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DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA PODERES DE COGNIÇÃO

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Tribunal da Relação de Évora Processo nº 101/10.7TASTR.E1 Relator: ANA BARATA BRITO Sessão: 24 Abril 2012

Votação: UNANIMIDADE

Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PROVIDO EM PARTE

INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA PODERES DE COGNIÇÃO

Sumário

1. Não deve encerrar-se a discussão da causa sem que se cumpra o mandado de esgotante averiguação/apreciação dos factos relevantes para a sentença que, se condenatória, abrange também a decisão sobre a pena.

2. Os factos relativos à personalidade do agente relevam para a medida da pena da culpa e para a medida da pena preventiva, geral e especial.

3. Padece do vício de insuficiência da matéria de facto provada do art. 410º, nº2, al. a) do CPP, com as consequências previstas no art. 426º, nº1 do Código de Processo Penal, a decisão condenatória omissa quanto a factos pessoaisdo arguido, necessários para a determinação da sanção.

Texto Integral

Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. No Processo n.º 101/10.7TASTR.E1 do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santarém foi proferido acórdão que condenou o arguido Paulo S como autor de um crime de burla qualificada dos arts. 217.º e 218.º, n.º 2, al.

a) do Código Penal e de um crime de fraude na obtenção de crédito do art.

38.º, n.º 1, al. a) do DL 28/84 de 20 de Janeiro, respectivamente, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, e de seis (6) meses de prisão e trinta

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(30) dias de multa, e, em cúmulo jurídico, na pena única de dois (2) anos e nove (9) meses de prisão suspensa na execução e em trinta (30) dias de multa à taxa diária de sete euros (7 €), o que perfaz a multa de 210€ (duzentos e dez euros).

Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido, concluindo da forma seguinte:

“I - O recorrente foi condenado, pela prática de um crime de burla qualificada p. e p. pelo art. 217.º, e 218.º, n.º 2, al. a) do Código Penal e pela prática de um crime de fraude na obtenção de crédito p. e p. pelo art. 38.º, n.º 1, al. a) do DL 28/84 de 20 de Janeiro, respectivamente, na pena de 2 (dois) anos e 6

(seis) meses de prisão e seis (6) meses de prisão e trinta (30) dias de multa

II - Em cúmulo jurídico, o arguido foi condenado na pena única de dois (2) anos e nove (9) meses de prisão, suspensa por igual período de tempo ao da condenação e em trinta (30) dias de multa à taxa diária de sete euros (7 €), o que perfaz a multa de 210€ (duzentos e dez euros).

III - Porquanto, o Tribunal deu como provado sumariamente que: (…) IV- Quanto à formação da convicção: (…)

V - “Foi inquirido Hugo S, adquirente da viatura da marca MERCEDES BENZ, com a matrícula ----PU, que esclareceu com clareza, convicção, de um modo sério e coerente os factos descritos na acusação e que a si respeitavam,

designadamente o seu interesse em adquirir uma viatura da marca Mercedes, a pesquisa que efectuou na internet tendo encontrado para venda esta viatura, e a consequente deslocação ao stand da sociedade "S.... Lda", em finais de Maio de 2007 e o negócio que celebrou consistente na aquisição da viatura da marca MERCEDES BENZ, com a matrícula ---PU, supra referenciada, o qual foi realizado por intermédio de um empregado da sociedade "S...., Lda" (…) (negrito e sublinhado nosso)

Cfr. Acórdão, II -Fundamentação – 2.3. - Motivação da Decisão de facto DA INSUFICIÊNCIA DA PROVA PARA A DECISÃO DE FACTO PROFERIDA E DO ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA

VI - Quanto ao Crime de Burla Qualificada, a testemunha Hugo afirmou que incetou as negociações para a aqusição do veículo automóvel MERCEDES

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BENZ com o funcionário da sociedade, de nome Gonçalo, tendo

posteriormente concluído o negócio com o sócio gerente Joaquim M, e apenas o conheceu e teve contacto com o arguido Paulo S mais de um ano após a celebração do referido negócio.

Cfr.: CD 13-09-2011 - 15:12:33 (20110913151232_1…08:36/30:07)

M.P.: Se o carro lhe foi entregue, o Mercedes, o que é que aconteceu depois?

Test.: Na altura eu efectuei o negociou, o negócio foi feito perante mim e

perante o sócio do Sr. Paulo, o Sr. Joaquim, foi-me entregue o carro e eu deixei lá o meu (…).

Cfr.: CD 13-09-2011 - 15:12:33 (20110913151232_1…13:08/30:07)

M.P.: Mas quando o Senhor se dirigiu ao stand falou logo com o Sr. Paulo ou foi falando posteriormente com o Sr. Paulo? O negocio, concretamente, foi feito com quem?

Test.: O negócio, quando eu fui ver o carro pela primeira vez, o negócio foi feito com o sócio do Sr. Paulo, com o Joaquim M.

M.P.: E quando é que aparece o Sr. Paulo.

Test.: O Sr. Paulo aparece passado um ano e pouco.

Cfr.: CD 13-09-2011 - 15:12:33 (20110913151232_1…15:55/30:07)

Def. Oficiosa: (…). Quando o Sr. Hugo se desloca ao stand na ---- e enceta as negociações para comprar o veículo automóvel quem é que o atendeu? Com quem é que falou sobre o negócio? Com quem é que discutiu preços? Com quem é que discutiu as características do automóvel?

Test.: Com o empregado do Sr. Paulo e do Sr. Joaquim, o Gonçalo.

Def. Oficiosa: Com o empregado do Sr. Paulo e do?

Test.: Sr. Joaquim.

Def. Oficiosa: E quando concretiza o negócio é com quem?

Test.: Com o Sr. Joaquim M.

Cfr.: CD 13-09-2011 - 15:12:33 (20110913151232_1…17:52/30:07)

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Def. Oficiosa: Quem é que assinou consigo os contratos de venda, a factura?

Test.: O Sr. Joaquim M.

Def. Oficiosa: O Sr. Joaquim M. E então quando é que entra, quando é que conhece o Dr. Paulo?

Test.: Passado um ano e qualquer coisa.

Def. Oficiosa: E conhece-o em que circunstâncias concretas?

Test.: Nas circunstâncias como eu disse ao senhor Dr. Procurador, nas circunstâncias em que eu, desculpe a expressão, já farto e …

Cfr.: CD 13-09-2011 - 15:12:33 (20110913151232_1…18:43/30:07)

Def. Oficiosa: Mas o Dr. Paulo na altura em que vocês conversaram não lhe disse, ou disse, (…), eu já sabia que isso estava assim, eu vou resolver?

Test.: Disse que ia resolver. Sempre me prometeu que apesar do negócio não ter sido feito com ele, que deu a cara e que estava a dar a cara pela empresa que tinha vários problemas, para eu ter paciência mas que iria resolver o problema.

Cfr.: CD 13-09-2011 - 15:12:33 (20110913151232_1…26:38/30:07) Juiz: E quem é que constava lá como vendedor? Era a tal Maria José?

Test.: Não, eu penso que não. Não sei precisar. O negócio foi feito comigo e com o Sr. Joaquim M.

VII - Posto isto, não podia o Tribunal a quo ter dado como provado os Pontos 11, 13, 14, 15 e 16 designadamente que:

“(…)com conhecimento e autorização do arguido Paulo e no interesse daquela, negociou com Hugo S a aquisição da viatura da marca MERCEDES BENZ (…

)”;

“O arguido Paulo Jorge, por si e em representação da sociedade, representou e quis negociar com Hugo S(…)”;

“O arguido Paulo Jorge, por si e em representação da sociedade, representou e quis causar a Hugo S um empobrecimento no seu património(…)”;

“O arguido Paulo Jorge, por si e em representação da sociedade, ao actuar como se descreveu, actuou com o propósito de ficarem com o preço (…) sem

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transferirem a respectiva propriedade para a Hugo S”;

“Sabia o arguido Paulo Jorge que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei e tinha capacidade de se determinar de acordo com esse conhecimento, o que não o demoveu de actuar como actuou.”

