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Fronteiras e Saúde: garantias e acesso aos serviços públicos de saúde dos fronteiriços nos municípios de Foz do Iguaçu (BR) e Ciudad del Este (PY)

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Fronteiras e Saúde: garantias e acesso aos serviços públicos de saúde dos fronteiriços nos municípios de Foz do Iguaçu (BR) e Ciudad del Este (PY)

Thiago Augusto Lima Alves

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Virginia Ruiz de Martin Esteban Martínez

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RESUMO:

O estudo sobre os sujeitos transfronteiriços e o acesso aos serviços públicos de saúde nas cidades de Foz do Iguaçu (BR) e Ciudad del Este (PY) é extremamente importante para a garantia dos direitos dos transfronteiriços na região da Tríplice Fronteira. O interesse pelo tema nasceu das discussões ocorridas nos grupos de estudo do projeto de pesquisa

“Desenvolvimento Regional Transfronteiriço Brasil-Paraguai: dinâmicas, condições e possibilidades” do NAPI (Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação) e vai de encontro ao objetivo geral deste projeto, que é descrever as circunstâncias e contextos do desenvolvimento transfronteiriço entre Brasil e Paraguai nesta região pesquisada. Essas regiões de fronteiras convivem com diferentes sistemas políticos, monetários, de segurança e proteção social, e a intensificação de fluxos decorrentes da integração gera novos desafios para os sistemas de saúde, exigindo políticas específicas direcionadas à garantia do direito à saúde nessas regiões.

Ocorre que a coexistência de ordenamentos jurídicos distintos dos países, somada às assimetrias de recursos humanos, financeiros e tecnológicos, têm dificultado o desenho de políticas públicas, inclusive no que se refere ao direito à saúde. O objetivo deste estudo foi analisar o direito de acesso aos serviços de saúde dos residentes transfronteiriços, a partir das políticas públicas de saúde, na cidade de Foz do Iguaçu. A incursão metodológica utilizada foi a pesquisa qualitativa de tipo documental, com análise de dados indutiva, a partir de arquivos disponíveis nos sítios eletrônicos, principalmente, das políticas públicas de saúde brasileiras e legislações municipais da cidade de Foz do Iguaçu e a Lei do Migrante n° 13.445/17, de aplicação aos fronteiriços. A discussão sobre os resultados se centrou na incompatibilidade do princípio da integralidade do Sistema Único de Saúde (SUS) com o exercício do acesso à saúde pelos residentes fronteiriços, e, a gestão da saúde pública brasileira no município brasileiro. O

1 Mestrando em Relações Internacionais pela Universidade Federal da Integração Latino Americana (UNILA) e pesquisador do Projeto Desenvolvimento Regional Transfronteiriço Brasil-Paraguai: dinâmicas, condições e possibilidade, financiado pela Fundação Araucária – PR – Brasil.

2 Mestre em Saúde Pública em Região de Fronteira pela Universidade Estadual do Oeste de Paraná (UNIOESTE) e pesquisadora do Projeto Desenvolvimento Regional Transfronteiriço Brasil-Paraguai: dinâmicas, condições e possibilidade, financiado pela Fundação Araucária – PR – Brasil.

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direito à saúde dos fronteiriços, residentes ou não no território nacional, é princípio basilar do SUS, garantindo a oferta de serviços públicos de saúde. A mobilidade humana na fronteira em busca de serviços públicos de saúde ocorre no cotidiano, sobretudo, em direção ao Brasil, sendo o acesso liberado unicamente para o atendimento em urgências e emergências para os não residentes no território brasileiro. Conclui-se a relevância da aprovação do Acordo sobre Localidades Fronteiriças Vinculadas que regule a oferta de serviços de saúde nas localidades fronteiriças, com a consequente utilização por parte dos usuários paraguaios dos serviços ofertados pelo SUS e, vice-versa, os brasileiros acessando aos serviços de saúde do lado paraguai. Assim mesmo, a gestão e integração fronteiriça na área de saúde a partir dos governos locais dos municípios de fronteira se conforma como solução na região trinacional.

