“GOTA D’ÁGUA”: IMAGINÁRIO COLETIVO DE EDUCADORAS INCLUSIVAS SOBRE SER PROFESSOR EM TEMPOS DE INCLUSÃO

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KATIA PANFIETE ZIA

“GOTA D'ÁGUA”: IMAGINÁRIO COLETIVO DE EDUCADORAS INCLUSIVAS SOBRE SER PROFESSOR EM TEMPOS DE INCLUSÃO

PUC-CAMPINAS 2012

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KATIA PANFIETE ZIA

“GOTA D’ÁGUA”: IMAGINÁRIO COLETIVO DE EDUCADORAS INCLUSIVAS SOBRE SER PROFESSOR EM TEMPOS DE INCLUSÃO

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia do Centro de Ciências da Vida – PUC-Campinas, como requisito para obtenção do título de Doutor em Psicologia como Profissão e Ciência.

Orientadora: Profa. Livre-Docente Tânia Maria José Aiello Vaisberg

PUC-CAMPINAS 2012

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Ficha Catalográfica

Elaborada pelo Sistema de Bibliotecas e Informação - SBI - PUC-Campinas

t153.32 Zia, Katia Panfiete.

Z64g “Gota d‟água”: imaginário coletivo de educadoras inclusivas sobre ser professor em tempos de inclusão / Katia Panfiete Zia. – Campinas:

PUC-Campinas, 2012.

89p.

Orientadora: Tânia Aiello Vaisberg.

Tese (doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Centro de Ciências da Vida, Pós-Graduação em Psicologia.

Inclui anexos e bibliografia.

1. Imaginário. 2. Inclusão em educação. 3. Educadores. 4. Psicaná- lise - Pesquisa. I. Vaisberg, Tânia Aiello. II. Pontifícia Universidade Ca- tólica de Campinas. Centro de Ciências da Vida. Pós-Graduação em Psicologia. III. Título.

22. ed. CDD – 153.32

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Dedico esta tese à minha filha, ao meu marido e aos meus pais, que me

acompanharam, incentivaram e apoiaram, acolhendo-me em todos os momentos

desta jornada científica e dramática, que significou o doutorado para mim.

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AGRADECIMENTOS

Ao meu avô Batista Panfiete (in memoriam),

por ter sido o amoroso predecessor que semeou em mim o valor e o gosto pela vida dos estudos.

À minha querida avó Julia Berti Panfiete,

por estar sempre pronta para cuidar afetuosamente de minha filhinha, sabendo que assim também cuidava de mim e proporcionava um ambiente tranquilo para o estudo e a finalização do doutorado.

À minha mãe Maria de Lourdes Panfiete Zia,

pela disponibilidade em estar com minha filha e me auxiliar na administração dos tratos domésticos, favorecendo meu entorno para a criação de outra filha: minha tese.

Ao meu pai Romeu Zia,

pelos investimentos, por seus incentivos constantes e pela confiança que sempre depositou em mim, mesmo quando eu titubeava.

Ao meu irmão Glauco Panfiete Zia,

por sua disponibilidade e inspiração artística, quando configurou as ilustrações que compuseram a tese.

Ao meu marido e querido companheiro Luiz Carlos dos Reis,

pela sua forte presença em minha vida, pelos momentos em que, mesmo não entendendo, aceitava em silêncio as crises desta trajetória, sem me abandonar.

À minha filhinha Laila Valentina Zia dos Reis,

tem a idade deste doutorado, quatro anos, porque nasceu no momento em que eu entrava e acompanhou comigo meu percurso, sentadinha ao meu lado, ora brincando, ora bagunçando, mas sempre me acalentando em sua espera ou observação atentas.

À amiga psicóloga Lia Raquel Posi,

com quem pude compartilhar as entrelinhas emocionais deste percurso profissional, por ter me socorrido e acalentado nas horas difíceis e por ter festejado comigo os momentos felizes.

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À Mestra amiga e companheira de jornada Fabiana Follador e Ambrósio,

pois em nossos encontros me fez realmente compreender „o ser e o fazer‟

winnicottianos. Seus conhecimentos e sua postura pacienciosa e livre de preconceitos estiveram e estarão sempre comigo, para o resto de minha vida profissional e pessoal.

À companheira Elisa Corbett,

por trilhar comigo os momentos decisivos de configuração da tese, por sua paciência carinhosa e sua atenção profissional.

Aos integrantes e colegas do Grupo de Pesquisa “Atenção Psicológica Clínica em Instituições: Prevenção e Intervenção”,

em especial às amigas Cristiane Simões, Miriam Tachibana, Mariana Pontes e Aline Vilarinho Montezi. Pelos anos de companhia nas experiências e reflexões científicas, bem como na criação dos nossos sentidos afetivo-emocionais que juntas vivemos e compartilhamos.

Aos professores integrantes da qualificação e da defesa,

à Tânia Maria Marques Granato e à Vera Lucia Trevisan de Souza, por seus exames atentos e cuidadosos.

Às funcionárias da Secretaria da Pós-Graduação em Psicologia, pela sua atenção e disponibilidade.

À Agência Financiadora CAPES,

pela bolsa de doutorado sem a qual não teria realizado minha pesquisa.

Em especial à minha orientadora, Tânia Maria José Aiello Vaisberg,

por seu conhecimento e afeto transmitido, por toda sua paciência e perseverança comigo. Sou grata, pois, mesmo sob seu olhar severo e atento, compreendi o verdadeiro valor de ser uma doutora/pessoa, por meio de sua orientação transparente e sincera.

A todas as pessoas,

que de uma forma ou de outra, me ajudaram a concluir esta tese.

E, mesmo frente a tantas dificuldades enfrentadas, confiaram em mim e estiveram

comigo, presencialmente ou virtualmente.

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“(...) Eu não espero pelo dia Em que todos Os homens concordem Apenas sei de diversas Harmonias bonitas Possíveis sem juízo final...

Alguma coisa Está fora da ordem Fora da Nova Ordem Mundial (...)”

(Trecho Música “Fora da Ordem”, Caetano Veloso)

(9)

SUMÁRIO

RESUMO

i

ABSTRACT

ii

RESUMEN

iii

1. INCLUSÃO ESCOLAR À BRASILEIRA

2. ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS

1

8

3. APRESENTAÇÃO DO ACONTECER CLÍNICO: NARRATIVAS TRANSFERENCIAIS

4. “GOTA D’ÁGUA”: O CAMPO DE SENTIDO AFETIVO-

EMOCIONAL

15

57

5. REFLEXÕES TEÓRICO-CLÍNICAS

66

6. REFERÊNCIAS

82

7. ANEXOS

90

(10)

i

RESUMO

Zia, Katia Panfiete (2012). “Gota d´água”: imaginário coletivo de educadoras inclusivas sobre ser professor em tempos de inclusão. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Centro de Ciências da Vida. Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Campinas, SP, 89 p.

Esta pesquisa objetivou investigar psicanaliticamente o imaginário coletivo de educadores inclusivos acerca do ser professor em tempos de inclusão escolar, dada a importância deste profissional na efetivação do processo educacional. Realizamos, para tanto, quatro entrevistas grupais para abordagem da pessoalidade coletiva, utilizando o teatro espontâneo winnicottiano como recurso facilitador da comunicação subjetiva. Participaram onze educadoras de uma instituição pública de apoio à educação especial. Registramos o acontecer clínico por meio de narrativas psicanalíticas, cuja abordagem permitiu a produção interpretativa de um campo de sentido afetivo-emocional, denominado “Gota d‟água”. Este foi organizado ao redor da crença de que “ser professor” é sofrer devido a crescentes solicitações a assumir deveres que ultrapassam suas responsabilidades. Neste campo, a inclusão escolar não é especificamente tematizada, sendo confundida com uma das inúmeras exigências que lhes são impostas. O sofrimento no trabalho se traduz como impotência e incapacidade de percepção de um horizonte social e político mais amplo que forja de modo perverso as condições precárias de trabalho na educação.