VIII - A prova produzida é manifestamente insuficiente e contraditória para que o Tribunal “a quo” pudesse dar por provados os factos deu, impunha-se- lhe decidir de forma diversa da que decidiu, i. é, deveria o Tribunal “a quo” ter considerado por não provados os factos Pontos 11, 13, 14, 15 e 16, por não resultar da prova produzida que o arguido Paulo Jorge tinha conhecimento e deu autorização para a realização do negócio, nem que o mesmo teve qualquer intervenção no mesmo, e consequentemente absolvendo-o o crime de burla qualificada que lhe era imputado.

IX - A testemunha (ofendido) afirma peremptoriamente que realizou o negócio com Joaquim M e que apenas conheceu o arguido Paulo S cerca de um ano mais tarde, pelo que o recorrente põe em causa a forma e os meios pelos quais o Tribunal “a quo” formou a sua convicção, impugna a decisão proferida sobre matéria de facto, nomeadamente os factos considerados provados nos Pontos 11, 13, 14, 15 e 16 por os considerar incorrectamente julgados atenta à

INSUFICIÊNCIA DA PROVA PARA A DECISÃO DE FACTO PROFERIDA, o que impunha a absolvição do arguido.

X – Acresce ainda que, o acórdão recorrido apenas refere que “Quanto ao negócio em si, celebrado entre Hugo S e a "S....Lda", apesar de aquele ter referido que foi um empregado desta que encetou consigo negociações tendentes à aquisição da viatura da marca MERCEDES BENZ, com a matrícula ---PU, existe uma presunção natural de que os sócios, para mais quando são gerentes, das sociedades sabem e tomam conhecimento de todos os negócios que se realizam. E concerteza que tal empregado não agiu contra ordens e instruções dos sócios, mormente do arguido Paulo J, pelo que se tem de dar como certo que o arguido Paulo J, em representação da sociedade que gere, celebrou este negócio com Hugo S, (…).” (negrito e sublimado nosso) Cfr. Acórdão, II -Fundamentação – 2.3. - Motivação da Decisão de facto

XI - Não pode o Tribunal “a quo” condenar o arguido com base em

“presunções” e “evidências” quando a testemunha com conhecimento directo dos factos foi peremptória ao afirmar que não celebrou o negócio com o

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arguido Paulo J, mas sim com o sócio Joaquim M.

“(…) existe uma presunção natural de que os sócios, para mais quando são gerentes, das sociedades sabem e tomam conhecimento de todos os negócios que se realizam(…)”, “No caso em apreço, torna-se claro que o arguido (ainda que na pessoa de um seu funcionário) omitiu factos essenciais (…). Resulta evidente que no momento em que foi celebrado o contrato de compra e venda da mesma foi omitido que a mesma não se encontrava livre de ónus ou

encargos.”

Cfr. Acórdão, II -Fundamentação – 2.3. - Motivação da Decisão de facto

XII - É verdade que o arguido Paulo J e Joaquim M eram sócios gerentes da sociedade, mas ser “gerente de direito” não implica, necessariamente, que o arguido Paulo J também fosse “gerente de facto”, nem tal foi dado como facto provado do acórdão recorrido.

Cfr.: CD 13-09-2011 - 15:12:33 (20110913151232_1…14:55/30:07)

M.P.: Sabe quem é que representava essa firma, se era o Sr. Paulo, se era o Sr.

Joaquim, se eram os dois?

Test.: Não faço ideia.

M.P.: Não faz a mínima ideia, mas qualquer um deles podia fazer negócios em nome da firma? Também não sabe?

Test.: A minha opinião é, eu calculo que sim, sendo os dois sócios.

XIII - Não resulta do texto do acórdão recorrido nem mesmo da documentação do julgamento que o arguido Paulo J tinha conhecimento e que deu

autorização para o negócio celebrado com a testemunha Hugo S, o

depoimento da única testemunha é notoriamente contraditório com os factos dados como provados (designadamente o Ponto 11, 13, 14 e 15 dos factos provados), que é fundamento de recurso impondo-se a absolvição do arguido por ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA – art. 410º, nº 2, alínea c) do C.P.P.

XIV - Relativamente ao Crime de Fraude na Obtenção de Crédito não foram produzidas quaisquer provas dos factos que vinham imputados ao arguido, pelo que aqui também se constata INSUFICIÊNCIA DA PROVA PARA A DECISÃO DE FACTO PROFERIDA.

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XV – Do texto do acórdão recorrido fluí o seguinte: (…)

XVI – Da prova produzida e analisada em sede de audiência de julgamento não resultaram quaisquer elementos para que o Tribunal “a quo” pudesse dar como provados que:

3. “Maria C e João C. irmã e cunhado do arguido Paulo S, respectivamente, assinaram um contrato de crédito para aquisição da viatura (…) de forma a que a "S...., Lda" e o arguido Paulo S pudessem obter verbas para adquirir viaturas.”;

6. “O arguido Paulo S, por si e em representação da sociedade "S...., Lda", representou e quis apresentar uma proposta de concessão cie crédito em nome de Maria C e João C, bem sabendo que o crédito efectivamente

concedido não se destinava à aquisição de qualquer viatura mas sim a obter verbas para financiamento da aludida sociedade.”;

7. “O arguido Paulo S, por si e em representação da sociedade "S..., Lda", representou e quis prestar informações inexactas de forma a fazer crer à sociedade financeira que o crédito aludido se destinava à aquisição de uma viatura por parte de Maria C e João C, o que fez.”;

8. “O arguido Paulo S, ao actuar da forma descrita, agiu com o propósito

concretizado de obter uma vantagem patrimonial indevida a que sabia não ter direito.”

9. “O arguido Paulo S, ao actuar da forma descrita, agiu com o propósito

concretizado de obter uma vantagem patrimonial indevida a que sabia não ter direito.

XVII - Os factos supra, considerados por provados, não resultam da prova testemunhal, nem tão pouco dos documentos de folhas 208, 210, 213 e 214 dos autos, nem foram discutidos em sede de audiência de julgamento, pelo que não podia o Tribunal “a quo” ter decidido como decidiu, senão vejamos:

Cfr.: CD 13-09-2011 - 15:12:33 (20110913151232_1…12:08/30:07)

M.P.: Porque estava em nome da irmã e do cunhado. E já agora sabe porque é que estava em nome deles? Não chegou a averiguar isso?

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Test.: O que me disse a irmã foi que, e o empregado na altura, foi que o Sr.

Paulo…

M.P.: A irmã é a Maria J, não é?

Test.: Exacto

M.P.: ....Gâmbez ou Câmbez.

Test.: Sim, eu não a conheço, falei apenas com ela pelo telefone, que foi a forma de ajudar o irmão porque o irmão não tinha possibilidade para adquirir carros.

M.P.: Ela depois explicará melhor quando cá vier.

XVIII - O documento de fls. 208 dos autos apenas nos esclarece quais as apólices de seguro, referentes ao veículo ----PU, em vigor a partir de

01-06-2007, não nos refere nem dele podemos concluir se alguma vez houve, ou não, uma apólice de seguro em nome da irmã do arguido, logo não é

elemento probatório suficiente para que possamos concluir que a dita Maria José assinasse a proposta de crédito junta a fls. 85 dos autos sem ter a

intenção de adquirir o veículo.

XIX – Ademais, fluí de fls. 214 que houve prestações (primeira, terceira e quarta) pagas por transferência bancária por conta titulada pela supra

referida Maria J e do contrato de crédito junto a fls. 85 dos autos resulta que o este é de data anterior ao início das negociações para a venda do veículo ao ofendido, deste modo não podia o Tribunal “a quo” concluir pela procedência da acusação por inexistência de prova dos factos imputados ao arguido.

XX - O Tribunal “a quo” menciona, ainda, no acórdão recorrido que “… sendo certo que nem o arguido, nem a sua irmã apresentaram qualquer justificação para o facto, inculcam a ideia de que a solicitação de um crédito à "Sofinloc”

(…) não como objectivo o financiamento de qualquer compra e venda por parte de Maria C, antes o financiamento da sociedade "S..., Lda"…”

XXI - O arguido e a sua irmã exerceram um direito que lhe assiste, não podendo o arguido Paulo S ser prejudicado por se ter remetido ao silêncio, bem como pela sua irmã pretender exercer a faculdade de se recusar a depor enquanto tal, não pode o arguido ver juridicamente desfavorecida a sua

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posição pelo facto de exercer o seu direito ao silêncio, de que não é legítimo extrair qualquer consequência, seja para determinar a culpa, seja para determinar a medida concreta da pena.