Palavras-Chave: Áreas de Fronteira; Política de Saúde; Serviços de Saúde; Sistemas de Saúde

INTRODUÇÃO

As zonas de fronteiras internacionais têm características próprias que impactam no comportamento da população local e, consequentemente, nas políticas públicas de saúde.

Enquanto um limite político formal, as fronteiras separam realidades socioeconômicas, culturais, jurídicas e de serviços que são diferentes (HOUSE, 1980; RUMLEY, 1991).

Nessas regiões, a tensão entre os modelos nacionais de organização e gestão das políticas públicas e os seus determinantes externos reflete diretamente na capacidade de resposta dos sistemas locais de saúde. A mobilidade populacional faz desse espaço um local único e cheio de desafios, como o planejamento das ações de vigilância, ao tornar mais complexas as operações de registro de casos, nascimentos e óbitos, gerando portanto, zonas de maior vulnerabilidade (SILVA NETO, 2010).

Essas especificidades exigem uma flexibilidade maior das políticas públicas, para que

elas possam atender aos grupos populacionais que habitam ou circulam pelo espaço fronteiriço,

a exemplo dos turistas, residentes fronteiriços e outras populações (VIANA et al, 2007). E não

basta apenas que haja oferta de serviços, pois, mesmo quando o sistema local de saúde dispõe

de capacidade instalada e consegue acolher as demandas, a sua efetividade poderá ser

comprometida pelo fluxo de pessoas. Isto porque as populações fronteiriças estabelecem

estratégias para o enfrentamento das assimetrias, procurando desfrutar de todas as

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oportunidades oferecidas pelo estrangeiro, sempre que deparam com a falta de respostas para os problemas no seu país de origem (PEITER, 2007).

O acesso à saúde, para os residentes fronteiriços, nos países pesquisados acontece, resumidamente, da seguinte forma: no Brasil, o acesso universal ao Sistema Único de Saúde (SUS) é garantido pela Constituição Federal de 1988, que estabelece que a “saúde é direito de todos e dever do Estado”, e pela Lei do Migrante n° 13.445/17, que reforça a aquisição desse direito fundamental para os residentes fronteiriços. Já no Paraguai o acesso à saúde foi trazido pela Constitución de la República de Paraguay, de 1992, e a Lei nº 1.032/96, criou o Sistema de Saúde do país. Os valores básicos assumidos pelo setor de saúde são a universalidade da cobertura, a abrangência de benefícios, igualdade de benefícios, solidariedade e responsabilidade social, porém a lei paraguaia nº 978, de 1996, (Lei Geral de Migrações) avança pouco nas questões de direitos humanos para os migrantes, o que dificulta o acesso dessa população à saúde.

Segundo o conceito trazido pelos artigos 1º, § 1º, inciso IV e 23 da Lei nº 13.445/2017 (Lei de Migração), os residentes fronteiriços não estão em situação de atravessamento, de cruzamento de fronteiras em caráter definitivo, uma vez que conservam suas residências habituais no país de origem, portanto, não se enquadram, necessariamente, na definição de migrantes. Contudo, são pessoas que vivem em países vizinhos, numa área em que há forte interação econômica, política, social, cultural com nosso país, sejam brasileiros ou nacionais de outros países.

A pesquisa estuda esses residentes transfronteiriços na região da Tríplice Fronteira,

especificamente nas cidades de Foz do Iguaçu (BR) e Ciudad del Este (PY). Foz do Iguaçu é

uma cidade do oeste do estado do Paraná, no Brasil. Nesta cidade encontra-se situada a Usina

Hidrelétrica Itaipu Binacional, o Parque Nacional do Iguaçu (onde existem as Cataratas do

Iguaçu), o Templo Budista Chen Tien, a Mesquita Omar Ibn Al-Khattab, além de outros pontos

turísticos. A cidade é multicultural e está conectada a Ciudad del Este através da Ponte

Internacional da Amizade, construída nas décadas de 1950 e 1960 e que passa sobre o rio

Paraná; do outro lado da ponte, no lado paraguaio, existe um grande centro de compras,

principal atração de Ciudad del Este. Abaixo a localização da região estudada no mapa:

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Fonte: Secretaria de Turismo da Argentina (2007).

