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CONCEPÇÃO DE CONSTRUÇÕES EM TERRA CRUA EM ZONAS SÍSMICAS

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CONCEPÇÃO DE CONSTRUÇÕES EM TERRA CRUA EM ZONAS SÍSMICAS

Maria Idália Gomes, Eng.ª Civil, Mestre em Construção pelo Instituto Superior Técnico, Assistente no Instituto Superior de Engenharia de Lisboa, Instituto Politécnico de Lisboa

Jorge de Brito, Eng.º Civil, Professor Associado c/ Agregação no Instituto Superior Técnico Mário Lopes, Eng.º Civil, Professor Auxiliar no Instituto Superior Técnico

Considerações iniciais

Neste artigo, baseado na dissertação de mestrado da primeira autora (Gomes, 2007) e dedicado à construção sismo-resistente em terra crua, após uma primeira descrição do estado da arte a nível mundial e em particular, em Portugal, analisa-se este tipo de construções em zonas sísmicas, verifi- cando que estas apresentam uma resposta pouco satisfatória quando sujeitas à acção sísmica. São ilustradas as soluções recomendáveis de geometria neste tipo de edificações em zonas sísmicas, de acordo com especialistas da área. Verifica-se, assim, que uma correcta abordagem das dimensões na fase do projecto minimiza os efeitos negativos da acção sísmica.

1. Enquadramento e importância sócio-cultural

Cada indivíduo vive num determinado espaço e habita-o, de acordo com a sua maneira de estar e em resultado da sociedade e da época onde se integra. Também os materiais usados, as técnicas escolhidas, os conhecimentos envolvidos e os métodos com que se constrói e se organiza a habita- ção própria, o edifício público ou a paisagem, são consequência natural da sociedade de cada épo- ca. São muitas as tradições de construção em terra diferindo de acordo com a identidade das cultu- ras e lugares, das experiências transmitidas e da qualidade da própria terra, entendendo-se por terra os materiais que resultam do intemperismo ou meteorização das rochas por desintegração mecânica ou decomposição química (Caputo, 1988).

A necessidade que o Homem teve de construir o seu habitat surgiu quando este se tornou sedentá- rio, no Neolítico. O Homem aprendeu a utilizar os materiais que a Natureza lhe disponibilizava e apareceram assim as primeiras construções em terra. As paredes das suas construções apresenta- vam uma mistura de terra amassada juntamente com outros materiais, nomeadamente a pedra, pa- lha, excrementos e pelos de animais - que serviam como estabilizadores à própria parede. Utiliza- va-se a madeira e o colmo como cobertura da sua habitação.

Ao longo dos anos, foram surgindo novas técnicas construtivas e novos materiais. Contudo, a cons- trução em terra mantém-se até aos dias de hoje por duas grandes razões: por utilizar materiais que a geografia local oferece; por ser um modo de construção pouco oneroso em países de mão-de-obra barata.

Na era moderna, apenas em países do Terceiro Mundo as arquitecturas de terra parecem subsistir.

Tal prende-se com a escassez de recursos económicos nesses países, o que os levou a utilizar maté- rias-primas de baixo custo. Actualmente, com todos os problemas energéticos, ambientais, ecológi- cos e económicos, está a desenvolver-se um revivalismo da arquitectura em terra um pouco por todos os continentes, visto que nestas construções o material utilizado é reciclável e reutilizável, incombustível e tem boas características térmicas.

1.1 Construção a nível mundial

Desde que os homens constroem cidades, há mais de dez mil anos, a terra crua tem sido, através de tradições eruditas e populares, um dos principais materiais de construção utilizados. Consequente- mente, aproximadamente 30% da população mundial vive ainda em habitações de terra. Cerca de 50% da população em países em desenvolvimento, incluindo a maior parte da população rural e, pelo menos, 20% da população urbana e suburbana vive em construções de terra (Houben, 1994).

No antigo Egipto, existem belas construções em pedra mas a ausência desta na zona entre o Tigre e o Eufrates fez aparecer construções em terra. Este fenómeno ocorreu em toda a África berbere, no

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Magreb, no Oriente, na América e também na Europa. Foi em terra crua que as mais diversas civi- lizações da Antiguidade edificaram cidades inteiras, sendo prova disso a existência, em todo o mundo, de vastíssimos vestígios arqueológicos.

