EFEITO DO AQUECIMENTO NO ISOLAMENTO DE NANOCRISTAIS DE CELULOSE A PARTIR DO BAGAÇO DE CANA-DE-AÇÚCAR
F. C. dos Santos¹*, M. da S. Fernandes1, D. Souza¹
1 - Universidade Estadual Norte Fluminense – UENF, Campos dos Goytacazes – RJ
*frirllei_cardozo@hotmail.com
RESUMO
O presente trabalho apresenta uma metodologia para a extração de nanocelulose do bagaço de cana-de-açúcar visando sua aplicação na formulação de nanocompósitos. Realizou-se tratamento alcalino no bagaço de cana com hidróxido e hipoclorito de sódio para remoção dos componentes não celulósicos. Para remoção da região amorfa da celulose as microfibrilas foram submetidas à hidrólise ácida com ácido sulfúrico a 60% em massa por 120 min em diferentes condições de temperatura (30°C e 45°C). Através das análises de espectrometria de infravermelho e a microscopia eletrônica de varredura foi avaliada a eficiência dos tratamentos alcalinos na remoção dos componentes não celulósicos. A hidrólise ácida resultou em nanocelulose com diferentes aspectos em função da temperatura, conforme observado por microscopia de transmissão, a hidrólise a 45°C resultou em nanocristais com menores dimensões, com alguns aglomerados, além de nanocristais com maior cristalinidade, comprovado pela difração de raios-x.
Palavras-chave: bagaço de cana-de-açúcar, nanocelulose, tratamento alcalino, hidrólise ácida.
INTRODUÇÃO
O aproveitamento de resíduos da agroindústria da cana-de-açúcar, como o bagaço e a palha da cana, gera no meio ambiente um impacto positivo, pois o que não é utilizado para geração de energia pode ser utilizado para outras finalidades como é o caso da extração de nanocristais de celulose
(1-4). O bagaço de cana é composto por cerca de 60% de celulose, 15% de lignina, 25% de hemicelulose e quantidades menores de impurezas, extrativos e compostos inorgânicos
(2,3). Pela quantidade considerável de celulose o bagaço de cana tem sido apontado como excelente fonte de extração de nanocristais de celulose.
Os nanocristais de celulose possuem aspectos elétricos, óticos, químicos e
mecânicos específicos, diferentes das estruturas maiores das fibras, além de baixa
densidade e grande área superficial, características fundamentais para utilização em
nanocompósitos
(5-7). As propriedades em geral dos nanocristais de celulose variam significativamente com a fonte da celulose e método de extração das regiões amorfas (8,9)
Para o isolamento da celulose e nanocelulose a partir de fontes lignocelulósicas é necessário que haja a remoção da região amorfa das fibras que envolvem a celulose, principalmente a lignina e a hemicelulose, através de tratamentos químicos. Os processos químicos mais utilizados para extração da celulose são com base forte para solubilização de hemicelulose, pectina, cera e óleo e branqueamento, em meio básico ou ácido
(10). Já para obtenção de nanocelulose é necessário à presença de um ácido forte, em um processo conhecido como hidrólise ácida, geralmente com ácido sulfúrico ou clorídrico, para que ocorra a remoção da região amorfa da celulose e a quebra da celulose em escala nanométrica
(12).
Com o objetivo de desenvolver uma metodologia para extração de nanocristais de celulose a partir do bagaço de cana-de-açúcar o presente trabalho avalia o efeito de tratamentos alcalinos para a remoção da fração amorfa das fibras, e verifica a eficiência do tratamento com ácido sulfúrico na remoção da fração amorfa da celulose e a capacidade de isolamento de nanocristais de celulose.
MATERIAIS E MÉTODOS
O bagaço foi cedido pela Usina Canabrava, situada em Campos dos Goytacazes/RJ. Para os tratamentos alcalinos o Hipoclorito de Sódio (NaClO) P.A.
5% e o Hidróxido de Sódio (NaOH) P.A. em pastilhas, foram adquiridos da Vetec. A hidrólise ácida foi realizada com Ácido Sulfúrico (H
2SO
4) P.A., adquirido da Vetec.
Obtenção dos nanocristais de celulose
As fibras do bagaço de cana, obtidas após estágio de moenda, foram lavadas e secas em estufa antes de qualquer tratamento, logo após foram cortadas em moinho de facas da marca Primotécnica modelo LP1003, localizado no Instituto de Macromoléculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IMA/UFRJ) e reduzidas em tamanho médio de 500 µm, para posteriores tratamentos.
As fibras de cana sofreram sucessivos tratamentos alcalinos para remoção da
região não celulósica, foram realizados dois processos de mercerização e dois de
branqueamento de forma alternada e sucessiva. A mercerização foi realizada com
hidróxido de sódio (NaOH) 5% (m/v) sob vigorosa agitação por 4 horas a 45°C, e o branqueamento foi realizado com hipoclorito de sódio (NaClO), na proporção 2:1 em massa, sob vigorosa agitação por 2 horas em temperatura ambiente. Após cada etapa a polpa obtida foi lavada com água destilada até atingir pH neutro.
