3. METODOLOGIA
3.1 PRINCÍPIOS METODOLÓGICOS
A coleta de dados para esta pesquisa foi realizada na Clínica Escola Manuel de Freitas Limeira, da Universidade Católica de Pernambuco. Participaram da pesquisa 04 sujeitos afásicos com idades entre 47 e 68 anos, do sexo masculino.
Os participantes foram selecionados no livro de espera da referida clínica.
A escolha foi aleatória. Cada participante e familiar que veio à clínica recebeu orientações que as atividades fariam parte de uma pesquisa para fins científicos.
Nesta oportunidade, foi lido e assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme preconiza a legislação e o comitê de ética.
Neste espaço, foi desenvolvido um trabalho de produção textual, abordando variados gêneros. A seleção dos gêneros foi baseada na experiência de vida de cada participante e em interesses apresentados por cada um durante as sessões. O que não excluiu o uso do mesmo gênero com mais de um participante.
Foram coletados dados orais, através da gravação das sessões e dados escritos.
Para as atividades, foram utilizados recortes de jornais e revistas, figuras, textos, cartões, bloco de anotações, livros, vídeos, música, de acordo com a necessidade do gênero trabalhado e da proposta prevista.
Todos os participantes foram submetidos a uma entrevista inicial não estruturada, a fim de se colher dados sobre o participante, sua vida, experiências, dificuldades mais sensíveis, disponibilidade e motivação para participar desta pesquisa.
As concepções de linguagem e de distúrbios que norteiam esta pesquisa excluem análises metalinguísticas e abordagens centradas nas formas da língua.
Dessa forma, procurou-se aproximar, ao máximo, de práticas discursivas, a fim de
proceder a uma análise qualitativa dos dados coletados, identificando os possíveis
usos significativos da linguagem neste grupo, quando inseridos em atividades
interativas e contextualizadas.
3.2 OS SUJEITOS
3.2.1 Sujeito S01
S01 é brasileiro, escolarizado, chegou a frequentar o curso superior de física, divorciado e pai de uma filha adulta. Segundo ele, foi fumante desde os 13 anos de idade até os 41 anos. Nesta idade, após sentir forte dor no peito, foi socorrido e hospitalizado, identificando-se que ele havia sofrido um AVC.
Atualmente, está com 47 anos, aparenta boa saúde e, embora apresente um leve e constante tremor nas mãos, S01 não possui sequelas motoras. Em relação à linguagem, sob a perspectiva tradicional das afasias, S01 tem a comunicação oral gravemente comprometida; seu quadro mórbido apresenta redução de fala severa, anomia, neologismo, parafasia, agramatismo, repetição razoavelmente preservada para palavras, escrita reduzida, paragrafia, dificuldade severa para leitura.
3.2.2 Sujeito S02
O sujeito S02 tem 57 anos de idade, é brasileiro, do sexo masculino, casado, possui cinco filhos (dois da atual esposa e três de outro casamento), estudou até o quinto ano do ensino fundamental. Trabalhou como motorista por cerca de quinze anos, viajando entre os estados da região Nordeste.
Há, aproximadamente, dois anos, S02 sofreu três acidentes vasculares cerebrais num intervalo de 15 dias, sem sequelas visíveis. Após três meses, sofreu outro AVC, dias depois de ter se submetido a uma angioplastia para solucionar o problema das recorrências de acidentes vasculares no cérebro. Posteriormente a ao último AVC, apresentou sequelas motoras, no lado direito, comprometendo a mão e a perna, e na fala.
Mesmo com a dificuldade motora, especialmente na mão, S02 dirige a
Kombi da família, atividade o faz sentir-se muito bem, geralmente na companhia do
filho mais novo. Pratica hidroginástica e faz fisioterapia, o que lhe ocupa a manhã de
segunda a quinta-feira.
No que se refere aos sintomas na linguagem, dentro de uma descrição mais tradicional, S02 apresentava parafasias, redução de fala, neologismo, estereotipia, anomia durante o discurso, leitura de palavras isoladas sem compreendê-las, ausência de escrita. Durante o trabalho realizado, a capacidade de compreensão mostrou-se preservada, sem indícios de comprometimento.
Nas sessões, mostrava-se uma pessoa muito simpática e extrovertida, embora apresentasse muito desânimo diante da sua dificuldade motora e, principalmente, por não se sentir o mesmo falante que fora um dia.
3.2.3 Sujeito S03
S03 é do sexo masculino, brasileiro, tem 59 anos de idade, é casado e possui dois filhos adultos. Além do ensino médio concluído, tinha formação de técnico agrícola, atividade que desempenhava no seu último emprego. No período dos atendimentos, não desempenhava nenhuma atividade remunerada, estava sob o benefício do INSS e providenciando sua aposentadoria, pois, de acordo com sua esposa, o neurologista, em laudo, informou que S03 não tinha mais condições de exercer suas atividades no trabalho.
