Cap´ıtulo 18
Rudimentos da Teoria das Equa¸ c˜ oes a Derivadas Parciais
Conte´ udo
18.1 Defini¸c˜oes, Nota¸c˜oes e Alguns Exemplos . . . 897
18.2 Algumas Classifica¸c˜oes de Equa¸c˜oes a Derivadas Parciais . . . 906
18.2.1 Equa¸c˜oes Lineares, N˜ao-Lineares, Semi-Lineares e Quase-Lineares . . . 906
18.2.2 Classifica¸c˜ao de Equa¸c˜oes de Segunda Ordem. Equa¸c˜oes Parab´olicas, El´ıpticas e Hiperb´olicas 908 18.3 O M´etodo de Separa¸c˜ao de Vari´aveis . . . 911
18.3.1 O M´etodo de Separa¸c˜ao de Vari´aveis. Caso de Equa¸c˜oes Lineares . . . 912
18.3.2 O M´etodo de Separa¸c˜ao de Vari´aveis. Caso de Equa¸c˜oes N˜ao-Lineares . . . 915
18.4 Problemas de Cauchy e Superf´ıcies Caracter´ısticas. Defini¸c˜oes e Exemplos B´asicos . . . 916
18.5 O M´etodo das Caracter´ısticas . . . 923
18.5.1 Exemplos de Aplica¸c˜ao do M´etodo das Caracter´ısticas . . . 928
18.5.2 Caracter´ısticas. Coment´arios Adicionais . . . 939
18.5.3 Sistemas de Equa¸c˜oes Quase-Lineares de Primeira Ordem . . . 940
18.5.3.1 Generalidades Sobre Problemas de Condi¸c˜ao Inicial em Sistemas Quase-Lineares de Primeira Ordem . . . 945
18.5.3.2 Sistemas Hiperb´olicos Semi-Lineares de Primeira Ordem em Duas Vari´aveis . . . 948
18.5.3.3 Solu¸c˜oes Ditas Simples de Sistemas Quase-Lineares, Homogˆeneos, de Primeira Ordem em Duas Vari´aveis . . . 951
18.6 Alguns Teoremas de Unicidade de Solu¸c˜oes de Equa¸c˜oes a Derivadas Parciais . . . 954
18.6.1 Casos Simples. Discuss˜ao Preliminar . . . 954
18.6.2 Unicidade de Solu¸c˜ao para as Equa¸c˜oes de Laplace e Poisson . . . 958
18.6.3 Unicidade de Solu¸c˜oes. Generaliza¸c˜oes . . . 960
18.7 Exerc´ıcios Adicionais . . . 967
N
estecap´ıtulo apresentaremos uma breve introdu¸c˜ ao `a teoria das equa¸c˜ oes a derivadas parciais. Ser˜ao apresenta- dos alguns m´etodos de resolu¸c˜ ao mais comummente empregados e alguns teoremas de unicidade de solu¸c˜ ao de importˆancia na justificativa daqueles m´etodos. Assim como as equa¸c˜ oes diferenciais ordin´arias, introduzidas no Cap´ıtulo 12, p´agina 629, equa¸c˜ oes a derivadas parciais s˜ao de grande importˆancia nas Ciˆencias Naturais por expressarem leis f´ısicas. Ainda que tenham se desenvolvido em paralelo, a teoria das equa¸c˜ oes diferenciais ordin´arias distingue-se um tanto da teoria das equa¸c˜ oes a derivadas parciais, pois na segunda menos resultados gerais s˜ao conhecidos e os m´etodos de resolu¸c˜ ao e de an´ alise qualitativa s˜ao mais intrincados e limitados em escopo. Por exemplo, n˜ao existem na teoria das equa¸c˜ oes a derivadas parciais resultados sobre existˆencia e unicidade de solu¸c˜ ao que sejam t˜ao gerais quanto os Teoremas de Peano e de Picard-Lindel¨ of, v´alidos para equa¸c˜ oes diferenciais ordin´arias (vide Teorema 12.1, p´agina 647 e Teorema 12.2, p´agina 648). Uma outra observa¸c˜ ao geral que deve ser feita sobre a teoria das equa¸c˜ oes a derivadas parciais ´e que nem sempre encontram-se resultados v´alidos para equa¸c˜ oes de ordem arbitr´ aria com um n´ umero arbitr´ ario de vari´ aveis.
H´ a mais resultados, e mais fortes, sobre equa¸c˜ oes envolvendo duas vari´ aveis que mais de duas vari´ aveis e, igualmente, h´a mais e mais fortes resultados sobre equa¸c˜ oes de ordem um ou dois que para equa¸c˜ oes de ordem trˆes ou mais.
Alguns m´etodos de resolu¸c˜ ao de equa¸c˜ oes a derivadas parciais, como o m´etodo de separa¸c˜ ao de vari´ aveis e o m´etodo das caracter´ısticas, envolvem a resolu¸c˜ ao de equa¸c˜ oes diferenciais ordin´arias e vamos nos dedicar a eles aqui. Nosso prop´osito neste cap´ıtulo ´e apresentar primordialmente ideias da teoria geral das equa¸c˜ oes a derivadas parciais. O cap´ıtulo 42, p´agina 2259, ´e dedicado a exemplos de aplica¸c˜ oes de m´etodos espec´ıficos de resolu¸c˜ ao e sua leitura complementa a deste cap´ıtulo de maneira essencial.
A Se¸c˜ ao 18.6, p´agina 954, dedica-se a alguns teoremas de unicidade de solu¸c˜ ao, os quais s˜ao evocados nos exemplos do Cap´ıtulo 42. A leitura da Se¸c˜ ao 18.6 dispensa a leitura das se¸c˜oes precedentes.
896
H´ a uma vasta literatura sobre equa¸c˜ oes a derivadas parciais e nossas pretens˜ oes no presente cap´ıtulo s˜ao infimamente modestas. Para um estudo mais completo recomendamos [86, 87], [190], [309], [136], [116], [362], [121], [199].
O emprego de equa¸c˜ oes diferenciais parciais na F´ısica teve in´ıcio com a obra de D’Alembert
1sobre as causas dos ventos, sobre o movimento da corda vibrante e, em especial, sobre hidrodinˆamica. Vide [304], cap. 5 e [90].
18.1 Defini¸ c˜ oes, Nota¸ c˜ oes e Alguns Exemplos
•
Nota¸ c˜ ao de multi-´ındices e diversas outras nota¸ c˜ oes
Devido ` a frequente ocorrˆencia de derivadas parciais mistas na teoria das equa¸c˜ oes a derivadas parciais ´e conve- niente introduzir algumas nota¸c˜ oes simplificadoras. Um n-multi-´ındice, ou simplesmente multi-´ındice, ´e uma n-upla α = (α
1, . . . , α
n) onde cada α
k´e um n´ umero natural maior ou igual a zero. A cole¸c˜ ao de todos os n-multi-´ındices
´e, portanto,
Nn0. A ordem de um multi-´ındice α, denotada por
|α|, ´e definida por|α|:= α
1+
· · ·+ α
n. O multi-
´ındice (0, . . . , 0) ´e denominado multi-´ındice nulo e denotado por 0. Dados dois n-multi-´ındices α = (α
1, . . . , α
n) e β = (β
1, . . . , β
n) denotamos por α + β o n-multi-´ındice (α
1+ β
1, . . . , α
n+ β
n).
Seja u um a fun¸c˜ ao de n vari´ aveis x
1, . . . , x
n. Dado um multi-´ındice α
∈Nn0, denotamos por D
αu ou por ∂
αu a derivada parcial mista de u univocamente definida por
D
αu
≡∂
αu := ∂
|α|u
∂x
α11· · ·∂x
αnn,
sendo que, se 0 = (0, . . . , 0) for o multi-´ındice nulo, define-se D
0u := u. Note-se tamb´em que D
αD
βu = D
α+βu.
Dado um operador diferencial D
αo valor de
|α|´e dito ser o grau de D
α.
