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CARLA REITA FARIA LEAL

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Academic year: 2018

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Proteção Internacional do Direito ao Trabalho da Pessoa com

Deficiência

Doutorado em Direito das Relações Sociais

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - PUC/SP São Paulo

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CARLA REITA FARIA LEAL

Proteção Internacional do Direito ao Trabalho da Pessoa Com

Deficiência

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito das Relações Sociais, sob a orientação do Prof. Dr. Pedro Paulo Teixeira Manus.

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - PUC/SP São Paulo

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CARLA REITA FARIA LEAL

PROTEÇÃO INTERNACIONAL DO DIREITO AO TRABALHO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

Esta tese de doutorado foi apresentada para a obtenção do título de Doutor em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, aprovada em ____/____/2008.

Banca Examinadora

_______________________________

_______________________________

_______________________________

_______________________________

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À Manuela Leal Santullo e Sofia Leal Santullo, luzes de minha vida.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu esposo e companheiro, Pascoal Santullo Neto, pelo amor, dedicação, estímulo e irrestrito apoio para a realização deste trabalho.

Ao meu orientador, Prof. Dr. Pedro Paulo Teixeira Manus, pelos ensinamentos e orientação na condução da pesquisa e elaboração da tese.

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LEAL, Carla Reita Faria. Proteção internacional do direito ao trabalho da pessoa com deficiência. São Paulo. 2008. Tese (Doutorado em Direito) – Pontifica Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008.

RESUMO

Faz-se, no presente trabalho, estudo das normas internacionais de proteção do direito ao trabalho das pessoas com deficiência. Iniciando, procura-se apontar qual a terminologia mais adequada para designar as pessoas com deficiência, assim como fixar o seu conceito, apoiando-se em parâmetros fornecidos por organismos internacionais, por doutrinadores nacionais e dispositivos legais de alguns países. Em seguida, debruça-se sobre o tratamento dispensado às pessoas com deficiência ao longo da história, visando compreender o lugar que hoje ocupam na sociedade. Dando seqüência, são abordados os fundamentos fáticos e jurídicos que justificam a atuação do Estado e da sociedade para a proteção desta parcela da população. Como cerne do trabalho, são analisadas diretrizes fornecidas pela ONU, OIT e OEA, para a implementação do direito ao trabalho das pessoas com deficiência. A questão também é tratada sobre o prisma do ordenamento jurídico da Itália, Espanha, Portugal e Brasil. A atuação do Ministério Público do Trabalho para fazer com que as pessoas com deficiência tenham efetivado o seu direito ao trabalho é examinada. Conclui-se que para a efetivação da democracia é necessária a garantia de condições de vida digna a todos os seus integrantes, possibilitando a participação plena e efetiva das pessoas com deficiência na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

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LEAL, Carla Reita Faria. International protection of the right to work of the people with disability. São Paulo. 2008. Thesis (Doctor of Law) - Pontifical Catholic University of São Paulo, São Paulo, 2008.

ABSTRACT

In the current paper, a study about the international rules of protection for the people with disability rights at work is developed. First, it is explained which terminology is more appropriated to define the people with disability. Its concept is also determined, based on the standards provided by the international Organizations, national law specialists, and some countries legal principles. Next, it is analysed the treatment provided to the people with disability through the history, aiming to understand their place in the society nowadays. Then, it is studied the factual and legal foundation that justify the action of the State and society, for the protection of this part of the population. The rules provided for the implementation of the people with disability right at work by the UN (United Nations), ILO (International Labour Organization), and OAS (Organization for the American States) are analysed as the main aim of this paper. The issue is also studied according to the principles of countries such as Italy, Spain, Portugal and Brazil. It is examined the Labour General Councel action to make sure that the people with disability have their right at work respected. It is concluded that for the effectiveness of democracy it is necessary to guarantee conditions for decent life to all citizens. Thus, it is necessary to provide the people with disability with opportunity of full and effective participation in the construction of a free, fair and generous society.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...11

CAPÍTULO I - PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: CONCEITO ...16

1.1 Terminologia ...16

1.2 Conceito de Pessoa com Deficiência...19

1.2.1 No âmbito internacional ...20

1.2.2 No âmbito da doutrina e ordenamento jurídico brasileiros...26

1.2.3 Proposta conceitual ...30

CAPÍTULO II - A PESSOA COM DIFICIÊNCIA AO LONGO DA HISTÓRIA...32

CAPÍTULO III - A NECESSIDADE DE PROTEÇÃO DA PESSOA COM EFICIÊNCIA ...48

3.1 Fundamentos Fáticos da Necessidade de Proteção ...48

3.2 Fundamentos Jurídicos da Necessidade de Proteção ...53

3.2.1 O princípio da Dignidade Humana...53

3.2.2 O princípio constitucional da igualdade e seus desdobramentos ....57

3.2.2.1 Igualdade formal...58

3.2.2.2 Igualdade material...61

3.2.3 O princípio constitucional da não-discriminaçao ...64

CAPÍTULO IV - A PROTEÇAO INTERNACIONAL DO DIREITO AO TRABALHO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA ...68

4.1 Organização das Nações Unidas ...68

4.1.1 Declaração Universal dos Direitos Humanos ...69

4.1.2 Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais ..71

4.1.3 Declaração de Direitos do Deficiente Mental...72

4.1.4 Declaração dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência ...73

4.1.5 Ano Internacional para as Pessoas Deficientes ...75

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4.1.7 Dia Internacional das Pessoas com Deficiência ...79