A fibrila celulósica obtida após os tratamentos alcalino sofreram redução de tamanho através da solubilização da fração amorfa da celulose por hidrólise ácida com ácido sulfúrico 60% (m/m) por 2 horas, variando as condições de temperatura a 45°C e em temperatura ambiente (~30°C), sob vigorosa agitação. A polpa originada sofreu centrifugação para a remoção do excesso de ácido e lavadas em água destilada até atingir pH 7. O produto obtido após centrifugação foi levado ao banho de ultrassom por 60 min para uma melhor dispersão, assim como relatado por Elazzouzi-Hafraoui et al.
(16). A Figura 1 apresenta a polpa obtida após cada tratamento alcalino.
Figura 1 – Material obtido dos tratamentos alcalinos (a) 1º tratamento alcalino com hidróxido de sódio; (b) 2° tratamento alcalino com hipoclorito de sódio; (c) 3° tratamento alcalino com hidróxido
de sódio; (d) 4° tratamento alcalino com hipoclorito de sódio.
Caracterização
A Espectroscopia Infravermelha por Transformada de Fourier, utilizando o sistema Prestige 21 da marca Shimadzu, no intervalo de 4000-500 cm
-1. Para difração de Raios-X (DRX) foi utilizado um sistema XRD 7000 da Shimadzu, utilizando radiação Cu Kα (λ = 0,1542 nm) e filtro de Ni, na faixa de 2° < 2θ < 40°
com velocidade de varredura 1°/min. O índice de cristalinidade (IC) foi calculado utilizando o método descrito por Ruland
(17), que aplica uma relação simples entre as áreas dos picos cristalinos e o halo amorfo de um difratograma de raios X.
A técnica de fluorescência foi aplicada em um Microscópio ótico de
fluorescência Axioplan (Zeiss), com os filtros BP (band-pass) com comprimento de
onda de excitação entre 460 e 490 nm e comprimento de onde de emissão LP (long-
pass) de 510 a 550 para visualização da emissão de fluorescência. As imagens
foram obtidas por meio de uma câmera fotográfica digital Canon Power Shot A640
acoplada ao microscópio e com o auxílio do programa Zoom Browser EX, localizado no Laboratório de Biologia Celular e de Tecidos da UENF (LBCT/CBB/UENF).
A morfologia das fibras após tratamento alcalino foi caracterizada por microscopia eletrônica de varredura (MEV), empregando fita adesiva de carbono e recobrimento com camada de ouro, mediante a técnica de “Sputtering”, no equipamento MEV SSX550 Shimadzu. A morfologia dos nanocristais celulósicos foi analisada por um Microscópio Eletrônica de Transmissão (MET) localizado no Laboratório de Biologia Celular e de Tecidos, situados na UENF (LBCT/CBB/UENF), no equipamento JEOL 1400 PLUS, os nanocristais foram depositados em grade de cobre de 300 mesh, recoberta com filme (Formvar) onde permaneceu por 15 min., antes de ter o excesso drenado com o auxílio de papel de filtro. A grade com nanocelulose em solução aquosa foi recoberta com uma gota de acetato de uranila 5%, e deixada para secar em temperatura ambiente por 10h.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A variação morfológica dos produtos de reação alcalina foi acompanhada através de micrografias obtidas por MEV. A Figura 2 exibe as micrografias de MEV da fibra in-natura e dos produtos obtidos de cada processo de mercerização e branqueamento.
O diâmetro do bagaço de cana in-natura é superior quando comparado ao
das fibras dos tratamentos posteriores. Nota-se pelas micrografias que as fibras
aparentam ser compostas por várias camadas de microfibrilas. Cada fibra possui
uma estrutura compacta com um alinhamento na direção do eixo da fibra. A
superfície da fibra in-natura tem aspecto áspero, devido à presença de ceras, cinzas,
óleo entre outras impurezas
(21).
Figura 2 – Micrografias obtidas pelo MEV (a) cana in-natura; (b) 1º tratamento alcalino com hidróxido de sódio; (c) 2° tratamento alcalino com hipoclorito de sódio; (d) 3 ° tratamento alcalino com hidróxido
de sódio; (e) 4° tratamento alcalino com hipoclorito de sódio.
Já no primeiro tratamento alcalino é possível observar um desfibrilamento das fibras com remoção parcial da matriz que envolve a celulose, representado pela lignina e hemicelulose, e consequente redução no diâmetro das fibras, assim através dos processos químicos as fibras são reduzidas a cada tratamento. O tratamento químico afeta a morfologia das fibras em termos de tamanho e de suavidade de superfície das fibras.
a
c d
b
d
A caracterização por Microscopia Ótica de Fluorescência foi utilizada com o objetivo de verificar a remoção de compostos aromáticos, como a lignina. Através do monitoramento da redução de fluorescência emitida por esses grupos. A análise foi realizada na fibra in-natura e nos derivados dos tratamentos alcalinos, as micrografias podem ser observadas na Figura 3.