Neste texto denotaremos por M
nmo conjunto de todos os n-multi-´ındices de ordem menor ou igual a m
∈N0: M
nm:=
n(α
1, . . . , α
n)
∈Nn0, 0
≤ |α| ≤m
o=
n(α
1, . . . , α
n)
∈Nn0, 0
≤α
1+
· · ·+ α
n≤m
o(18.1) e denotaremos por N
nmo conjunto de todos os n-multi-´ındices de ordem igual a m
∈N0:
N
nm:=
n(α
1, . . . , α
n)
∈Nn0,
|α|= m
o=
n(α
1, . . . , α
n)
∈Nn0, α
1+
· · ·+ α
n= m
o. (18.2)
O n´ umero de elementos do conjunto N
nm´e denotado por
|Nnm|e tem-se
|Nnm|
=
n + m
−1 m
= (n + m
−1)!
(n
−1)! m! (18.3)
(vide Exerc´ıcio E. 6.5, p´agina 312). Pelo Exerc´ıcio E. 6.6, p´agina 313, tem-se tamb´em que
|Mnm|, o n´umero de elementos do conjunto M
nm, ´e dado por
|Mnm|
= n + m
m
= (n + m)!
n!m! . (18.4)
E de se notar a validade da rela¸c˜ ´ ao
D
αD
β= D
α+β= D
βD
α,
onde, se α = (α
1, . . . , α
n) e β = (β
1, . . . , β
n), denotamos α + β := (α
1+ β
1, . . . , α
n+ β
n) = β + α.
Para um n-multi-´ındice α = (α
1, . . . , α
n) definimos o s´ımbolo α! como sendo o produto α! = α
1!
· · ·α
n! .
Para z
∈Cn(ou
Rn) da forma z = (z
1, . . . , z
n) e um n-multi-´ındice α = (α
1, . . . , α
n) definimos o s´ımbolo z
αcomo sendo o produto
z
α= z
α11· · ·z
nαn.
1Jean Le Rond d’Alembert (1717–1783). Um dos grandes nomes do Iluminismo, D’Alembert trouxe importantes contribui¸c˜oes `a An´alise (a no¸c˜ao de limite, por exemplo, ´e atribuida a ele), `a Geometria Anal´ıtica, `a Teoria das Equa¸c˜oes Diferenciais. Foi tamb´em fil´osofo e pol´ıtico, tendo sido, juntamente a Diderot, editor e organizador daEncyclop´edie.
H´ a uma rela¸c˜ ao de ordem parcial entre n-multi´ındices. Se α e β s˜ao n-multi´ındices, escrevemos α < β caso α
j< β
jpara todo j
∈ {1, . . . , n}e, analogamente, escrevemos α
≤β caso α
j ≤β
jpara todo j
∈ {1, . . . , n}. Dados doisn-multi´ındices α e β definimos min{α, β} como sendo o n-multi´ındice cuja j-´esima componente ´e o m´ınimo entre a j-´esima de α e a de β:
min{α, β} :=
min{α
1, β
1}, . . . ,min{αn, β
n}. O n-multi´ındice max{α, β} ´e definido analogamente.
Al´em da nota¸c˜ ao de multi-´ındices, empregaremos outras nota¸c˜ oes para as derivadas parciais de uma fun¸c˜ ao u. Por exemplo,
∂ u
∂x
≡∂
xu
≡u
xs˜ao trˆes s´ımbolos que representam a derivada parcial de u em rela¸c˜ ao a x. Analogamente,
∂
2u
∂x
2 ≡∂
xxu
≡u
xx, ∂
2u
∂x∂y
≡∂
xyu
≡u
xyetc.
•
A regra de Leibniz
A nota¸c˜ ao de multi-´ındices permite expressar a regra de Leibniz, para derivadas parciais m´ ultiplas de produtos de duas fun¸c˜ oes, de uma forma econˆ omica. Se γ ´e um n-multi-´ındice e f e g s˜ao duas fun¸c˜ oes de n vari´ aveis que sejam ao menos
|γ|vezes diferenci´aveis, ent˜ao vale
D
γ(f g) =
X0≤α≤γ
γ!
α!(γ
−α)! D
α(f )D
γ−α(g) . (18.5)
onde γ e α, acima, s˜ao n-multi´ındices.
E. 18.1
Exerc´ıcio.Demonstre (18.5). Sugest˜ao: prova por indu¸c˜ao. 6•
Operadores diferenciais lineares Uma express˜ao como
L :=
Xα∈Mn m
a
α(x
1, . . . , x
n) D
α, (18.6)
onde a
α, α
∈M
nm, s˜ao fun¸c˜ oes em princ´ıpio arbitr´ arias das vari´ aveis x
1, . . . , x
n, ´e dita ser um operador diferencial linear de ordem m nas vari´ aveis x
1, . . . , x
n. Naturalmente s´o faz sentido, classicamente falando, aplicar operadores diferenciais lineares de ordem m em fun¸c˜ oes m vezes diferenci´aveis. Um fato evidente ´e que se γ
1γ
2s˜ao constantes, vale L γ
1u
1+ γ
2u
2= γ
1Lu
1+ γ
2Lu
2para quaisquer fun¸c˜ oes m-vezes diferenci´aveis u
1e u
2.
•
Equa¸ c˜ oes a derivadas parciais
Em termos simples, uma equa¸c˜ ao a derivadas parciais (abreviadamente, uma EDP) ´e uma rela¸c˜ ao a ser satisfeita por uma fun¸c˜ ao de v´arias vari´ aveis e um conjunto finito de suas derivadas parciais (incluindo eventualmente derivadas parciais mistas). Passemos a formalizar essa ideia.
Uma fun¸c˜ ao inc´ognita de n vari´ aveis reais u(x
1, . . . , x
n) ´e dita satisfazer uma equa¸c˜ ao a derivadas parciais em um certo dom´ınio Ω
⊂Rn, definida por uma fun¸c˜ ao de N vari´ aveis G e por um conjunto de n-multi-´ındices α
1, . . . , α
M(pelo menos um sendo n˜ao-nulo) se valer G
x, u(x), D
α1u(x) . . . , D
αMu(x)
= 0
para todo x
≡(x
1, . . . , x
n)
∈Ω. O maior valor de
|αk|,k = 1, . . . , M ´e dito ser a ordem da equa¸c˜ ao a derivadas parciais. Vide exemplos logo adiante. Com essa generalidade h´a, como tamb´em notamos quando apresentamos a defini¸c˜ ao de equa¸c˜ oes diferenciais ordin´arias (Cap´ıtulo 12, p´agina 629), equa¸c˜ oes imposs´ıveis, como por exemplo no caso em que, para uma fun¸c˜ ao de duas vari´ aveis u(x
1, x
2),
G
x
1, x
2, u(x
1, x
2), ∂u
∂x
1(x
1, x
2), ∂u
∂x
2(x
1, x
2)
=
|u|+
∂u
∂x
1
+
∂u
∂x
2
+ 1 = 0
que n˜ao pode ser satisfeita de forma alguma. Assim, devemos sempre supor a existˆencia de um dom´ınio (aberto) onde G anula-se, hip´otese que assumiremos doravante sem maiores coment´arios.
•
Sistemas de equa¸ c˜ oes a derivadas parciais
Um conjunto de m fun¸c˜ oes inc´ognitas de n vari´ aveis reais u
k(x
1, . . . , x
n), k = 1, . . . , m, ´e dito satisfazer um sistema de l equa¸c˜ oes a derivadas parciais definidas por l fun¸c˜ oes de N vari´ aveis G
j, j = 1, . . . , l e por um conjunto de n-multi-´ındices α
jki(pelo menos um sendo n˜ao-nulo) se valer
G
1
x, u
1(x), . . . , u
m(x), D
α111u
1(x) . . . , D
α1lM11u
1(x), . . . , D
α1m1u
m(x) . . . , D
α1mMm1u
m(x)
= 0 ,
.. . .. .
G
l
x, u
1(x), . . . , u
m(x), D
αl11u
1(x) . . . , D
αl1M1lu
1(x), . . . , D
αlm1u
m(x) . . . , D
αlmMmlu
m(x)
= 0 ,
(18.7)
para todo x
≡(x
1, . . . , x
n)
∈Ω. O maior valor de
|αjki |´e dito ser a ordem do sistema de equa¸c˜ oes a derivadas parciais.
Exemplos ser˜ao vistos logo adiante.
Naturalmente, temos que supor que as l equa¸c˜ oes acima sejam independentes, ou seja, que n˜ao possam ser obtidas umas das outras quer por opera¸c˜ oes alg´ebricas quer por diferencia¸c˜ ao.