XXII – E, se no entendimento do Tribunal “a quo” existem factos que possam sugerir que o financiamento não tinha por objectivo a compra de um veículo pela Maria J mas sim o financiamento da sociedade, jamais poderia considerar que tais factos sugestivos poderão ser corroborados pelo facto de o arguido e a sua irmã não terem prestado declarações, e na análise crítica das provas formar a sua convicção no facto de o arguido e da sua irmã terem exercido um direito legalmente previsto e não os terem esclarecido.

XXII – Atenta à prova (testemunhal e documental) não se vislumbra como pode o Tribunal “a quo” na análise crítica das provas ter chegado à conclusão que

“Demonstrado está que o arguido apresentou à entidade financeira – SOFINLOC – documentação inexacta relativa a factos importantes para a concessão do crédito, incorrendo assim, em fraude, imitando a verdade e /ou mudando o verdadeiro no plano teleológico”.

XXIII - Como sabe o Tribunal “a quo” que foi o arguido quem apresentou a documentação à entidade financeira, qual foi a documentação apresentada que era inexacta relativa a factos importantes para a concessão de crédito, sendo certo que não foi produzida qualquer prova neste sentido, nem resultam dos autos elementos probatórios suficientes para segundo as regras da

experiência e critérios objectivos o Tribunal “a quo” possa ter concluído como concluiu.

XXIV - O art. 374º, nº 2, do C.P.P. diz que o acórdão deve conter no seu relatório os factos provados, mas a prova deles há-de fazer-se segundo o regime de certeza moral que se traduz na livre convicção, segundo as regras da experiência, norteada pela busca da verdade material de tal modo que deve plasmar-se em critérios objectivos, v.g. máximo rigor e recusa de juízos

apriorísticos e pelo que se deixou escrito nos antecedentes artigos é manifesto que o acórdão recorrido não observou nem as regras da experiência nem o máximo rigor, violando pois o citado art. 127.º do Código Processo Penal.

XXV - Da análise do processo de formação da convicção do julgador, que

assentou no depoimento da testemunha Hugo S e no dos documentos de folhas 208, 210, 213 e 214 dos autos, não podemos concluir pela perfeita

razoabilidade de se ter dado como provado o que se deu por provado, o que é

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fundamento de recurso, pois configura ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA – art. 410º, nº 2, alínea c) do C.P.P. e que outra decisão se impunha eventualmente, a saber, a absolvição do arguido.

XXVI – Apesar da apreciação da prova pelo julgador ser livre, a

discricionariedade na apreciação da prova tem o limite das regras da experiência comum, utilizando como método de avaliação e aquisição do

conhecimento critérios objectivos, genericamente susceptíveis de motivação e de controlo, nos termos do art. 127.º.° do C.P.P., assim é manifestamente claro que houve um ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS e NA FIXAÇÃO DOS FACTOS MATERIAIS, ou seja, houve um erro no julgamento da matéria de facto.

DOS ELEMENTOS DO TIPO DE CRIME

XXVII - São elementos típicos do crime de burla (o art.º 217.º do C.P.), de entre outros, que o arguido para a obtenção de enriquecimento ilegítimo,

astuciosamente induz em erro ou engano outrem, e que através desse meio determine o ofendido à prática de actos causadores de prejuízos materiais.

XXVIII - O arguido Paulo S, tal como a testemunha afirmou que não celebrou negócio com o arguido Paulo S, não teve qualquer intervenção no negócio da compra e venda do MERCEDES BENZ e que apenas o conheceu cerca de um ano depois da data dos factos, não é plausível que o tribunal a quo tenha considerado que o arguido astuciosamente tenha induzido em erro ou engano a testemunha e que através desse meio o tenha determinado à prática de actos causadores de prejuízos materiais, e consequentemente considere preenchidos os elementos típicos do crime de burla.

XXIX - Por outro lado, pronunciou-se o Tribunal “a quo” no sentido que nos presentes autos estamos perante um crime de burla por omissão,

efectivamente ainda que a figura seja admissível, a conduta só seria punível se sobre o omitente impendesse um dever jurídico de evitar o resultado típico, conforme já se pronunciou o Supremo Tribunal Justiça no sentido da aceitação da prática do crime de burla por omissão apenas quando verificados os

requisitos gerais do artigo 10º do C.P - que o agente tenha o dever de informar e viole esse dever -, o que no caso em apreço não sucede porque o arguido Paulo S apenas conheceu o ofendido cerca de um ano depois dos factos e não teve qualquer intervenção no negócio do MERCEDES BENZ.

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XXX - No caso sub judice o arguido não falou com o ofendido, não conduziu o negócio, não o autorizou, nem teve qualquer intervenção no mesmo logo não poderia ser-lhe exigido que informasse aquele que sobre o veículo impendia um ónus, perante este quadro factual não há dúvida que a conduta do arguido não integra os elementos típicos objectivos e subjectivos do crime de burla p.

e p. pelo art.º 217.º, n.º 1 do C.P.

XXXI – No que respeita ao Crime de Fraude na Obtenção de Crédito p. e p.

pela al. a) do n.º 1 do art.º 38.º do DL 28/84, de 20 de Janeiro - “Quem apresentar uma proposta de concessão, manutenção ou modificação das condições de um crédito destinado a um estabelecimento ou empresa: a)

Prestar informações escritas inexactas ou incompletas destinadas a acreditá-lo ou importantes para a decisão sobre o pedido” – também aqui não se

vislumbra que o arguido tenha praticado os elementos típicos do crime, uma vez que nos autos inexiste prova quanto ao destino do financiamento, a quem entregou a proposta de crédito e quais as informações inexactas que foram prestadas.

XXXII - Atento ao supra exposto, estamos perante a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, logo imponha-se a ABSOLVIÇÃO do arguido.

DA VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E “IN DUBIO PRO REO”

XXXIII - Perante a prova produzida, no mínimo, coloca-se as dúvidas insanáveis: se o arguido tinha conhecimento e se autorizou o negócio do MERCEDES BENZ; se foi o arguido que apresentou a proposta de crédito à financiadora; qual foi a documentação apresentada que era inexacta relativa a factos importantes para a concessão de crédito; se essa proposta de crédito se destinava ou não a financiar a sociedade, dúvidas que, em decorrência do Princípio “in dubio pro reo” – emanação do Princípio da Presunção de Inocência ínsito no art. 32.º, n.º 2, da Constituição República Portuguesa – teria que ser resolvida a favor do arguido, aqui Recorrente, e não contra ele.

XXXIV - Este princípio é violado quando o tribunal dá como provados factos duvidosos desfavoráveis ao arguido, mesmo que o tribunal não tenha

manifestado ou sentido a dúvida que, porém, resulta de uma análise e

apreciação objectiva da prova produzida à luz das regras da experiência e/ou de regras legais ou princípios válidos em matéria de direito probatório (cfr.

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art. 127º do CPP).

XXXV - Sempre com o mui respeito, é evidente a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, toda a fundamentação do acórdão ora objecto de recurso na realidade não assenta na prova produzida, é antes consequência de uma construção, aparentemente, lógico-dedutiva.

XXXVI - Em suma, nos presentes autos não só ficou cabalmente provado que o arguido não praticou os crimes em que foi condenado, como foi criada uma claríssima dúvida razoável quanto aos factos pelos quais o arguido vem acusado e quanto à culpa deste, pelo que “a sua absolvição aparece como a única atitude legitima a adoptar”. (Alexandra Vilela in “Considerações acerca da presunção de inocência em direito processual penal”, Coimbra Editora, 2000, p. 121), deste modo o Tribunal “a quo” violou, ainda, o disposto no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, devendo assim o arguido ser ABSOLVIDO.

