do manual em análise.

Quadro 1 – Verbos e sua utilização nas orientações

Verbo Incidência Campo

Apoiar / ouvir e apoiar / apoiar e incentivar 4 1

Criar 4 1, 4 e 5

Incentivar 4 1, 3 e 4

Ajudar 3 1

Incluir 3 1 e 2

Organizar 3 1, 2 e 3

Acompanhar / acompanhar e analisar 2 3

Estruturar 2 1 e 2

Garantir 2 1 e 2

Observar 2 2 e 3

Planejar 2 3 e 5

Possibilitar 2 1 e 4

Promover 2 3 e 5

Fonte: elaborado pelos autores da pesquisa, com base em Oliveira (2018)

A partir da leitura do Quadro 1 podemos observar um panorama geral dos verbos que foram utilizados para propor as orientações para as professoras. Os verbos mais utilizados por Oliveira (2018) são: “apoiar”, “criar” e “incentivar”. Cada um dos verbos empregados aparece em quatro orientações. “Ajudar”, “incluir” e “organizar” aparecem três vezes nas orientações definidas pela autora. Podemos depreender que uma professora da Educação Infantil deve apoiar, incentivar, ajudar e incluir as crianças. Nesse sentido, o papel da professora seria o de criar e organizar espaços, situações, materiais para auxiliar no desenvolvimento de seu grupo.

Por essa razão, entendemos que os verbos apresentados no manual instituem matrizes de sentido, que prescrevem os modos de como os docentes devem atuar. Assim, a partir da leitura, definimos os verbos com maior recorrência no manual. Nesse sentido, os verbos

“apoiar”, “criar” e “incentivar” foram por nós considerados os mais recorrentes no decorrer de toda a publicação. Dessa forma, a seguir apresentaremos uma síntese das orientações constantes no material, que são iniciadas pelo verbo “apoiar”, conforme poderá ser observado no Quadro 2, que apresentaremos a seguir:

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Quadro 2 – Orientações iniciadas pelo verbo “apoiar”

Orientação

APOIAR

o desenvolvimento de sua identidade pessoal, sentimento de autoestima, autonomia, confiança em suas possibilidades e pertencimento [...].

[as crianças] com deficiências, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação a se perceberem como integrantes dos grupos infantis [...].

e OUVIR a expressão de seus sentimentos, planos, ideias, vivências, preferências [...].

e INCENTIVAR a autonomia em relação ao cuidado pessoal [...].

Fonte: elaborado pelos autores da pesquisa, com base em Oliveira (2018)

Todas as orientações iniciadas pelo verbo “apoiar”, um dos verbos com maior incidência, pertencem ao primeiro campo de experiências – O eu, o outro e o nós. O primeiro campo de experiência definido pela BNCC (BRASIL, 2017) afirma que é nas interações entre os pares e com os adultos que as crianças formam seu próprio modo de agir, sentir e pensar. A proposta principal desse campo é oportunizar que a criança se encontre com outros diferentes dela mesma para que possa construir e “valorizar sua identidade, respeitar os outros e reconhecer as diferenças que nos constituem como seres humanos” (BRASIL, 2017, p. 36). Nesse contexto, as orientações de Oliveira (2018), constantes no manual, indicam que o professor é um coadjuvante nesse processo, pois apenas apoia o desenvolvimento da identidade da criança e sua autonomia, a expressar seus sentimentos, preferências e opiniões.

A esse respeito, vale lembrar o dito por Pereira e Ratto (2008, p. 7), quando afirmam que “uma forte evidência é que quando certas afirmações adquirem valor de verdade e começam a funcionar como matrizes de sentido, os leitores se reconhecem nelas, porque as significações parecem óbvias e naturais”. Sendo assim, o modo pedagogizado como são realizadas as orientações para ação docente, podem ser entendidas como potentes estratégias de captura.

A seguir, apresentamos o Quadro 3 com a síntese das orientações de Oliveira (2018) iniciadas pelo verbo “criar”:

Quadro 3 – Orientações iniciadas pelo verbo “criar”

Orientação

CRIAR

situações em que as crianças possam expressar seus afetos, desejos e saberes e aprendam a ouvir o outro, conversar, negociar com argumentos e metas, fazer planos comuns, enfrentar conflitos, participar de uma atividade em grupo e criar amizades com seus companheiros.

hábitos ligados à limpeza e preservação do ambiente [...]

condições para que as crianças, através da língua escrita, observem e reproduzam práticas cotidianas de seu uso [...]

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oportunidades para as crianças demonstrarem o que aprenderam utilizando diferentes linguagens [...]

Fonte: elaborado pelos autores da pesquisa, com base em Oliveira (2018)

Como evidenciado, o verbo “criar” explicita o papel da professora na Educação Infantil, pois é ela que vai proporcionar oportunidades para a criança se expressar, ouvir, negociar, participar e formar amizades. É também papel da professora atentar para o desenvolvimento de uma consciência ecológica nas crianças e o ingresso na cultura letrada. Por outro lado, nos chama atenção, a ausência do verbo ensinar na lista apresentada pela autora. Assim como nos documentos curriculares que orientam a Educação Infantil, a ação de ensinar – própria da função da professora – parecer estar em desuso. Certamente, não concordamos com esse processo de desprofissionalização docente e tampouco com os vetos que são realizados pela Pedagogia da Infância, em relação ao uso de palavras como – aluno, professor, aula, ensino – que supostamente podem levar ao entendimento de uma escolarização precoce das crianças.

Entendemos que a escolarização existe desde o momento da entrada da criança na escola. A questão central é de outra ordem. Devemos pensar em que tipo de escolarização estamos ofertando e de que modo estamos produzindo pedagogias.