Há pouco mais de um ano, S03 foi socorrido no trabalho e levado para o hospital onde foi diagnosticado que sofrera um acidente vascular cerebral seguido de convulsão. As crises convulsivas ocorreram por mais alguns meses mas, atualmente, encontram-se controladas, medicamentosamente. Em decorrência do AVC, S03 ficou com dificuldades motoras na perna e mão direita. Com a fisioterapia, houve recuperação total da funcionalidade manual e melhora significativa da condição motora da perna, embora apresente dificuldades de locomoção.
Quando não estava em atendimento médico ou fisioterapêutico, S03 permanecia em casa e, na maior parte do tempo, sua principal atividade era assistir a programas de televisão. Recebia visita de familiares e praticamente não fazia programas de lazer fora de casa.
Em relação à linguagem, seu discurso era por vezes truncado,
apresentando dificuldades de ser objetivo. E, ainda, com ocorrências de repetição,
parafasias, hesitações e anomia. Além disso, S03 apresentava significativa
preservação na leitura, mas, desde o episódio neurológico, não tinha feito uso da escrita.
3.2.4 Sujeito S04
Há, aproximadamente, 20 anos, S04 sofreu um acidente vascular cerebral durante a noite e acordou com dificuldades para se levantar da cama. S04 era hipertenso e, até o episódio neurológico, não recebera qualquer tipo de acompanhamento médico por desconhecer que tinha tal problema de saúde. Por não conseguir atendimento médico no mesmo dia, não foi submetido a nenhuma intervenção clínica ou medicamentosa. Inclusive, o diagnóstico só foi recebido oito dias depois dos primeiros sintomas, quando ele resolveu tentar, novamente, um atendimento em outra unidade pública de saúde. Além da dificuldade para se comunicar, S04 apresentou problemas motores na perna direita, hoje totalmente recuperada.
Estudou até o segundo ano do ensino fundamental. Atualmente, não lê nem escreve, mas afirma que executava essas duas tarefas antes do AVC, embora com alguma dificuldade. Seu último emprego foi como vigilante em uma agência bancária. Atualmente, S04 tem 68 anos, é aposentado por tempo de serviço, divorciado, possui dois filhos residentes no estado do Rio de Janeiro, mora sozinho, aparenta ter uma vida reservada, de poucos amigos e quase nenhuma atividade social.
Embora relate ter ficado praticamente sem se comunicar, seu quadro atual apresentava melhoras significativas em relação ao relatado. Sua fala era com apraxia, não fluente, lenta, compassada e com redução na variação tonal. Aparentou pouca iniciativa comunicativa. No seu discurso identificavam-se repetições, presença de neologismo, agramatismo, ocorrências de hesitação e autocorreção. Ele não deu indícios que apresentava dificuldades de compreensão.
3.3 MATERIAL E PROCEDIMENTOS
Os dados para a análise foram obtidos em atendimentos individuais com cerca de 40 minutos cada, duas vezes por semana, durante dois meses consecutivos em que a autora desta pesquisa foi a terapeuta. Todos os encontros tiveram o registro eletrônico do áudio. No caso do sujeito S01, também houve registro visual. Além disso, a pesquisadora procedeu com anotações sistemáticas ao fim das sessões para registro de observações referente aos sujeitos e à sessão.
Os gêneros foram selecionados baseando-se na entrevista inicial, e nos dados colhidos, a cada sessão, sobre a experiência e os usos de gêneros de cada sujeito. A partir da definição que os gêneros são modos familiares para onde os interlocutores se dirigem para criar ações comunicativas entre si (BAZERMAN, 2006), foram utilizados gêneros textuais como ponto de partida para a conversação, quando possível, também para atividades que envolvessem leitura e escrita, sem caráter escolar.
A construção ou utilização desses gêneros textuais foram o pano de fundo para contextualizar as sessões. Nesta perspectiva, mais que executar a atividade, as sessões tiveram como meta permitir o diálogo como forma básica e concreta da interação, proporcionando oportunidades em que o afásico ocupasse o papel de locutor, permitindo que essa pessoa se posicionasse à sua maneira, com seus enunciados (BAKHTIN, 1997).
3.3.1 Os gêneros
As atividades desenvolvidas foram previamente planejadas de modo que exercessem a função de disparadora da atividade de comunicação. Com esse propósito, foram utilizados: imagens da internet, notícias da semana, reportagens impressas, vídeos jornalísticos, receita culinária, música, encarte de supermercado, propaganda política, poemas, crônicas, história em quadrinhos, agenda, charge, filmes, cartões com figuras. Com esse material foram trabalhados gêneros textuais durante as sessões. Segue-se descrição de algumas dessas atividades.
