APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS NUM PARADIGMA DA COMPLEXIDADE.
REIS, Débora R.M.L.
BEHRENS, Marilda A.
Resumo
O presente artigo trata das impressões registradas durante a investigação realizada com um grupo de 11 mestrandos de diferentes áreas do conhecimento no seminário de “Paradigmas Educacionais na Prática Pedagógica”, do Programa de Mestrado em Educação da PUCPr. A pesquisa-ação centrada na mudança paradigmática necessária a uma prática pedagógica relevante neste momento histórico, utilizou a metodologia de ensino da aprendizagem baseada em problemas (PBL), para trabalhar os paradigmas educacionais e sua influência na ação docente, com objetivo de construir referenciais para uma prática docente inovadora.As transformações econômicas, políticas e sociais testemunhadas pela humanidade nas últimas décadas tais como a globalização e o advento da sociedade da informação, exigem das pessoas uma aprendizagem constante. Na era da informação, o conhecimento é produzido em grande velocidade e pode ser acessado facilmente, em conseqüência o ensino não pode mais ser baseado na transmissão de informações. Assim, intensas mudanças pedagógico- curriculares se fazem necessárias.A partir da realização desta pesquisa-ação passamos a ver o processo educacional e o papel do professor e da universidade sob uma nova ótica. Assim foi possível fazer uma mudança profunda na nossa ação docente no que se refere aos objetivos, à proposta metodológica, às formas de avaliação e especialmente na relação com os educandos, o que me permitiu alcançar melhores resultados na dinâmica do processo de ensino- aprendizagem.
Palavras Chave: Paradigmas, Educação, Metodologia, Pesquisa, Aprendizagem.
Introdução
A universidade de forma geral, ainda segue atualmente, um modelo tradicional, que enfatiza o ensino, prioriza os conteúdos, dá destaque ao professor, único detentor do saber, transmissor de informações e centro do processo de ensino e, relega ao segundo plano os alunos, receptores passivos e acríticos de um conhecimento pronto e acabado.
Esta forma de educação não prepara os alunos para o fato da globalização, que torna
os países cada vez mais interdependentes e dependentes da política neoliberal, nem para a
realidade da transição social, partindo da sociedade industrial, voltada para a produção de
bens materiais, para a sociedade do conhecimento, preocupada com o capital humano.
Estamos em plena era da informação, os conhecimentos são produzidos muito rapidamente e estão disponíveis na rede informatizada e nos meios de comunicação. Neste contexto de globalização e de sociedade do conhecimento, são necessárias aos profissionais de qualquer área: competência técnica, habilidade para resolver problemas, iniciativa para tomar decisões, formação política para atuar como agente transformador da sociedade. Além disso, exige-se atualização e aprendizagem constante.
Assim, para Behrens (2005a) a visão de terminalidade da graduação precisa ser ultrapassada, os professores são agora desafiados a tornar os alunos capazes de investigar e aprender durante toda a vida, num processo de educação continuada.
Para tanto, se faz necessária a ruptura do paradigma tradicional, fundamentado epistemologicamente na filosofia positivista e na visão newtoniano-cartesiana. Baseado na fragmentação do conhecimento, na objetividade e racionalidade científica e no determinismo universal, acentuado pela globalização e pelo pensamento neoliberal o paradigma conservador formou homens competitivos e individualistas, preocupados com a técnica e com o capital, e, totalmente desapegados dos valores éticos e morais, da noção de coletividade e do respeito ao outro e à natureza.
Neste momento histórico a humanidade se vê diante de inúmeros problemas, nas mais diversas dimensões, para os quais a visão reducionista, ensejada pelo paradigma tradicional, não apresenta soluções. A ciência dos produtos acabados e dos conhecimentos prontos entrou em crise com os estudos advindos da teoria da relatividade e da física quântica, e um novo paradigma se impôs. A realidade é complexa e sua compreensão requer um pensamento abrangente, multidimensional. (MORAES, 1998)
Desta forma, o paradigma inovador busca uma visão de mundo proposta por Capra (1996) em seu livro “Teia da Vida”, uma noção de totalidade, de conexão e de inter-relação que vai de encontro ao pensamento de Morin (2000, p.38) de que há interdependência “entre o objeto do conhecimento e o seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes, e, as partes entre si”.
A era da informação ocasionou mudanças profundas no exercício da docência, uma vez que o professor não pode mais absorver todas as informações para transmiti-las aos seus alunos. Isto fica claro na referência que Masetto (2002, p.18) faz ao papel professor, dizendo:
“o papel de transmissor de conhecimentos, função desempenhada até quase os dias de hoje, está superado pela própria tecnologia existente”.
Nesta perspectiva o docente precisa repensar sua prática pedagógica e buscar
caminhos, que permitam a ele ensejar em seus alunos, a capacidade de investigação e de
aprender a aprender. Os alunos, além de se tornarem profissionais competentes, deverão tornar-se cidadãos críticos, criativos, capazes viver com autonomia, questionando e transformando a realidade, para a concretização de um mundo melhor.