Por fim, apresentamos as orientações nas quais consta o verbo “incentivar”, que também aparece relacionado ao primeiro verbo analisado, o “apoiar” (vide Quadro 2), conforme o Quadro 4, que apresentaremos na sequência.

Quadro 4 – Orientações iniciadas pelo verbo “incentivar”

Orientação

INCENTIVAR

a reflexão sobre o modo injusto como os preconceitos étnico-raciais [...] e a construção de atitudes de respeito, não discriminação e solidariedade.

a identificação de elementos que provocam medo [...]

e APOIAR a autonomia em relação ao cuidado pessoal [...].

as crianças a expressarem-se em linguagens diferentes [...].

Fonte: elaborado pelos autores da pesquisa, com base em Oliveira (2018)

A partir do exposto a respeito do verbo “incentivar”, evidenciamos um professor mais fora de cena, atuando como um interlocutor secundário que faz com que a criança reflita sobre preconceitos, medos etc. Enfim, queremos salientar, que o trabalho de captura do manual (assim como os documentos de orientação curricular vigentes na Educação Infantil), “acabam fazendo um trabalho de captura que não permite mal-entendidos” (PEREIRA; RATTO, 2008, p. 7). Isso

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porque o objetivo do material é o de “que qualquer leitor chegue à compreensão e ao entendimento do que o texto quer dizer, por meio da fabricação de corredores isotópicos”

(PEREIRA; RATTO, 2008, p. 7), os quais conduzem a todos e a cada um pelos mesmos caminhos.

5 Considerações finais

ABANDONAR: a ideia de crianças como seres frágeis e incompetentes e da infância com período da passividade, dependência ou debilidade.

REJEITAR: toda postura pedagógica (incluindo as instruções, os materiais didáticos, as histórias) de rigidez e inflexibilidade, sem atentar para a maneira como as crianças reagem ao que é proposto.

NÃO DEFINIR: o processo pedagógico como metas impostas à criança, negligenciando o significado que aquele processo tem na experiência infantil.

GARANTIR: a todas as crianças tempo para explorar as proposições que o professor faz.

ENTENDER: que elas [as crianças] precisam repetir as mesmas proposições outras vezes, de modo a se apropriar de determinadas ações e elaborar um sentido para a experiência vivida (OLIVEIRA, 2018, p. 12-13).

Abandonar, rejeitar, não definir, garantir, entender, a partir de sua regularidade discursiva, constituem-se em mandamentos do professor. A partir da enunciação de modos prescritivos do comportamento docente se produz “pela repetição e pela alienação teórica, um certo traçado na língua, condicionando a compreensão” (PEREIRA; RATTO, 2008, p. 8). Nesse sentido, os discursos enunciados, “passam a ter o sentido concedido por uma espécie de vocabulário ou glossário” (PEREIRA; RATTO, 2008, p.8) que limita e circunscreve um determinado modo de ser professor. Por conseguinte, no que diz respeito ao verbo “rejeitar” e a expressão “não definir”, nos chama atenção que as prescrições compartilhadas para ação docente, são exatamente o contrário do que o manual apresenta em seus capítulos. Na publicação são definidas metas e incluídas instruções de trabalho. Desse modo, questionamos:

- Deveria a professora de Educação Infantil, também rejeitar o manual, já que o mesmo é instrucional e totalmente prescritivo?

Por fim, a partir da discussão desenvolvida, evidenciamos o modo como o manual analisado assume diferentes matizes de um discurso regulativo e normalizador. Ao definir formas do professor ser “de se relacionar com as crianças e de atuar” (CARVALHO, 2013, p.

74), as orientações operam no governamento docente. Em suma, entendemos que a racionalidade na qual assenta-se o discurso do manual encontra-se fundamentada nos discursos

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da Pedagogia da Infância, os quais tem contribuído indefectivelmente na definição de uma Educação Infantil na qual o professor tem ocupado um papel secundário. Certamente o desaparecimento da função profissional do professor não é uma exclusividade da Educação Infantil, mas um sintoma da sociedade contemporânea.

Referências

BOCHETTI, André. Por um professor mínimo: a produção “a distância” do sujeito docente.

Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade de São Paulo (SP), 2008.

BUJES, Maria Isabel Edelweiss. Manuais pedagógicos e formação docente: elos de poder/saber. Currículo sem Fronteiras, v.9, n.1, jan./jun., 2009. p. 267-288

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: DF, 2017

BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Resolução CNE/CEB nº 5, de 17 de dezembro de 2009. Fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Brasília: DF, 2009.

CARVALHO, Rodrigo Saballa. A invenção do pedagogo generalista: problematizando discursos implicados no governamento de professores em formação. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul (RS), 2011.

DEAN, Mitchell. Governmentality: power and rule in modern society. London: Sage, 1999.

DEHEINZELIN, Monique.; MONTEIRO, Priscila.; CASTANHO, Ana Flávia. Aprender com a criança: experiência e conhecimento. Belo Horizonte: Autêntica, 2018.

FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro. Forense Universitária, 2007.

FOUCAULT, Michel. Segurança, território e população. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

OLIVEIRA, Zilma Moraes Ramos. Campos de experiência: efetivando direitos e aprendizagens na educação infantil. São Paulo: Santillana, 2018.

PEREIRA, Marcos Villela; RATTO, Cléber Gibbom. Rastros del fundamentalismo pedagógico em la formación de profesores. Archivos de Ciencias de la educación, vol.2, n.2, mar./abr.

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ROSSET, Joyce Menasce; RIZZI, Maria Angela.; WEBSTER, Maria Helena. Educação Infantil: um mundo de janelas abertas. Porto Alegre, RS: Edelbra, 2017.

Referências

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