O objetivo deste estudo foi analisar o direito de acesso aos serviços de saúde dos residentes fronteiriços, a partir das políticas públicas de saúde, no município de Foz do Iguaçu, na região da Tríplice Fronteira.

MÉTODO

A incursão metodológica utilizada para este estudo foi a pesquisa qualitativa, de tipo documental e análise de dados indutiva. Nessa direção, realizou-se levantamento e análises de arquivos disponíveis nos sítios eletrônicos sobre o tema, com o intuito de compreender os conceitos e causas da matéria, pois, via de regra, o estudo sobre saúde e residentes fronteiriços é multifacetado.

A coleta desses dados e informações foi estabelecida a partir, principalmente, das

políticas públicas de saúde brasileiras e legislações municipais da cidade de Foz do Iguaçu e

Lei do Migrante n° 13.445/17, aplicadas aos transfronteiriços no local de estudo. Além dos

repositórios institucionais universitários e as bases/plataformas de conteúdo científico

apoiando a discussão sobre o tema.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO

A discussão dos resultados organizou-se em duas seções, a primeira seção foi debatido a incompatibilidade do princípio da integralidade do SUS com o exercício do acesso à saúde pelos residentes fronteiriços, e, na segunda e última, a gestão da saúde pública brasileira para o acesso dos transfronteiriços aos serviços públicos de saúde no município de Foz do Iguaçu, no Brasil.

1. O limite territorial para o exercício de direito à saúde pelo residente fronteiriço e a (in)compatibilidade da integralidade do Sistema Único de Saúde

A proteção do direito à saúde tem passado por reformulações influenciadas por fenômenos como a internacionalização dos direitos humanos, a globalização e as facilidades de transportes e comunicações internacionais. Nesse contexto, o maior movimento de pessoas e de bens tem tornado as fronteiras dos Estados como áreas que requerem um olhar mais atento às demandas das pessoas que nela residem (PEREIRA; SOUSA; ALVERNE, 2018, p. 36).

O acesso à saúde é direito fundamental de todos, vinculado ao direito à vida digna, em consonância com a Declaração Universal dos Direitos Humanos. No sistema constitucional brasileiro, o direito primordial garantido também é a dignidade humana no artigo 1 da Constituição Federal de 1988 (BRASIL,1988).

Ainda a saúde foi estabelecida no art. 196 da CRFB/88 como dever do Estado e direito dos cidadãos, corporificada em um sistema público organizado em rede de serviços que realizasse atendimento integral aos usuários do sistema único de saúde nas mais diversas complexidades de serviços, como assistência à saúde, intervenções ambientais e políticas externas ao setor de saúde.

O SUS foi instituído pela Lei Orgânica da Saúde nº 8.080/1990 e, conforme explica o art. 7º, funciona seguindo as diretrizes previstas no art. 198 da CRFB/88, e tem como princípios essenciais a universalização, equidade e a integralidade. Sobre os princípios que regem o SUS é importante entender que:

Universalização: a saúde é um direito de cidadania de todas as pessoas e cabe ao Estado assegurar este direito, sendo que o acesso às ações e serviços deve ser garantido a todas as pessoas, independentemente de sexo, raça, ocupação ou outras características sociais ou pessoais. Equidade: o objetivo desse princípio é diminuir desigualdades. Apesar de todas as pessoas possuírem direito aos serviços, as pessoas não são iguais e, por isso, têm necessidades distintas. Em outras palavras, equidade significa tratar desigualmente os desiguais, investindo mais onde a carência é maior.

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Integralidade: este princípio considera as pessoas como um todo, atendendo a todas as suas necessidades. Para isso, é importante a integração de ações, incluindo a promoção da saúde, a prevenção de doenças, o tratamento e a reabilitação.

Juntamente, o princípio de integralidade pressupõe a articulação da saúde com outras políticas públicas, para assegurar uma atuação intersetorial entre as diferentes áreas que tenham repercussão na saúde e qualidade de vida dos indivíduos (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2021).