A utilização da terra tem servido não só para a construção de habitações rurais e urbanas mas tam- bém para erguer grandes monumentos, nomeadamente mosteiros, igrejas, mesquitas, fortes, aque- dutos, depósitos e muralhas. As Figura 1 e 2 mostram diversos edifícios alguns de grande impor- tância a nível mundial.

Figura 1 - Arquitectura tradicional na zona Oeste de África: à esquerda, chefe da tribo, na sua edi- ficação construída com terra, no Norte de Togo (Lauber, 2005) e, à direita, muros de Oualata, or-

namentados com padrões geométricos conferindo um aspecto decorativo, que albergam desde o século XV as maiores bibliotecas do Sara Ocidental (Martin, 2000)

Figura 2 - À esquerda, Hotel L´ Oásis Rouge, construído em 1930 no centro da vila de Timimoun na Argélia no Sahara (Dethier, 1986) e, à direita, Mesquita na localidade de Niono, em Mali, cons- truída em 1973, pelo arquitecto Lassiné Minta, para a comunidade muçulmana (Cantacuzino, 1985)

1.2 Construção em Portugal

Em Portugal, é imprecisa a origem da utilização da terra crua enquanto material de construção, admitindo-se a existência de construções nesse material desde o início do período pré-histórico.

Exemplo disso é o achado do Monte da Tumba, no Torrão, junto a Alcácer do Sal, datando do Cal- colítico (cerca de 2500 a.C.). Foram os sírios, os fenícios e os gregos (chegados por via mediterrâ- nica) que introduziram a tecnologia, que já dominavam, de trabalhar a terra. No entanto, foram os muçulmanos a quem, com o seu espírito invasor e expansionista, coube o mérito de desenvolver a tecnologia da construção com terra crua. Assim, encontram-se vestígios do período da dominação muçulmana, em particular do tempo almóada, especialmente no Alentejo e Algarve (Alcáçova de Silves, construída no séc. XII, período de ocupação almóada).

O Palácio Almóada da Alcáçova de Silves (Figura 3) foi construído no séc. XII. As paredes foram construídas em taipa, isto é, com terra colocada entre taipais de madeira e os pilares em alvenaria de pedra (tendo em vista reforçar a estrutura e suportar o piso superior). No enrocamento, na base de ambos, foram utilizados blocos bem aparelhados de arenito vermelho. No grande paramento situado a Poente, paralelo à muralha e junto à rua, são bem visíveis as paredes e os pilares.

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Figura 3 - Perspectiva da reconstituição do Palácio Almóada da Alcáçova de Silves (i3) Sabendo que voltaram a aparecer em Portugal construções com terra crua (Figura 4), é necessário definir um conjunto de recomendações para a concepção em segurança de construções em terra crua em zonas sísmicas (recorde-se que todo o território nacional o é), quanto ao melhor método construtivo e às melhores técnicas construtivas para uma construção sismo-resistente em terra crua.

Figura 4 - Edificações em terra crua: à esquerda, mercado na localidade de São Luís - Odemira, ao centro, habitação na localidade de São Luís - Odemira e, à direita, habitação para turismo rural

(Naturarte, 2007)

2. Sismos e a terra crua

Há pouco mais de três séculos, a terra crua, como material de construção, foi sendo substituída por tijolo cozido e, apenas em países do Terceiro Mundo as arquitecturas de terra continuaram a persis- tir. Este facto prende-se, como referido, com a escassez de recursos económicos desses países que os levou a continuar a utilizar matérias-primas de baixo custo (neste caso, a terra).

Existe a necessidade de viabilizar a construção em terra e de realizar mais estudos para que este tipo de construções apresente os níveis de segurança, qualidade e durabilidade actualmente exigi- dos. Para isso, há que estudar as várias soluções que devem ser introduzidas num projecto, para que este tipo de construções possa resistir a um sismo sem danos graves, para que não aconteça o que se passou na manhã do dia 26 de Dezembro de 2003, no Sudeste do Irão, quando um terramoto com magnitude de 6,6 na escala de Richter (i1) devastou a cidade de Bam. No centro desta cidade, existia uma fortaleza com mais de 2000 anos, construída em adobe (Figura 5, à esquerda). De acor- do com as notícias, a fortaleza medieval caiu como se fosse um castelo de areia quando se deu o tremor de terra (Figura 5, à direita). A fortaleza era considerada pela ONU como património mun- dial. O sismo destruiu 70% dos edifícios (construídos com terra crua) em Bam (i4).