Palavras-chave: Imaginário coletivo

– Pesquisa psicanalítica – Educadores –

Inclusão escolar – Prevenção e intervenção psicológica.

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ii

ABSTRACT

Zia, Katia Panfiete (2012). "The Last Straw": collective imagination of inclusive educators about being a teacher in times of inclusion. Doctoral Thesis, Life Sciences Center, Post-graduation Program in Psychology, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, SP, 89 p.

This research aimed to investigate psychoanalytically the collective imagination of inclusive educators about being a teacher nowadays, given the importance of this professional in the execution of the inclusive process. We conducted four group interviews for approaching collective personhood, in which participated eleven teachers from a public institution for special education support. Affiliated to intersubjective psychoanalysis, we used Winnicott's spontaneous theater to facilitate emotional communication. We recorded the clinical event through psychoanalytic narratives, whose approach enabled the interpretative production of a field of affective-emotional meaning, called "the last straw". This is organized around the belief in that "being a teacher" is to suffer due to increasing requests to assume tasks beyond their responsibilities. In this context, school inclusion is not specifically discussed, being confounded with one of the various requirements imposed to teachers. Work-related suffering is translated as impotence and incapability of perceiving a broader social and political horizon that forges, in a perverse way, the precarious working conditions in education.

Keywords: Collective imaginary - Psychoanalytic research - Educators - School

inclusion – Psychological prevention and intervention.

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iii

RESUMEN

Zia, Katia Panfiete (2012). “La última gota”: imaginario colectivo de educadoras inclusivas sobre ser profesor en tiempos de inclusión. Tesis Doctoral, Programa de Postgrado en Psicología, Centro de Ciencias de la Vida, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, São Paulo, 89 p.

Esta investigación tuvo por objetivo investigar psicoanalíticamente el imaginario colectivo de educadores inclusivos sobre el ser profesor en tiempos de inclusión escolar, dada la importancia de este profesional en el efectivo proceso educativo.

Realizamos cuatro entrevistas grupales para enfoque de la personalidad colectiva, utilizando el teatro espontáneo winnicottiano como recurso facilitador de la comunicación subjetiva. Formaron parte once educadoras de una institución pública de apoyo a la educación especial. Registramos el acontecer clínico a través de narraciones psicoanalíticas, cuyo enfoque permitió la producción interpretativa del campo de sentido afectivo-emocional, llamado “La última gota”. Este se organiza alrededor de la creencia de que “ser profesor” es sufrir a causa de las crecientes solicitudes para asumir deberes que exceden sus responsabilidades. En este campo, la inclusión escolar no es específicamente tematizada, se confunde con una de las muchas exigencias que les imponen. El sufrimiento en el trabajo se traduce como impotencia y discapacidad de percepción del horizonte social y político más amplio que forja de forma perversa las condiciones precarias de trabajo en la educación.

Palabras clave: Imaginario colectivo

– Investigación psicoanalítica - Educadores -

Inclusión escolar – Prevención y Intervención psicológica.

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1

1. INCLUSÃO ESCOLAR À BRASILEIRA

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2 Esta pesquisa tem como objetivo investigar psicanaliticamente o imaginário coletivo de educadores inclusivos

1

sobre ser professor em tempos de inclusão, dada a importância deste profissional na efetivação do processo educacional. Insere-se, deste modo, na linha de pesquisa "Prevenção e Intervenção Psicológica", do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUC-Campinas, que tem, como Área de Concentração, "Psicologia como Profissão e Ciência".

Tendo em vista aproximarmo-nos do processo que denominamos “inclusão escolar à brasileira”, consideramos esclarecedor apresentar ao leitor, brevemente, como os ideais inclusivos chegaram a este país.

Integração e Inclusão

Os anos que se seguiram à II Guerra Mundial trouxeram desafios peculiares às sociedades ocidentais. Nos anos 1950, cria-se uma verdadeira indústria de reabilitação para mutilados de guerra no hemisfério norte. No Brasil, as condições de pobreza crônica e desigualdade social – ausência de atendimento na saúde, de saneamento básico e de educação, contribuíram para a alta prevalência de doenças que geram sequelas motoras, sensoriais e intelectuais. Simultaneamente, os problemas gerados pela incapacidade das escolas em se responsabilizarem pelas dificuldades de aprendizagem de seus alunos exigiram a criação de novas formas de educar pessoas com deficiências, ou que não conseguissem acompanhar o conteúdo da escola regular. Esta tendência, iniciada na Europa, e, posteriormente, levada para os Estados Unidos, Canadá e muitos outros países, consistia em preparar profissionais que se especializassem na educação de pessoas com necessidades educacionais e que não pudessem ser atendidas pelas instituições e métodos, então, existentes (Mazzotta, 1996; Mendes, 2006; Stainback & Stainback, 1999). À época, a proposta era ensiná-los em instituições e ambientes segregados, fundamentando-se na premissa de que os deficientes teriam suas necessidades educacionais atendidas com maior eficácia quando separados das salas regulares de ensino (Karagiannis, 1992; Mendes, 2006; Stainback & Stainback, 1999).

1Utilizaremos o termo “educador(a) inclusivo(a)” para designar um coletivo de profissionais contratados por instituição de referência e apoio à inclusão escolar, provenientes de diversas áreas de formação.

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3 No Brasil, este período foi marcado pelo descaso político e pela pequena oferta de serviços aos deficientes, provocando a construção de redes de escolas especiais privadas, de caráter filantrópico, para aqueles que eram excluídos das escolas regulares (Jannuzzi, 2004; Mazzotta, 1996; Mendes, 2006; Paula, 2000).

Na década seguinte, em termos mundiais, os movimentos sociais pelos direitos humanos buscaram a conscientização e sensibilização da sociedade sobre os prejuízos causados pela segregação e marginalização de grupos minoritários. A partir da aglutinação de uma diversidade de interesses econômicos, políticos, morais, educacionais, científicos e pessoais – dos portadores de deficiências e de seus familiares –, formou-se um coletivo que lutou por práticas integradoras, contra a intolerância e a segregação. Esta luta culminou na proposta de integração escolar que, gradualmente, foi conquistando bases legais mundialmente aceitas a partir da década de 1970 (Mendes, 2006). Tal proposta defendia que as pessoas com deficiência tivessem acesso a serviços que as aproximassem ao máximo possível da normalidade para que, quando estivessem prontas, pudessem ser inseridas na vida em sociedade. Exemplos desses serviços são as escolas e as classes especiais, bem como as Oficinas Abrigadas de Trabalho e os Centros de Vida Independente (Aranha, 2001; Nogueira Junior, 2008).

Uma das críticas que o movimento pela integração suscitou relaciona-se à própria criação de um “padrão de normalidade”, que garantiria aos ditos “normais” um lugar na ordem social e menosprezaria os “anormais”, diminuindo o valor destes como pessoas e perpetuando a discriminação e o preconceito (Veiga-Neto, 2001).

Mendes (2006) aponta o fato de que o alvo da mudança continuava a ser o indivíduo com deficiência: cabia a ele preparar-se e diminuir seu desvio em relação à maioria para conviver em sociedade, ou seja, uma boa integração dependeria principalmente do “desviante”.