DAS CONDIÇÕES PESSOAIS DO ARGUIDO E DA SUA SITUAÇÃO ECONÓMICA

XXXVII - Para além do anteriormente já referido, da leitura da acórdão recorrida extrai-se que nada foi apurado quanto às condições pessoais do arguido e à sua situação económica, factores de determinação da pena que, entre outros, constam do elenco não taxativo previsto no artigo 71.º, n.º2, do Código Penal, como elementos relevantes a ponderar na determinação da pena.

XXXVIII - Como vem considerando o Supremo Tribunal de Justiça, o conceito de insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem – absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena,

circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. - e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos

relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, vista a sua importância para a decisão, por exemplo, para a escolha ou determinação da pena.

XXXIX - Prova essencial à boa decisão da causa, no caso de condenação e

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aplicação de pena, conforme resulta expressamente da própria lei (artigos 369.º e segs. do C.P.P.), é a relativa aos antecedentes criminais do arguido, à sua personalidade e às suas condições pessoais, nos termos do artigo 71.º, n.º1, do Código Penal, é por apelo aos critérios da culpa e da prevenção – geral e especial – que deve ser encontrada a medida concreta da pena, dentro da respectiva moldura abstracta, sendo certo que o n.º3 do mesmo artigo prescreve que «na acórdão são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena».

XL - É certo que o julgamento decorreu sem que o arguido/recorrente tivesse prestado declarações, circunstância que pode ter dificultado o apuramento da factualidade atinente às suas condições pessoais e situação económica,

contudo o tribunal “a quo” não procedeu a qualquer diligência para suprir o seu défice de conhecimento.

XLI – Quando resulta dos princípios da investigação e da verdade material que ao tribunal cumpre investigar, independentemente da acusação e da defesa, com os limites previstos na lei, os factos sujeitos a julgamento, de forma a criar as bases necessárias para a decisão, oficiosamente, socorrer-se do disposto no artigo 340.º, do C.P.P., para investigar os factos sujeitos a julgamento, procedendo, autonomamente, às diligências que, numa

perspectiva objectiva, possam ser razoavelmente consideradas necessárias, de modo a se habilitar a proferir uma decisão justa, não lhe sendo consentido remeter-se a uma atitude passiva e meramente dependente da iniciativa probatória dos sujeitos processuais.

XLII - No caso vertente ficou-se aquém do mínimo razoavelmente exigível, carecendo o acórdão recorrido de elementos que habilitassem o tribunal “a quo” a, conscienciosamente, levar a bom termo o procedimento de

determinação individualizada da pena, dentro dos parâmetros legais, pois releva o conhecimento de quem é, afinal, o arguido: quais as suas condições pessoais (o que faz, situação familiar, etc.) e a sua situação económica.

XLIII – O que se traduz na insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, integradora do mencionado vício da alínea a) do artigo 410.º, n.º2, do C.P.P., determinante do reenvio do processo para novo julgamento quanto ao recorrente, relativo às questões (de facto) pertinentes para a determinação da pena – condições pessoais e económicas do arguido – e, bem entendido, à questão (de direito) do reflexo desses factores na medida concreta da respectiva pena, pelo que a decisão recorrida padece do vício da

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INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA PARA A DECISÃO, previsto no art.º 410.º n.º 2 al. a) do Código Processo Penal.

Sem prescindir, à cautela por dever de patrocínio, DA APLICAÇÂO DA MEDIDA CONCRETA DA PENA

XLIV - A todo o crime corresponde uma reacção penal, mediante a qual a comunidade expressa o seu juízo de desvalor sobre os factos e a conduta

realizada por quem viola os comandos legais do ordenamento penal, estando a mesma definida no respectivo tipo legal.

XLV - A finalidade da aplicação de qualquer pena está contida no artigo 40.º, n.º 1, do C.P. consistindo na "protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente da sociedade", acrescentando o seu n.º 2 que "Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa", enquanto instrumento político-criminal de protecção de bens jurídicos, a pena tem uma função de paz jurídica, típica da prevenção geral, cuja graduação deve ser proporcional à culpa.

XLVI - Entende o recorrente que na aplicação da pena em que foi condenado não foram contempladas todas as circunstâncias exigidas pelo referido

preceito legal (art.º 71.º do C.P.), os critérios legais na determinação da pena apontam para que, numa primeira fase, a pena seja encontrada em função da culpa do arguido e das exigências de prevenção, atendendo ainda, numa segunda fase, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de

crime, rodearam o mesmo, antes ou depois do seu cometimento, quer resultem a favor ou contra o agente.

XLVII - A pena aplicada ao arguido deverá servir, primacialmente, para a punição da culpa, contribuindo ainda e ao mesmo nível, para a reinserção social do arguido, procurando não prejudicar a sua situação social mais do que estritamente necessário (função preventiva especial positiva), voltando a levar uma vida ordenada e conforme a lei, existindo ainda as razões de prevenção geral.

XLVIII - Considera o arguido que a pena que lhe foi aplicada se mostra inadequada, não só quanto à escolha, mas também desajustada no que

concerne ao seu quantitativo, pois na sua determinação devem ser observados os critérios de dosimetria, entendendo o arguido a que a pena de dois anos e nove meses de prisão (suspensa por igual período) que lhe foi aplicada é

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demasiado penosa, desproporcional em função da culpa relevada e das

exigências de prevenção que se fazem sentir, todavia a acórdão recorrida não fez a correcta interpretação do artigo 40.º, n.º 1 do artigo 43.º, n.º 1 do artigo 58.º, do artigo 70.º e n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 71.º, todos do Código Penal.

XLIX- Estabelece, actualmente, o art.º 218.º do C.P. no seu n.º 3 e 4 que é aplicável o disposto no n.º 2 e 3 do art.º 206.º cuja epígrafe é “Restituição ou reparação”, que:

“2 - Quando a coisa furtada ou ilegitimamente apropriada for restituída, ou tiver lugar a reparação integral do prejuízo causado, sem dano ilegítimo de terceiro, até ao início da audiência de julgamento em 1.ª instância, a pena é especialmente atenuada.

3 - Se a restituição ou a reparação forem parciais, a pena pode ser especialmente atenuada.”

L - Importa aqui salientar que o arguido é primário, nunca antes tinha sido condenado pela prática de quaisquer crimes e que nos presentes autos o ofendido tinha formulado pedido de indemnização civil pelo prejuízo patrimonial que considerava ter sofrido, porém no início da audiência de

julgamento o demandante e o demandado (arguido) Paulo S declararam terem transaccionado quanto ao pedido de indemnização civil formulado nos autos a folhas 132 e seguintes. – cfr. Acta da Audiência de Julgamento de 13-09-2011, no que também decorrer das declarações da testemunha (ofendido) que o mesmo entende, que relativamente ao seu prejuízo, ser indemnizado no montante de €10.000,00.

Cfr.: CD 13-09-2011 - 15:12:33 (20110913151232_1…15:12/30:07)

M.P.: E hoje, à boca deste julgamento, chegaram a um acordo relativamente aos prejuízos que entendeu serem justos para ser indemnizado, em 10.000,00 euros, é isso.

Test.: É

LI - Factos que o Tribunal “a quo” deveria ter tido em conta na determinação da medida da pena, e que salvo melhor entendimento não o fez, assim como o hiato de tempo decorrido entre a data dos factos e a presente data e que

deveria ser valorado como elemento atenuante em termos de medida concreta da pena e também em sede de ilicitude e culpa, face aos efeitos danosos

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provocados na capacidade do arguido agir em conformidade com o direito.

LII- Assim, em caso de condenação do arguido, o que só por mera hipótese académica se admite, deveria a pena aplicada ser especialmente atenuada, pelo que supra se deixou dito.

LIII- Desta forma, não atendeu a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do crime, aproveitam a favor do agente, em consequência, não observando o disposto no artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal, violando por errada interpretação, entre outros, os artigos 40.º, 50.º e 71.º, todos do Código Penal.