Os sismos podem ter como consequência a destruição total de aldeias ou mesmo cidades, especial- mente onde não tenham sido tomadas medidas preventivas relacionadas com a resistência sísmica das edificações.

Actualmente, cerca de 30% da população mundial vive em construções de terra. Como exemplos, indica-se: no Peru, 60% das habitações são construídas em adobe ou taipa; na Índia, de acordo com o censo de 1971, 73% de todas as edificações são de terra (Blondet et al, 2003a); em Mendoza, Argentina, mais de 80% da população rural constrói as suas vivendas em adobe (Minke, 2001),

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apesar de estar proibida a construção com este material (devendo este fenómeno estar associado ao elevado custo do betão armado). Verifica-se que este tipo de construções é muito comum em algu- mas regiões mais propensas Africa, Ásia (sobretudo na Índia), Médio Oriente e Sul da Europa (Fi- gura 6).

Figura 5 - À esquerda, vista da fortaleza e habitações na cidade de Bam no Irão, antes do sismo do dia 26 de Dezembro de 2003 (i1), e à direita, destruição da fortaleza e das habitações da mesma

cidade, resultado de um sismo de magnitude 6,6 na escala de Richter (i2)

Figura 6 - À esquerda, distribuição mundial de arquitectura em terra (de Sensi, 2003) e, à direita, distribuição das zonas com actividade sísmica com intensidades altas e moderadas (de Sensi, 2003) Devido à grande carência habitacional e estando esta directamente relacionada com a escassez de recursos financeiros das populações, é da maior importância a revitalização do uso da terra como material de construção. A terra será sempre um dos materiais contemplados na construção das habi- tações, devido à sua abundância, custo acessível, tradição e facilidade de execução. Por outro lado, os problemas energéticos, ambientais, ecológicos e económicos sentidos a nível mundial conduzem a uma mudança de mentalidades nos escalões privilegiados das sociedades desenvolvidas. A terra crua como material de construção deixa de ser sinónimo de desconforto e pobreza para começar a ser visto como um material alternativo e valorizado. Actualmente, por todos os continentes, está em curso um revivalismo da arquitectura de terra. Assim, é da maior importância um melhor conheci- mento do desempenho das construções em terra crua, nomeadamente sob o efeito de um sismo.

As principais causas de degradação das construções com terra são:

 degradação física ao longo do tempo, principalmente devido à acção da água;

 fraca resistência mecânica do material, quando solicitado aos vários tipos de acções, nomea- damente a acção sísmica.

Estas devem então ser colmatadas com recurso à estabilização das matérias-primas e à adopção de soluções construtivas adequadas.

3. Regulamentação

O conhecimento da origem e da natureza dos movimentos sísmicos é uma ferramenta indispensável para prevenir os seus efeitos danosos e sobretudo minimizar o colapso de estruturas que devem ser sismo-resistentes. Não existe até à data nenhuma regulamentação para as construções em terra crua, já que apenas as estruturas de betão armado e metálicas estão contempladas nos regulamentos Por- tugueses. No entanto, as estruturas de alvenaria em Portugal já se encontram regulamentadas, no- meadamente no Eurocódigo 6 (EC6 - Projecto de estruturas de alvenaria), que regula as caracterís- ticas tecnológicas e físico-mecânicas da alvenaria e dos seus constituintes, e no Eurocódigo 8 (EC8

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- Projecto de estruturas resistentes à acção sísmica), que detalha a acção sísmica e os requisitos dos edifícios em zonas sísmicas e, encontrando-se em vigor em Portugal há muito pouco tempo. Esta regulamentação não faz qualquer referência às construções em terra crua. No entanto, as constru- ções em alvenaria apresentam um comportamento semelhante ao das construções em terra crua, podendo algumas questões ser extrapoláveis para este tipo de construções. Nas construções sismo- resistentes assume-se, em primeiro lugar, o respeito pelas regras gerais de concepção, cálculo e execução adequadas às situações não sísmicas.