Essas críticas geraram ecos que produziram transformações. Emerge, assim,

em contexto mundial, um discurso o qual defende que a responsabilidade pela

inclusão social e escolar de pessoas com necessidades especiais deveria ser

compartilhada por todos. Assim, os espaços físicos que coabitamos deveriam ser

adaptados, dessa maneira, viabilizando o acesso dessas pessoas. Da mesma forma,

os profissionais, os pais, os colegas de classe, o próprio aluno com necessidades

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4 especiais e a comunidade em geral deveriam se preparar para a aceitação e a convivência social, num clima de respeito às diferenças.

Esses princípios foram amplamente difundidos ao longo das décadas de 1980 e 1990, no panorama internacional e deram origem a encontros de caráter político- social em todo mundo, mais intensamente na década de 1990, gerando documentos e declarações que são, hoje, considerados marcos históricos. Cabe aqui lembrar, pela sua importância política, a Declaração Mundial sobre Educação para Todos

2

e a Declaração de Salamanca

3

.

Em esfera nacional, em termos políticos e legislativos, temos o artigo 208 da Constituição Federal (Brasil, 1988), o Plano Decenal de Educação para Todos

4

(Brasil, 1993) e as Diretrizes Curriculares para a Educação Especial no Ensino Regular (Brasil, 2001, 2008), como exemplos de documentos que asseguram o direito educacional a todos, com ou sem necessidades especiais. Esses textos defendem que todas as crianças devem ser acolhidas pela escola regular, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais ou emocionais.

Tal processo demandaria revisões de antigas concepções e paradigmas educacionais, além de uma reorganização nos sistemas educacional, social e político (Dall‟Acqua, 2007).

No entanto, apesar dos avanços alcançados no campo jurídico, num plano concreto temo-nos deparado com uma implantação descuidada, sem as medidas necessárias, realizada a partir de ideias importadas e sem estudos suficientes para viabilizar sua adequação às reais demandas brasileiras. O que notamos é que a inclusão escolar tem acontecido mais num plano formal do que real, levantando dúvidas, incertezas e insatisfações (Avila, 2008; Dall‟Acqua, 2007; Jusevicius, 2002;

Paula, 2000; Sant‟Ana, 2005; Silveira & Neves, 2006; Souza, 2009; Stainback &

Stainback, 1999). Acontece, assim, o que denominamos “inclusão escolar à brasileira”: como nação, somos signatários de declarações internacionais que apregoam os ideais inclusivos, elaboramos leis acordes a esta forma de compreender a educação, mas não criamos condições concretas para sua implantação.

Nesse ínterim, faz-se necessário relembrar que este estudo não questiona a

2 Realizada em Jomtiem, Tailândia, em 1990 (Unesco, 1990).

3 Realizada na Espanha, em 1994 (Organização das Nações Unidas, 1996).

4 Este plano compreendeu os períodos de 1993 a 2003.

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5 legitimidade do processo inclusivo que, traduzido na premissa da igualdade dos direitos civis para todos, e atualizado, especificamente, como direito constitucional adquirido para as pessoas com necessidades especiais, é inquestionável. O que criticamos é a forma como a inclusão escolar está sendo implantada. Pensamos que a efetivação do processo inclusivo escolar deveria fomentar a criação de condições práticas e concretas bastante específicas, que envolvessem o empenho do estado e da sociedade civil, na apropriação e na efetivação concreta das políticas públicas já existentes, bem como numa dotação orçamentária realista.

O Educador Inclusivo

Em revisão crítica da literatura atual acerca da inclusão escolar, observamos na maioria dos estudos, a detecção de uma tendência queixosa, da parte dos educadores, que repetidamente reverberam as dificuldades vividas (Anjos, Andrade

& Pereira, 2009; Dall‟Acqua, 2007; Gomes, 2010; Leonardo, Bray & Rossato, 2009), e julgam-se despreparados para a tarefa (Cacciari, Lima & Bernardi, 2005; Gomes &

Barbosa, 2006; Gomes & González Rey, 2008; Sant‟Ana, 2005; Silveira & Neves, 2006; Souza, 2009). Os pesquisadores enfatizam e discutem competências, formação e capacitação docente necessárias para implementação da escola inclusiva, bem como a ausência de formação especializada dos educadores (Castro, 1997; Castro, 2002; Costa, 2010; Dall‟Acqua, 2007; Damião, 2000; Goffredo, 1992;

Jusevicius, 2002; Leonardo, Bray & Rossato, 2009; Manzini, 1999; Mendes, 2011;

Sant‟Ana, 2005; Silveira & Neves, 2006).

Nossa própria experiência, no contato com educadores, tem-nos convencido de que, frequentemente, os professores usam oportunidades de escuta, em diferentes dispositivos, para apresentarem variadas reclamações e lamúrias. Trata-se de fenômeno interessante, cuja causa fomenta reflexões acerca de seu trabalho, da espécie de tarefas que desempenham, da quantidade e da qualidade destes deveres, bem como das condições e recursos que são disponibilizados em seu cotidiano laboral.

Muitas das pesquisas recentes sobre inclusão, que destacam a importância da

figura do professor, mencionam aspectos ligados às reações emocionais dos

educadores frente a seus alunos com necessidades especiais e, em alguns casos,

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6 evidenciam o sofrimento emocional do trabalhador envolvido no processo inclusivo (Ávila, Tachibana & Aiello-Vaisberg, 2008; Cacciari, Lima & Bernardi, 2005; Gomes &

González Rey, 2008; Paparelli, 2009; Sato, 2009; Zia, Ambrosio & Aiello-Vaisberg, 2009). Todavia, mesmo que alguns textos tenham ressaltado o reconhecimento da importância das crenças e afetos dos professores, apenas uma minoria deles valoriza suas emoções, não se aprofundando na análise e compreensão desses aspectos. Além disso, raros são os autores que incluíram uma verdadeira escuta do professor e atentaram para as dimensões afetivo-emocionais do seu viver, à medida que a grande maioria prioriza a preocupação com o despreparo técnico dos educadores, em detrimento da dimensão emocional (Avila, 2008; Ávila, Tachibana &

Aiello-Vaisberg, 2008). Tais estudos, se examinados atentamente desde um referencial psicanalítico, comunicam um fenômeno que transcende a queixa do despreparo técnico, por parte do professorado, permitindo a compreensão de que esses profissionais apontam a dolorosa ausência de cuidados com sua dimensão emocional, derivada do sofrimento no trabalho (Bernardo, 2009; Sato, 2009).

Dessa forma, compreendemos que, ainda que a formação de professores para o atendimento às necessidades educacionais de todas as crianças e adolescentes, com ou sem deficiência, seja de suma importância, a exaustiva discussão ao redor deste (des)preparo se torna facilmente perversa quando requer que toda a responsabilidade pela efetivação da inclusão escolar recaia somente sobre a figura do professor. Mesmo o cuidado emocional do professor, se desenvolvido como única estratégia de enfrentamento das dificuldades na efetivação do processo inclusivo, pode perder seu potencial transformador, acomodando-se como parte do mesmo campo perverso a que pretendemos escapar.

Assim, quando versamos sobre os aspectos afetivo-emocionais envolvidos na relação entre o grupo de trabalhadoras de educação entrevistado e o processo inclusivo, no contexto histórico, social e cultural em que vivemos atualmente, temos em mente produzir conhecimento sobre este complexo fenômeno a partir da óptica da psicologia psicanalítica, contribuindo com uma ampla discussão que diz respeito a diversas ciências, ao Estado e à sociedade civil em geral (Bleger, 1963/1989).