Para as regiões de fronteiras, tendo em vista as necessidades de políticas públicas específicas, o legislador brasileiro quando editou a Lei de Migração, trouxe o conceito legal de residente fronteiriço, que permite às pessoas que se encontrem nessa condição exercerem os direitos da vida civil no Brasil. Apesar de o texto da Lei de Migração ter limitado o exercício desses direitos aos limites do Município brasileiro fronteiriço (art. 24 do dispositivo legal), já se trata de uma importante vitória no contexto dos debates em torno da reformulação do ordenamento jurídico brasileiro de proteção aos direitos do migrante (PEREIRA; SOUSA;

ALVERNE, 2018, p. 36).

Com o acesso facilitado reconhecido ao residente fronteiriço, a Lei de Migração tratou do tema na seção I – Do Residente Fronteiriço – , estabelecendo condições para que esse indivíduo possa praticar os atos da vida civil, contudo limitou o espaço geográfico em que o residente estará autorizado a exercer os direitos a ele atribuídos, e assim regularizou:

Art. 23. A fim de facilitar a sua livre circulação, poderá ser concedida ao residente fronteiriço, mediante requerimento, autorização para a realização de atos da vida civil. Parágrafo único: Condições específicas poderão ser estabelecidas em regulamento ou tratado. Art. 24. A autorização referida no caput do art. 23 indicará o Município fronteiriço no qual o residente estará autorizado a exercer os direitos a ele atribuídos por esta Lei. §1º. O residente fronteiriço detentor de autorização gozará das garantias e dos direitos assegurados pelo regime geral de migração desta Lei, conforme especificado em regulamento. §2º. O espaço geográfico de abrangência e de validade da autorização será especificado no documento de residente fronteiriço.

(BRASIL, 2017a).

O tratamento dado ao nacional ou apátrida de país vizinho que vive em região de

fronteira, facilitando seu acesso e obtenção de autorização para prática de atos da vida civil no

Brasil é perfeitamente compreensível diante da proximidade das cidades, como acontece na

Região da Tríplice Fronteira, nas cidades de Foz do Iguaçu (BR), Ciudad del Este (PY) e Puerto

Iguazú (AR). Ademais, identifica-se uma forte integração social e cultural das pessoas que

vivem nessa região, independentemente da sua nacionalidade. Dessa maneira, a medida em que

o residente fronteiriço é detentor de autorização para realizar os atos da vida civil, estará

garantido o exercício dos direitos assegurados pelo regime geral da migração, portanto, abre-

se a possibilidade de exercer trabalho remunerado, frequentar estabelecimento de ensino nos

municípios fronteiriço e ter acesso aos serviços de saúde.

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Acontece que, conforme os artigos 24 e 25, inciso IV da Lei de Migração, para ter acesso ao documento de autorização para prática de atos da vida civil e usufruir das prerrogativas estabelecidas pelo regime geral da migração, caberá ao fronteiriço dirigir-se à Polícia Federal, que emitirá um documento especial de identificação da condição de cidadão fronteiriço, no qual será identificada a área geográfica (o Município) em que o fronteiriço poderá exercer seus direitos, sendo o exercício do direito fora dos limites da autorização concedida uma das causas para cancelamento do documento (PEREIRA; SOUSA; ALVERNE, 2018, p. 44). Vale lembrar que o prazo de vigência da autorização que permite a realização de atos da sua vida civil no Brasil é de cinco anos, prorrogáveis por igual período, podendo, ainda, ser concedida autorização para esse mesmo fim por prazo indeterminado, nos termos do regulamentado nos artigos 86 a 94 do Decreto nº 9.199/2017.

A Lei de Migração representou um importante avanço ao garantir o acesso à saúde a pessoas que são residentes no espaço em que há considerável influência do ordenamento jurídico interno e forte integração social, econômica e cultural com o Brasil, porém, a pretensão da lei em estabelecer limite geográfico para o exercício de direitos limitado ao Município fronteiriço mostra-se incompatível com o Princípio da Integralidade de cobertura e atendimento do SUS.