LIV - Considerando os fundamentos que supra se expõem deverá ser revogado o acórdão ora em crise, por terem sido violados:

a) Os artigos 40.º n.ºs 1 e 2 º; 70.º; 71.º n.ºs 1 e 2; 217.º; 218.º n.º 2 al. a), todos do Código Penal;

b) O artigo 38 n.º 1 al. a) do Decreto-lei 28/84, de 20 Janeiro;

c) Os artigos 2.º; 127.º; 206.º n.º 2; 340.º; 355.º; 369.º; 371.º; 374.º n.º2, todos do Código de Processo Penal

d) O artigo 32.º, nº 2, ambos da Constituição da Republica Portuguesa.”

Na sua resposta ao recurso, o M.P. pronunciou-se no sentido da improcedência e da consequente confirmação da decisão recorrida.

Neste Tribunal, a Sra. Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer também no sentido da improcedência.

Colhidos os Vistos, teve lugar a conferência.

2. Na decisão recorrida consideraram-se os seguintes factos provados:

“1. A sociedade comercial por quotas "S. Lda", com sede na Rua..., em

Santarém, com o NIPC ----, iniciou- a actividade de "comércio, manutenção e reparação de veículos automóveis; preparação de veículos para competição automóvel; comércio de peças e acessórios para automóveis e motociclos;

gestão de frotas e gestão de suportes publicitários" no dia 02 de Dezembro de 1992.

(17)

2. O arguido Paulo S é sócio gerente da referida sociedade desde a data da sua constituição até à presente data e o arguido JoaquimM foi sócio gerente da referida sociedade desde a data da sua constituição até 31 de Outubro de 2007, data em que renunciou à gerência.

3.Maria C e João Manuel C, irmã e cunhado do arguido Paulo S,

respectivamente, assinaram um contrato de crédito para aquisição da viatura da marca MERCEDES BENZ, com a matrícula ----PU, de forma a que a "S...., Lda"e o arguido Paulo S pudessem obter verbas para adquirir viaturas.

4. Em 15 de Abril de 2007, Maria C e João C assinaram com a sociedade

"SOFINLOC — Instituição Financeira de Crédito, SA" o contrato de crédito n.°

--- relativo à viatura da marca MERCEDES BENZ, com a matrícula ----PU, sendo o montante do crédito 15 000,00 € (quinze mil euros).

5. Em 16 de Maio de 2007, a sociedade "SOFINLOC — Instituição Financeira de Crédito, SA" emitiu a favor da sociedade "S...., Lda" o cheque n.° ---, no valor de 14 634,00 € (catorze mil seiscentos e trinta e quatro euros),

correspondente ao montante do crédito financiado menos 365 € (trezentos e sessenta e cinco euros), respeitante a encargos administrativos e fiscais.

6. Maria C e João C nunca tiveram em sua posse o referido veículo ainda que este se encontrasse registado em seu nome, com reserva de propriedade a favor da sociedade "Sofinloc".

7. O arguido Paulo S, por si e em representação da sociedade "S....Lda",

representou e quis apresentar uma proposta de concessão de crédito em nome de Maria C e João C, bem sabendo que o crédito efectivamente concedido não se destinava à aquisição de qualquer viatura mas sim a obter verbas para financiamento da aludida sociedade.

8. O arguido Paulo S, por si e em representação da sociedade "S., Lda", representou e quis prestar informações inexactas de forma a fazer crer à sociedade financeira que o crédito aludido se destinava à aquisição de uma viatura por parte de Maria C e João C, o que fez.

9. O arguido Paulo S, ao actuar da forma descrita, agiu com o propósito

concretizado de obter uma vantagem patrimonial indevida a que sabia não ter direito.

(18)

10. Em finais de Maio de 2007, Hugo S dirigiu-se ao stand de vendas de automóveis da sociedade "S...., Lda" a fim de adquirir uma viatura.

11. No exercício da sua actividade, um empregado da "S...., Lda", com

conhecimento e autorização do arguido Paulo e no interesse daquela, negociou com Hugo S a aquisição da viatura da marca MERCEDES BENZ, pelo

montante de 20 350,00 (vinte mil trezentos e cinquenta euros), omitindo-lhe que a mesma se encontrava livre de ónus ou encargos.

12. No dia 03 de Junho de 2007, Hugo S, convencido de que estava a adquirir um veículo livre de ónus ou encargos, entregou para pagamento da viatura o seu veículo de marca BMW com a matrícula ---MV, avaliado em 13 600,00 (treze mil e seiscentos euros), e o cheque n.º ---, no montante de 6 750,00 € (seis mil setecentos e cinquenta euros), perfazendo, assim, o total do preço do veículo adquirido (20 350,00 - vinte mil trezentos e cinquenta euros).

13. O arguido Paulo S, por si e em representação da sociedade, representou e quis negociar com Hugo S a viatura da marca MERCEDES BENZ, com a

matrícula ----PU, bem sabendo que a mesma não se encontrava livre de ónus e encargos.

14. O arguido Paulo S, por si e em representação da sociedade, representou e quis causar a Hugo S um empobrecimento no seu património no montante de 20 350,00 (vinte mil trezentos e cinquenta euros).

15. O arguido Paulo S, por si e em representação da sociedade, ao actuar como se descreveu, actuou com o propósito de ficarem com o preço da viatura da marca MERCEDES BENZ, com a matrícula ----PU sem transferirem a

respectiva propriedade para a Hugo S.

16. Sabia o arguido Paulo S que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei e tinha capacidade de se determinar de acordo com esse conhecimento, o que não o demoveu de actuar como actuou.

17. O arguido Paulo S não tem antecedentes criminais.”

3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, independentemente do conhecimento oficioso dos vícios do art. 410º, nº2 do CPP (AFJ de 19.10.95) – que, no caso, não se detectam – as questões a

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apreciar respeitam à impugnação da matéria de facto e à medida da pena.

A estas duas questões restringe o arguido o seu recurso, em conformidade com o que a lei lhe possibilita (arts. 428º e 403º do CPP). E embora refira também o erro de qualificação/integração jurídica, fá-lo apenas como mera decorrência (da procedência) do recurso da matéria de facto e não por

impugnação da matéria de direito quanto à subsunção desses mesmos factos.

Da impugnação da decisão de facto

A impugnação da matéria de facto pressupõe o cumprimento do disposto no art. 412º, nº3 do CPP, na estrita obediência às formalidades neste exigidas.

Estabelece o normativo que, quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e/ou as que deviam ser renovadas, fazendo-se, essa especificação, por referência ao consignado na acta devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação (art. art.

412º, nºs 3 e 4 do CPP).

Em síntese, o recorrente fundamenta a sua discordância argumentando

essencialmente na seguinte linha: o ofendido nunca tratou directamente com o arguido, o silêncio do arguido não pode ser valorado contra ele, não ficou suficientemente demonstrada a sua responsabilidade nos factos por

insuficiência de prova relativamente aos factos impugnados, ou seja, os

respeitantes à imputação objectiva; também os factos integrantes da fraude na obtenção de crédito carecem de demonstração bastante, ainda segundo o recorrente.

Comecemos por ver como o tribunal de julgamento motivou a decisão de facto:

“O Tribunal formou a sua convicção com base, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também por

declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões, parcialidade,

coincidências e mais inverosimilhanças que, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos e, ainda, à luz das regras de experiência comum.

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Foi inquirido Hugo S, adquirente da viatura da marca MERCEDES BENZ, com a matrícula ----PU, que esclareceu com clareza, convicção, de um modo sério e coerente os factos descritos na acusação e que a si respeitavam,

designadamente o seu interesse em adquirir uma viatura da marca Mercedes, a pesquisa que efectuou na internet tendo encontrado para venda esta viatura, e a consequente deslocação ao stand da sociedade "S.---, Lda", em finais de Maio de 2007 e o negócio que celebrou consistente na aquisição da viatura da marca MERCEDES BENZ, com a matrícula ----PU, supra referenciada, o qual foi realizado por intermédio de um empregado da sociedade "S..., Lda.

Explicitou os termos do negócio, o valor da viatura que ia adquirir e a valiação da que deu à troca, assim como o valor que entregou, em cheque.

Aduziu que nunca lhe foram exibidos os documentos da viatura (livrete e titulo de registo de propriedade), tendo sido informado de que o registo da

propriedade a seu favor levaria cerca de 15 dias e que os documentos lhe seriam remetidos para a sua residência, o que nunca chegou a suceder por existir uma reserva de propriedade a favor de uma instituição financeira.