Ressaltamos, ainda, que a escolha de D. W. Winnicott, como interlocutor

teórico no delineamento das entrevistas realizadas, decorre precisamente do fato de

sua concepção antropológica alinhar-se a estes pressupostos. Valorizando a posição

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7

existencial em que o homem sente-se em contato consigo mesmo e é capaz de

gestualidade criativa e transformadora de si e do mundo, as proposições

winnicottianas orientam práticas de cuidado que objetivam a aquisição ou o resgate

de condições para atuar de forma crítica frente ao mundo (Winnicott, 1971/1975).

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2. ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS

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9 A fim de facilitar a compreensão do leitor, apresentamos as estratégias metodológicas do presente estudo em quatro itens: conceitos fundamentais, abrangendo conduta, imaginário coletivo e campo; procedimentos de configuração do acontecer clínico; procedimentos de registro e procedimentos de tratamento do material.

Conceitos fundamentais: conduta, imaginário coletivo e campo

Herrmann (2001/2004) aponta que a pesquisa psicanalítica empírica tem sido realizada a partir de duas vertentes de estudo distintas. A primeira consiste no uso de estratégias metodológicas positivistas, tendo em vista produzir resultados que serão discutidos à luz das teorias psicanalíticas. Já a segunda vertente, à qual nos alinhamos, define-se pelo uso do método psicanalítico como estratégia investigativa.

Em concordância com Herrmann (2001/2004), definimos tal método como uma forma geral de compreender os fenômenos humanos, que se coloca em marcha pela associação livre de ideias e pela atenção flutuante.

Laplanche e Pontalis (1992, p.38) definem a associação livre como ato de

“exprimir indiscriminadamente todos os pensamentos que ocorrem ao espírito, quer a partir de um elemento dado (palavra, número, imagem de um sonho, qualquer representação), quer de forma espontânea”. No contexto do Grupo de Pesquisa CNPq Atenção Psicológica Clínica em Instituições: Prevenção e Intervenção compreendemos o convite a associar livremente como facilitação da comunicação emocional do entrevistado, dessa maneira, substituindo a tradicional orientação de expressar verbalmente tudo o que ocorresse à mente por um gesto que pretende configurar um campo brincante, em que qualquer manifestação do participante é acolhida.

Já a adoção da atenção flutuante é tradicionalmente definida como ação do analista de suspender “as motivações que dirigem habitualmente a atenção”, deixando funcionar “o mais livremente possível a sua própria atividade inconsciente”

(Laplanche & Pontalis, 1992, p. 40). Em nossas investigações, temos a compreendido como abertura fenomenológica e existencial para a expressão do outro,para o acontecer clínico sobre o qual nos debruçamos.

Alinhadas ao pensamento blegeriano, defendemos que todas as

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10 manifestações humanas devem ser sempre compreendidas como conduta, ou seja, como acontecer que se desenrola em contextos vinculares, históricos, sociais, políticos, econômicos e culturais (Bleger, 1963/1989). Outra proposição de grande relevância para o presente estudo é a de que a conduta se expressa sempre, simultaneamente, em três áreas: na mente, compreendendo as manifestações simbólicas e imaginárias; no corpo, abrangendo as sensações físicas e alterações fisiológicas; e, por fim, no mundo externo, compreendendo as ações que provocam mudanças ambientais. Tais manifestações, muitas vezes, materializam-se em produtos da criatividade e da ação humana, cuja duração ultrapassa, em muito, o ato de sua criação. Como exemplos destes produtos, citamos os inúmeros objetos que nos cercam e as crenças e valores que compartilhamos a respeito da vida, das pessoas e do mundo.

Desta forma, concebemos o imaginário coletivo como a imaginação humana em ação, que abrange tanto a atividade psíquica quanto ações e seus produtos: uma coleção de imagens, crenças, valores, sentimentos, pensamentos, objetos concretos e práticas vinculados às inúmeras temáticas que atravessam nosso cotidiano. Como toda conduta, o imaginário expressa-se, também, nas manifestações corporais que temos diante das diversas situações vividas e na forma como agimos em relação às outras pessoas e ao mundo. O conceito de conduta revela-se, assim, importante ferramenta metodológica na abordagem de variados fenômenos humanos, inclusive na complexa situação aqui considerada, a inclusão escolar no Brasil.

Propomos, ainda, que esta vasta coleção de imagens, afetos, lembranças, pensamentos, ações, sentimentos, ideias, crenças, emoções e valores organiza-se em campos de sentido afetivo-emocionais, ou seja, mundos vivenciais regidos por regras que determinam como a vida e as relações com outras pessoas são experimentadas.

Trata-se de posição acorde à de Herrmann (2001/2004, p. 28), que define campo ou inconsciente relativo como “o lugar das regras que determinam as relações que concretamente vivemos” e, simultaneamente, como “o lado oculto, produtor”.

Assim, compreendemos que o avesso da conduta imaginativa, o “outro lado da

moeda”, ou o seu sentido emocional subjacente, seriam os campos de sentido

afetivo-emocionais (Aiello-Vaisberg & Machado, 2008a; 2008b).

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11 Neste momento de reflexão e compreensão, entendemos que a assunção do método psicanalítico, ancorado numa atitude fenomenológica, norteia-se pela crença ou postulado de que toda conduta humana, por mais absurda ou bizarra, pertence ao acontecer humano como evento emocionalmente compreensível (Aiello-Vaisberg, Machado & Ambrósio, 2003).

Configuração do acontecer clínico: procedimento mediador

Nesta investigação, fizemos uso de um enquadre diferenciado de pesquisa e de atenção psicológica, realizando um total de quatro entrevistas coletivas (Duchesne & Haegel, 2005) com onze educadoras inclusivas numa instituição municipal de apoio à educação especial. Todas as entrevistas foram articuladas ao redor do uso de um mediador dialógico: o teatro espontâneo de inspiração winnicottiana (Camps, 2004, 2009; Camps & Aiello-Vaisberg, 2006; Zia, Ambrosio &

Aiello-Vaisberg, 2009). Tal procedimento consiste no convite para a encenação de uma peça teatral, a ser criada espontaneamente pelo grupo durante a própria entrevista. Neste jogo, todos têm liberdade para participar como atores/criadores, para permanecer como plateia/observadores, ou para alternar entre estas duas posições. Outra regra básica é a de que comentários ou discordâncias sobre os rumos da improvisação devem ser maximamente evitados e convertidos em intervenção direta na cena, por meio de iniciativas de assumir o lugar de um dos atores, ou criando uma nova personagem. Como se pode perceber, quando propomos a utilização de mediadores dialógicos, temos em mente a configuração de um campo de escuta e cuidado semelhante ao proposto por Winnicott (1970), em suas consultas terapêuticas. Assim, no contexto do presente estudo, concebemos o teatro espontâneo como um brincar análogo ao Jogo do Rabisco winnicottiano (Winnicott, 1968/1994).