4.1.8 Normas Uniformes sobre a igualdade de oportunidade para as pessoas com deficiência...80

4.1.9 Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência ...84

4.2 Organização Internacional do Trabalho ...90

4.2.1 Recomendação n. 22...92

4.2.2 Recomendação n. 71...93

4.2.3 Recomendação n.99...94

4.2.4 Convenção e Recomendação n. 111...95

4.2.5 Convenção n. 142 e Recomendação n. 150...97

4.2.6 Convenção n. 159 e Recomendação n. 168...100

4.2.7 Outras formas de atuação da OIT em prol integração laboral da pessoa com deficiência ...105

4.3 Organização dos Estados Americanos ...111

4.3.1 Convenção Interamericana para Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência...111

4.3.2 Decênio das Américas: pelos Direitos e Dignidade das Pessoas com Deficiência ...114

4.3.3 Programa de Ação para o Decênio das Américas pelos Direitos e Dignidade das Pessoas com Deficiência...115

CAPÍTULO V - A PROTEÇÃO DO DIREITO AO TRABALHO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA EM ALGUNS ORDENAMENTOS JURÍDICOS NACIONAIS ...119

5.1 Itália ...119

5.1.1 Proteção Constitucional...119

5.1.2 Proteção Legal ...121

5.2 Espanha...141

5.2.1 Proteção Constitucional...141

5.2.2 Proteção Legal ...143

5.3 Portugal ...164

5.3.1 Proteção Constitucional...164

5.3.2 Proteção Legal ...167

5.4 Brasil ...180

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5.4.2 Proteção legal...190

5.4.2.1 Lei n. 7.853/89...191

5.4.2.2 Lei n. 8.112/90...194

5.4.2.3 Lei n. 8.213/91...197

5.4.2.4 Decreto n. 3.298/99 ...201

5.4.3 Outras normas que tratam do trabalho da pessoa com deficiência206 CAPÍTULO VI - ACESSO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA AO TRABALHO: ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO BRASILEIRO COMO GARANTIA...209

CONCLUSÕES ...217

BIBLIOGRAFIAS ...225

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INTRODUÇÃO

Os organismos internacionais e a maioria dos países, reconhecendo que a dignidade e a igualdade de todos os seres humanos são fundamentos da liberdade, da justiça e da paz mundial, ao longo dos anos, têm buscado mecanismos para assegurar a fruição dos direitos fundamentais, sem qualquer limitação, por todos os membros da família humana, aí incluídas as pessoas com deficiência.

É unânime o reconhecimento de que, para o exercício pleno da cidadania por parte das pessoas com deficiência, é necessário que se assegure a efetivação, dentre outros direitos, daquele de trabalhar em igualdade de oportunidade com as demais pessoas.

Para o alcance de tal desiderato, constata-se uma intensa produção normativa por parte dos organismos em questão, sendo imprescindível a sua análise, não só pelo caráter de universalização que possuem, mas também para a verificação se esta está incorporada no ordenamento jurídico de alguns países, dentre eles o Brasil, o que justifica a escolha do tema do presente trabalho.

Assim, o tema do trabalho que ora se apresenta é a proteção internacional do direito ao trabalho da pessoa com deficiência.

Segundo dados da Organização das Nações Unidas, mais de 500 milhões de pessoas sofrem de algum tipo de deficiência, o que faz com que tenham limitações de ordem física e social para o exercício de seus direitos. Além disso, já está evidenciado também que cerca de oitenta por cento das pessoas com deficiência vivem em países em desenvolvimento e que a maioria está incluída na parcela da população que sofre com os efeitos da pobreza.

Os números do Censo Demográfico de 2000 indicam que, naquele ano, quase uma década atrás, o Brasil possuía 24,6 milhões de pessoas com deficiência, o que significa que quase 15% da população brasileira, no ano em questão, possuíam alguma dificuldade de locomover-se, enxergar, ouvir ou alguma deficiência física ou mental, e que parte significativa deste contingente situava-se na faixa etária considerada como de idade produtiva, realidade que não se alterou.

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mesma forma, atinge sociedades inteiras, já que considerável potencial humano, que poderia auxiliar no desenvolvimento econômico e social das nações, permanece inexplorado. Conseqüentemente, as questões relativas à deficiência devem ser tratadas também como integrantes das estratégias de desenvolvimento sustentável.

Ao lado das barreiras ambientais, as barreiras atitudinais são fatores que impedem a plena e efetiva participação da pessoa com deficiência na sociedade, em especial no mundo laborativo, sendo fundamentais as medidas preconizadas para superação destas, daí a importância do tema a ser tratado.

No contexto geral, pretendeu-se demonstrar que a inclusão laboral é uma das formas mais eficazes de cumprir os preceitos universais, relativos à garantia da dignidade da pessoa humana e aos direitos à igualdade e não-discriminação, assegurados expressamente na Declaração Universal dos Direito do Homem.

De forma específica, buscou-se a abordagem pormenorizada das normas editadas por organismos internacionais que tratam do direito da pessoa com deficiência ao trabalho, assim como colocar em foco o ordenamento jurídico de alguns países, no que tange a esse particular, procurando destacar o que se avalia como mais importante e eficaz para a tão almejada integração social.

Para tanto, foram utilizados os métodos histórico e dedutivo e, ainda que parcialmente, o indutivo, com esteio em pesquisa bibliográfica extraída da doutrina, das normas internacionais e da legislação dos países participantes das convenções e das recomendações dos organismos internacionais.

