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Os rios de nossas aldeias

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Academic year: 2022

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Os rios de nossas aldeias Jerson Kelman

O poeta Fernando Pessoa disse, em versos, que o rio Tejo era belo, nascia na Espanha e entrava em Portugal mas, mesmo com todas estas vantagens e toda importância, o Tejo jamais seria mais belo do que o rio da sua aldeia. Porque ele não era o rio que passava pela sua aldeia.

O recurso poético no momento em que se comemora a “semana da água”

(22 a 27 de março), nos leva, no mínimo, a uma reflexão: a humanidade continua dispondo da água como se este fosse um bem inesgotável. Basta um olhar para qualquer rio que corte uma grande cidade brasileira para observar - quase sempre - intensa poluição. Durante muitos anos, estivemos todos de costas para os rios de nossas respectivas aldeias. Como mudar esta prática? O nosso desafio é imenso. Mas, no Brasil, temos pelo menos uma vantagem. Há um arcabouço legal já construído. Não podemos dizer que ele é perfeito. Mas podemos garantir que é o primeiro passo para organizar o uso da água.

O que fazer para que as indústrias e as empresas de saneamento sejam induzidas a tratar o esgoto antes do lançamento nos rios? A legislação brasileira já tem a solução: cobrar daqueles que poluem os rios para atingir dois objetivos:

fazer doer no bolso dos poluidores e criar um fundo financeiro para viabilizar as ações corretivas, principalmente construção e operação de estações de tratamento de esgoto. A França adotou esta “receita” a partir dos anos 70, quando a maioria de seus rios era altamente poluída. Hoje estão praticamente limpos.

Necessitamos ser persistentes. Trata-se de tarefa a ser executada em décadas, e não em meses. Entretanto, não há outro caminho.

No Brasil há uma discussão contrapondo a água como um bem dotado de valor econômico e a água como um direito básico do ser humano. Como se houvesse uma contradição entre estes dois conceitos. Não há. A quantidade de água que uma pessoa necessita é muito pequena, da ordem de 50 a 100 litros por dia, para higiene pessoal, preparo da comida, lavagem de roupas e asseio da residência. O acesso a esta pequena quantidade é, sem dúvida, um direito básico do ser humano e um dever do poder público para com o cidadão.

Entretanto, a situação é diferente quando a água é utilizada em grande quantidade como insumo de processo produtivo. Por exemplo, a irrigação de um único hectare consome uma quantidade de água que seria suficiente para atender as necessidades básicas de mais de 400 pessoas. Suponhamos uma propriedade de 100 hectares. Seria razoável admitir como “direito humano básico” de seu proprietário o acesso a uma quantidade de água que seria suficiente para satisfazer 40.000 pessoas? Está claro que não!

O razoável seria cobrar deste irrigante a água que, ao ser utilizada privadamente, deixa de ser pública. Em outras palavras, é legítima a cobrança pelo uso particular de bem público, desde que o usuário tenha capacidade de pagamento. O irrigante, quando cobrado pelo uso da água, pensará em utilizar métodos de irrigação mais econômicos. Isto significa a produção de mais alimentos e a geração de mais empregos com a mesma quantidade de água. O mesmo raciocínio se aplica quando a água é utilizada em outros processos produtivos, por exemplo na indústria.

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Nossa missão é implantar em nosso país a gestão dos recursos hídricos.

Isto significa fazer com que a água disponibilizada por Deus para todos seja

“privatizada”? Certamente que não! Trata-se de organizar o uso da água de forma a garantir que água de boa qualidade, para o consumo e para geração de emprego e renda, esteja disponível para a atual e para as futuras gerações. Se ficarmos de braços cruzados, correremos o risco de ocorrência da tragédia do uso dos bens comuns: quando não há limites para o uso de um recurso natural finito, como a água, o recurso é degradado ou utilizado em excesso, ficando indisponível para todos.

Ou seja, organizar o uso, definir prioridades e, sobretudo, ter a população como aliada para que a tarefa de cuidar dos rios não seja só dos governos, mas também daqueles que precisam pensar em garantir água de boa qualidade para as próximas gerações. Em resumo, cada um deve zelar do rio de sua própria aldeia.

KELMAN, J. Os rios de nossas aldeias. Revista ECO-21, ano XIV, n. 88, mar.

2004. p. 13.

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