Em decorrência do processo de adoção do paradigma inovador, que se compõe de abordagens que possibilitam uma formação compatível com as necessidades deste tempo histórico, surgem indagações como: Quais são os referenciais que caracterizam o paradigma inovador e como aplicá-los na prática pedagógica? E surgem ainda, problemas como: De que forma propor uma ação docente do professor universitário, assentada nos referenciais teóricos e práticos do paradigma da complexidade, que oportunize a aprendizagem criativa, crítica e transformadora?
Estas problematizações acompanharam os participantes da pesquisa-ação ao longo do processo. Situação em que se discutiu os paradigmas educacionais e as abordagens pedagógicas, analisando-se a crise do paradigma tradicional, para assim, propor práticas docentes inovadoras dentro do paradigma da complexidade.
Desenvolvimento
A pesquisa-ação foi realizada no seminário de “Paradigmas Educacionais na Prática Pedagógica”, parte do Projeto de Pesquisa “Prática Pedagógica do Professor Universitário”, do Programa de Mestrado em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPr. O grupo integrado por 11 mestrandos de diferentes áreas do conhecimento, centrou-se na problematização proposta. As discussões permitiram perceber que, embora estejamos na era do conhecimento, com uma ampla disponibilidade de recursos tecnológicos para a aquisição de informações, muitos professores ainda propõem práticas pedagógicas conservadoras, com foco na transmissão de informações e de conhecimento pronto e acabado, que leva os alunos a copiar e decorar. Desta forma, se fez necessária a investigação de referenciais teóricos e práticos assentados no paradigma da complexidade, que subsidiem uma ação docente universitária com objetivo de possibilitar uma aprendizagem crítica, criativa, transformadora e efetivamente continuada. Assim como, pesquisar a aplicação de um modo de ensino inovador na prática pedagógica do ensino superior.
Durante o desenvolvimento da pesquisa-ação objetivou-se analisar reflexivamente os
paradigmas educacionais e a sua influência no fazer educação, discutir criticamente o papel
do professor e sua metodologia na ação docente, construir propostas para uma prática docente
assentada no paradigma da complexidade e, ainda, justificar a validade de optar por paradigmas inovadores no atual contexto educacional.
O paradigma tradicional tem implicações profundas nos mais diferentes aspectos de nossa vida, na ciência, na educação, na saúde, e em outros tantos segmentos. A educação atual influenciada por este paradigma continua dividindo o conhecimento em assuntos e especialidades, fragmentando o todo em partes. De acordo com as considerações de Mizukami (1986) o professor é o único responsável pela transmissão do conteúdo e continua vendo o aluno como uma taça vazia, em que se deve depositar conhecimentos prontos. Os alunos por sua vez precisam decorar as informações e repetir os modelos e técnicas a ele ensinadas, sem, no entanto, questionar sua real aplicação e seus objetivos.
Esta forma de fazer educação, com ênfase no produto da aprendizagem, torna os alunos pessoas acríticas e passivas, que mesmo tendo o domínio das informações, não conseguem aplicá-las numa situação concreta, que exige autonomia e iniciativa para a solução de problemas e para a tomada de decisões. Este fato leva Fernandes (2002, p. 98) a afirmar que “cotidianamente, defrontamo-nos com o conhecimento concebido a-historicamente e a competência profissional reduzida a uma competência técnica universal e neutra”.
É imprescindível que a educação ultrapasse a visão de mundo fragmentada, mecânica e unilateral para estabelecer uma visão sistêmica de interdependência entre vários aspectos, levando os alunos a aprender de maneira contínua e crítica, com autonomia, responsabilidade e criatividade. Objetivando o resgate de valores éticos e morais e valorizando a solidariedade e a subjetividade para formar cidadãos capazes de construir um mundo mais justo e humano.
O processo de formação de profissionais críticos, reflexivos, com compromisso político e, capazes de enfrentar os problemas complexos que se apresentam na sociedade, pressupõe a utilização de metodologias ativas de ensino-aprendizagem, que possibilitem aos estudantes ocuparem o lugar de sujeitos na construção da sua aprendizagem, tendo o professor como facilitador e orientador.
Assim, o procedimento proposto para a realização da pesquisa, de encontro ao paradigma da complexidade, buscou a visão de totalidade, com enfoque na aprendizagem e na superação da reprodução do conhecimento a partir da produção de conhecimento próprio e coletivo.
Essa metodologia de prática pedagógica fez uma aliança entre os pressupostos da
visão holística, da abordagem progressista e do ensino com pesquisa, tendo como suporte a
utilização de tecnologias. Para Behrens (2005b, p.88) “a teia formada por essas abordagens
possibilita a aproximação de referenciais significativos para a prática pedagógica”.
A pesquisa como lógica educativa, permite o desenvolvimento da autonomia, da criticidade, da capacidade de investigação, e, a superação da reprodução por meio da produção do conhecimento. A percepção de que somente a partir da pesquisa cotidiana é possível um processo de educação continuada, encontra respaldo na declaração de Demo (1994, p. 16) de que “a pesquisa não é um ato isolado, intermitente, especial, mas atitude processual de investigação diante do desconhecido (...) instrumento essencial para a emancipação. Não só para ter, sobretudo para ser é mister saber”.