3.3.1.1 Agenda
Foi solicitado que o afásico comentasse sobre suas atividades, durante um dia, a cada hora, de modo que fosse preenchida uma tabela com horários das 06 horas até as 21 horas, como numa agenda (FIG.). A agenda foi preenchida a partir dos comentários e observações do afásico sobre suas atividades.
FIG. 01 - AGENDA
3.3.1.2 Anúncio
Foram levadas imagens de móveis e eletrodomésticos para que o afásico pudesse escolher um de cada vez e descrever características desse objeto. O objetivo era elaborar um anúncio de venda a partir das descrições e colocações do afásico.
FIG. 02 - ANÚNCIO
3.3.1.3 Charge
Uma charge, retirada da internet, foi utilizada para abordar as eleições daquele ano cujas campanhas eleitorais ocupavam a atenção da população naquele período. A partir da charge, foram discutidas as preferências políticas do afásico, suas expectativas e seu envolvimento nesse processo.
FIG. 03 – CHARGE POLÍTICA
3.3.1.4 Crônica
Duas crônicas (TEXTO 01 e TEXTO 02), atribuídas a Fernando Veríssimo, foram utilizadas como ponto de partida para falar sobre as variadas maneiras que se pode abordar o mesmo assunto. O afásico foi convidado a fazer a leitura dos textos e identificar se eles versavam sobre o mesmo assunto, que assunto era esse e qual a opinião dele sobre esse tema.
Era uma vez... numa terra muito distante...uma princesa linda, independente e cheia de auto-estima.
Ela se deparou com uma rã enquanto contemplava a natureza e pensava em como o maravilhoso lago do seu castelo era relaxante e ecológico...
Então, a rã pulou para o seu colo e disse: linda princesa, eu já fui um príncipe muito bonito.
Uma bruxa má lançou-me um encanto e transformei-me nesta rã asquerosa.
Um beijo teu, no entanto, há de me transformar de novo num belo príncipe e poderemos casar e constituir lar feliz no teu lindo castelo.
A tua mãe poderia vir morar conosco e tu poderias preparar o meu jantar, lavar as minhas roupas, criar os nossos filhos e seríamos felizes para sempre...
Naquela noite, enquanto saboreava pernas de rã sautée, acompanhadas de um cremoso molho acebolado e de um finíssimo vinho branco, a princesa sorria, pensando consigo mesma:
- Eu, hein?... nem morta!
TEXTO 01
Para se roubar um coração, é preciso que seja com muita habilidade, tem que ser vagarosamente, disfarçadamente, não se chega com ímpeto, não se alcança o coração de alguém com pressa. Tem que se aproximar com meias palavras, suavemente, apoderar-se dele
aos poucos, com cuidado. Não se pode deixar que percebam que ele será roubado, na verdade, teremos que furtá-lo,
docemente. Conquistar um coração de verdade dá trabalho, requer paciência, é como se fosse tecer uma colcha de retalhos, aplicar uma renda em um vestido, tratar de um jardim, cuidar de uma criança. É necessário que seja com destreza, com vontade, com encanto, carinho e sinceridade. Para se conquistar um coração definitivamente tem que ter garra e esperteza, mas não falo dessa esperteza que todos conhecem, falo da esperteza de sentimentos, daquela que existe guardada na alma em todos os momentos. Quando se deseja realmente conquistar um coração, é preciso que antes já tenhamos conseguido conquistar o nosso, é preciso que ele já tenha sido explorado nos mínimos detalhes, que já se tenha conseguido conhecer cada cantinho, entender cada espaço preenchido e aceitar cada espaço vago. ...e então, quando finalmente esse coração for conquistado, quando tivermos nos apoderado dele, vai existir uma parte de alguém que seguirá conosco. Uma metade de alguém que será guiada por nós e o nosso coração passará a bater por conta desse outro coração. Eles sofrerão altos e baixos sim, mas com certeza haverá instantes, milhares de instantes de alegria. Baterá descompassado muitas vezes e sabe por que? Faltará a metade dele que ainda não está junto de nós. Até que um dia, cansado de estar dividido ao meio, esse coração chamará a sua outra parte e alguém por vontade própria, sem que precisemos roubá-la ou furtá-la nos entregará a metade que faltava. E é assim que se rouba um coração, fácil não? Pois é, nós só precisaremos roubar uma metade, a outra virá na nossa mão e ficará detectado um roubo então! E é só por isso que encontramos tantas pessoas pela vida a fora que dizem que nunca mais conseguiram amar alguém... é simples... é porque elas não possuem mais coração, eles foram roubados, arrancados do seu peito, e somente com um grande amor ela terá um novo coração, afinal de contas, corações são para serem divididos, e com certeza esse grande amor repartirá o dele com você.