Um aspecto fundamental quando usamos recursos mediadores em pesquisa

consiste em bem escolher o tema do “diálogo” que pretendemos favorecer. A

experiência do Grupo de Pesquisa ensinou que a expressão dos participantes é

sempre facilitada quando o tema se refere diretamente a figuras humanas, colocadas

em diferentes situações, conforme os interesses investigativos, tais como desenhar

ou dramatizar uma criança adotada, um adolescente abrigado, um usuário de serviço

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12 de saúde mental e outros. Quando o coletivo investigado não tem proximidade afetiva muito grande em relação ao tema apresentado, este pode ser feito de modo bastante explícito. Um exemplo disso é o estudo que fizemos acerca do imaginário de professores sobre crianças adotadas (Pontes, Cabreira, Ferreira-Teixeira & Aiello- Vaisberg, 2008). Por outro lado, quando os participantes investigados estão profundamente envolvidos com o tema, buscamos ser delicados e não enunciá-lo de forma totalmente explícita. Como exemplos, podemos dizer que jamais pediríamos a um adolescente soropositivo que desenhasse uma figura com esta condição de saúde, mas apenas “um adolescente”. Deste modo, o método psicanalítico estaria sendo operado de modo ético e epistemologicamente correto. No presente caso, tendo em vista que a pesquisa seria, como foi, realizada em um centro de referência municipal de inclusão escolar, optamos por solicitar às participantes que criassem peças sobre “ser professor nos dias de hoje”, sem mencionar diretamente a expressão “inclusão escolar”. Visamos, assim, a ampliar o leque de assuntos sobre os quais poderiam se expressar, entendendo que o fato de termos abordado uma equipe que foi constituída única e exclusivamente para colocar em marcha a política nacional de inclusão escolar, no âmbito de uma cidade do interior paulista, funcionaria, por si só, como uma mensagem sobre nossa abertura para escutá-las sobre a inclusão escolar, suas dificuldades e desafios.

Devemos, portanto, salientar que o fato de solicitarmos a educadoras de uma instituição integralmente dedicada à questão da inclusão escolar que dramatizassem o tema “ser professor nos dias de hoje” deixou-nos na expectativa de que suas comunicações emergiriam a partir de dois tipos de campos de sentido afetivo- emocional: campos subjacentes ao “ser professor nos dias de hoje” e campos subjacentes à “inclusão escolar”.

Posteriormente à dramatização, era oferecido um espaço de conversa (Sirota,

1998), em que as entrevistadas eram convidadas a compartilhar suas impressões,

emoções e opiniões acerca da encenação e de suas percepções vivenciais, também

de forma livre e espontânea.

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Registro e comunicação do acontecer: narrativas transferenciais

Como estratégia de registro e comunicação do acontecer estudado, elegemos a narrativa transferencial, por incluir tanto as expressões e situações mais visíveis, ou manifestas, tais como as falas, os gestos, as cenas, a expressão corporal e verbal, quanto àquelas menos perceptíveis, mas sentidas, como ressonâncias afetivo-emocionais, experienciadas contratransferencialmente (Aiello-Vaisberg, Machado, Ayouch, Caron & Beaune, 2009; Granato & Aiello-Vaisberg, 2004;

Mencarelli, 2010; Tachibana, 2011). Neste sentido, Aiello-Vaisberg et al. (2009) destacam que a narrativa transferencial assemelha-se “à narrativa de sonhos no momento da sessão psicanalítica ou, na vida cotidiana, ao relato de uma sequência de cenas às quais o sujeito assistiu e de que participou de maneira mais ou menos ativa”

5

(p. 49 - tradução livre da autora).

Considerando o tipo de comunicação envolvida no Teatro Espontâneo, as narrativas produzidas pela pesquisadora em seguida a cada entrevista, foram constituídas por dois tipos de fenômenos: o primeiro correspondeu à interação e à experiência emocional da pesquisadora junto às educadoras, como suas impressões, associações, pensamentos, afetos e lembranças; e, o segundo, às cenas teatrais propriamente ditas, criadas pelo grupo, que serão apresentadas no capítulo posterior destacadas do restante do texto por molduras coloridas.

Tratamento do material clínico: produção interpretativa de campos de sentido afetivo-emocional

Num primeiro momento, as quatro narrativas foram consideradas pela pesquisadora, fazendo uso da associação livre de ideias e da atenção equiflutuante, ou seja, colocando o método psicanalítico em marcha (Herrmann, 1979, 2001;

Laplanche & Pontalis, 1992). Assim, lemos as narrativas em estado de atenção flutuante, registrando nossas impressões por escrito, à medida que nos vinham à mente, vale dizer, associando livremente.

5 “Il présente alors une véritable similitude avec le récit de rêves lors de la séance psychanalytique ou dans la vie quotidienne, narration d´une suite de scénes auxquelles le sujet a assisté et participé de manière plus ou moins active”.

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14 Posteriormente, o mesmo procedimento foi realizado no contexto do Grupo de Pesquisa

6

do qual fazemos parte, objetivando, por meio da comunicação interpessoal, favorecer o surgimento de diversas impressões, percepções e sensações acerca das experiências humanas vivenciadas durante o acontecer clínico. A partir da perspectiva da psicanálise intersubjetiva, valorizamos a contribuição da multiplicidade de olhares no processo de reflexão e apreensão das comunicações imaginativas das educadoras, tendo em vista a elaboração interpretativa de campos de sentido afetivo-emocional. Intencionamos, desta forma, realizar pesquisa forjada na interlocução, que é o lugar, por excelência, da produção de conhecimento nas ciências humanas (Aiello-Vaisberg, Machado & Ambrósio, 2003).

Este procedimento permite que sejam criados/encontrados (Winnicott, 1971/1975) o que temos denominado campos de sentido afetivo-emocional ou inconscientes relativos. Este criar/encontrar consiste numa atividade de interpretação compreensiva, que descortina motivações inconscientes que se encontram na base das condutas imaginativas em estudo. Deste modo, favorecemos a produção de um tipo de conhecimento relativo às condições afetivo-emocionais subjacentes à conduta, que, ao lado daqueles produzidos pelas demais ciências humanas, pode contribuir para a transformação de situações problemáticas. Como sabemos, os problemas humanos ocorrem sempre em contextos sociais, econômicos, políticos, históricos e culturais, que os determinam em grande parte, mas também são vivenciados de modo vincular, afetivo e emocional. Todos estes planos e dimensões são importantes e significativos, cabendo à psicologia a responsabilidade pela consideração compreensiva do fenômeno humano desde um recorte específico.

6 Grupo de Pesquisa CNPq “Atenção Psicológica Clínica em Instituições: Prevenção e Intervenção”, liderado por Tânia Maria José Aiello Vaisberg e Vera Engler Cury.

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3. APRESENTAÇÃO DO ACONTECER CLÍNICO:

NARRATIVAS TRANSFERENCIAIS

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16 As onze participantes deste estudo são educadoras dos ensinos fundamental e médio, que cumprem parte de sua jornada de trabalho em uma instituição pública de apoio à educação especial, situada em uma cidade do interior do estado de São Paulo

7

. Compunham este coletivo, trabalhadoras formadas e especializadas nas áreas de Pedagogia, Educação Física, História, Psicologia, Terapia Ocupacional, Psicopedagogia e Educação Especial.

Em 2007, a prefeitura atribuiu a uma psicóloga da rede municipal a tarefa de criar e coordenar um centro de referência que unificasse e expandisse os serviços especializados em educação especial. A solução encontrada para cumprir esta importante tarefa foi selecionar uma equipe interdisciplinar de educadoras com experiência prévia em instituições ligadas à inclusão de pessoas com necessidades especiais, ou que possuíssem habilidades consideradas desejáveis para o trabalho com esses alunos. Várias dessas trabalhadoras foram escolhidas dentre as professoras que atuam na rede municipal de ensino regular. A equipe não recebeu treinamento específico após a contratação: ocasionalmente, a coordenadora informa que a prefeitura está oferecendo cursos de capacitação, cabendo às trabalhadoras a decisão de participarem ou não.