Figura 3 – Micrografias de fluorescência (a) cana in-natura;; (b) 1º tratamento alcalino com hidróxido de sódio; (c) 2° tratamento alcalino com hipoclorito de sódio; (d) 3 ° tratamento alcalino com hidróxido
de sódio; (e) 4° tratamento alcalino com hipoclorito de sódio.
As micrografias apresentadas na Figura 3 comprovam a remoção dos grupos químicos aromáticos a cada novo tratamento alcalino, através da redução de materiais que fluorescem na presença de radiação excitante, ou seja, ao passo de cada tratamento a quantidade de material que fluoresce é reduzida, até que o último tratamento onde não é observada presença de qualquer luz fluorescente.
Confirmando a eficiência dos tratamentos alcalinos para remoção de lignina do bagaço de cana.
Os produtos obtidos após cada tratamento alcalino foram avaliados com o auxílio da Espectroscopia Infravermelha por Transformada de Fourier, Figura 4, sendo acompanhada a mudança nas bandas características à lignina, pectina e hemicelulose para verificar a eficiência do tratamento aplicado na remoção destes componentes.
a
d e
b c
A Figura 4 relaciona os espectros de infravermelho para cada etapa do processo alcalino, assim como para o bagaço de cana-de-açúcar in-natura. Os sinais em 1250 e 1740 cm
-1nos espectros são atribuídos à presença de lignina, pectina e hemicelulose, de acordo com Abraham et al.
(17). O sinal em 1740 cm
-1é atribuído ao estiramento vibracional do grupo C=O do acetilo e ésteres presentes na pectina, hemicelulose e lignina, onde nota-se redução no primeiro tratamento alcalino, correspondente ao primeiro processo com NaOH, e a partir do segundo tratamento alcalino não observa-se mais este sinal correspondente a esta banda.
4000 3500 3000 2500 2000 1500 1000 500
in-natura
1/cm TA1
TA2
Transmitância (%)
TA3 TA4
Figura 4 - Espectro de infravermelho para a fibra de cana in-natura e produtos obtidos após cada tratamento alcalino (TA1 primeiro tratamento com hidróxido de sódio; TA2 segundo tratamento com
hipoclorito de sódio; TA3 terceiro tratamento com hidróxido de sódio; TA4 quarto tratamento com hipoclorito de sódio).
Para o sinal em 1250 cm
-1nota-se o desaparecimento já no primeiro tratamento, sem grandes diferenças nos demais processos alcalinos. Assim como as bandas em 1520 cm
-1e 1630 cm
-1que são atribuídas à estrutura aromática da lignina, são reduzidas gradativamente a cada tratamento químico
(18). Os resultados de espectrometria de infravermelho mostram que o tratamento adotado foi eficiente para o isolamento das fibrilas de celulose e progressiva remoção das frações de lignina, pectina e hemicelulose das fibras do bagaço de cana-de-açúcar.
Na Figura 5 são apresentadas as imagens das micrografias obtidas por MET
das amostras de nanocelulose em solução aquosa, obtidas através de diferentes
condições de temperaturas. Em geral os cristais possuem forma alongada e circular, semelhante a agulhas, assim como encontrado por Yang et al.
(20).
Figura 5 - Micrografias de MET (a) nanocelulose obtida através da hidrólise a 45°C dispersa e (b) aglomerada; (c) nanocelulose obtida através da hidrólise em temperatura ambiente dispersa e (d)
aglomerada.
Foram observadas diferenças consideráveis nos métodos de obtenção da nanocelulose, a suspensão obtida da hidrólise aquecida apresentou-se mais dispersa (Figura 4 a), com dimensões menores dos cristais, e redução da quantidade de região aglomerada (Figura 4 b). O comprimento e o diâmetro médio dos cristais foram de aproximadamente 300 nm e 10 nm, respectivamente, para nanocristais obtidos a 45°C e aproximadamente 500 nm e 30 nm, para nanocristais obtidos em temperatura ambiente.
Na Figura 6 é possível observar os resultados de difração de Raios-X difratômetro dos nanocristais de celulose obtidos com e sem acréscimo de temperatura. As duas amostras exibiram três picos bem definidos em 2θ =15°, 2θ =22,5°, 2θ =34,5° característico de celulose I, esses picos são, de acordo com Mandal et al.
(21)e Yang et al.
(20)característicos dos planos (101), (002) e (040),
d b
c
a
respectivamente. Além dos picos observados na hidrólise à temperatura ambiente a nanocelulose extraída a partir da hidrólise ácida a 60% (m/m) aquecida a 45ºC apresenta um ombro a 12,5° característico de celulose II, como relatado por Teixeira et al.
(15).
5 10 15 20 25 30 35
0 200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 1800 2000 2200 2400
Intensidade (CPS)
2 (°)
HA60sa HA60ca
Figura 6 - Difração de Raios-X obtida a partir das amostras de hidrólises ácida.