Desse modo, diante da grande relevância da efetividade do direito à saúde, bem como do sucesso dos programas de promoção da saúde da população, não se pode crer que a mera previsão de direitos aos residentes fronteiriços é suficiente para alcançar as possibilidades de utilização do SUS por quem vive em países com real integração territorial com o Brasil (PEREIRA; SOUSA; ALVERNE, 2018, p. 46).

2. A gestão da saúde pública brasileira para o acesso dos transfronteiriços aos serviços públicos de saúde no município de Foz do Iguaçu (BR)

O fluxo na fronteira entre Foz do Iguaçu e Ciudad del Este é contínuo na procura dos

serviços de saúde pública, sobretudo em direção ao lado brasileiro, devido às assimetrias entre

os países e a universalidade dos serviços no Brasil (ALUM; BEJARANO, 2011; MARTÍNEZ,

2020). Durante o ano de 2006, o Ministério Público Federal (MPF) apreciou a Ação Civil

Pública (ACP) n

o

. 2006.70.02.007108-9, em face da cidade de Foz do Iguaçu, com o objetivo

de deter os riscos e danos à vida dos cidadãos brasileiros e estrangeiros residentes no exterior,

especialmente no Paraguai.

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A ação foi sentenciada como parcialmente procedente, resultando na obrigação estatal de que todas as pessoas, inclusive brasiguaias e estrangeiras, têm direito a serem atendidos nos serviços de urgência e emergência, sem necessidade de comprovante de nacionalidade brasileira. Em relação aos serviços de atenção básica, esse acesso está restringido a brasileiros ou a estrangeiros residentes no Brasil (BRASIL, 2006).

Ainda, a Instrução Normativa nº 003/2015 (SMSA, Prefeitura Municipal de Foz do Iguaçu), estabelece que o usuário estrangeiro deve possuir o Cartão SUS, para o atendimento nas Unidades Básicas de Saúde. No apêndice I da Instrução, lê-se: os estrangeiros não residentes no país não têm direito a atendimentos eletivos. No caso dos paraguaios, residentes do MERCOSUL, é necessária a carteira temporária ou permanente de imigrante, além do comprovante de residência no município, para solicitar o cartão SUS no posto de saúde, por documento emitido pelo consulado brasileiro em Cidade do Leste (BRASIL, 2015).

O Decreto nº 25.072, de 19 de janeiro de 2017, estabelece “Situação de Emergência”

relativamente aos serviços de saúde básica, urgência e emergência, evitando o risco de desassistência. O decreto apreciou o atendimento à demanda de usuários de outros municípios e países, bem como de turistas (BRASIL, 2017b).

Segundo Lima (2017), a pressão da demanda dos serviços públicos no município de Foz do Iguaçu gera na gestão local do SUS a exigência de medidas restritivas que limitam o acesso dos transfronteiriços aos serviços de saúde brasileiros. Por exemplo, apresentação do visto de permanência no Brasil, temporário ou definitivo, de Cadastro de Pessoa Física e de comprovante de endereço no município, entre outros.

Ainda, se destaca que a falta de garantia dos direitos dos não brasileiros ou não residentes não é devido ao fato de serem estrangeiros, se não pela debilidade das políticas públicas de saúde brasileiras, que também não atende aos brasileiros. Em relação aos residentes em municípios fronteiriços, o parecer da Advocacia Geral da União em 2008, sobre a consulta do direito à assistência terapêutica de estrangeiro no âmbito do Sistema Único de Saúde declarou a negação da assistência para os transfronteiriços:

(...) os Municípios não são sujeitos de direito internacional aptos a estabelecer relações jurídicas com outros países o que deve ser, portanto, resolvido em tratativas entre Estados. (...) deve-se celebrar acordos bilaterais /multilaterais com cláusulas precisas que assentem a assistência médica/farmacêutica ou tratamentos recíprocos, com o fito de que a população brasileira não fique descoberta (OLIVEIRA, 2010, p.

143).