No entanto, existem inúmeros factores que afectam a vulnerabilidade sísmica de uma edificação, em todas as fases da sua construção e mesmo após a sua finalização.

Por um lado, os danos provocados pelos sismos nas edificações dependem da intensidade do sismo e, por outro, da resistência e qualidade da construção.

Porque as construções de terra funcionam por gravidade, as paredes de terra apresentam uma resis- tência razoável, ou até mesmo boa, a esforços de compressão vertical, devido ao seu peso próprio, visto as paredes serem muito espessas. Embora o peso da cobertura não seja muito significativo, pois deve ser leve, contribui para aumentar ligeiramente a resistência à flexão das paredes. No en- tanto, a resistência a esforços de tracção é bastante reduzida. Como consequência, este tipo de construções apresenta uma fraca resistência à acção sísmica quando não reforçada. Segundo Varum (2005), a resistência à compressão numa estrutura de terra varia entre 0.5 e 2.0 MPa e a resistência à tracção é cerca de 20% da resistência à compressão.

4. Definição geométrica das estruturas de terra crua

Um dos princípios essenciais a ter em conta na construção sismo-resistente em terra é a distribuição dos elementos estruturais de forma homogénea. Efectivamente, uma geometria adequada tem uma grande importância na estabilidade da construção - quanto mais compacta a estrutura, mais estabi- lidade terá. Segundo Minke (2001), uma geometria em planta quadrada é melhor do que uma rec- tangular e uma geometria circular é melhor do que uma quadrada (Figura 7).

Figura 7 - Geometria da edificação no plano (adaptado de Minke, 2001)

No caso de se optar por uma geometria irregular, como por exemplo uma geometria em forma de U ou L, deve-se utilizar 3 elementos rectangulares separados (para a geometria em U) e 2 elementos rectangulares separados (para a geometria em L), conforme se indica na Figura 8. Os vãos entre paredes devem ser pequenos e bem distribuídos, com intervalos regulares em ambas as direcções.

Deve-se evitar coberturas pesadas e compactas.

A arquitectura da edificação da Figura 9 teve como base algumas das recomendações dos autores Coburn et al (1995):

 distribuições em planta regulares, compactas e tipo caixa (rectangulares ou quadrangulares);

 construções apenas de um piso;

 cobertura leve, não devendo usar-se cobertura em terra;

 distribuição regular de paredes com dimensões que não devem ser excessivas e utilizando paredes transversais;

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 vãos das paredes pequenos e bem distribuídos;

 fundações consistentes e em solo firme.

Figura 8 - Solução para uma geometria no plano de uma edificação em U e em L (adaptado de Minke, 2001)

Figura 9 - Habitação rectangular com um piso, vãos de portas e janelas pequenos, planta regular e compacta e com paredes transversais (adaptado de Coburn et al, 1995)

As paredes são os principais elementos portantes nas construções de terra, pelo que o seu dimensi- onamento deve obedecer a regras que garantam um adequado comportamento sísmico. Segundo Blondet et al (2003), deve-se adoptar algumas recomendações empíricas no dimensionamento das paredes para que sejam resistentes ao sismo:

 a altura da parede não deve exceder oito vezes a espessura da parede na sua base, e em ne- nhum caso deve ser superior a 3.50 m;

 a distância entre paredes transversais não deve exceder dez vezes a espessura da parede, com um vão máximo de 7.00 m;

 o vão de portas e janelas não deve exceder um terço do comprimento total da parede, com um comprimento mínimo de 1.20 m entre vãos.

As recomendações relacionadas com o comprimento das paredes e da distribuição dos vãos para uma construção de terra, de acordo com o Reglamento para la Seguridad Estructural de las Cons- trucciones, RESESCO (1997), estão ilustradas na Figura 10.

As fundações numa edificação de terra devem ser bem executadas, uma vez que são muito impor-

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tantes neste tipo de estruturas.