Segundo as participantes, à época, havia algumas complicações trabalhistas referentes ao tipo de contratação realizada. Algumas, já concursadas, haviam sido transferidas de sua escola de origem, enquanto outras foram contratadas temporariamente, sem concurso público, para atuar na instituição. A maioria realizava jornada dupla de trabalho, atuando também como professoras ou como terapeutas em outros recintos escolares, de caráter particular, municipal ou não- governamental. Enfim, contaram, à boca miúda, que a situação empregatícia era instável e que a prefeitura há anos prometia realizar um concurso e regularizar esta situação, sem que nada mudasse.

Outra informação que completa este quadro de instabilidade e apreensão é que a visibilidade dos resultados de seu trabalho tem sido escassa junto aos outros trabalhadores da rede de ensino municipal. Aparentemente, circulavam comentários de que a instituição “não estava produzindo” e, sendo considerada ainda um projeto

7 Esclarecemos que algumas das participantes conheceram a pesquisadora dois anos antes, no dia da inauguração da instituição em que se desenvolveu este estudo, e outras já conheciam a pesquisadora de encontros casuais em momentos diversos, pois habitam a mesma cidade, que tem em torno de 40 mil habitantes.

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17 experimental, a qualquer momento poderia ser fechada. Em contrapartida, os pais acompanhavam de perto o trabalho com os alunos e demonstravam grande satisfação ao perceber as mudanças e melhoras no desenvolvimento de seus filhos.

A seguir, apresentamos as narrativas das entrevistas, durante as quais, foram produzidas oito cenas teatrais, que dentro deste conjunto, apresentar-se-ão em páginas emolduradas. Tendo em vista os interesses da presente investigação, que focaliza uma pessoalidade coletiva, não identificamos individualmente cada participante. Assim, todas as falas das educadoras, as personagens e as cenas criadas são compreendidas como manifestações da pessoalidade coletiva.

Entretanto, para melhor entendimento da dinâmica do processo, consideramos necessário identificar a pesquisadora, mesmo quando em cena, e a coordenadora da instituição na cena 6. As oito cenas produzidas foram assim intituladas:

CENA 1 – “A BAGUNÇA NA PISCINA”

CENA 2 – “O QUARTINHO”

CENA 3 – “A PROFESSORA RECLAMONA”

CENA 4 – “REUNIÃO DE MÃES”

CENA 5 – “O ZUMZUMZUM COM A DIRETORA”

CENA 6 – “REUNIÃO DAS PROFESSORAS”

CENA 7 – “CONVERSANDO NUM HTPC”

CENA 8 – “A PRAIA, O CRISTO E O HELICÓPTERO”

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18

PRIMEIRA ENTREVISTA

Narramos, a seguir, a primeira entrevista, da qual participaram sete educadoras.

Chegada

Algumas educadoras conversavam animadamente na sala dos professores e, entre cumprimentos e sorrisos, foi se desenrolando um bate-papo leve e agradável.

Reunido todo o grupo, dirigimo-nos à “sala de trabalhos corporais”, já solicitada anteriormente para podermos dramatizar num espaço mais adequado. Da porta, notava-se um grande espelho e um tatame de borracha colorido que cobria quase todo o piso. Havia também um armário sem portas, repleto de materiais lúdicos, como tintas, papéis, tesouras, lápis de cor e brinquedos, e um conjunto de mesa e cadeiras em tamanho reduzido, para crianças. Um ambiente familiar, inspirador, amplo, alegre e cheio de cores, semelhante aos espaços artísticos em que a pesquisadora costumava atuar como atriz, diretora, professora de teatro e de artes.

Acomodamo-nos no tatame, sentadas em roda.

A maioria das educadoras fazia parte da equipe há algum tempo e já se conhecia, mas outras eram novas no grupo e não tinham tanta intimidade. Assim, foi sugerido que as apresentações se dessem de modo diferente do usual: formaríamos duplas e investigaríamos características e vivências, ainda desconhecidas, uma da outra. Em seguida, em roda, cada participante apresentaria a parceira para o coletivo.

Neste primeiro momento, pudemos saber um pouco mais sobre uma das participantes, funcionária da instituição há dois anos – desde a inauguração. Até o ano anterior, sua jornada de trabalho incluía, também, a alfabetização de alunos em escola regular. No momento, cumpria toda sua jornada nesta instituição, usando brincadeiras e diálogo para trabalhar com o aluno, na sua sala, durante 35 minutos.

Depois, a criança ficava mais 35 minutos com outro profissional.

Contou que algumas crianças frequentavam a instituição desde a inauguração,

outras já tinham recebido alta. Algumas são encaminhadas para outros profissionais,

como uma que foi para a Unicamp, passou por várias avaliações e não constataram

nada! Voltou e segue sendo acompanhada na instituição, trabalhando com elas.

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19 Sabem que é emocional, familiar, mas a criança tem muita dificuldade de aprender, não consegue prestar atenção.

O volume das vozes foi diminuindo, e voltamos ao círculo. A maior parte das educadoras apresentou ao grupo informações pessoais sobre seu par, tais como:

“ela é casada”, “tem tantos filhos”, “gosta de fazenda”, “é filha de fulano”, “casou-se de cor-de-rosa”, etc. Diferentemente da maioria, as duplas que incluíam pessoas novas no grupo falaram mais sobre aspectos profissionais.

Ressaltamos, na sequência, uma das falas mais marcantes deste momento de apresentações, a fim de comunicar o “clima” em que se desenrolava este acontecer.

Enquanto a participante falava, as demais anuíam com a cabeça. Algumas chegaram a bater palmas:

PARTICIPANTE

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– É porque nós gostamos muito do que fazemos. Adoro dar aulas. Já passei por muitas dificuldades, mas porque gosto do que faço, busco superar minhas dificuldades e faço com alegria. Também tenho meus momentos de raiva, de descontrole com meus alunos, mas quando chego em casa, penso: “nossa, não devia ter feito assim”. Aí, no dia seguinte, chamo aquele aluno junto de mim, converso, tento outra forma de me aproximar e ajudá-lo.

Pré-encenação

Finalizadas as apresentações, foi realizado o convite para conversarmos, de forma solta, relaxada, a respeito do tema “ser professor nos dias de hoje”.

Propusemos que esta conversa fosse iniciada por meio do jogo do teatro espontâneo.

TODAS – Aaaahh, tinha que ser com teatro! (riram).

PESQUISADORA – É lógico! (riu também.) Amo tanto o teatro, só poderia ser com teatro. Mas é um jogo diferente. Nossa primeira regra é a de que não existirá diferença entre plateia e atrizes. Todas seremos atrizes, plateia, diretoras e criadoras.

A princípio, pareceram um tanto confusas. Esclarecidas as dúvidas, aceitaram o convite. Como tema para a encenação, sugerimos um encontro entre amigas.

8Tendo em vista os interesses da presente investigação, que focaliza uma pessoalidade coletiva, não identificamos individualmente cada participante. Assim, todas as falas das educadoras, as personagens e as cenas criadas são compreendidas como manifestações da pessoalidade coletiva.

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20 Juntas, fomos criando os personagens:

PESQUISADORA – O que vocês serão? Podem dar nomes, profissões, características físicas, emocionais... Como suas personagens falam? Como andam?

PARTICIPANTE – Ah, não quero ser professora! Quero ser advogada!

PARTICIPANTE – Não quero trabalhar. Quero ser perua!

PARTICIPANTE – Quero ser psicóloga! E vou me chamar Sabrina!

PARTICIPANTE – Vou me chamar Natalie.

PARTICIPANTE – Ah, Natalie não combina com perua. Acho que tem que ser Melissa!

PARTICIPANTE – É. Eu também.

A PERUA concorda, mas continua se chamando Natalie.

