Tribunal da Relação de Lisboa Processo nº 51/06.1TYLSB.L1-6 Relator: MARIA MANUELA GOMES Sessão: 29 Outubro 2009
Número: RL
Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
INSOLVÊNCIA LETRA DE FAVOR PRESCRIÇÃO
Sumário
I. Para que o pedido de insolvência da Ré, pessoa colectiva, pudesse
prosseguir impunha-se que se verificasse os “factos presuntivos” ou “factos- índice” estabelecidos na lei – a sua impossibilidade de cumprir obrigações vencidas ou que o seu passivo fosse manifestamente superior ao activo.
II. Nas letras de favor, alguém assina a letra, sem ter para com o sacador ou tomador qualquer responsabilidade anterior.
III. Sendo o favor a causa da obrigação cambiária, quem o prestou não fica isento de responder por ela, pois o favor não é fazer uma assinatura, mas honrá-la, cumprindo as obrigações dela emergentes.
IV. Só não é assim no plano das relações entre favorecente e favorecido, em que o favor prestado implica que o favorecido nada pode exigir do
favorecente.
V. Mostrando-se extinta, a obrigação cartular, por prescrição, tinha a
Requerente de alegar e provar não só o “favor”, como ainda que, da emissão da letra resultara para o requerente/recorrente uma verdadeiro crédito, nomeadamente por terem voltado à sua posse.
(LS)
Texto Integral
1. Relatório.
B...., residente em Lisboa requereu, nos presentes autos, a declaração de insolvência de GI... Lda, com sede em Lisboa, alegando, em síntese, ter a requerida aceite cinco letras de câmbio à requerente que o mesmo manteve em carteira, tendo existido uma relação entre o requerente e a requerida que
fundamenta o referido aceite, vendo-se o requerente desembolsado da quantia de € 61.103,00 a favor da requerida, que esta não pagou.
Acrescentou que a requerida não tem bens suficientes para pagar essa e outras dívidas.
A requerida apresentou oposição negando a existência do crédito, invocando a prescrição dos títulos de crédito, dizendo ainda não se encontrar em situação de insolvência, nem ter credores conhecidos, tendo deixado de exercer
actividade devido à evolução do mercado.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença a indeferir o pedido de declaração de insolvência de GI...Lda, com fundamento na
prescrição da obrigação cambiária e da falta de prova da relação subjacente invocada.
Dizendo-se inconformada, apelou o requerente.
Alegou e concluiu que:
- Está provado que as letras foram prestadas pelo Requerente a título de mero favor à requerida.
- Estando na posse do requerente é porque as pagou.
- Se as pagou pode reclamar o seu pagamento à requerida.
- A relação subjacente da letra de favor é o “favor” que o favorecente presta ao favorecido.
- Embora a letra esteja prescrita não deixa de ser um reconhecimento de uma dívida (art. 458º nº 1 do C. C.).
- Foi na execução de favor que o favorecente (o requerente) emitiu a sua declaração cambiária.
- A sentença recorrida deve ser substituída por outra que julgue procedente a acção.
Não houve contra alegação.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
Matéria de Facto.
2. A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos:
1 – GI... L.da, NIPC n.º ..., com sede na Rua..., Lisboa, encontra-se matriculada na Conservatória de Registo Comercial de Lisboa, sob o n.º ... (A).
2 - A sociedade tem o objecto social de “serviços prestados a outras empresas, laboratório e revelação fotográfica, tratamento geral de fotografia a cores e a preto e branco, slides e importação de consumíveis para laboratório” (B).
3 - A requerida tem o capital social de 1.000.000$00 (C ).
4 - A requerida não tem bens móveis (D).
5 - Ou imóveis (E) .
6 - A requerida não tem créditos (F).
7 - A requerida não tem actividade (G).
8 - A requerida aceitou 5 letras de câmbio ao requerente, cujas cópias se encontram juntas como documentos nºs 2 a 5 com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (1º).
9 - Os títulos apresentados, datados de há mais de uma década são “letras de favor” e foram emitidos a pedido de C..., parceiro comercial da requerida (15º).
10 - Há cerca de uma década que a sociedade requerida não desenvolve actividade (16º).
11 - A falta de actividade da requerida resulta da evolução do mercado da fotografia e a uma decisão natural de, face a essa evolução, não continuar na prossecução da actividade (17º).
12 – Não foi a incapacidade de solver dívidas, para com terceiros, que determinou a cessação da actividade comercial da requerida (19º).