Figura 10 - Considerações para as dimensões de uma parede (adaptado de RESESCO, 1997) Segundo Peña e Lourenço (2007), as fundações devem ser consideradas, como regra geral, com uma largura entre uma vez e duas vezes a espessura da parede, dependendo da altura da construção e da qualidade do terreno de fundação, com uma profundidade mínima de 0.40 m. Estes autores recomendam também que a fundação seja realizada em alvenaria de tijolo ou pedra, utilizando ar- gamassa com ligante hidráulico. Consideram ainda que é essencial existir um plinto realizado na mesma alvenaria com uma altura mínima de 0.30 m acima do nível do terreno, sobre o qual se co- loca uma membrana hidrófuga e, em seguida, a construção em terra.

Também para Morales et al (1993), as fundações têm um carácter muito importante nestas constru- ções. Estas deverão ter uma altura mínima de 0.25 m acima do nível do solo, conforme está indica- do na Figura 11, a fim de proteger a parede de terra da erosão das chuvas.

Figura 11 - Fundação numa edificação de terra (adaptado de Morales et al, 1993)

Ainda segundo Morales et al (1993), os vãos das janelas devem estar centrados e não devem ter uma dimensão superior a 1.20 m. A distância entre um cunhal e um vão não deve ser inferior a três vezes a espessura da parede com um mínimo de 0.90 m. As vergas das paredes e portas devem prolongar-se para cada lado da abertura num comprimento mínimo de 0.40 m. Estas recomendações estão explicitadas na Figura 12.

Os autores Pinto et al (2003) referem que, para a construção apresentar uma maior resistência ao sismo, deve-se colocar uma viga de soleira e uma viga de bordadura, ambas em betão armado, conforme se visualiza na Figura 13.

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Figura 12 - Dimensionamento de um muro de terra (adaptado de Morales et al, 1993)

Figura 13 - À esquerda, embasamento de parede e, à direita, viga de bordadura na mesma edifica- ção (adaptado de Pinto et al, 2003)

5. Reforço nas construções em terra crua

Porque a acção de um sismo se faz sentir em todas as direcções, há que fazer uma correcta distri- buição da geometria da edificação, dispondo de paredes em mais do que uma direcção para assegu- rar o bom comportamento de uma construção. No entanto, esta condição não é por si só suficiente.

Torna-se ainda necessário, para melhorar o comportamento da construção, assegurar a existência de reforço horizontal e vertical, utilizando para isso materiais como por exemplo cana, bambu, pedra, madeira ou mesmo o betão armado. Assim, as paredes funcionam em conjunto e apresentam uma maior resistência para suportarem a acção das forças sísmicas em qualquer direcção. O uso de re- forço vertical ajuda a manter a integridade da parede, devendo estar unido à viga de bordadura, restringindo a flexão perpendicular ao plano da parede e aos esforços de corte. O uso de reforço horizontal ajuda na distribuição dos esforços e a transmitir as forças de inércia, minimizando a propagação das fissuras verticais (Blondet et al, 2003).

Como exemplo de reforço vertical, pode-se utilizar canas de bambu, as quais se inserem dentro de alvéolos (Figura 14), entre os tijolos de adobe, ancoradas ao embasamento e fixas à viga de bordadura, enchendo posteriormente os alvéolos com uma mistura de terra. Estes devem ter um diâmetro mínimo de 0.05 m. Como reforço horizontal, poderá utilizar-se rede de galinheiro ou tiras de canas de bambu colocadas horizontalmente em cada quatro fiadas de tijolo de adobe (no máximo), ou entre cada fiada de taipa. Estas tiras deverão ser amarradas nas suas extremidades, de forma a não se deslocarem (Figura 14).

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Figura 14 - À esquerda, colocação do reforço vertical com canas de bambu e reforço horizontal com rede de galinheiro, em El Salvador (Dowling, 2002) e, à direita, colocação do reforço vertical

e horizontal na edificação com canas de bambu, no Peru (Blondet et al, 2002)

Actualmente, poderá optar-se, em vez da rede de galinheiro como reforço vertical, por uma armadura metálica ou de fibra de vidro entre as paredes e o reboco (Figura 15), tentando assim minimizar a fendilhação das paredes. Este reforço é cravado na parte interior e exterior das paredes de terra, em especial nas esquinas e nos encontros entre paredes ortogonais. Posteriormente, a malha é tapada com uma argamassa à base de terra e cimento.