Visando a uma melhor compreensão do tema, optou-se por iniciar o trabalho com a busca de qual é a terminologia mais adequada e aceita hoje para designar o sujeito do direito que se analisou.

Após, discute-se um conceito de pessoa com deficiência, perpassando aqueles adotados em documentos internacionais e em diversos dispositivos legais.

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estas ao longo da história, particularmente no que tange ao processo de sua inserção social, ainda não concluído.

Como suporte e embasamento ao tema principal, proteção internacional do direito ao trabalho da pessoa com deficiência, segue-se a apreciação dos fundamentos fáticos e jurídicos da necessidade de proteção, a ser conferida à pessoa com deficiência. No que diz respeito aos fundamentos jurídicos, apontou-se a dignidade da pessoa humana como pedra basilar dos direitos humanos, dentre eles os direitos à igualdade e à não-discriminação.

Já no cerne do objeto do trabalho, passou-se ao exame da normativa produzida pela Organização das Nações Unidas, Organização Internacional do Trabalho e Organização dos Estados Americanos sobre a pessoa com deficiência, com ênfase nas diretrizes que dizem respeito, direta ou indiretamente, ao seu direito à oportunidade de se manter através de emprego de sua livre escolha ou de ser aceito no mercado de trabalho em ambiente que seja aberto, inclusivo e acessível a qualquer pessoa, independentemente de sua condição pessoal.

Ainda no epicentro do tema, foram apontadas posições doutrinárias e comentadas as normas constitucionais e legais pertencentes aos ordenamentos jurídicos italiano, espanhol, português e brasileiro sobre a matéria, priorizando o enfoque das medidas inclusivas, assim consideradas as ações afirmativas.

Por derradeiro, abordou-se a atuação do Ministério Público do Trabalho brasileiro como garantidor do acesso da pessoa com deficiência ao trabalho.

Adverte-se que o trabalho como proposto não tem a pretensão de esgotar o assunto, dispondo-se apenas a contribuir com o panorama científico, ao abordar temática que, a despeito de sua importância, é ainda pouco estudada.

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CAPÍTULO I - PESSOA COM DEFICIÊNCIA: CONCEITO

1.1Terminologia

A terminologia aplicada para designar as pessoas com deficiência varia, de conformidade com a atitude que se adota diante delas: uma análise das denominações utilizadas ao longo dos tempos demonstra a evolução do comportamento da sociedade perante essa parcela tão significativa de seus integrantes.

A verdade é que a maior parte das expressões utilizadas apresenta problemas de aceitação por parte da comunidade de pessoas afetadas, direta ou indiretamente, pela deficiência. Assim, a busca de uma terminologia que evite o menosprezo, as estigmatizações e as conotações inapropriadas é uma constante por parte dos organismos nacionais e internacionais, ao tratarem do assunto, o que resulta, como não poderia deixar de ser, em alterações periódicas nos termos usados, na redação dos dispositivos legais e dos demais documentos correlatos à matéria em cada país, para referir-se à pessoa com deficiência.

Nos países de língua inglesa, as expressões mais aceitas pelas associações que representam as pessoas com deficiência são persons with disabilities e people with disability. É possível também encontrar textos em que se utilizam as expressões handicapped persons, considerada humilhante, e the disabled, rejeitada por fazer referência mais à deficiência do que ao indivíduo que a possui.

Na Espanha, na doutrina e em muitos dispositivos legais, é possível constatar a eleição do termo “minisválido” para se referir à pessoa com deficiência, hoje gradualmente substituído por “descapacitado” ou persona com discapacidad. Na França o termo mais aplicado é handicapé e na Itália, disabile. Em Portugal, os termos mais utilizados são “pessoa deficiente” e “portador de deficiência”.

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“excepcional”, “pessoa portadora de necessidades especiais”, “pessoa portadora de deficiência” e “inválido” eram e ainda são, amiúde, empregados na linguagem popular, sendo alguns deles encontrados em documentos referentes às pessoas com deficiências, às vezes até em textos legais e constitucionais.

Uma rápida análise do texto constitucional de 1988 permite inferir que o constituinte optou por eleger as expressões “pessoas portadoras de deficiência”, “trabalhador portador de deficiência” e “portadores de deficiência”1, para referência a esse grupo de pessoas, provavelmente buscando a unificação e a padronização, assim como a substituição do termo “pessoas deficientes”.

Após a promulgação da Constituição Federal vigente, as expressões em questão também foram adotadas em constituições estaduais e legislação pertinente, e os conselhos, coordenadorias e associações que lidam com o tema deficiência passaram a utilizá-las em suas denominações.

Mesmo que a adoção da expressão “pessoa portadora de deficiência” demonstre a tentativa de diminuir o estigma, quase sempre presente quando o tema deficiência é abordado2, essa designação não foi totalmente acolhida pelos estudiosos do assunto. (ARAÚJO, 2001, p. 9).

Nesse sentido Lutiana Nacur Lorentz afirma que:

“Assim, a própria terminologia usada pela Constituição Federal de 1988 é bastante criticável porque o termo deficiência tem alcances muito estigmatizantes. Melhor seria se tivesse sido escolhida a expressão ‘pessoas portadoras de necessidades especiais’ (PNE), ou ‘pessoas com necessidades especiais’ havendo aqueles que, mais recentemente, vêm defendendo o uso da expressão ‘pessoas com ‘eficiências’ desconhecidas’”. (2006, p. 196).