O Direito.
3. Não obstante o teor das conclusões, verdadeiramente, a questão a decidir traduz-se apenas em saber se o pedido de declaração de insolvência da requerida deve ou não prosseguir.
Como refere a sentença recorrida e deriva do nº 1 do art. 3º do C. da
Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo DL nº 53/2004, de 18 de Março, “ É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”. E
acrescenta o nº 2 do mesmo preceito que “As pessoas colectivas e os
patrimónios autónomos (…) são também considerados insolventes quando o seu passivo seja manifestamente superior ao activo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis”.
Logo, do exposto, deriva que sendo a requerida uma pessoa colectiva,
alegadamente insolvente, para que o pedido de insolvência formulado pudesse prosseguir impunha-se que se verificassem os “factos presuntivos” ou “factos- índice” estabelecidos na lei – a sua impossibilidade de cumprir obrigações vencidas ou que o seu passivo fosse manifestamente superior ao activo.
Ora, no caso presente, o pedido do requerente fundou-se numa invocada impossibilidade da requerida cumprir obrigações vencidas.
E essa obrigação derivava, no dizer do requerente, da subscrição de letras, não pagas na data do respectivo vencimento e na inexistência de bens
susceptíveis de assegurar o cumprimento coercivo do pagamento das quantias
por elas titulado.
Só que, após oposição deduzida, veio a apurar-se que as letras, embora
“aceites” pela requerida, constituíam “letras de favor” e haviam sido emitidas a pedido de C..., parceiro comercial da requerida.
Como é sabido, nas letras de favor, alguém assina a letra, sem ter para com o sacador ou tomador qualquer responsabilidade anterior.
Subjacente à obrigação cambiária assumida pelo favorecente não se encontra uma relação jurídica fundamental.
A assinatura aposta numa letra deriva de um pacto entre o autor do favor e o favorecido, para assegurar e facilitar a circulação do título.
O firmante quer apenas prestar o favor de apor a sua assinatura, tornando-se obrigado pelo “favor” e não porque o fosse em virtude de uma relação
extracartular (Ferrer Coreia, Lições de Direito Comercial, Letra de Câmbio, Vol. III, pág. 47; Pinto Coelho, Lições de Direito Comercial, 2º Vol. Pág. 101;
Gonçalves Dias, Da Letra e Livrança, Vol. 1º, pág. 104 ) .
Quem aceita de favor contrai uma obrigação, conforme é entendimento
uniforme da jurisprudência, desde há muito firmada ( Ac. S.T.J. de 12-1-60, Bol.
60-346; Ac. S.T.J. 12-10-78, Bol. 280-343, Ac. S.T.J. de 26-6-73, Bol. 228-233, Ac. S.T.J. de 26-11-74, Bol. 241-315 ).
Sendo o favor a causa da obrigação cambiária, quem o prestou não fica isento de responder por ela, pois o favor não é fazer uma assinatura, mas honrá-la, cumprindo as obrigações dela emergentes.
O favor constitui causa válida e eficaz de obrigação cartular para com o portador da letra, excepto se este for o favorecido.
Quem assina uma letra, embora por favor, assume o encargo de a pagar, se tal lhe for exigido, como qualquer obrigado cambiário. Só não é assim no plano das relações entre favorecente e favorecido, em que o favor prestado implica que o favorecido nada pode exigir do favorecente (cfr. ainda acórdão do STJ de 22.03.2007- proc. 07A399, cuja doutrina se seguiu de perto).
Mas isto é assim no âmbito das obrigações cambiárias.
Mostrando-se extinta, a obrigação cartular, por prescrição, como no caso acontece, necessária à procedência da pretensão do requerente seria a alegação e prova não só do “favor” como ainda que, da emissão da letra resultara para o requerente/recorrente uma verdadeiro crédito, por exemplo por as letras terem sido descontadas numa instituição bancária a favor da requerida (o que não é normal, já que habitualmente é o aceitante o
favorecente e não o favorecido) e terem voltado à posse do recorrente por as ter pago, factos que, face à matéria dada como provada, os autos não
evidenciam.
Improcede, pelo exposto, a argumentação do recorrente, sendo a decisão
recorrida de manter.
Decisão.
4. Termos em que se acorda em negar provimento à apelação e confirmar o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 29 de Outubro de 2009.
(Maria Manuela B. Santos G. Gomes) (Olindo dos Santos Geraldes)
(Fátima Galante)