Se l < m (menos equa¸c˜ oes que fun¸c˜ oes inc´ognitas) o sistema ´e dito ser um sistema subdeterminado. Se l > m (mais equa¸c˜ oes que fun¸c˜ oes inc´ognitas) o sistema ´e dito ser um sistema sobredeterminado. Se l = m o sistema ´e dito ser um sistema determinado (isso n˜ao quer dizer que seja sol´ uvel!).
Muito semelhantemente ao que ocorre com equa¸c˜ oes diferenciais ordin´arias, ´e poss´ıvel transformar uma equa¸c˜ ao a derivadas parciais em um sistema de equa¸c˜ oes a derivadas parciais de primeira ordem. Por exemplo, a equa¸c˜ ao
G
x, y, u(x, y), ∂ u
∂x (x, y), ∂ u
∂y (x, y), ∂
2u
∂x
2(x, y), ∂
2u
∂y
2(x, y), ∂
2u
∂x∂y
= 0 (18.8)
pode ser transformada no sistema equivalente G
x, y, u(x, y), p(x, y), q(x, y), ∂ p
∂x (x, y), ∂ q
∂y (x, y), ∂ p
∂y (x, y)
= 0 ,
∂ u
∂x (x, y)
−p(x, y) = 0 , (18.9)
∂ u
∂y (x, y)
−q(x, y) = 0 ,
composto de trˆes equa¸c˜ oes de primeira ordem com trˆes fun¸c˜ oes inc´ognitas, u, p e q. Na primeira das trˆes equa¸c˜ oes acima
∂ p
∂y
pode ser substitu´ıdo por
∂ q∂x.
O leitor deve ser advertido, por´em, que a rec´ıproca n˜ao ´e sempre verdadeira: nem todo sistema de equa¸c˜ oes de primeira ordem pode ser transformado em uma ´ unica equa¸c˜ ao a derivadas parciais. Em muitos casos uma tal equivalˆencia s´o ´e poss´ıvel sob restri¸c˜ oes a condi¸c˜ oes iniciais ou de fronteira.
•
A no¸ c˜ ao de solu¸ c˜ ao cl´ assica de uma EDP
Assim como no caso de equa¸c˜ oes diferenciais ordin´arias, algumas palavras devem ser ditas sobre a no¸c˜ ao de solu¸c˜ ao de uma equa¸c˜ ao a derivadas parciais. Uma solu¸c˜ ao cl´ assica de uma equa¸c˜ ao a derivadas parciais de ordem m em n vari´ aveis em um dom´ınio Ω
⊂ Rn(suposto conexo e de interior n˜ao-vazio) ´e uma fun¸c˜ ao m-vezes diferenci´avel que satisfaz a equa¸c˜ ao em todos os pontos do interior de Ω. Existem tamb´em outras no¸c˜ oes de solu¸c˜ ao, como a de solu¸c˜ ao fraca, de solu¸c˜ ao distribucional, de solu¸c˜ ao estoc´ astica, de solu¸c˜ ao viscosa etc. Discutiremos por ora apenas as solu¸c˜ oes cl´ assicas e, por isso, abusando um pouco da linguagem, nos referiremos a elas simplesmente como “solu¸c˜ oes”, sem pender o qualificativo “cl´ assicas”.
•
Exemplos de equa¸ c˜ oes a derivadas parciais de interesse
Como ilustra¸c˜ ao e para futura referˆencia apresentemos uma breve lista de equa¸c˜ oes a derivadas parciais de interesse.
Abaixo, u ´e uma fun¸c˜ ao de n vari´ aveis reais x
1, . . . , x
n, n
≥1, ou de n + 1 vari´ aveis reais t, x
1, . . . , x
n. Em muitas aplica¸c˜ oes t representa o tempo e x
1, . . . , x
nrepresenta coordenadas espaciais. Os s´ımbolos ∆ e
∇2denotam o operador Laplaciano para as coordenadas espaciais x
1, . . . , x
n, que no caso de coordenadas Cartesianas se escreve:
∆
≡ ∇2:= ∂
2∂x
21+
· · ·+ ∂
2∂x
2n.
•
Equa¸c˜ ao de Laplace
2∆u = 0 .
•
Equa¸c˜ ao de Poisson
3:
∆u = ρ ,
ρ sendo uma fun¸c˜ ao n˜ao-nula (doutra forma reca´ımos na equa¸c˜ ao de Laplace).
•
Equa¸c˜ ao de Helmholtz
4:
∆u + k
2u = 0 ,
onde k
2´e um parˆ ametro fixo ou um autovalor a ser fixado pela imposi¸c˜ ao de condi¸c˜ oes de contorno.
•
Equa¸c˜ ao de difus˜ ao de calor em um meio material n˜ao-homogˆeneo, s´olido (ou seja, na ausˆencia de condu¸c˜ ao de calor por convec¸c˜ ao) com uma fonte interna de calor:
cρ ∂ u
∂t
− ∇ ·κ~
∇u= Φ ,
onde u
≡u(~x, t) ´e a temperatura como fun¸c˜ ao da posi¸c˜ ao ~x e do tempo t, c
≡c(~x, t) ´e o calor espec´ıfico do material, ρ
≡ρ(~x, t) a densidade do material, κ
≡κ(~x, t) a condutividade t´ermica do material e Φ
≡Φ(~x, t) a quantidade de calor produzida por unidade de volume por unidade de tempo por uma fonte interna de calor dentro do material (e.g. radioatividade, rea¸c˜ oes qu´ımicas etc). As fun¸c˜ oes c(~x, t), ρ(~x, t) e κ(~x, t) s˜ao positivas e, assim como Φ(~x, t), podem tamb´em ser dependentes da temperatura u(~x, t).
•
Equa¸c˜ ao de difus˜ ao homogˆenea ou Equa¸c˜ ao do calor (provavelmente proposta pela primeira vez por Fourier
5):
∂ u
∂t
−D∆u = Φ ,
onde D ´e uma constante positiva e Φ uma fun¸c˜ ao, a qual pode ser identicamente nula.
•
Equa¸c˜ ao de ondas homogˆenea:
∂
2u
∂t
2 −c
2∆u = 0 , onde c ´e uma constante positiva.
•
Equa¸c˜ ao de ondas homogˆenea com amortecimento:
∂
2u
∂t
2+ γ ∂ u
∂t
−c
2∆u = 0 , onde c > 0 e γ > 0 s˜ao constantes.
•
Equa¸c˜ ao de ondas homogˆenea com amortecimento interno:
∂
2u
∂t
2+ γ ∂ ∆u
∂t
−c
2∆u = 0 , onde c > 0 e γ > 0 s˜ao constantes.
2Pierre-Simon Laplace (1749–1827).
3Sim´eon Denis Poisson (1781–1840).
4Hermann Ludwig Ferdinand von Helmholtz (1821–1894).
5Jean Baptiste Joseph Fourier (1768–1830).
•
Equa¸c˜ ao do tel´egrafo:
∂
2u
∂t
2 −c
2∂
2u
∂x
2+ γ ∂ u
∂t + ηu = 0 , onde c > 0, γ > 0 e η s˜ao constantes.
•
Equa¸c˜ ao de Tricomi
6, tamb´em conhecida como equa¸c˜ ao de Euler-Tricomi:
∂
2u
∂y
2 −y ∂
2u
∂x
2= 0 .
•
Equa¸c˜ ao de Schr¨ odinger
7dependente do tempo:
i
~∂ u
∂t =
−~22m ∆u + V u , (18.10)
onde u
≡u(~x, t) ´e uma fun¸c˜ ao de ~x e t,
~(a constante de Planck) e m s˜ao constantes positivas, e V
≡V (~x, t) ´e uma fun¸c˜ ao de ~x e t.
•
Equa¸c˜ ao de Schr¨ odinger independente do tempo:
−~2
2m ∆u + V u = Eu ,
onde u
≡u(~x) ´e uma fun¸c˜ ao apenas de ~x, assim como a fun¸c˜ ao V , sendo E um autovalor a ser fixado por condi¸c˜ oes de contorno e pela condi¸c˜ ao
R|u(~x)|2
d
n~x <
∞.•
Equa¸c˜ ao de Gross-Pitaevsky:
i
~∂ u
∂t =
−~22m ∆u + V (x)u + α|u|
2u , α sendo uma constante real.
