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De volta ao começo?ALTO RISCO DE RETROCESSO, DEPOIS DE QUATRO ANOS DE ATÍPICA SERIEDADE

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O Estado de São Paulo

Quinta-Feira, 21 de janeiro de 1999

De volta ao começo?

ALTO RISCO DE RETROCESSO, DEPOIS DE QUATRO ANOS DE ATÍPICA SERIEDADE Marcelo de Paiva Abreu*

Em um quadro externo difícil, a incompatibilidade entre a âncora cambial e a postura sistemática de falta de compromisso com ajuste fiscal levou, afinal, ao abandono da política cambial de desvalorização gradual seguida nos últimos anos. Seria trivial onerar exclusivamente o Congresso Nacional com este desenlace. Episódios recentes confirmam que as dificuldades em aceitar o ajuste fiscal até as suas últimas conseqüências têm raízes até no centro das decisões do governo e explicam boa parte dos seus negaceios.

Mais uma vez, o folclore mineiro pode servir para ajudar a elucidar os meandros do jogo político nacional. História dos bons tempos, em que os exemplos de Minas podiam servir ao País. Cena:

Câmara Municipal de Belo Horizonte, década de 50. Inflação juscelinista, aí por volta de 20%, em aceleração. Era debatido o valor do jeton pago aos vereadores, pois os 500 cruzeiros de sempre haviam sido erodidos pela inflação. Uma minoria apoiava um valor rejustado de mil cruzeiros, enquanto a bancada da situação resistia. Um vereador mais exaltado, em meio a peroração em que denunciava o aviltamento da dignidade dos edis, lança o desafio: "Ou mil, ou nada." Do fundo, fêz- se ouvir a voz possante de vereador apagado, mas que, naquele instante, encarnou as mais altas virtudes do realismo mineiro: "Mil, ou nada, coisa nenhuma; mil ou quinhentos."A nova estratégia do governo parece estar mais alinhada com a do vereador exaltado do que com o realismo do crítico que faz questão de garantir o já alcançado. Está mais para o "mil ou nada" do que para o

"mil ou quinhentos".

O presidente Fernando Henrique Cardoso está enfrentando o rápido desgaste de sua credibilidade política em decorrência de sua dificuldade em escolher entre objetivos estratégicos temporariamente conflitantes. Parece ter considerado insuficiente o sucesso relativo à estabilização, frente às suas expectativas quanto ao lugar que poderá ocupar no modesto panteão republicano depois de 2002. Seria necessário deixar o seu registro positivo no segundo mandato como empreendedor, eleger inequivocamente Juscelino Kubitschek como paradigma, arquivando as virtudes cívicas de Campos Salles.

Esta reorientação do eixo estratégico do governo FHC em seu segundo estágio parecia envolver, na origem, dois pilares, um dos quais só agora plenamente revelado. O primeiro era a criação de um ministério poderoso, que reunisse os mecanismos de fomento à produção, política a ser conduzida com o que se pensava ser a requerida mistura para o sucesso: iniciativa, truculência e falta de compromisso explícito com a estabilização. O segundo pilar era o abandono da política cambial baseada na desvalorização gradual e sua substituição por uma política que reduzisse a dependência de uma política de juros altíssimos. A partir daí, o que se viu foi a crescente crítica à política de estabilização, culminando no happening no fim de dezembro que reuniu a cúpula da Fiesp, lideranças sindicais, políticos de oposição e, até mesmo, políticos da situação críticos abertos da

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política econômica então adotada. O imobilismo do Planalto foi notável em relação à crucificação da política econômica e de seus defensores mais consistentes.

Com o episódio dos grampos, que impediu a confirmação de Luiz Carlos Mendonça de Barros como sucessor de Sérgio Motta no papel de desenvolvimentista truculento, o primeiro pilar complicou-se. Mas, ao final, a solução encontrada, de nomear Celso Lafer, minimizou consideravelmente os riscos de conflito com a política econômica, em vista da experiência nada paroquial do novo titular e do seu conseqüente realismo na avaliação das políticas que melhor possam servir aos interesses do País. Quanto ao segundo pilar, a crise cambial da semana passada revelou que o governo, mais uma vez, deixou de fazer o dever de casa. O amadorismo predominou, não apenas quanto à forma de substituição do presidente do Banco Central, mas, especialmente, quanto à quase que natimorta banda que precedeu a flutuação cambial. Com a aprovação de apenas uma modesta fração das reformas requeridas para prover as condições necessárias à volta ao crescimento sustentado, a opção do governo parece prematura e sabidamente encerrava grandes riscos. Se o abandono do regime de desvalorização gradual deveu-se fundamentalmente à relutância coletiva em desenvolver o ajuste fiscal, parece difícil acreditar que o governo, em dramática regeneração, tenha sucesso em conciliar uma maxidesvalorização com taxas de juros significativamente mais baixas e o controle sustentado da "carestia de vida", ressuscitada esta semana pelo presidente. Será crível a substituição da âncora cambial pela âncora fiscal, dado o retrospecto fiscal do governo e do Congresso?

Enquanto isto, a Fiesp diz que queria desvalorização, mas não era bem assim; que nunca pediu, de fato, a cabeça de ninguém, muito menos de Gustavo Franco. O ministro do Trabalho, por seu lado, diz que é importante reduzir o IPI sobre os automóveis. Talvez porque o espaço aberto pela maxidesvalorização para que as montadoras reajustem seus preços seja considerado insuficiente. É difícil vencer o desânimo com este quadro. Parece haver uma conspiração poderosa e pervuasiva para que nada mude. Para que prevaleça o espírito da resposta de don Tancredi Falconeri ao príncipe Fabrizio Salina, no Il Gattopardo, de Tomasi di Lampedusa: "Si vogliamo che tutto rimanga como è, bisogna que tutto cambi" ("Se quisermos que tudo permaneça como está, é preciso que tudo mude").

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*Marcelo de Paiva Abreu é professor do Departamento de Economia da PUC-Rio.

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