PARTICIPANTE – Não, não quero ser advogada, quero ser pediatra!

PARTICIPANTE – E seu nome?

PARTICIPANTE – Tábata.

TODAS – E quem vai ser a dona da casa?

ALGUMAS – Ah, pode ser a Tábata.

TODAS – É, vamos todas para casa dela.

As outras participantes decidiram ser paisagista, dona de restaurante e engenheira civil, mas não nomearam suas personagens. Entreolhamo-nos, em silêncio.

PARTICIPANTE – Tá, tudo bem. Eu serei a professora.

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CENA 1 – “A BAGUNÇA NA PISCINA”

A PEDIATRA e a PSICÓLOGA jogaram-se na piscina, nadando e rindo muito. A PERUA só reclamava de tudo e se abanava, dizendo que fazia muito calor e que queria ficar na sala com ar-condicionado. O restante do grupo foi chegando: a DONA DE RESTAURANTE, a PAISAGISTA, e a PROFESSORA. Sentaram-se num canto do jardim, olhando as duas amigas nadando animadamente.

PSICÓLOGA e PEDIATRA - Nossa, mas que marasmo! Vem nadar, tem maiô, biquíni para todas lá dentro, vem!

DEMAIS - Não, obrigada!

Jogaram água em todas as que estavam sentadas, molhando-as. As outras reclamaram um pouco, levantaram-se, mas logo se acomodaram novamente. Então, as duas decidiram sair da piscina.

PSICÓLOGA - Vamos por uma música, tá muito parado esse negócio!

Tentou tirar a PERUA para dançar, sem sucesso. Convidou então a PEDIATRA, e dançaram country.

A EMPREGADA/PESQUISADORA serviu o chá. Todas aceitaram, à

exceção da PERUA, que virou a cara, dizendo que não gostava de tomar chá

quente quando fazia calor.

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Depois que as amigas brincaram e conversaram, houve um momento de silêncio. Uma das participantes estava muito quieta, assistindo à encenação. Como havia a preocupação de desviarmo-nos muito do assunto e nada ser dito sobre o trabalho do professor, intervimos, sugerindo que ela entrasse em cena vivendo o papel de uma professora que passa por uma situação difícil no trabalho e quer desabafar.

CENA 3 – “A PROFESSORA RECLAMONA”

PROFESSORA CANSADA – Olá, meninas! Gostaria que vocês me dessem uns conselhos. Também sou professora e ando tão cansada!

Todas fizeram caras feias:

DEMAIS - Ah, não vamos falar de trabalho! Para de se lamentar!

A PROFESSORA CANSADA calou-se.

(Convidamos outra participante, que vivia a PROFESSORA e saíra de cena pouco antes, a retomar seu papel e provocar as colegas, tocando no assunto novamente)

PROFESSORA – Ai... Estou muito cansada, não sei mais o que fazer com minha sala. O que faço?

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CENA 2 – “O QUARTINHO”

Nadaram, dançaram, tomaram chá e conversaram. A PEDIATRA, dona da casa, chama pela filha, olhando em direção à Pesquisadora:

PEDIATRA – Filha! Filha! Olha a sua professora aí. Você não vai cumprimentá-la?

Prontamente, entrei em cena e cumprimentei a PROFESSORA.

PROFESSORA – Você não vai me mostrar sua casa?

MENINA/PESQUISADORA – Ah, tudo bem. Vamos conhecer o meu quarto?

Saímos juntas de cena.

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23 Inicialmente, não deram muita atenção. Mas depois...

PERUA – Ah, não quero nem saber dos seus problemas! Eu te pago pra cuidar do meu filho, se vira.

PAISAGISTA – Você tá muito desanimada, relaxa um pouco!

PSICÓLOGA – Mas o que você tá fazendo na sala?

PROFESSORA – Tento ensinar, mas os alunos são difíceis, não aprendem, não param quietos, só querem bagunçar.

PSICÓLOGA – Tente mudar sua aula, dê brincadeiras pra eles!

PAISAGISTA – Fique mais calma com eles, não seja tão exigente!

PEDIATRA – Seja mais afetiva, você conversa com eles?

PROFESSORA – Já tentei de tudo, mas eles não me escutam, não querem fazer nada!

A PSICÓLOGA continua aconselhando-a e orientando-a sobre como proceder em sala de aula. Tenta motivá-la e ajudá-la a ver os alunos com outros olhos. Mas a PROFESSORA resistia: tudo o que a PSICÓLOGA sugeria, ela achava que já tinha feito e que não ia dar certo.

PSICÓLOGA – Acho que você está muito desanimada! Nada você aceita! Acho que seu problema é pessoal, você precisa fazer terapia com uma psicóloga! Tó o meu cartão. Passa lá no consultório, e conversamos melhor!

PROFESSORA – É.Também acho... dá aí seu cartão que eu vou lá!

O silêncio toma conta do ambiente. Duas participantes levantam-se, despedem-se e saem.

A PERUA atendeu o celular:

PERUA – Ah, bem? Você tá aqui na frente? Espera que eu já to saindo!

Tchau, gente! Meu marido veio me buscar!

Conversa

Finalizada a encenação, foi aberto um espaço para falarem sobre o que sentiram e acharam do jogo.

PARTICIPANTE – Na minha realidade, vejo muito esse tipo de mãe rica,

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24 desinteressada pelo filho, personagem como a que representei. Porque trabalho aqui nesta instituição e em escola particular, e as mães da escola particular não estão nem aí, e quando acontece algo, ainda culpam os professores.

PARTICIPANTE – Imagino uma professora assim. Quando vou conversar com algumas professoras fora daqui, a maioria tem este discurso que dramatizei, do cansaço, do desânimo, vive reclamando de tudo, não aceitam orientações.

Uma educadora parabenizou a todas e disse que, apesar de não ter falado muito, adorou participar da dramatização, que achou muito criativa. Comentou que, no dia-a-dia, deparavam-se com situações inusitadas e, juntas, tinham de criar alguma coisa diferente para ajudar o aluno, ou solucionar algum problema. Estavam acostumadas a criar, e deu parabéns pela encenação.

PARTICIPANTE – Não gostei de ter outra profissão. Quis experimentar, mas prefiro ser professora mesmo!

PARTICIPANTE – Quando a professora pedia conselhos, ficava difícil de dar, como paisagista. Não sabia o que dizer. Talvez, se eu fosse uma professora, ficasse mais fácil.

PARTICIPANTE – O professor é muito cobrado, as pessoas não veem que o professor é humano, e não um robô.

PARTICIPANTE – Alguns professores põem uma barreira perante seus alunos, não são afetivos com eles, só ficam pensando em passar o conteúdo. Ou olham para o problema do aluno, sua dificuldade, e só veem isso nele, não o percebem como uma pessoa, que tem sentimentos.

Outra participante lembrou-se do ano passado, quando deram aulas juntas num bairro pobre, e uma das educadoras enfrentou uma sala “com seis alunos difíceis, que davam um trabalho!”.

PARTICIPANTE – Naquela sala, tinha dois alunos que não paravam quietos na cadeira. Um deles mexia com todos os outros, desequilibrava a sala toda. Era um

“upa”! Sentíamos a maior diferença na sala quando ele faltava, ficava bem mais

tranquila! Tinha outra menina que não aprendia e não aceitava carinho de jeito

nenhum. Era mais velha que os outros. Ficava isolada. A professora tentava

acarinhá-la, e no início ela se esquivava. Mas a professora continuou, sempre,

dando-lhe uma atenção especial. A menina, quando chegava na hora da fila, aos

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25 poucos, foi se encostando devagar no braço da professora, até que se deixou abraçar. No final do ano, todos estavam alfabetizados. Escrevem do jeito deles, não é aquela letra linda, mas leem e escrevem.