•
Equa¸c˜ ao de Schr¨ odinger n˜ ao-linear:
i
~∂ u
∂t =
−~22m ∆u + α|u|
2u , (18.11)
α sendo uma constante real.
Na Se¸c˜ ao 42.4.3.4, p´agina 2302, estudamos algumas solu¸c˜ oes especiais (18.11), a saber, os chamados s´olitons claro e escuro da equa¸c˜ ao de Schr¨odinger n˜ao-linear.
•
Equa¸c˜ ao de Klein-Gordon
8:
∆u
−1 c
2∂
2u
∂t
2 −m
2u = 0 , c e m constantes positivas.
•
Equa¸c˜ ao de Sine-Gordon
9:
∆u
−1 c
2∂
2u
∂t
2 −α sen u
= 0 , (18.12)
com c > 0 e α > 0, equa¸c˜ ao essa particularmente estudada no caso de uma dimens˜ ao espacial, onde assume a forma
∂
2u
∂x
2−1 c
2∂
2u
∂t
2 −α sen u
= 0 . (18.13)
Na Se¸c˜ ao 42.4.3.2, p´agina 2299, estudamos algumas solu¸c˜ oes especiais (18.13), a saber, os chamados s´olitons da equa¸c˜ ao de Sine-Gordon.
6Francesco Giacomo Tricomi (1897–1978).
7Erwin Rudolf Josef Alexander Schr¨odinger (1887–1961).
8Oskar Klein (1894–1977). Walter Gordon (1893–1939). A equa¸c˜ao de Klein-Gordon foi, em verdade, originalmente proposta por Schr¨odin- ger como equa¸c˜ao de ondas para uma part´ıcula quˆantica relativ´ıstica, antes mesmo de Schr¨odinger propor a equa¸c˜ao (n˜ao-relativ´ıstica) que leva seu nome (e, portanto, antes de Klein e Gordon).
9O nome “Sine-Gordon” ´e um jogo de palavras com o nome da equa¸c˜ao de Klein-Gordon.
•
Equa¸c˜ ao de Korteweg-de Vries
10, tamb´em abreviada para Equa¸c˜ ao KdV:
∂η
∂t =
rg
l 3
2 η ∂η
∂x + 2σ ∂
3η
∂x
3, (18.14)
com σ =
l33−T lρg. Essa equa¸c˜ ao descreve o movimento de um fluido de densidade ρ e tens˜ ao superficial T em um canal unidimensional de profundidade l (com l suposta “pequena”), a constante g sendo a acelera¸c˜ ao da gravidade.
Ap´ os algumas transforma¸c˜ oes simples a equa¸c˜ ao pode ser reescrita em uma forma na qual a equa¸c˜ ao de Korteweg-de Vries ´e usualmente apresentada na literatura moderna:
∂ u
∂t + ∂
3u
∂x
3+ 6u ∂ u
∂x = 0 . (18.15)
Na Se¸c˜ ao 42.4.3.1, p´agina 2297, estudamos uma solu¸c˜ ao especial de (18.15), o assim denominado s´ oliton da equa¸c˜ ao de Korteweg-de Vries.
•
Equa¸c˜ ao de Burgers
11:
∂ u
∂t
−η ∂
2u
∂x
2+ u ∂ u
∂x = 0 , (18.16)
η sendo uma constante positiva. A equa¸c˜ ao de Burgers ´e uma esp´ecie de vers˜ao unidimensional da equa¸c˜ ao de Navier-Stokes da Mecˆ anica dos Fluidos (sem gradiente de press˜ ao e for¸cas externas). Para η = 0 tem-se a Equa¸c˜ ao de Burgers invisc´ıvel (i.e., sem viscosidade):
∂ u
∂t + u ∂ u
∂x = 0 . (18.17)
Essa equa¸c˜ ao tamb´em coincide com a vers˜ao unidimensional da equa¸c˜ ao de Euler da Mecˆ anica dos Fluidos na ausˆencia de gradiente de press˜ ao e for¸cas externas. Vide [240].
•
Equa¸c˜ ao da ´ Optica Geom´etrica:
(grad u)
2= 1 , ou seja, ∂ u
∂x
12
+
· · ·+ ∂ u
∂x
n2
= 1 .
•
Equa¸c˜ ao de Black
12-Scholes
13, usada em an´ alise financeira:
∂u
∂t + σ
2x
22
∂
2u
∂x
2+ rx ∂u
∂x
−ru = 0 .
•
Exemplos de sistemas de equa¸ c˜ oes a derivadas parciais de interesse
•
Equa¸c˜ oes de Maxwell
14fora de meios materiais, do Eletromagnetismo:
∇ ·
E ~ = ρ
ǫ
0,
∇ ·B ~ = 0 ,
∇ ×~ B ~ = µ
0J ~ + µ
0ǫ
0∂ ~ E
∂t ,
∇ ×~ E ~ =
−∂ ~ B
∂t , (18.18) onde E ~ e B ~ s˜ao o campo el´etrico e magn´etico, respectivamente, ρ sendo a densidade de carga el´etrica e J ~ sendo a densidade de corrente el´etrica. As equa¸c˜ oes acima est˜ ao escritas no chamado sistema internacional de unidades (SI). Para a forma das equa¸c˜ oes de Maxwell em outros sistemas, vide e.g. [202]. Uma consequˆencia imediata das equa¸c˜ oes acima ´e a lei de conserva¸c˜ ao de carga el´etrica, expressa na forma
∂ ρ∂t+
∇ ·J ~ = 0.
10Diederik Johannes Korteweg (1848–1941). Gustav de Vries (1866–1934). A referˆencia original ao trabalho de Korteweg e de de Vries ´e
“On the Change of Form of Long Waves Advancing in a Rectangular Canal and on a New Type of Long Stationary Waves”, Philosophical Magazine, 5th series,36, 422–443 (1895).
11Johannes Martinus Burgers (1895–1981).
12Fischer Sheffey Black (1938–1995).
13Myron Samuel Scholes (1941–).
14James Clerk Maxwell (1831–1879).
Das equa¸c˜ oes (18.18) ´e poss´ıvel obter (vide Exerc´ıcio E. 42.29, p´agina 2357 ou qualquer bom livro de Eletromag- netismo, e.g., [202]) as equa¸c˜ oes de onda n˜ ao-homogˆeneas para os campos E ~ e B: ~
∆ E ~
−1 c
2∂
2E ~
∂t
2= 1 ǫ
0∇ρ
~ + 1 c
2∂ ~ J
∂t
!
, (18.19)
∆ B ~
−1 c
2∂
2B ~
∂t
2=
−µ0∇ ×~ J , ~ (18.20)
onde c
≡√µ10ǫ0.
•
Equa¸c˜ oes de Maxwell em meios materiais:
∇ ·
D ~ = ρ ,
∇ ·B ~ = 0 ,
∇ ×~ H ~ = J ~ + ∂ ~ D
∂t ,
∇ ×~ E ~ =
−∂ ~ B
∂t , (18.21)
onde D ~ = D( ~ E, ~ ~ B) e H ~ = H( ~ E, ~ ~ B) s˜ao fun¸c˜ oes de E ~ e B ~ (essas rela¸c˜ oes s˜ao ditas constitutivas). Por exemplo, no caso de meios isotr´opicos e lineares tem-se D ~ = ǫ ~ E e H ~ =
1µB, sendo ~ ǫ e µ dependentes do meio.
•
Equa¸c˜ ao de Dirac
15livre da Mecˆ anica Quˆ antica Relativ´ıstica (em 3 + 1 dimens˜ oes):
iγ
µ∂
∂x
µ−m1
ψ = 0 , (18.22)
onde m > 0 ´e a massa da part´ıcula, ψ =
ψ1 ψ2 ψ3 ψ4
!
∈C4
e γ
µs˜ao matrizes 4
×4 satisfazendo γ
µγ
ν+ γ
νγ
µ= 2g
µν1,onde g ´e a matriz
1 0 0 0
0−1 0 0 0 0 −1 0 0 0 0 −1
. Em (18.22) adotou-se a conven¸c˜ ao de Einstein: ´ındices repetidos s˜ao somados.