1 Como exemplos do emprego das expressões mencionadas podem ser apontados os textos dos

artigos 7º, inciso XXXI, 37, 203, incisos IV e V e, 208, III, todos da Constituição Federal de 1988.(BRASIL,1988).

2 Nesse sentido, afirma Araújo: “A última expressão, ‘pessoas portadoras de deficiência’, tem o

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Prevaleceu a sensação de que era possível avançar na busca de um termo que não tivesse como foco a deficiência em si, nem o fato de a pessoa possuí-la, mas a valorização da pessoa, como ser humano, cidadão titular de direitos. Ao que parece, o fato de possuir uma deficiência, ou portá-la, como preferiu o constituinte, passava a ser um detalhe da pessoa.

Sandro Nahmias Melo consigna sobre o assunto:

“O adjetivo não se pode sobrepor jamais ao substantivo básico identificador da condição humana: pessoa! Em outras palavras, as deficiências jamais podem vir antes das pessoas, sob pena de, a partir daí, compor-se uma visão estereotipada das pessoas portadoras de deficiência, sendo este mais um motivo para que sejam totalmente abandonadas as qualificações pejorativas”. (destaque do autor). (2004, p. 43).

A par disso, a expressão em questão, “pessoa portadora de deficiência”, é rejeitada também pelo fato de que as deficiências não são portadas, ou seja, elas simplesmente estão na pessoa ou com esta.

Na busca de alternativa de terminologia mais adequada para referir-se às pessoas com deficiência, houve um período posterior à promulgação da Constituição Federal de 1988, em que foi utilizada a expressão “pessoas com necessidades especiais”. Ocorre, entretanto, que, além das pessoas com deficiência, esta abrange também outras pessoas que requeiram atenção especial3, como as crianças e os idosos, dentre outros, o que, por si só, já justifica ter sido excluída, em face deste estudo.

3 A expressão em questão, ao que parece, passou a ser adotada após a edição da Resolução do

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Atualmente, a expressão “pessoa com deficiência” é a mais aceita e aclamada nos eventos mundiais (SASSAKI, 2008)4, nos quais se reúnem as organizações que representam esse segmento da sociedade, e é essa sua designação acolhida na redação da Convenção Internacional para Proteção dos Direitos e Dignidade das Pessoas com Deficiência, aprovada recentemente pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, ONU.

Romeu Kazumi Sassaki identifica na escolha dessa designação os seguintes princípios:

“1 – Não esconder ou camuflar a deficiência; 2 – Não aceitar o consolo da falsa idéia que todo mundo tem de deficiência; 3 – Mostrar com dignidade a realidade da deficiência; 4 – Valorizar as diferenças e necessidades decorrentes da deficiência; 5 – Combater neologismos que tentam diluir as diferenças, tais como ‘pessoas com capacidades especiais’, ‘pessoas com eficiências diferentes’, ‘pessoas com habilidades diferenciadas’, ‘pessoas deficientes’, pessoas especiais’, ‘é desnecessário discutir a questão das deficiências porque todos nós somos imperfeitos’, ‘não se preocupem, agiremos como avestruzes com a cabeça dentro da areia’ (i.é, ‘aceitaremos vocês sem olhar para suas deficiências’); 6 – Defender a igualdade entre as pessoas com deficiência e as demais pessoas em termos de direitos e dignidade, o que exige a equiparação de oportunidades para pessoas com deficiência atendendo às diferenças individuais e necessidades especiais, que não devem ser ignoradas; 7 – Identificar nas diferenças todos os direitos que lhes são pertinentes e a partir daí encontrar medidas específicas para o Estado e a sociedade diminuírem ou eliminarem as ‘restrições de participação’ (dificuldades ou incapacidades causadas pelo ambiente humano e físico contra as pessoas com deficiência)”.(2008).

Assim, a expressão “pessoa com deficiência”, por ser mais consentânea com a fase da busca da inclusão hoje vivenciada por essa parcela da sociedade, mesmo não sendo, pelo menos por ora5, a terminologia adotada no ordenamento jurídico brasileiro, será utilizada no corpo deste trabalho.

4 Sobre o assunto consigna Romeu Kazumi Sassaki: “‘pessoa com deficiência’ passa a ser o termo

preferido por um número cada vez maior de adeptos, boa parte dos quais é constituída por pessoas com deficiência que, no maior evento (‘Encontrão’) das organizações de pessoas com deficiência, realizado no Recife em 2000, conclamou o público a adotar este termo. Elas (as pessoas com deficiência) esclareceram que não são ‘portadoras de deficiência’ e que não querem ser chamadas com tal nome”. Afirma também o autor que estão agregados ao termo “pessoa com deficiência” os seguintes valores: “ 1) o empoderamento [uso do poder pessoal para fazer escolhas, tomar decisões e assumir o controle da situação de cada um] e 2) o da responsabilidade de contribuir com seus talentos para mudar a sociedade rumo à inclusão de todas as pessoas, com ou sem deficiência”.

5 No Projeto de Lei n. 7.699/2006, de autoria do Senador Paulo Paim, que institui o “Estatuto da

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1.2 Conceito de Pessoa com Deficiência

Antes de formular o conceito de pessoa com deficiência, por meio da análise de sua abordagem no âmbito internacional, na legislação e na doutrina brasileira, faz-se necessário registrar uma importante distinção entre os conceitos de incapacidade e de deficiência.