O arguido não prestou declarações em sede de audiência de julgamento, direito que processualmente lhe assiste, e a sua irmã Maria C arrolada como testemunha no despacho de acusação, pretendeu exercer a faculdade de se recusar a depor enquanto tal.

O Tribunal formou, pois, a sua convicção em todo o acervo probatório produzido em audiência, analisado de uma forma crítica e com juízos de experiência comum, levando, designadamente, em linha de conta o depoimento do ofendido Hugo S.

Saliente-se que o tribunal não teve dúvidas em dar como provado que Maria C e João C assinaram a proposta de crédito junta a fls. 85 e 85 dos autos sem ter qualquer intenção de adquirir a viatura em causa, pese embora o registo a seu favor, datado de 20 de Junho de 2007, quase um mês após a realização do negócio com o ofendido Hugo S, sendo certo que este subscreveu e emitiu a favor da sociedade "S....,Lda" o cheque n.° ----, no montante de 6 750,00 € (seis mil setecentos e cinquenta euros), datado de 03 de Junho de 2007, perfazendo, assim, o total do preço do veículo adquirido (20 350,00 - vinte mil trezentos e cinquenta euros).

A reforçar ainda mais esta convicção há que atentar que em nome da irmã do

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arguido, Maria C, não foi efectuado qualquer seguro relativo à viatura em causa (v.g. fls. 208 dos autos). Já o ofendido celebrou com a VIA DIRECTA um seguro do ramo automóvel da viatura da marca MERCEDES BENZ, com a matrícula ----PU, com data de início de 01 de Junho de 2007 (repare-se que o registo de propriedade a favor de Maria C é de 20 de Junho de 2007).

Por outro lado, o facto de existirem inspecções periódicas à viatura já após o negócio realizado com o ofendido Hugo S (fis. 211 a 213) e de o IMTT ter informado que para realização dessas inspecções periódicas ser necessária a documentação do veículo (fls. 210) não abala a convicção do tribunal, antes se conjuga com o depoimento de Hugo S que referiu que sempre insistiu no envio dos documentos do veículo e que para poder ir com ele à inspecção foram-lhe os mesmos enviados pela "S...., Lda", um ano depois de circular com o veículo, portanto, em 2008 (28 de Julho — cfr. fis. 213).

Por outro lado, a "Sofinloc" informou que das 11 prestações pagas, em

cumprimento do contrato, 3 foram-no por transferência bancária de uma conta pertencente a Maria C, uma por depósito na conta da "Sofinloc",

desconhecendo esta entidade quem o fez, e as restantes foram pagas por meio de 2 cheques, um deles, no valor de 2 172,45 €, sacado sobre uma conta

titulada pela "S...., Lda" e o outro sacado por Fátima S (mesmo apelido do arguido Paulo S) — fis. 214 dos autos.

Por fim, foi expressamente mencionado pelo ofendido Hugo S que pesquisou na Internet e verificou que a viatura objecto destes autos se encontrava para venda no stand da sociedade "S..., Lda" e foi aqui que ele se dirigiu e encetou negociações com vista à sua aquisição. Ou seja, o espaço temporal que medeia entre a subscrição da proposta de crédito por parte da irmã e cunhado do arguido Paulo S (15 de Abril de 2007) e a ida do ofendido ao stand e a

formalização do negócio (03 de Junho de 2007), assim como a circunstância de tal viatura se encontrar exposta no referido stand, sendo certo que nem o arguido, nem a sua irmã apresentaram qualquer justificação para o facto, inculcam a ideia de que a solicitação de um crédito à "Sofinloc" para aquisição da viatura da marca MERCEDES BENZ, com a matrícula ----PU teve, não como objectivo o financiamento de qualquer compra e venda por parte de Maria C, antes o financiamento da sociedade "S..., Lda", defraudando, assim, a

financeira em causa.

Quanto ao negócio em si, celebrado entre Hugo S e a "S...., Lda", apesar de aquele ter referido que foi um empregado desta que encetou consigo

(22)

negociações tendentes à aquisição da viatura da marca MERCEDES BENZ, com a matrícula ----PU, existe uma presunção natural de que os sócios, para mais quando são gerentes, das sociedades sabem e tomam conhecimento de todos os negócios que se realizam. E concerteza que tal empregado não agiu contra ordens e instruções dos sócios, mormente do arguido Paulo S, pelo que se tem de dar como certo que o arguido Paulo S, em representação da

sociedade que gere, celebrou este negócio com Hugo S, sabendo que sobre a viatura da marca Mercedes Benz impendia um ónus consistente numa reserva de propriedade a favor da Sofinloc que deveria ter sido extinta com a venda do veículo ao ofendido (os bens são vendidos livres de ónus ou encargos), com o pagamento na íntegra à financeira do crédito que esta concedeu.

Em conclusão, pode este tribunal afirmar que toda a prova – testemunhal e documental – se conjuga e se relaciona entre si de molde a poder sustentar, sem dúvidas, os factos que acima se deram como provados.

A clareza e a exaustão do exame das provas quase nos dispensariam de aditar razões.

Como ponto de partida consigna-se, na sindicância do juízo do tribunal de julgamento sobre as provas, que o registo da prova oral (a cuja audição

procedemos) revela a correcção do alegado quanto ao sentido do depoimento do ofendido, tudo conforme resulta ipsis verbis da motivação do acórdão.

A gravação da prova oral revela – tal como o exame crítico o atesta – que a prova consistiu essencialmente no depoimento do ofendido. Essencialmente, mas não exclusivamente, tendo sido produzida e ainda valorada prova

documental, de relevante conteúdo probatório, a qual devidamente relacionada entre si e conjugada com o depoimento do ofendido permite retirar as ilações quanto aos factos probandos e levar às conclusões a que o tribunal acertadamente chegou.

Assim, o ofendido relatou os factos provados, fazendo-o em versão

confirmativa da acusação, no diálogo interactivo da inquirição dirigida pela senhora juíza, em correcto cumprimento da disciplina de recolha de prova oral.

E do teor deste depoimento, cotejado com o teor dos documentos que adequadamente se sindicam no acórdão, é possível concluir, como acertadamente o refere o M.P. na resposta, que o veículo se mostrava

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disponível no stand de vendas da firma do recorrente; que o ofendido o pagou através de cheque bancário e que o automóvel lhe foi entregue; que o contrato de crédito celebrado entre Maria C / marido e a sociedade financeira

"Sofinloc" tem a data de 15/05/2007, e o cheque bancário emitido pela

Sofinloc a favor da "S..., Lda.", no valor de € 14.635,00, a data de 16/05/2007;

que este cheque foi depositado na conta da S...., Lda. no dia 17/05/2007; que, apesar de registado em nome desta, a Maria C nunca reclamou o veículo automóvel, nunca efectuou seguro automóvel; que o veículo continuou publicitado e disponível para venda no site da "S...., Lda."; que o cheque emitido por Hugo da S para pagamento de parte do preço da viatura automóvel, à ordem da "S..., Lda.", data de 03/06/2007.

Tudo isto permite ainda concluir que entre a sociedade "S.... Lda." e Maria C nunca existiu um verdadeiro contrato de compra e venda do veículo, e que foi o arguido, enquanto sócio-gerente da sociedade, o responsável pela

publicitação para venda desse mesmo veículo, pela sua exposição no stand de vendas, sabendo que sobre ele recaia uma reserva de propriedade a que tinha dado causa. E a tal não obsta a circunstância de o negócio ter sido apalavrado/

negociado através de um vendedor ou empregado da firma (do arguido), sendo correcto concluir, como o faz o acórdão, que este empregado agiu de acordo com as instruções do seu empregador e não contra elas.

Refere ainda o recorrente que o tribunal valorou contra ele o seu silêncio, bem como o da sua irmã.

Nenhum reparo merece, porém, a observação que o acórdão regista quanto ao silêncio do arguido e da testemunha-irmã, nos moldes em que o fez.

Ambos se escusaram a responder, ao abrigo de um direito, respectivamente, direito ao silêncio e direito de recusa de depoimento (art. 134º, nº1-a) do Código de Processo Penal).