•
Equa¸c˜ ao de Euler
16da Mecˆ anica dos Fluidos:
ρ ∂ ~v
∂t +
~v
·~
∇~v
+ ~
∇p= f , ~
onde ρ ´e a densidade do fluido, ~v o campo de velocidades, p a press˜ ao e f ~ um campo de for¸cas externas (por exemplo, f ~ = ρ~g, para o caso do campo gravitacional). Essa equa¸c˜ ao deve ser complementada pela equa¸c˜ ao de continuidade
∂ ρ∂t+
∇ ·(ρ~v) = 0. Para a hist´ oria dessa equa¸c˜ ao, bem como da Mecˆ anica dos Fluidos, vide [90].
•
Equa¸c˜ ao de Navier-Stockes
1718da Mecˆ anica dos Fluidos:
ρ ∂ ~v
∂t +
~v
·∇~
~v
+
∇p~
−η∆~v
−ζ + η
3
∇(∇ ·
~ ~v) = f , ~
onde η e ζ s˜ao coeficientes de viscosidade do fluido. Essa equa¸c˜ ao difere da de Euler, acima, por incluir efeitos de viscosidade. No caso de fluidos incompress´ıveis o termo que cont´em
∇ ·~vpode ser desconsiderado. Para a hist´ oria dessa equa¸c˜ ao, bem como da Mecˆ anica dos Fluidos, vide [90].
•
Condi¸ c˜ oes de contorno, iniciais e subsidi´ arias
Uma equa¸c˜ ao diferencial definida em um dom´ınio Ω
⊂Rnvem em muitos exemplos de interesse acompanhada de condi¸c˜ oes a serem satisfeitas pelas solu¸c˜ oes e suas derivadas na fronteira de Ω (que eventualmente pode estar no infinito).
Tais condi¸c˜ oes s˜ao genericamente denominadas condi¸c˜ oes de contorno, ou condi¸c˜ oes de fronteira, ou condi¸c˜ oes iniciais,
15Paul Adrien Maurice Dirac (1902–1984).
16Leonhard Euler (1707–1783).
17Claude Louis Marie Henri Navier (1785–1836).
18George Gabriel Stokes (1819–1903).
dependendo da interpreta¸c˜ ao que possuam. Em aplica¸c˜ oes, condi¸c˜ oes de contorno usualmente s˜ao ditadas ou por leis f´ısicas
19ou por restri¸c˜ oes f´ısicas ou geom´etricas que devem ser impostas `a solu¸c˜ ao nos pontos da fronteira de Ω.
H´ a diversos tipos de condi¸c˜ oes de contorno e tradicionalmente desenvolveu-se uma nomenclatura para denominar certas condi¸c˜ oes de contorno, empregada especialmente no caso de equa¸c˜ oes de segunda ordem. Se Ω
⊂Rn´e um conjunto limitado, condi¸c˜ oes que fixem o valor da solu¸c˜ ao u na fronteira de Ω s˜ao denominadas condi¸c˜ oes de Dirichlet
20. Condi¸c˜ oes envolvendo apenas as primeiras derivadas da solu¸c˜ ao u s˜ao denominadas condi¸c˜ oes de Neumann
21. H´ a tamb´em condi¸c˜ oes mistas, envolvendo tanto a fun¸c˜ ao quanto suas primeiras derivadas na fronteira. Condi¸c˜ oes de contorno tamb´em podem ser lineares (se dependerem linearmente da solu¸c˜ ao e suas derivadas) ou n˜ao-lineares e as lineares podem ser homogˆeneas ou n˜ao-homogˆeneas.
O leitor poder´a encontrar exemplos de condi¸c˜ oes de contorno nas aplica¸c˜ oes do Cap´ıtulo 42, p´agina 2259. Para a relevˆ ancia de condi¸c˜ oes de contorno na quest˜ao da unicidade de solu¸c˜ oes, vide Se¸c˜ ao 18.6, p´agina 954.
Se uma das vari´ aveis da equa¸c˜ ao diferencial tiver a interpreta¸c˜ ao de tempo, condi¸c˜ oes impostas `a solu¸c˜ ao em uma superf´ıcie t = constante s˜ao denominadas condi¸c˜ oes iniciais. De um ponto de vista te´orico n˜ao h´a nenhuma diferen¸ca qualitativa entre condi¸c˜ oes iniciais e de contorno, mas ´e importante distingui-las em aplica¸c˜ oes, pois ambas podem ter interpreta¸c˜ oes distintas enquanto imposi¸c˜ oes f´ısicas `as solu¸c˜ oes.
Exemplifiquemos isso na seguinte situa¸c˜ ao. Se desejarmos descrever a evolu¸c˜ ao da temperatura em cada ponto de uma barra unidimensional de comprimento L, estendida no intervalo 0
≤x
≤L, cujas bordas em x = 0 e x = L est˜ ao em contacto com banhos t´ermicos a temperaturas a(t) e b(t), respectivamente, devemos considerar a equa¸c˜ ao de difus˜ ao do calor ∂
tu = D∂
xxu, definida na regi˜ ao t
≥0 e 0
≤x
≤L, onde u(x, t) representa a temperatura da barra no ponto x no instante t e D > 0 ´e a constante de difus˜ ao de calor da barra. A condi¸c˜ ao u(x, t = 0) = u
0(x) fixa a temperatura inicial da barra em cada ponto x do intervalo [0, L] como sendo u
0(x), onde u
0´e uma fun¸c˜ ao dada. As condi¸c˜ oes u(x = 0, t) = a(t) e u(x = L, t) = b(t) para t
≥0 fixa a temperatura nos extremos da barra como sendo a(t) e b(t), respectivamente, para todos os tempos posteriores a t = 0, a e b sendo fun¸c˜ oes dadas. A primeira condi¸c˜ ao ´e denominada condi¸c˜ ao inicial, pois fixa uma condi¸c˜ ao para a solu¸c˜ ao em t = 0, o instante “inicial” a partir do qual a evolu¸c˜ ao da solu¸c˜ ao ´e estudada. J´a as duas outras condi¸c˜ oes s˜ao de contorno (do tipo de Dirichlet), pois imp˜ oe uma condi¸c˜ ao `a solu¸c˜ ao nos extremos espaciais do sistema considerado. Nesse caso, a regi˜ ao Ω
⊂R2onde a equa¸c˜ ao diferencial est´ a definida ´e o retˆ angulo semi-infinito Ω =
{(x, t),0
≤x
≤L, t
≥0} ⊂
R2. As condi¸c˜ oes u(x, 0) = u
0(x) para 0
≤x
≤L, u(0, t) = a(t) e u(L, t) = b(t) para t
≥0 s˜ao condi¸c˜ oes impostas a u na fronteira ∂Ω de Ω, que consiste no conjunto formado pela uni˜ao de trˆes linhas descrita em ∂Ω =
{(x,0), 0
≤x
≤L} ∪ {(0, t), t
≥0} ∪ {(L, t), t
≥0} ⊂
R2e podem tamb´em, assim, ser entendidas como condi¸c˜ oes de contorno impostas `a solu¸c˜ ao em ∂Ω.
Outro exemplo ´e o da equa¸c˜ ao de ondas para descrever uma corda vibrante de densidade constante, fixa nos extremos estendida no intervalo 0
≤x
≤L: c
2∂
ttu = ∂
xxu, onde c ´e a velocidade de propaga¸c˜ ao da onda e u(x, t) seu desvio da posi¸c˜ ao de equil´ıbrio. A regi˜ ao Ω ´e a mesma encontrada acima. As condi¸c˜ oes de contorno (para uma corda fixa nos extremos) s˜ao u(0, t) = u(L, t) = 0 para todo t e a condi¸c˜ ao inicial fixa a posi¸c˜ ao e a velocidade de cada ponto da corda em t = 0: u(x, 0) = u
0(x) e ∂
tu(x, 0) = v
0(x), para todo 0
≤x
≤L, u
0e v
0sendo fun¸c˜ oes dadas.
De um ponto de vista matem´atico um certo cuidado deve ser tomado na defini¸c˜ ao de condi¸c˜ oes iniciais ou de contorno, pois estas podem ser incompat´ıveis com a continuidade e a diferenciabilidade das solu¸c˜ oes. No exemplo acima, para que a equa¸c˜ ao da corda vibrante fa¸ca sentido sua solu¸c˜ ao deve ser cont´ınua e duas vezes diferenci´avel em rela¸c˜ ao a t e a x.