Muitas vezes adotados como sinônimos, os termos em questão definem ocorrências totalmente diferentes. Enquanto a perda funcional total é considerada incapacidade, a anormalidade, anatômica ou estrutural, é descrita como deficiência (DI NUBILIA, 2007).

Di Nubilia, citando Garrad e Benett, explicita de forma mais aprofundada tal diferenciação, nos seguintes termos:

“GARRAD e BENETT adotam esta distinção, mas definem estes dois termos mais estritamente, incapacidade como limitação de desempenho de uma ou mais atividades que são geralmente aceitas como componentes básicos essenciais da vida diária, tais como incapacidade para realizá-las, necessitando do auxílio de outra pessoa. A gravidade da incapacidade seria assim proporcional ao grau de dependência, para as áreas de atividade essencial consideradas: (1) mobilidade: caminhar, utilizando escadas, transferir-se para cima e para fora da cama ou cadeira, e viajar; (2) autocuidados: alimentação, vestuário e cuidados com toalete; (3) tarefas domésticas: fazer compras, preparar e cozinhar a comida, limpar a casa e lavar as roupas; e/ou (4) ocupação: capacidade de manter o mesmo emprego em indústria aberta consistente com a idade, sexo e habilitação individual. Deficiência seria definida como um distúrbio anatômico, patológico ou psicológico que pode ser descrito em termos diagnósticos ou sintomáticos. Isto poderia causar ou estar associado com incapacidade de modo que enquanto toda pessoa incapacitada tem uma deficiência, nem toda a pessoa com deficiência é necessariamente incapacitada. A deficiência poderia ser classificada em 4 categorias: aquelas afetando a locomoção ou qualquer atividade motora; aquelas de origem sensorial; aquelas relacionadas aos órgãos internos, ou seja, distúrbios cardíacos e respiratórios; e aquelas de origem primariamente psicológica juntamente com transtornos orgânicos inclassificáveis”. (GARRAD J.; BENETT AE, 1971, Apud DI NUBILIA, 2007, p. 57).

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1.2.1 No âmbito internacional

Considerando o eixo do tempo, vários documentos dos organismos internacionais podem ser citados na construção de uma proposta conceitual do que significa a expressão “pessoas com deficiência”. Entre esses organismos, registram-se: a Organização das Nações Unidas – ONU –, a Organização Mundial de Saúde – OMS - e a Organização Internacional do Trabalho - OIT. É igualmente importante mencionar conceitos adotados pelos dispositivos legais de alguns países.

A Declaração dos Direitos dos Deficientes, aprovada pela Assembléia Geral da ONU, nos termos da Resolução XXX/3.447, de 09 de dezembro de 1975, em seu artigo 1º, assim conceituou pessoa com deficiência:

“O termo 'deficiente' designa toda pessoa em estado de incapacidade de prover por si mesma, no todo ou em parte, as necessidades de uma vida pessoal ou social normal, em conseqüência de uma deficiência congênita ou não de suas faculdades físicas ou mentais". (ONU, 1975).

Já a OMS, organismo internacional especializado em saúde ligado à ONU, com a finalidade de evoluir em sua missão de elaboração de Classificações Internacionais de Saúde6, tendo como foco as conseqüências das doenças, editou, em 1980, a oficialmente denominada International Classification of Impairments, Disabilities and Handcaps (ICIDH), em português, Classificação Internacional das Deficiências, Incapacidades e Desvantagens (CIDID)7.

Nesse documento define-se deficiência como: “toda perda ou anomalia de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica”.

6 Conforme lecionam Norma Farias e Cássia Maria Buchalla, a OMS tem entre as suas missões

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A incapacidade foi definida como: “toda restrição ou ausência de função devida a uma seqüela/deficiência da capacidade de realizar uma atividade da forma, ou dentro da margem que se considera normal para o ser humano”.

Já a desvantagem, como

“[...] uma situação de desvantagens para um determinado indivíduo, conseqüência de uma seqüela/deficiência ou de uma incapacidade, que limita ou impede o desempenho de um rol de ações que é normal no seu caso, considerando-se sua idade, sexo, e fatores sociais e culturais.” (CIDIDI).

Com base em tais conceitos, o Programa de Ação Mundial para as Pessoas com Deficiência, aprovado em 1982 pela Assembléia Geral das Nações Unidas, como seqüência e conseqüência da proclamação do ano de 1981 como Ano Internacional das Pessoas Deficientes, assim tratou de sua identificação, nos itens 7 e 8:

“7. Portanto, a incapacidade existe em função da relação entre as pessoas deficientes e o seu ambiente. Ocorre quando essas pessoas se deparam com barreiras culturais, físicas ou sociais que impedem o seu acesso aos diversos sistemas da sociedade que se encontram à disposição dos demais cidadãos. Portanto, a incapacidade é a perda, ou a limitação, das oportunidades de participar da vida em igualdade de condições com os demais. 8. As pessoas deficientes não constituem um grupo homogêneo. Por exemplo, as pessoas com enfermidades ou deficiências mentais, visuais, auditivas ou da fala, as que têm mobilidade restrita ou as chamadas "deficiências orgânicas", todas elas enfrentam barreiras diferentes, de natureza diferente e que devem ser superadas de modos diferentes” (ONU, 1982).