PARTICIPANTE – Mas o que você fez? Como tratava estes alunos? Quando eles te “peitavam”, como você agia? Era autoritária? Batia de frente ou o quê?

PARTICIPANTE – Não, pedia que sentassem do meu lado, contornava a situação, abraçava, ia conquistando aos poucos.

PARTICIPANTE – É. Alguns, a gente conquista fora da sala, no recreio.

Passa, dá um abraço, mexe com a criança, passa a mão na cabeça. Ah, eles ficam todos cheios, tipo: “a professora falou comigo”, e acabam mudando o comportamento na sala.

PARTICIPANTE – Eu amo o que faço. Hoje em dia, muitas professoras dão aula por causa de dinheiro. Tá errado! Ai, que graça quando eles nos dão abraços, beijos, fazem desenhos...

Todas sinalizavam sua concordância com movimentos de cabeça.

PARTICIPANTE – Todo dia, tem um desenho de aluno. Mandando beijo, fazendo elogio.

PESQUISADORA – Então, vocês estão falando que não acontecem apenas coisas ruins, mas também recebem coisas boas?

TODAS – É! Eles nos dão muito carinho também!

PARTICIPANTE – Tem uns que vão até hoje na minha casa, saber como estou, contam um pouco deles.

PARTICIPANTE – Eu também!

PARTICIPANTE – Muitas professoras se preocupam com a pontuação, fazem curso só por causa de pontos, não pode ser assim!

PARTICIPANTE – Eu não faço isso. Lógico que tento conciliar, mas busco fazer algo que me satisfaça. Acho que o professor tem que gostar do que faz, porque são muitas as pressões e cobranças. Se ele não gostar, desiste ou adoece.

Discorreu também sobre a violência que o professor sofre, e as mudanças na

estrutura familiar: todos trabalham fora, hoje em dia. Até a mãe, que antes era

responsável pela educação do filho, hoje, sai para trabalhar e os filhos passam o dia

todo sozinhos.

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26 PARTICIPANTE – Quando os pais chegam, cansados, os filhos pedem atenção. Mas a mãe já fica nervosa, porque tem que fazer o serviço da casa, xinga, grita. Os pais vão pro bar. E assim fica a educação do filho: ele que se crie sozinho.

PESQUISADORA – E vocês acreditam que isso tudo se reflita na escola, na sala de aula?

TODAS – É. Com certeza. Nós chamamos os pais, eles não aparecem. E quando vêm, é para xingar o professor.

PARTICIPANTE – E não é só na escola mais pobrezinha não. Isso também acontece na escola particular.

PESQUISADORA – Então, vocês acham que essa questão familiar não está ligada somente ao poder econômico, é uma coisa que acontece com todos, é geral?

TODAS – Isso mesmo!

O assunto passou, então, a ser a culpabilização do professor pelas dificuldades da aprendizagem.

PARTICIPANTE – Mas o professor não é o único culpado!

PARTICIPANTE – É, porque a sociedade mudou. A família, as pessoas, os valores mudaram!

PARTICIPANTE – As escolas também mudaram! Não têm estrutura física adequada.

PARTICIPANTE – E os professores não têm apoio da coordenadora, que não tem apoio dos superiores, e assim vai...

TODAS – É, falta muita coisa para a educação hoje...

Discutindo situações cotidianas, começaram a falar sobre a postura do professor. O debate, então, parece polarizar-se:

ALGUMAS – Mas não é só culpa do professor!

OUTRAS – É sim! O professor tem culpa sim! Depende como ele trata os alunos. Tem culpa!

ALGUMAS – Não é não!

PESQUISADORA – Vocês acham que, em alguns momentos, uma boa aula depende do professor, mas em outros não?

TODAS - É.

PESQUISADORA – Quando vocês acham que o professor é o único

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27 responsável, e quando ele não é?

PARTICIPANTE – A postura da professora é importante sim. Porque eu dei aula quatro anos, no ensino regular, e pegava alunos difíceis também, mas as outras professoras sempre falavam pra mim: “Ai, como seus alunos são bonzinhos”. Mas acho que não era só isso, porque eu pegava alunos difíceis também! Acho que foi o jeito que eu lidava com eles, o carinho, o respeito, a paciência...

Continuaram citando exemplos de mudanças familiares e de pais que não comparecem. Mas também falavam da importância da afetividade do professor.

Percebemos que algumas já olhavam no relógio, porque nosso tempo estava no fim.

Assim, fizemos o encerramento da seguinte maneira:

PESQUISADORA - Para finalizar, gostaria de convidá-las a levantar e encerrarmos com uma última atividade.

Aceitaram o convite e se levantaram lentamente, já se despedindo do encontro. Dirigimo-nos ao centro. Fizemos uma roda pequena e próxima e todas se abraçaram suavemente. Foi sugerido que cada uma, em silêncio, se lembrasse do que fizemos juntas, de tudo que vivemos, e que buscassem uma palavra que sintetizasse o que elas sentiram sobre o nosso encontro. Acalentadas pela proximidade, todas como numa espécie de abraço coletivo, de olhos fechados, mergulharam em suas recordações. Esperamos. Uma a uma falaram:

PARTICIPANTES - Novo, aprendizagem, emoção, alegria, experiência, troca, gratidão, satisfação.

Encerramos nosso encontro com a sensação de que as educadoras falaram

muito sobre emoções, mas não parecem usufruir de um espaço para elaborá-las.

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28

SEGUNDA ENTREVISTA

Apresentamos, a seguir, a experiência relativa à segunda entrevista, à qual compareceram nove educadoras.

Chegada

Quando chegamos, a maioria das educadoras reunia-se na sala dos professores. Algumas conversavam, outras finalizavam atividades didáticas.

Prontamente, ofereceram um lugar à mesa, onde havia alguns pães embalados.

PESQUISADORA – Tudo bem? Com licença... Parece que vocês vão fazer uma jantinha antes de continuarmos?

PARTICIPANTE – É isso mesmo, e você vai jantar conosco!

O agradecimento ao convite foi realizado junto a um sorriso. Compartilhamos maravilhosos pães recheados, sabores pizza e frango com requeijão, rindo e proseando sobre o dia, o tempo e notícias da televisão. Alguém comentou que os pães foram fabricados na cozinha de uma conhecida instituição que promove a inclusão de pessoas com deficiência intelectual. Todas elogiaram, e o assunto enveredou pelo caminho das coisas que gostam e não gostam de comer. Falaram durante longo tempo sobre uma das participantes, que adora miúdos de frango. As demais tinham nojo, mas a jovem deliciava-se só de lembrar. Quem preparava os tais miúdos, contudo, era sua mãe, pois a educadora cozinhava pouco e jamais mataria um animal, como a mãe mata a galinha. Outras participantes disseram que cozinham, mas também não gostam de matar os animais.

Uma participante chegou um tanto atrasada, com o semblante fechado.

Sentou-se e comeu quieta. Aguardamos que todas encerrassem o lanche, mas a conversa continuava animada, e os pães pareciam não ter fim. Estávamos bastante atrasadas.

PESQUISADORA – Meninas, quando quiserem começar, estou pronta, ok?

Uma delas terminou o assunto. Começaram a encerrar o lanche, levantamo- nos e arrumamos as coisas.

Estavam mais lentas, mais rarefeitas do que da última vez. Fazia frio, era fim

de tarde, pareciam cansadas. Algumas abraçavam a si mesmas, um pouco

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