No entanto, h´a problemas nos quais as condi¸c˜ oes iniciais, definidas pelas condi¸c˜ oes u
0e v
0, n˜ao tˆem essas propriedades de continuidade e diferenciabilidade. Tal se d´a nos casos da chamada corda “pin¸cada” e da chamada corda “percutida”
(ou “martelada”). No primeiro, imp˜ oe-se em t = 0
u
0(x) =
U
0h x , 0
≤x
≤h ,
U
0L
−h (L
−x) , h
≤x
≤L ,
v
0(x)
≡0 .
A corda ´e pin¸cada em t = 0 no ponto x = h at´e um deslocamento U
0> 0 e solta da´ı com velocidade nula. No segundo,
19No Eletromagnetismo, por exemplo, as condi¸c˜oes de contorno impostas aos campos el´etrico e magn´etico s˜ao consequˆencia das pr´oprias equa¸c˜oes de Maxwell.
20Johann Peter Gustav Lejeune Dirichlet (1805–1859).
21Carl Neumann (1832–1925).
o problema da corda “percutida”, imp˜ oe-se
u
0 ≡0 , v
0(x) =
V
0, 0 < a
≤x
≤b < L 0 , de outra forma
.
Vide Figura 18.1, p´agina 905. A corda est´ a inicialmente em sua posi¸c˜ ao de repouso e ´e imprimida (por exemplo, por uma martelada) uma velocidade V
0> 0 aos pontos situados no intervalo [a, b], onde 0 < a < b < L.
v (x) u (x)
L x a b L x
U
h
V 0
0
0 0
Figura 18.1: As fun¸c˜ oes u
0e v
0para a corda pin¸cada e percutida, respectivamente.
No primeiro caso (corda pin¸cada), a fun¸c˜ ao u
0´e cont´ınua mas n˜ao diferenci´avel em x = 0. No segundo caso (corda percutida), a fun¸c˜ ao v
0n˜ao ´e cont´ınua em x = a e x = b. Em tais casos, as condi¸c˜ oes iniciais devem ser entendidas como limites: lim
t→0+
u(x, t) = u
0(x), lim
t→0+
∂
tu(x, t) = v
0(x).
Al´em de condi¸c˜ oes de contorno e iniciais, h´a problemas que envolvem condi¸c˜ oes ditas condi¸c˜ oes subsidi´ arias, que imp˜ oe outros tipos de restri¸c˜ oes ` as solu¸c˜ oes, por vezes de car´ ater global. Um caso muito importante ´e o da equa¸c˜ ao de Schr¨odinger da Mecˆ anica Quˆ antica, onde imp˜ oe-se a condi¸c˜ ao que a solu¸c˜ ao deve ser de quadrado integr´ avel, ou seja, deve satisfazer
R|u(~x, t)|2
d
n~x <
∞para todo t, onde a integra¸c˜ ao ´e feita na regi˜ ao espacial onde o sistema est´ a definido.
O fato importante ´e que as solu¸c˜ oes de equa¸c˜ oes a derivadas parciais dependem crucialmente das condi¸c˜ oes de contorno, iniciais ou subsidi´arias impostas. Em verdade, a pr´opria quest˜ ao da existˆencia e/ou unicidade da solu¸c˜ ao dessas equa¸c˜ oes depende crucialmente daquelas condi¸c˜ oes. Vide Se¸c˜ ao 18.6, p´agina 954.
•
Problemas bem-postos
Um problema envolvendo a resolu¸c˜ ao de uma equa¸c˜ ao a derivadas parciais ´e dito ser um problema bem-posto caso se possa garantir: 1
oexistˆencia de solu¸c˜ ao, 2
ounicidade de solu¸c˜ ao, 3
ocontinuidade em rela¸c˜ ao a condi¸c˜ oes iniciais e de contorno (continuidade aqui entendida em rela¸c˜ ao a alguma topologia conveniente). Esta no¸c˜ ao foi introduzida por Hadamard
22ao listar propriedades que modelos matem´aticos de sistemas f´ısicos deveriam idealmente possuir, uma coloca¸c˜ ao, ali´ as, ingˆenua, pois em F´ısica pode haver tamb´em interesse por problemas mal-postos. ´ E por vezes muito importante determinar a priori se um problema de interesse ´e bom-posto mas, particularmente na F´ısica, n˜ao apenas problemas bem-postos atraem a aten¸c˜ ao. A quest˜ ao da boa-postura de certas equa¸c˜ oes a derivadas parciais ´e ainda assunto de pesquisa, especialmente no que concerne ` a quest˜ ao da estabilidade de solu¸c˜ oes (continuidade em rela¸c˜ ao a condi¸c˜ oes inicias, de contorno e a parˆ ametros).
22Jacques Salomon Hadamard (1865–1963). Vide J. Hadamard: “Sur les probl`emes aux d´eriv´ees partielles et leur signification physique”.
Princeton University Bulletin, 49–52 (1902).
18.2 Algumas Classifica¸ c˜ oes de Equa¸ c˜ oes a Derivadas Parci- ais
18.2.1 Equa¸ c˜ oes Lineares, N˜ ao-Lineares, Semi-Lineares e Quase-Lineares
Equa¸c˜ oes a derivadas parciais podem ser classificadas de diversas formas de acordo com certas especificidades. M´etodos de resolu¸c˜ ao e propriedades das solu¸c˜ oes dependem dos tipos aos quais as equa¸c˜ oes pertencem e listaremos aqui alguns de maior relevˆ ancia. A nomenclatura que apresentaremos ´e importante para futuras discuss˜oes. A classifica¸c˜ ao mais b´asica divide as equa¸c˜ oes diferenciais em lineares e n˜ao-lineares.
•
Equa¸ c˜ oes lineares e n˜ ao-lineares
Uma equa¸c˜ ao a derivadas parciais para uma fun¸c˜ ao u ´e dita ser linear se depender linearmente de u e suas derivadas parciais. Por exemplo, a forma mais geral de uma equa¸c˜ ao linear de segunda ordem nas vari´ aveis x e t ´e
a
1(x, t) ∂
2u
∂x
2+ a
2(x, t) ∂
2u
∂t
2+ a
3(x, t) ∂
2u
∂x∂t + a
4(x, t) ∂ u
∂x + a
5(x, t) ∂ u
∂t + a
6(x, t)u = b(x, t) , (18.23) as fun¸c˜ oes a
k, k = 1, . . . , 6, e b, acima, s˜ao em princ´ıpio arbitr´ arias, mas n˜ao contˆem nenhuma dependˆencia em u, apenas nas vari´ aveis x e t.
De modo geral, uma equa¸c˜ ao diferencial linear de ordem m em n vari´ aveis x
1, . . . , x
n´e da forma
Xα∈Mn m
a
α(x
1, . . . , x
n) D
αu(x
1, . . . , x
n) = b(x
1, . . . , x
n) , (18.24) onde, usando a nota¸c˜ ao de multi-´ındices introduzida acima, a
α, α
∈M
nm, e b s˜ao fun¸c˜ oes em princ´ıpio arbitr´ arias das vari´ aveis x
1, . . . , x
n(recordar a defini¸c˜ ao de M
nmem (18.1)).
Muito frequentemente denotaremos uma equa¸c˜ ao diferencial linear por Lu = b, onde L ´e um operador diferencial linear como em (18.6) e b uma fun¸c˜ ao apenas de x
1, . . . , x
n.
•
Equa¸ c˜ oes lineares homogˆ eneas e n˜ ao-homogˆ eneas. O princ´ıpio de sobreposi¸ c˜ ao
Analogamente ao que ocorre para equa¸c˜ oes diferenciais ordin´arias lineares, uma equa¸c˜ ao a derivadas parciais linear Lu = b ´e dita ser homogˆenea se a fun¸c˜ ao b for identicamente nula e n˜ ao-homogˆenea, caso contr´ ario.