Visando ao mundo do trabalho, a Organização Internacional do Trabalho, em dois momentos, conceitua pessoa portadora de deficiência, na Recomendação n. 99, de 1955, e na Convenção n. 159, de 1983, que, posteriormente, também serão objeto de análise no presente trabalho.

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cujas possibilidades de obter e conservar emprego adequado se tornam realmente reduzidas devido a uma diminuição de sua capacidade física ou mental.

Já a Convenção n. 159 (OIT, 1983), em seu artigo 1º, item 1, estabelece o entendimento, exclusivo para sua aplicação, de que pessoa com deficiência seria aquela cujas possibilidades de obter e conservar um emprego adequado e de nele progredir fiquem reduzidas, de maneira substancial, em decorrência de uma deficiência de caráter físico ou mental devidamente comprovada.

Da apreciação desse dispositivo, depreende-se que, embora genérico e simples, o conceito adotado traz elementos que, à época, 1983, ainda não haviam sido totalmente absorvidos pelas legislações nacionais: em primeiro lugar, o elemento material, ou seja, a existência de uma deficiência, física ou mental; em segundo lugar, o elemento profissional, já que se exige a conexão, potencial ou atual, com o mundo do trabalho, isto é, o nexo entre a deficiência e a capacidade para seguir trabalhando ou ter acesso a um emprego; por último, o elemento formal, que é a exigência de que a limitação para o trabalho seja devidamente reconhecida, ficando a cargo de cada Estado-membro decidir os procedimentos, requisitos ou autoridades competentes para tanto.

A Classificação Internacional das Deficiências, Incapacidades e Desvantagens da OMS, acima citada, passou por duas revisões: a primeira, em 1993, e a segunda, em 2001, esta ainda em vigência

Nessa última revisão, a classificação em tela, após aprovada pela Assembléia Geral da OMS, denominou-se, no Brasil, de Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF).

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texto da CIF componentes referentes à saúde nos níveis corporal e social, ambos interagindo entre si8. (BUCHALLA; FARIAS, 2008)

Para esse documento internacional, deficiências “são problemas na função ou estrutura do corpo como um desvio significativo ou perda”.

Já funções do corpo “são as funções fisiológicas dos sistemas corporais (incluindo as funções psicológicas)”.

E estrutura do corpo “são as partes anatômicas do corpo como órgãos, membros e seus componentes”.

Com a mudança de paradigma, para a OMS, a verificação da incapacidade não passa mais apenas pela apresentação, por parte de uma pessoa, de um problema na função, ou na estrutura do corpo, com perda ou desvio significativo, ou seja, uma deficiência tecnicamente descrita. A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade - CIF e Saúde leva, também, em consideração a

“[...] interação entre a disfunção apresentada pelo indivíduo (seja orgânica e/ou da estrutura do corpo), a limitação de suas atividades e a restrição na participação social, e dos fatores ambientais que podem atuar como facilitadores ou barreira para o desempenho dessas atividades e da participação” (CIF, apud BUCHALLA; FARIAS, 2008, p. 02).

A nova visão adotada pela OMS sobre a incapacidade e a deficiência leva a que o meio onde a pessoa com deficiência vive, suas experiências pessoais, os fatores culturais e sociais sejam levados em consideração para sua caracterização, e a classificação decorrente da aplicação desses critérios mostra-se de extrema utilidade, não só para os profissionais de saúde, mas também para a Administração Pública e o Poder Legislativo, no momento de definir políticas públicas para o setor e de aprovar dispositivos legais que tratem de direitos dessa parcela da sociedade.

8 Norma Farias e Cássia Maria Buchalla destacam sobre o assunto: “Assim, na avaliação de uma

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Pode-se afirmar, ainda, que as inovações da CIF já influenciaram positivamente a ONU. Depois de mais de duas décadas de vigência da Declaração dos Direitos dos Deficientes e vários anos de discussões e negociações entre os seus membros, a ONU voltou a se debruçar sobre o assunto e, em dezembro de 2006, aprovou a Convenção Internacional de Direitos das Pessoas com Deficiência, que entrou em vigor em março de 2007. Essa Convenção estabeleceu, para seus fins, que

“[...] pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas” (ONU, 2006).

Analisando o conceito adotado pela novel Convenção Internacional de Direitos das Pessoas com Deficiência, é possível verificar que este se encontra em consonância com o método utilizado pela OMS, isto é, para a identificação da pessoa com deficiência deve-ser levar em consideração não só a deficiência em si (impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial), mas, também, as limitações oferecidas pelo meio, que impeçam “sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas”.

Por último, vale destacar os conceitos adotados pela legislação da Espanha, Portugal e Itália, países que terão os seus respectivos ordenamentos jurídicos, com relação à proteção ao trabalho da pessoa com deficiência, analisados no corpo deste trabalho.

Na Espanha, a Ley de Integración Social de los Minusválidos

(L.I.S.M.I.), n. 13/82, de 7 de abril de 1982, não foi alterada neste particular e propõe em seu artigo 7.1

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Como se vê, a lei espanhola em questão associa incapacidade de integração da pessoa nos âmbitos educacional, laboral ou social em geral como conseqüência da deficiência.

Já em Portugal, a Lei n. 38/20049, Lei de Bases Gerais do Regime Jurídico da Prevenção, Habilitação, Reabilitação e Participação da Pessoa com Deficiência, de 18 de agosto de 2004, em seu artigo 2°, trouxe o conceito de pessoa com deficiência assim vazado:

"Considera-se pessoa com deficiência aquela que, por motivo de perda ou anomalia, congénita ou adquirida, de funções ou de estruturas do corpo, incluindo as funções psicológicas, apresente dificuldades específicas susceptíveis de, em conjugação com os factores do meio, lhe limitar ou dificultar a actividade e a participação em condições de igualdade com as demais pessoas”. (PORTUGAL, 2004).