Figura 15 - À esquerda, malha metálica e, à direita, malha em fibra de vidro (Branco et al, 2004) A colocação da viga de bordadura (reforço horizontal) é um dos factores essenciais para a resistên- cia deste tipo de construção (Gomes, 2007). Esta viga é um elemento de união na zona superior das paredes, ligando estas de forma consistente segundo uma estrutura reticulada horizontal. Como referido, deve ser suficientemente forte e contínua, devendo estar bem amarrada às paredes, poden- do colocar-se, nas esquinas das paredes e nos encontros com outras, um dente em betão armado Também podem ser utilizados chumbadores na ligação da parede de terra crua e a viga de bordadu- ra. Os chumbadores são elementos metálicos semelhantes a parafusos, que ligam as paredes às vigas de bordadura. De acordo com os regulamentos da Nova Zelândia (NZ 4299, 1998) e do Novo México (New Mexico Code, 2003), os chumbadores devem ser introduzidos em orifícios com um mínimo de 0.30 m de profundidade e com 0.07 m de diâmetro no interior da parede. Garante-se assim um bom encastramento destes elementos nas paredes de terra crua e, ao mesmo tempo, asse- gura-se que a capacidade resistente das próprias paredes não seja muito afectada.

Os reforços verticais e horizontais devem estar unidos entre si e com os outros elementos estrutu- rais, nomeadamente as fundações, viga de bordadura, a ligação à cobertura, entre outros. Esta liga- ção faz com que a edificação se comporte como um bloco, tornando-a mais forte do que se todos os elementos funcionassem independentes.

6. Conclusão

O facto de se ter vindo sempre a construir em terra crua deve-se à matéria-prima por si só, a terra.

Esta é abundante, económica, de fácil aplicação na construção e tem um comportamento excelente com as variações de temperatura. A terra será sempre um dos materiais de construção contempla- dos na produção de habitações de interesse social em determinados países.

Contudo, a terra crua veio perdendo importância face a outros materiais nos últimos séculos, tendo sido substituída por outros mais modernos e melhor adaptados às novas construções. Actualmente, sente-se uma inversão nesta tendência e começa-se novamente a utilizar a terra crua, por diversas

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razões, que se prendem com o baixo consumo energético no ciclo construtivo, tendo por isso uma vertente ambiental importante, a abundância deste material e a facilidade de execução. Em Portu- gal, este material necessita também de mais estudos, de forma a ser utilizado com sucesso nas no- vas construções e na reabilitação das já existentes. A investigação realizada permite uma melhoria nas construções ao nível de qualidade e de durabilidade, sendo imperioso dar continuidade a esses estudos, no sentido de procurar melhorar estas características e ao mesmo tempo compatibilizar este material com as tecnologias de construção actualmente disponíveis.

Está-se cada vez mais a apostar nas energias renováveis, existindo uma tendência recente mas cres- cente na utilização da terra como material de construção, permitindo assim uma aposta no futuro de construções com terra crua de maneira. Efectivamente, houve um aumento da pesquisa e de estudos nesta área, tentando dar resposta às actuais exigências funcionais, de conforto e segurança. Devido aos ensaios expeditos, quer em campo quer em laboratório, já se pode aumentar a qualidade do produto final, aumentando a resistência à água e melhorando o seu comportamento mecânico.

Deverá haver uma elaboração adequada do projecto, desde a fase da sua concepção, a partir do conhecimento das limitações impostas e das possíveis soluções estruturais. É de notar que a cons- trução ser concebida como sismo-resistente não significa a ausência de danos estruturais, mas sim a sua limitação.

Pode-se observar que, nas zonas sísmicas, este tipo de edificações tem geometrias muito idênticas:

normalmente são edificações de apenas um piso, relativamente baixas e com uma geometria regu- lar, sendo o resultado de soluções empíricas. Com base nestas soluções e em recomendações de especialistas da área, deve ser elaborado um projecto de uma edificação, tendo em consideração as recomendações a nível das dimensões que podem ser utilizadas, para que resistam a um sismo sem danos graves.

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Referências

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