Trata-se de direitos assentes em diferentes quadros dogmáticos e normativos, e com distintas fundamentações.

A propósito do silêncio do arguido, consigna-se que a decisão não traduz juridicamente valoração do silêncio no sentido da condenação, ou seja, valoração do silêncio contra o arguido.

O direito ao silêncio, consagrado nos arts. 61º, nº1, al. d), 132º, nº 2, 141º, nº

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4, a), e 343º, n. 1, do CPP, é unanimemente considerado de tutela

constitucional implícita e o arguido optou por exercê-lo. A nossa Constituição, contrariamente à de outros países (como Espanha, Brasil ou EUA), não contém uma consagração expressa do direito à não auto-incriminação ou do direito ao silêncio. Não obstante, cremos ser unânime o entendimento de que o nemo tenetur configura um princípio constitucional implícito ou não escrito. A sua origem encontra-se na alteração do modelo processual penal, do inquisitório para o acusatório (ver Augusto Silva Dias, Vânia Costa Ramos, O Direito à não inculpação no processo penal e contra-ordenacional português, 2009), da mutação da posição do arguido de objecto de prova para sujeito do processo, havendo ainda que cruzar a questão em apreciação com a problemática do ónus da prova e da ausência duma sua repartição no processo penal.

O nemo tenetur reconhece a todo o acusado da prática de um crime o direito ao silêncio e a não produzir prova em seu desfavor. Mas impede também que esse silêncio, uma vez exercido, seja valorado contra o arguido, no sentido de

“quem cala consente”.

Mas isso não implica que, em situações de prova indirecta (no caso até não exclusivamente indirecta) o tribunal esteja impedido de dizer que os indícios apontam, todos e consistentemente, no sentido da condenação. Na ausência de outra versão dos factos, que o arguido não contou ou não explicou, e que também por isso não se adivinha, nada impede que a leitura da prova

produzida convença com suficiência no sentido da condenação.

Optando o arguido livremente por uma estratégia de defesa de nada dizer, deixa o tribunal de dispor de prova por declaração de arguido. O arguido não tem que provar a negação dos factos nem a verdade de uma sua versão – inexiste repartição de ónus de prova em processo penal – mas ao silenciar, priva o tribunal de conhecer essa sua versão.

E é apenas isto que se intui que o acórdão a este propósito considerou – “… o espaço temporal que medeia entre a subscrição da proposta de crédito por parte da irmã e cunhado do arguido Paulo S (15 de Abril de 2007) e a ida do ofendido ao stand e a formalização do negócio (03 de Junho de 2007), assim como a circunstância de tal viatura se encontrar exposta no referido stand, sendo certo que nem o arguido, nem a sua irmã apresentaram qualquer

justificação para o facto, inculcam a ideia de que a solicitação de um crédito à

"Sofinloc" para aquisição da viatura da marca MERCEDES BENZ, com a

matrícula ---PU teve, não como objectivo o financiamento de qualquer compra e venda por parte de Maria C, antes o financiamento da sociedade "S., Lda",

(25)

defraudando, assim, a financeira em causa.”

O mesmo é dizer que, apontando as provas, clara e suficientemente, num sentido (da condenação) e não tendo sido apresentada outra explicação ou outra razão que pudesse explicar aquelas evidências, nada mais resta do que considerar os factos provados.

O arguido continua a beneficiar da presunção de inocência até à sua

condenação transitada em julgado, consagrada no art. 32º, nº2 da CRP e um dos direitos fundamentais reconhecidos internacionalmente. Recai sempre sobre o acusador o encargo de destruir essa presunção de inocência. O in dubio pro reo impõe a valoração do non liqued, em questão de prova, sempre no sentido favorável ao arguido. Só que, no caso, não estamos em presença de um non liqued, pois as provas do facto impugnado – muitas delas indirectas, é certo – permitem concluir pela absoluta consistência da versão dos factos apresentada na acusação e dada como provada no acórdão.

E se, à partida, é recomendável que a consistência da prova indirecta assente numa pluralidade e concordância de indícios – que, no caso, até existe – “a capacidade demonstrativa da prova indirecta não é determinável de um modo apriorístico e puramente formal; só em face de valoração final do material probatório obtido num determinado processo se poderá verificar a maior ou menor eficácia persuasiva da prova directa em relação à prova indiciária e vice-versa; um único indício nem sempre tem uma força persuasiva inferior à da prova directa ou demonstrativa” (Ac. TRL 07.01.2009 Rel. Carlos Almeida, www.dgsi.pt).

E se se mantém actual a lição antiga de Cavaleiro de Ferreira, no sentido da avaliação da prova indirecta se dever rodear das maiores cautelas atenta a sua tendencial fragilidade (Cavaleiro de Ferreira, Lições de Processo Penal, 1981, p.289), há que não diabolizar a prova por indícios sob pena de frustrar a perseguição dos crimes em que apenas esta é possível e, consequentemente, deixar sem tutela os bens jurídicos por eles protegidos.

Bem andou o tribunal ao valorar em sentido positivo as provas na sua globalidade, apresentando-se a convicção formada no escrutínio rigoroso e cuidado de cada uma das provas individualmente consideradas, mas também de todas elas no seu conjunto, directas e/ou indirectas.

Por tudo se conclui que o conjunto das provas aponta no sentido dos passos

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lógicos efectuados pelo tribunal, conducente à resposta de “provado”

relativamente a todos os factos, e também quanto à factualidade sobre a imputação destes à pessoa do arguido, assim o demonstrando o exame crítico no acórdão, numa racionalidade objectivada, com acertado apelo às regras da lógica e da experiência comum e sem violação do princípio do in dúbio.

Recorda-se, por último, que o tribunal ad quem procede à reapreciação da prova com a amplitude consentida pelo nº 6 do art. 412º do CPP, reapreciando as provas à luz do mesmo princípio da livre apreciação, assim sindicando a convicção do juiz de julgamento em 1ª instância, mas com a limitação decorrente da ausência de imediação.

Como bem se refere no Ac. TRL de10/10/2007 (Carlos Almeida) “o que limita os poderes do tribunal de 2ª instância, no recurso quanto à matéria de facto, não é o princípio da livre apreciação da prova mas sim a ausência de

imediação e de oralidade; por isso, e não por força do princípio da livre

apreciação da prova, o tribunal de 2ª instância não tem, quanto ao recurso da matéria de facto, os mesmos poderes que tinha a 1ª instância. Só pode alterar o aí decidido se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão

diversa da proferida [alínea b) do n.º 3 do artigo 412º]

E embora o recurso em matéria de facto tenha de ser “um efectivo recurso em matéria de facto e não possa ser subvertido numa qualquer forma de

duplicação de recurso exclusivo de matéria de direito” (Damião da Cunha, loc.

cit.), exigindo-se que o tribunal ad quem aprecie de forma completa, ainda que concisa, os concretos fundamentos do recurso para depois concluir pela

procedência ou improcedência da impugnação, o reexame da matéria de facto pelas relações não corresponde a um segundo julgamento, como se não tivesse havido o da 1ª instância. Visa a correcção de erros de julgamento que, em reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão quanto à matéria de facto sindicada a pedido do recorrente, não se detectam, não impondo as provas decisão diversa da recorrida.

O recorrente invoca, ainda, o erro notório na apreciação da prova.

Trata-se de um erro evidente, facilmente detectado, resultante do próprio texto da decisão ou do encontro deste com a experiência comum. Consistiria em considerar-se provado algo notoriamente errado, que não poderia ter acontecido, algo de ilógico, arbitrário ou notoriamente violador das regras da experiência comum, o que se detectaria da simples leitura e estrita análise da

(27)

decisão.

Dissemos já a propósito do recurso em matéria de facto, e tendo então entrado na própria revaloração da prova (na estrita medida do consentido em 2ª

Instância, ou seja, na ausência de mediação), que a decisão recorrida

justificou suficiente e adequadamente a formação da convicção e a resposta de provado a toda a factualidade juridicamente relevante.

Constituiria uma verdadeira contradição nos fundamentos da nossa própria decisão de recurso, o considerar-se, por um lado, que o tribunal a quo avaliou bem a prova e soube expressar devidamente essa valoração e,

simultaneamente, detectar-se o erro de texto, o erro notório na valoração.