Tamb´em como no caso de equa¸c˜ oes ordin´arias, vale para equa¸c˜ oes a derivadas parciais lineares e homogˆeneas o importante princ´ıpio de sobreposi¸c˜ ao (ou de superposi¸c˜ ao): se u
1e u
2s˜ao duas solu¸c˜ oes de uma equa¸c˜ ao homogˆenea (ou seja, se Lu
1= 0 e Lu
2= 0), ent˜ao qualquer combina¸c˜ ao linear γ
1u
1+ γ
2u
2´e igualmente uma solu¸c˜ ao da mesma equa¸c˜ ao, pois L γ
1u
1+ γ
2u
2= γ
1Lu
1+ γ
2Lu
2= 0. (Note-se que condi¸c˜ oes iniciais ou de contorno podem limitar as combina¸c˜ oes lineares poss´ıveis).
No caso de equa¸c˜ oes a derivadas parciais lineares n˜ao-homogˆeneas vale uma forma mais fraca do princ´ıpio de sobre- posi¸c˜ ao. Se u
1e u
2s˜ao duas solu¸c˜ oes de uma equa¸c˜ ao linear n˜ao-homogˆenea (ou seja, se Lu
1= b e Lu
2= b), ent˜ao uma combina¸c˜ ao linear da forma γ
1u
1+ γ
2u
2ser´a uma solu¸c˜ ao da mesma equa¸c˜ ao se e somente se γ
1+ γ
2= 1. De fato, L γ
1u
1+ γ
2u
2) = γ
1Lu
1+ γ
2Lu
2= (γ
1+ γ
2)b, que ´e igual a b se e somente se γ
1+ γ
2= 1.
H´ a ainda uma outra observa¸c˜ ao elementar, mas relevante, a se fazer sobre equa¸c˜ oes lineares n˜ao-homogˆeneas. Seja u uma solu¸c˜ ao da equa¸c˜ ao linear n˜ao-homogˆenea Lu = b e seja v uma solu¸c˜ ao da equa¸c˜ ao homogˆenea Lv = 0 (para o mesmo operador diferencial linear L). Ent˜ao u + v ´e igualmente solu¸c˜ ao da equa¸c˜ ao linear n˜ao-homogˆenea. De fato, L(u + v) = Lu + Lv = b.
Esse ´ ultimo fato ´e muito empregado na pr´atica quando se deseja encontrar uma solu¸c˜ ao de uma equa¸c˜ ao n˜ao- homogˆenea satisfazendo certas condi¸c˜ oes de contorno. Se uma solu¸c˜ ao u n˜ao satisfaz as condi¸c˜ oes de contorno, por vezes
´e poss´ıvel encontrar uma solu¸c˜ ao satisfazendo as condi¸c˜ oes desejadas adicionando a u uma solu¸c˜ ao v conveniente da equa¸c˜ ao homogˆenea.
Listamos, por fim, mais uma propriedade elementar, por´em relevante, de solu¸c˜ oes de EDP’s lineares n˜ao-homogˆeneas.
Se u
1e u
2s˜ao duas solu¸c˜ oes da equa¸c˜ ao n˜ao-hmogˆenea Lu = b, ent˜ao u
1−u
2´e solu¸c˜ ao da equa¸c˜ ao homogˆenea Lu = 0.
A prova ´e elementar. Com isso vemos que duas solu¸c˜ oes de uma mesma EDP linear n˜ao-homogˆenea sempre diferem por uma solu¸c˜ ao da correspondente EDP linear homogˆenea.
•
Equa¸ c˜ oes expl´ıcitas. Parte principal de uma EDP
Uma equa¸c˜ ao a derivadas parciais de ordem m (n˜ ao necessariamente linear) ´e dita ser uma equa¸c˜ ao expl´ıcita (ou, mais raramente, extr´ınseca) se for da forma
G
1
x, u, D
α1u . . . , D
αMu
= G
2
x, u, D
β1u . . . , D
βNu
, (18.25)
para certas fun¸c˜ oes G
1e G
2, onde x
≡(x
1, . . . , x
n), com
|αj| ≤m para todo j = 1, . . . , M e
|βk|< m para todo k = 1, . . . , N, ou seja, se o lado esquerdo contiver todas as derivadas de ordem m (a ordem da equa¸c˜ ao) e o lado direito contiver derivadas de ordem menor que m. Essa defini¸c˜ ao ´e um tanto amb´ıgua, pois o lado esquerdo pode conter tamb´em derivadas de ordem menor m que podem ou n˜ao ser passadas para o lado direito. Suporemos no que segue que na forma (18.25) n˜ao seja mais poss´ıvel eliminar derivadas de ordem menor que m do lado esquerdo o que, admitidamente, nem sempre pode ser feito de modo ´ unico.
A parte de uma equa¸c˜ ao a derivadas parciais expl´ıcita que cont´em as derivadas de maior ordem (ou seja, o lado esquerdo de (18.25)) ´e denominada parte principal da equa¸c˜ ao. Por exemplo, a parte principal da equa¸c˜ ao linear de
ordem m de (18.24)
Xα∈Nn m
a
α(x
1, . . . , x
n) D
αu(x
1, . . . , x
n) (recordar a defini¸c˜ ao de N
nmem (18.2)).
Certas propriedades de equa¸c˜ oes diferenciais dependem de caracter´ısticas de sua parte principal, de modo que ´e relevante classific´a-las de acordo com propriedades da mesma.
•
Equa¸ c˜ oes quase-lineares
Uma equa¸c˜ ao a derivadas parciais ´e dita ser uma equa¸c˜ ao quase-linear se sua parte principal depender linearmente das derivadas de maior ordem. Assim, a forma geral de uma equa¸c˜ ao quase-linear de ordem m em n vari´ aveis x = (x
1, . . . , x
n)
´e
Xα∈Nn m
a
αx, u, D
β1u, . . . , D
βku
D
αu(x) = H x, u, D
β1u, . . . , D
βku ,
onde H e as fun¸c˜ oes a
αdependem eventualmente de x, de u e de k derivadas do tipo D
βlu, l = 1, . . . , k, com
|βl| ≤m−1.
Novamente, k
≤ |Mnm−1|=
n+mm−−11.
Assim, a forma geral de uma equa¸c˜ ao quase-linear de primeira ordem ´e:
Xn k=1
a
k(u, x) ∂ u
∂x
k= b(u, x) ,
onde x = (x
1, . . . , x
n) s˜ao as n vari´ aveis das quais a fun¸c˜ ao u depende e onde as fun¸c˜ oes b(u, x) e a
k(u, x), k = 1, . . . , n, s˜ao fun¸c˜ oes de x e de u, mas n˜ao de derivadas de u. A forma geral de uma equa¸c˜ ao quase-linear de segunda ordem ´e (por simplicidade, mas sem perder em generalidade, consideraremos apenas fun¸c˜ oes em duas vari´ aveis: x e y):
a(x, y, u, ∂
xu, ∂
yu) ∂
2u
∂x
2+ b(x, y, u, ∂
xu, ∂
yu) ∂
2u
∂x∂y + c(x, y, u, ∂
xu, ∂
yu) ∂
2u
∂y
2= d(x, y, u, ∂
xu, ∂
yu) , onde as fun¸c˜ oes a, b, c e d dependem de x, y, u, e das duas derivadas parciais de primeira ordem de u.
A equa¸c˜ ao da ´ optica geom´etrica
∂ u
∂x
2
+
∂ u
∂y
2
= 1 n˜ao ´e uma equa¸c˜ ao quase-linear (nem pode ser reescrita como tal).
•
Equa¸ c˜ oes semi-lineares
Uma equa¸c˜ ao a derivadas parciais ´e dita ser uma equa¸c˜ ao semi-linear se sua parte principal for um operador linear.
Assim, a forma geral de uma equa¸c˜ ao semi-linear de ordem m em n vari´ aveis x = (x
1, . . . , x
n) ´e
Xα∈Nn m
a
α(x) D
αu(x) = H x, u, D
β1u, . . . , D
βku
,
onde a
αs˜ao fun¸c˜ oes apenas de x e H depende eventualmente de x, de u e de k derivadas do tipo D
βlu, l = 1, . . . , k, com
|βl| ≤m
−1. Naturalmente, acima k ´e um n´ umero natural satisfazendo k
≤ |Mnm−1|=
n+mm−−11. E de se notar que toda equa¸c˜ ´ ao linear ´e semi-linear e toda equa¸c˜ ao semi-linear ´e quase-linear.