O autor justifica a necessidade de celebração de acordos bilaterais para a assistência

médica, a partir da teoria da reserva do possível, reconhecendo que os recursos sanitários não

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são infinitos, há escassez dos mesmos, o que determina priorizar a certas parcelas da população, no entanto, este parecer contradiz o princípio de universalização do SUS.

Em relação aos acordos, o Projeto de Decreto Legislativo de Acordos, tratados ou atos internacionais (PDL 765/2019) sobre o Acordo sobre Localidades Fronteiriças Vinculadas entre Brasil e Paraguai, ainda está em tramitação. Este acordo conferirá aos sujeitos fronteiriços, a partir da Carteira de Trânsito Vicinal Fronteiriça, direitos sociais, laborais e de saúde, sendo o atendimento médico nos serviços públicos de saúde em condições de gratuidade e reciprocidade (BRASIL, 2019).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A dignidade como valor do ser humano é o direito fundamental garantido no sistema constitucional brasileiro. O direito à saúde dos fronteiriços, residentes ou não no território nacional, é princípio basilar do Sistema Único de Saúde, garantindo a oferta de serviços públicos de saúde, conforme a Lei Orgânica de Saúde (art. 2), a Lei de Migração (art. 4) e a Constituição Federal (arts. 6 e 196).

A mobilidade humana na fronteira em busca de serviços públicos de saúde ocorre no cotidiano na região entre Foz do Iguaçu e Ciudad del Este. Esse fluxo de demanda por parte de usuários é contínuo em direção ao Brasil, ao mesmo tempo em que existe a descontinuidade da oferta dos serviços públicos no município de Foz do Iguaçu pelas restrições impostas, sendo o acesso liberado unicamente para o atendimento em urgências e emergências para os não residentes.

Nas cidades gêmeas, surge um espaço de pertença, um lugar comum, onde há desiguais, e, por isso, há necessidade desse Acordo sobre Localidades Fronteiriças Vinculadas que regule, em âmbito internacional, a oferta de serviços de saúde nas localidades fronteiriças, com a consequente utilização por parte dos usuários paraguaios dos serviços ofertados pelo SUS e, vice-versa, os brasileiros acessando aos serviços de saúde do lado paraguaio.

Entre os acordos, a criação de um centro de saúde binacional seria excelente iniciativa,

saindo do campo da teoria para a prático-material, possibilitando o atendimento aos cidadãos

fronteiriços e garantindo a proteção dos direitos na fronteira. Para essa viabilização dos

acordos, baseado em pactos formais e informais, urge a necessidade de protagonismos dos

gestores locais como agentes transformadores da região trinacional.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALUM, Julia Noemi Mancuello; BEJARANO, Maria Stella Cabral de. Sistema de Salud de Paraguay. Rev. Salud Pública Parag. 2011; Vol. 1 (1): 13-25. Disponível em:

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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 14 set. 2021.

_______. Decreto nº 25.902, de 11 de outubro de 2017. Estabelece "Situação de Emergência"

relativamente aos serviços de saúde básica, urgência e emergência no Município de Foz do Iguaçu, em virtude do iminente risco de desassistência. Substituindo o Decreto Nº 25.072, 19 de Janeiro de 2017. 2017b.

_______. Institui a Lei de Migração. Lei nº 13.445/17. Brasília, Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13445.htm. Acesso em: 14 set. 2021. 2017a.

_______. Instrução Normativa nº 003/2015 – SMSA. Dispõe sobre as diretrizes a serem seguidas para elaboração, recadastramento e atualização do Cartão Nacional de Saúde (Cartão SUS), bem como as orientações sobre todos os documentos que devem ser apresentados para atendimentos na Rede Municipal de Saúde de Foz do Iguaçu - PR. Secretário Municipal da Saúde. 2015.

_______. Justiça Federal. Ação Civil Pública nº. 2006.70.02.007108-9. Autor: Ministério Público Federal. Réus: União, Estado do Paraná e Município de Foz do Iguaçu. 9 de agosto de 2006.

_______. PDL 765/2019, 18 de Dezembro de 2019. Projeto de Decreto Legislativo de Acordos,

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