Da medida da pena

O recorrente argui o vício da alínea a) do artigo 410.º, n.º2, do C.P.P – insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – alegando que o acórdão carece de elementos que instruam o procedimento de determinação individualizada da pena, por desconhecimento das condições pessoais e da situação económica do arguido.

Tal vício decorreria, assim, da violação dos princípios da investigação e da verdade material, tendo o tribunal incumprido o dever de apuramento dos factos necessários à decisão sobre a pena, ficando-se aquém do mínimo razoavelmente exigível.

Insurge-se ainda contra a irrelevância dada à transacção cível, na decisão penal.

No acórdão condenatório, consignou-se como únicos factos pessoais provados:

“O arguido Paulo S não tem antecedentes criminais”. E é tudo.

Ouvida a gravação do julgamento, constata-se que a senhora juíza, durante a audiência de julgamento, se certificou de que o processo não continha

relatório social, cuja elaboração não fora aliás solicitada.

E, face à opção do arguido de se manter em silêncio – se bem que este não tenha sido claramente esclarecido de que podia prestar declarações apenas quanto à sua situação pessoal e para efeito de determinação da pena –

suspendeu-se a audiência e designou-se, logo de imediato, data para leitura do acórdão. Isto, sem se procurar averiguar mais algum facto sobre a pessoa do

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arguido, para além da ausência de passado criminal que resultaria do C.R.C.

junto aos autos.

A questão da determinação da sanção, no que à prova dos factos dela

instrumentais se refere, é tratada no art. 369º do Código de Processo Penal.

Este preceito, numa disciplina próxima da césure, constitui claro sinal do protagonismo que a pena assume no processo e na decisão justa do caso.

Uma vez comprovados os factos relativos à questão da culpabilidade, como bem nota Maia Gonçalves, o tribunal “entra na tramitação destinada à individualização da pena. Aqui, e só agora, são tomados em conta os

elementos respeitantes aos antecedentes criminais do arguido, as perícias sobre a personalidade e o relatório social. Os elementos já apurados podem ser bastantes e então entra-se logo na escolha da pena (…). Mas se suceder serem tais elementos insuficientes, e ser indispensável prova complementar, reabre-se a audiência procedendo à produção dos meios de prova necessários, ouvindo-se, sempre que possível, (…) quaisquer pessoas que possam depor com relevo sobre a personalidade e as condições de vida do arguido” (Código de Processo Penal anotado, 2009, p. 837).

Este protagonismo adjectivo deriva, ou é resultado, da correlativa importância material da pena, no contexto da decisão (condenatória).

O art. 71º do Código Penal, na determinação concreta da pena, manda

atender, ao que ora releva, “as condições pessoais do agente e a sua situação económica” (al. d)), a conduta anterior ao facto e a posterior a este,

especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime” (al. e)), e “a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto” (al. f)).

Na lição de Jescheck, “as condições pessoais e económicas do agente influem primordialmente nas repercussões que a pena tem sobre a integração social daquele (prevenção especial), Daí que o tribunal tenha que esclarecer

suficientemente tais condições pessoais para poder ajuizar o alcance que o cumprimento de uma pena (…) tem para a vida pessoal e privada do autor (Tratado de Derecho Penal, Parte Geral, Granada, 2002, p. 939). Chama ainda o autor a atenção para a “importância da sensibilidade individual do autor frente à pena” – o que implicaria ter de conhecer o autor – e para a

problemática dos “prejuízos de natureza extra penal que para o autor podem derivar da condenação” – o que também o demandaria.

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Anabela Rodrigues elucida que os “factores que relevam para a medida da pena da culpa e que têm a ver com a personalidade (…) são (…) aqueles que o legislador considera sob o designativo de «condições pessoais do agente e sua situação económica» (alínea d)) e a «gravidade da falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto» (alínea f)) (…). O que de mais relevante haverá a considerar a propósito do factor da medida da pena que se refere à «gravidade da falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto», é que desta forma o legislador quis chamar autonomamente a atenção para a relevância da personalidade para a medida da pena da culpa. (…) A personalidade releva para o juízo de culpa” (A

Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, 1995, pp. 665-667).

E acaba por concluir a autora que “a generalidade dos factores relativos à personalidade do agente poder-se-á dizer que relevam para a medida da pena preventiva, geral e especial. É assim que, não só as condições pessoais e económicas do agente, como as qualidades da personalidade, ganham relevo neste contexto” (loc. cit. p. 678).

Também Lourenço Martins destaca que “essencial para a individualização da pena, quer da perspectiva da culpa quer da prevenção, é a personalidade do arguido”; assinala a “ambivalência das condições pessoais e económicas” e, com particular interesse para o caso, que a conduta posterior ao facto

criminoso “pode ser produzida de imediato à sua prática ou no decurso do tempo até ao julgamento” (Medida da Pena, Finalidades Escolha, 2010, pp.

511-513).

Na mesma linha, a jurisprudência tem-se pronunciado no sentido da

relevância dos factos pessoais (do arguido) para a determinação da pena – assim, TRP 18/11/2009 (Olga Maurício) “Ocorre omissão de diligência essencial a configurar o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada se o tribunal não cuidou de providenciar para obter os

elementos relativos à situação pessoal e económica do arguido”; TRP 02/12/2010 (Carmo Dias) “Do vício enferma a sentença que condenou o arguido numa pena (no caso, pena de prisão) sem que o tribunal tivesse

investigado factos susceptíveis de revelarem, v.g., a personalidade do arguido, as suas condições pessoais e situação económica e profissional, o seu

posicionamento em relação ao crime cometido ou o seu comportamento

posterior”; TRE 01-07-2010 (António Latas) “Não tendo o tribunal diligenciado pelo apuramento de factos relativos à personalidade, condições pessoais e

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económicas do arguido, ocorre insuficiência de factos para uma cabal e fundamentada decisão sobre a escolha e determinação da pena, que impõe o reenvio parcial para novo julgamento”

A literatura regista igualmente a perplexidade: “Como é possível saber-se (…) sobre uma pessoa sem nunca ter falado com ela?” (Dinis Machado, O que diz Molero, p. 161)

Acresce que às decisões condenatórias são reconhecidas especiais exigências de fundamentação; logo, também no que à temática da pena respeita.

Quando encerra a produção da prova e avança de imediato para a fase de leitura de acórdão, o tribunal prescinde de (tentar) obter mais informação sobre o arguido. O que poderia ter alcançado, se o tivesse esclarecido da possibilidade (sempre voluntária) de prestar declarações apenas sobre estes factos (os relativos à determinação da sanção – art. 369º do CPP), mantendo- se em silêncio quanto a todos os restantes (os relativos à culpabilidade – art.

368º do CPP), assim dotando a sentença dos restantes elementos necessários à boa decisão.

Quando encerrou a discussão da causa, o tribunal não podia deixar de já saber que iria proferir decisão condenatória. O que implicaria a fixação de uma pena e, para tanto, a avaliação da personalidade do arguido (repercutida no facto) e a determinação do grau de culpa (pelo facto ou revelada no facto).

Esta decisão assenta, necessariamente, na apreciação da factualidade referente à pessoa do arguido. Arguido de quem, no caso, e apesar de presente em audiência, pouco se sabe.

O tribunal constitucional tem chamado a atenção para o facto de não serem

“uniformes as exigências constitucionais de fundamentação de todo o tipo de decisões em matéria penal, (…) que as decisões condenatórias devem ser objecto de um dever de fundamentar de especial intensidade, mas que não se verifica o mesmo noutro tipo de decisões” (Ana Luísa Pinto, A Celeridade no Processo Penal: O Direito à Decisão em Prazo Razoável, p. 75 e Acs TC 680/98, 281/2005 e 63/2005 aí cit.).

Como bem nota Ana Luísa Pinto, “a celeridade não afasta a necessidade de o processo se conformar de modo adequado a assegurar, designadamente, o contraditório, a igualdade de armas, a produção de prova e a fundamentação da decisão. De igual modo, não pode a celeridade prejudicar a averiguação da

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