A abordagem progressista ao valorizar o diálogo e a coletividade, propõe o trabalho em grupo e a participação responsável e reflexiva de professores e alunos no processo de aprendizagem, visando à formação do indivíduo como ser histórico e cidadão crítico, livre e capaz de compreender e transformar a realidade social. Nesta abordagem, professores e alunos são parceiros, estabelecem uma relação horizontal, dialógica e democrática, clara na afirmação de Freire (1992, p. 112) “uns ensinam e ao fazê-lo, aprendem. Outros aprendem e, ao fazê-lo, ensinam”.
A visão holística objetiva reconectar o conhecimento fragmentado em partes, buscando vislumbrar o todo. Pois de acordo com Cardoso (1995, p.49) “o todo está em cada uma das partes, e, ao mesmo tempo, o todo é qualitativamente diferente do que a soma das partes.” Assim, a visão sistêmica considera o ser humano em sua totalidade, como ser constituído de particularidades e de múltiplas inteligências. (BEHRENS, 2005b)
Optou-se por um processo de pesquisa-ação realizada em dez fases, com procedimentos específicos. Na primeira, houve o convite para a participação do grupo, composto por 11 mestrandos, na pesquisa. Assim foi ocorreu a apresentação e discussão do contrato pedagógico, no qual foram expostos os conteúdos a serem trabalhados, a sua abrangência nas mais diversas dimensões, e os problemas que decorrem da aplicação destes na realidade vivenciada pelos participes. Nesta fase os alunos participaram da proposição das atividades a serem realizadas, num determinado espaço temporal, e dos critérios de avaliação do processo de aprendizagem. Esta interação dialógica assegura o envolvimento e a responsabilidade mútua dos atores envolvidos na proposta pedagógica.
Na segunda fase o conhecimento a ser elaborado de forma conjunta foi re-significado de maneira contextualizada para que os participantes pudessem perceber criticamente a importância e a finalidade das temáticas estudadas. A terceira fase foi centrada na problematização da pesquisa.
A quarta fase foi caracterizada por uma exposição dialogada em que os temas a
serem investigados foram trabalhados em âmbito geral. Passando para a quinta fase, foram
disponibilizados três textos de diferentes autores, e os participantes estimulados a buscar informações complementares nas mais diversas fontes, possibilitando a fundamentação teórica necessária à produção individual, como condição para uma produção coletiva mais relevante.
A sexta fase pautou-se na produção de textos individuais, a partir do pesquisado, levando em consideração as categorias delineadas na exposição inicial do conteúdo. O acompanhamento da professora foi importante para manter a harmonia entre o trabalho individual e coletivo, especialmente no que se refere ao estímulo e valorização do trabalho individual perante os colegas, sem, no entanto, suscitar a competitividade. Nesse momento a responsabilidade dos participantes pela sua aprendizagem e as contribuições com a construção coletiva do conhecimento no grupo ficaram evidentes.
Na sétima fase os textos individuais foram abordados em pequenos grupos, permitindo, desta maneira, uma discussão crítica e reflexiva com objetivo de interação entre a teoria e a prática, possibilitando o emergir de caminhos alternativos de transformação da realidade. Esta fase procurou desenvolver nos participantes a capacidade de se posicionar e de defender suas idéias, mas também, de aceitar as opiniões dos outros. O desenvolvimento de qualidades políticas no indivíduo, o capacitam para intervir na sociedade.
Na oitava fase, os participantes reunidos em trios, elaboraram um texto coletivo, sintetizando as principais idéias do grupo. Situação em que as produções individuais serviram de substrato para o trabalho coletivo.
Durante o programa trabalhado, focalizou-se primeiramente, o Paradigma Conservador e a reprodução do conhecimento, nas abordagens pedagógicas: Tradicional, Escolanovista e Tecnicista. Seguindo-se a análise e discussão dos paradigmas pedagógicos brasileiros e a sua influência no processo educacional, passou-se à discussão da crise dos paradigmas tradicionais, e o papel do profissional frente à inovação na prática educativa.
Realizou-se posteriormente a construção de referenciais que caracterizam os paradigmas pedagógicos contemporâneos, integrando as abordagens inovadoras: Holística, Progressista e de Ensino com Pesquisa, que compõe o Paradigma da Complexidade.
As temáticas foram desenvolvidas usando os procedimentos descritos da quarta à
oitava fase, incluindo em termos gerais, exposições dialogadas com utilização de recursos
tecnológicos como data-show e vídeos, pesquisas nas mais diversas fontes, elaboração de
quadros sinópticos e textos individuais, discussões reflexivas sobre as produções individuais e
elaborações de quadros e textos coletivos.
Na nona fase as experiências vivenciadas durante as aulas e a realização da investigação conduziram à produção final, que consistiu na construção de um artigo individual. Na décima fase ocorreu a avaliação do projeto de ensino e aprendizagem integrados pela metodologia da aprendizagem baseada em problemas. A avaliação processual permite aos participes uma auto-avaliação e a manifestação sobre a proposta metodológica como um todo, e, ao professor a readequação, quando necessária, da sua ação pedagógica.
Considerações Finais