Um outro coment´ario ´e que diversas equa¸c˜ oes diferenciais quase-lineares de primeira ordem podem ser resolvidas por um m´etodo denominado m´etodo das caracter´ısticas, do qual falaremos na Se¸c˜ ao 18.5, p´agina 923. Diversas equa¸c˜ oes diferenciais lineares e homogˆeneas podem ser resolvidas pelo m´etodo de separa¸c˜ ao de vari´ aveis, sobre o qual falaremos na Se¸c˜ ao 18.3, p´agina 911.
18.2.2 Classifica¸ c˜ ao de Equa¸ c˜ oes de Segunda Ordem. Equa¸ c˜ oes Parab´ olicas, El´ıpticas e Hiperb´ olicas
•
Transforma¸ c˜ ao da parte principal de uma EDP
Dada uma equa¸c˜ ao a derivadas parciais de tipo semi-linear, ´e importante, para diversos prop´ositos, saber como sua parte principal se transforma por uma mudan¸ca (local, eventualmente) de vari´ aveis (x
1, . . . , x
n)
→(ξ
1, . . . , ξ
n) (suposta diferenci´avel e de Jacobiano n˜ao-nulo). No que segue, para n˜ao carregar em excesso a nota¸c˜ ao, consideraremos equa¸c˜ oes semi-lineares, mas o caso de equa¸c˜ oes quase-lineares e idˆentico, como o leitor pode facilmente perceber. Se considerarmos o operador
∂x∂aak
, a
∈N, ´e muito f´ acil constatar, aplicando a regra da cadeia, que ap´ os a referida mudan¸ca de vari´ aveis o mesmo transforma-se em
X
β∈Nn a
Yn j=1
∂ ξ
j∂x
k βj
∂
a∂ξ
β11· · ·∂ξ
nβn+
· · ·, (18.26)
sendo que os termos omitidos envolvem derivadas de ordem menor que a. Se α ´e um n-multi-´ındice, segue disso que o operador
∂xα1∂|α|1 ···∂xαnn
transforma-se segundo
∂
|α|∂x
α11· · ·∂x
αnn −→ Xβ1∈Nn α1
· · · X
βn∈Nn αn
Yn k=1
Yn j=1
∂ ξ
j∂x
k (βk)j
∂
|α|∂ξ
γ11· · ·∂ξ
nγn+
· · ·, (18.27) ou seja
D
xα −→ Xβ1∈Nn α1
· · · X
βn∈Nn αn
Yn k=1
Yn j=1
∂ ξ
j∂x
k (βk)j
D
γξ+
· · ·, (18.28) onde γ ´e o n-multi-´ındice γ = β
1+
· · ·+ β
ne onde novamente omitimos derivadas de ordem menor que
|α|.Se a parte principal da equa¸c˜ ao considerada for de ordem m e possuir a forma
Xα∈Nn m
a
α(x
1, . . . , x
n) D
αu(x
1, . . . , x
n) =
Xα∈Nn m
a
α(x) ∂
mu
∂x
α11· · ·∂x
αnn(x) ,
´e muito f´ acil constatar, usando as express˜oes acima, que ap´os a referida mudan¸ca de vari´ aveis a mesma torna-se
Xα∈Nn m
a
αx(ξ)
Xβ1∈Nn α1
· · · X
βn∈Nn αn
Yn k=1
Yn j=1
∂ ξ
j∂x
k (βk)j
∂
mu
∂ξ
1γ1· · ·∂ξ
nγnx(ξ) ,
onde γ ´e o n-multi-´ındice γ = β
1+
· · ·+ β
ne onde novamente omitimos derivadas de u de ordem menor que m, j´ a que nosso interesse est´ a apenas na transforma¸c˜ ao da parte principal. Essa ´ ultima express˜ao ´e a parte principal da equa¸c˜ ao nas vari´ aveis ξ e pode ser escrita na forma
X
γ∈Nn m
˜
a
γ(ξ
1, . . . , ξ
n) ∂
mu
∂ξ
γ11· · ·∂ξ
γnnx(ξ) ,
onde
˜
a
γ(ξ
1, . . . , ξ
n) :=
Xα∈Nn m
X
β1∈Nn α1
· · · X
βn∈Nn αn
a
αx(ξ)
Yn k=1
Yn j=1
∂ ξ
j∂x
k(βk)j
Yn l=1
δ
γl,(β1)l+···+(βn)l.
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Transforma¸ c˜ ao da parte principal de uma EDP semi-linear de segunda ordem
O caso de equa¸c˜ oes a derivadas parciais semi-lineares de segunda ordem ´e de particular importˆancia em aplica¸c˜ oes e por essa raz˜ ao vamos olh´ a-lo com mais detalhe. Consideremos uma equa¸c˜ ao a derivadas parciais de segunda ordem definida em
Rnda forma
nX
a=1
Xn b=1
A
ab∂
2u
∂x
a∂x
b= F
x, u, ∂ u
∂x
1, . . . , ∂ u
∂x
n
,
onde os coeficientes A
abs˜ao reais, satisfazem a condi¸c˜ ao de simetria A
ab= A
ba, n˜ao s˜ao todos identicamente nulos e s˜ao eventualmente tamb´em fun¸c˜ oes de x, u,
∂x∂ u1, . . . ,
∂x∂ un, n˜ao dependendo de derivadas de ordem maior que 1 de u. A fun¸c˜ ao F ´e real. A parte principal da equa¸c˜ ao acima ´e
Xn a=1
Xn b=1
A
ab∂
2u
∂x
a∂x
b(18.29)
e sua vers˜ao no sistema de coordenadas ξ ser´a
Xn c=1Xn d=1
B
cd∂
2v
∂ξ
c∂ξ
b+
· · ·,
onde omitimos os operadores diferenciais de ordem menor que 2, onde v(ξ) = u x(ξ) e onde B
cd:=
Xn a=1
Xn b=1
A
ab∂ξ
c∂x
a∂ξ
d∂x
b. Essa rela¸c˜ ao ´e melhor escrita em forma matricial:
B = JAJ
T, (18.30)
onde B ´e a matriz real sim´etrica n×n cujos elementos de matriz s˜ao B
jk, A ´e a matriz real sim´etrica n×n cujos elementos de matriz s˜ao A
jk, e J ´e a chamada matriz Jacobiana
23, cujos elementos de matriz s˜ao J
kl=
∂ξ∂xkl. A transforma¸c˜ ao (18.30)
´e uma transforma¸c˜ ao de congruˆencia (vide p´agina 518). O fato de os coeficientes da parte principal de um operador de segunda ordem se transformarem segundo uma transforma¸c˜ ao de congruˆencia tem consequˆencias interessantes a serem exploradas. Como discutimos na Se¸c˜ ao 10.5.2, p´agina 516, o n´ umero de autovalores positivos, o n´ umero de autovalores negativos e o n´ umero de autovalores nulos (incluindo multiplicidade) de uma matriz real sim´etrica (ou autoadjunta) ´e conservado por transforma¸c˜ oes de congruˆencia. Esse ´e o conte´ udo do Teorema 10.18, p´agina 517, conhecido como Lei de In´ercia de Sylvester. Esse fato permite classificar operadores de segunda ordem de modo an´ alogo ` a classifica¸c˜ ao de matrizes sim´etricas reais apresentada ` a p´agina 518. Essa classifica¸c˜ ao ´e de grande importˆancia na teoria das equa¸c˜ oes a derivadas parciais.
•
Classifica¸ c˜ ao de EDPs de segunda ordem
Equa¸c˜ oes a derivadas parciais em
Rn, de segunda ordem, e cujas partes principais s˜ao quase-lineares, ou seja, da forma (18.29), podem ser classificadas em cada ponto de acordo o n´ umero de autovalores positivos, negativos e nulos (incluindo a multiplicidade) que possui a matriz dos coeficientes A
abde sua parte principal. Essa classifica¸c˜ ao ´e de grande importˆancia na teoria das equa¸c˜ oes a derivadas parciais. Dizemos que a equa¸c˜ ao ´e
•
Parab´ olica, se ao menos um dos autovalores da matriz A for nulo (em cujo caso A ´e singular);
•
El´ıptica, se todos os autovalores da matriz A forem positivos ou se todos forem negativos;
23Carl Gustav Jacob Jacobi (1804–1851).