Na Itália, é a Lei n. 104, de 5 de fevereiro de 1992, Legge-Quadro per L’Assistenza, L’Integrazione Sociale e i Diritti Delle Persone Handicappate, em seu artigo 3º, item 1, que conceitua pessoa com deficiência, nos seguintes termos:

Art. 3. Soggetti aventi diritto – 1 - É persona handicappata colui che presenta una minorazione fisica, psichica o sensoriale, stabilizzata o progressiva, che é causa di difficoltà di apprendimento, di relazione o di integrazione lavorativa e tale da determinare un processo di svantaggio sociale o di emarginazione. (ITÁLIA, 1992).

A lei italiana, como se vê, engloba a deficiência nas modalidades física, psíquica e sensorial e faz interação desta com as dificuldades de aprendizagem e de relacionamento ou integração no trabalho, de modo a determinar um processo de desvantagem ou de marginalização social.

Após o registro e, em alguns casos, a análise dos conceitos de pessoa com deficiência, adotados nos documentos dos organismos internacionais e de alguns países, faz-se necessária sua abordagem no âmbito da legislação e da doutrina brasileiras.

9 O conceito de pessoa com deficiência trazido pela Lei n. 38/2004, foi posteriormente utilizado em

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1.2.2 No âmbito da doutrina e ordenamento jurídico brasileiros

Embora vários autores nacionais já tenham tratado dos direitos das pessoas com deficiência, em especial com relação ao trabalho, todos registram a dificuldade na elaboração do conceito que ora se busca, talvez em virtude da complexidade da tarefa e dos inúmeros elementos que devem ser levados em conta para tanto.

Luiz Alberto David Araújo, após coletar algumas definições para a palavra “deficiente” em dicionários, consigna sobre o assunto:

“Diante dessas conceituações, a idéia de falha estaria presente na definição do que vem a ser ‘pessoa portadora de deficiência’. As pessoas que têm uma falta ou uma falha sensorial, motora ou mental, seriam portadoras de deficiência. A idéia não se apresenta tão singela. Tomemos o exemplo dos ‘superdotados’. Essas pessoas são portadoras de deficiência e não têm nenhuma falta. Pelo contrário, sua inteligência é superior à do homem comum; suas habilidades são mais aguçadas do que o padrão normal. No entanto, dentre os superdotados podem estar pessoas portadoras de deficiência. Importante frisar que a falha, a falta, não se situa no indivíduo, mas em seu relacionamento com a sociedade. O indivíduo portador de deficiência que por falta, quer por excesso sensorial ou motor, deve apresentar dificuldades para seu relacionamento social. O que define a pessoa portadora de deficiência não é falta de um membro nem visão ou audição reduzidas. O que caracteriza a pessoa portadora de deficiência é a dificuldade de se relacionar, de se integrar na sociedade, o grau de dificuldade de se relacionar, de se integrar na sociedade, o grau de dificuldade para a integração social é que definirá quem é ou não portador de deficiência.” (2001, p. 10-11).

Já Sandro Nahmias Melo propõe o seguinte conceito de pessoa com deficiência:

“Os portadores de deficiência: são pessoas com certos níveis de limitação, física, mental ou sensorial, associados ou não, que demandam ações compensatórias por parte dos próprios portadores, do Estado e da sociedade, capazes de reduzir ou eliminar tais limitações, viabilizando a integração social dos mesmos”. (2004, p. 52-55).

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“O conceito, a ser adotado pelo Direito do Trabalho, de portador de deficiência é o de pessoa que, em virtude de uma perda ou anomalia de uma estrutura física, mental ou sensorial, se encontre, temporária ou definitivamente, impossibilitada de exercer, dentro dos padrões de normalidade, uma atividade produtiva”. (Grifo do original). (2005, p. 141).

Denise Lapolla de Paula Aguiar Andrade, membro do Ministério Público do Trabalho, elabora um conceito de pessoa com deficiência nos seguintes termos:

“Pessoa portadora de deficiência é aquela que apresenta, em caráter permanente, perdas ou anormalidades de sua estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, que gerem incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano”. (2008, p. 01).

Por último, Ana Cláudia Vieira de Oliveira Ciszewski afirma que:

“[...] em termos gerais, podemos definir que ‘pessoa portadora de deficiência’ é aquela que apresenta, em comparação com a maioria das pessoas, significativas diferenças físicas, sensoriais ou intelectuais, decorrentes de fatores inatos e/ou adquiridos, de caráter permanente e que acarretam dificuldades em sua interação com o meio físico e social. (2005, p. 27-28).

Na seara do ordenamento jurídico brasileiro, em diversos dispositivos constitucionais e legais, é possível constatar o cuidado do legislador em estabelecer direitos e garantias às pessoas com deficiência, sem, porém, um aprofundamento maior, em relação à conceituação dos sujeitos destinatários da proteção. Nem mesmo a Lei n. 7.853, de 24 de outubro de 1989, que

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Deteve-se em fixar esse conceito, deixando a tarefa a cargo de seu decreto regulamentador, o Decreto n. 3.29810, de 20 de dezembro de 1999, como se verá a seguir.

A Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993, que dispõe sobre a organização da Assistência Social, em seu artigo 20, determina o pagamento de prestação continuada à pessoa com deficiência que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família. No parágrafo segundo do mesmo artigo, conceitua os seus beneficiários da seguinte forma: “para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho”. (BRASIL, 1993).

O Decreto n. 3.298, de 1999, com as alterações trazidas pelo Decreto n. 5.296, de 2 de dezembro de 2004, estabelece, de forma minuciosa, os critérios técnicos, fundados em parâmetros adotados internacionalmente, para que o indivíduo possa ser considerado pessoa com deficiência, em seu artigo 4º, que traz a seguinte redação:

“Art.4o É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra

nas seguintes categorias:

I - deficiência física - alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções; II - deficiência auditiva - perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz; III - deficiência visual - cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores;

IV - deficiência mental – funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como:

a) comunicação;

10 O texto do Decreto n. 3.298/99 encontra no anexo ao final do presente trabalho, assim como pode

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b) cuidado pessoal; c) habilidades sociais;

d) utilização dos recursos da comunidade; e) saúde e segurança;

f) habilidades acadêmicas; g) lazer; e

h) trabalho;

V - deficiência múltipla – associação de duas ou mais deficiências”. (BRASIL, 2004).

Importantes para o entendimento acerca do conceito de pessoa com deficiência, adotado pelo Decreto n. 3.298/99, são também os conceitos de deficiência, deficiência permanente e incapacidade insculpidos no mesmo dispositivo legal. É o texto do decreto regulamentador neste particular:

“Art. 3° Para os efeitos deste Decreto, considera-se:

I - deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano;

II - deficiência permanente – aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos; e

III - incapacidade – uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida”.

É importante mencionar, no âmbito da legislação brasileira também, a Convenção Interamericana para Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, conhecida como a Convenção da Guatemala, de 1999, ratificada pelo Brasil através do Decreto Legislativo n. 198, de 13 de junho de 2001, foi promulgada pelo Decreto n. 3.956, de 08 de outubro de 2001.

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“Para os efeitos desta Convenção, entende-se por: 1. Deficiência - O termo ‘deficiência’ significa uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social”. (BRASIL, 2001).

1.2.3 Proposta conceitual

Da análise dos conceitos adotados pelos organismos internacionais, pelos doutrinadores e pela legislação, todos acima discutidos, evidenciam-se alguns elementos recorrentes e imprescindíveis para a construção de um conceito atual de pessoa com deficiência. São eles: a) a ocorrência de uma perda ou desvio significativo de uma, ou de várias funções, ou de estrutura do corpo; b) a existência de limitação e(ou) impedimento de participação plena e efetiva em sociedade; c) a disfunção apresentada é a causadora das restrições ou limitações de sua atuação social; d) os fatores ambientais presentes onde a pessoa vive devem também ser levados em consideração.

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CAPÍTULO II - A PESSOA COM DEFICIÊNCIA AO LONGO DA

HISTÓRIA

A abordagem do tratamento dispensado pela comunidade e pelo Estado às pessoas com deficiência, ao longo da história, é imprescindível para a compreensão do lugar que elas hoje ocupam na sociedade e a atual postura adotada, de uma forma geral, em relação ao tema. As fases do longo processo de inclusão das pessoas com deficiência, ainda não concluído, deixam evidenciada a necessidade das medidas nesse sentido, adotadas pelo Poder Público no presente.

A análise da questão, considerados os primórdios da existência do ser humano em sociedade, deixa evidenciada a dicotomia que sempre existiu no que se refere ao tema, já que, dependendo da cultura dos povos e da época, o tratamento variava entre dois extremos: ora voltado à proteção e à manutenção das pessoas com deficiência, ora com práticas de seu extermínio, seja por morte violenta, seja por abandono à própria sorte.

Na maioria dos povos mais primitivos, as atitudes relacionadas à eliminação ou exclusão das pessoas com deficiência eram justificadas pela dificuldade em se conseguir alimentos para todos, o que obrigava os grupos a buscarem, constantemente, terras mais férteis, com caça e pesca mais abundantes, movimentação que era dificultada se tivessem que transportar as pessoas incapazes de se locomoverem sem auxílio. Em outros casos, a motivação era o entendimento da quase inutilidade econômica da pessoa com deficiência, impossibilitada de auxiliar na agricultura e na pecuária. Havia também casos em que a prática de extermínio tinha origem na crença de que as deficiências resultavam de castigos dos deuses. (SILVIA, O.M., 1986, p. 45).

Já na Antigüidade, quando se observa o surgimento das primeiras leis escritas, a ação estatal, em relação às pessoas com deficiência, pelo menos no que se refere às civilizações mais conhecidas, é direcionada para a política de extermínio, já mencionada, ou para a discriminação bastante arraigada.

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tempo, a adoção de penas mutiladoras por crimes praticados e, geralmente o membro, ou a parte do corpo a ser mutilada, guardava relação com aquele utilizado pelo condenado na prática do crime. Ou seja, a ação do Estado era causadora de várias deficiências. (SILVIA, O.M., 1986, p. 66).

Por outro lado, os egípcios sempre foram reconhecidos por seus conhecimentos da arte médica, mesclada, contudo, com princípios considerados mágicos. Ainda assim, várias práticas de tratamento de doenças foram relatadas, como estão documentadas, principalmente em relação às doenças graves e aquelas que provocavam deficiências incapacitantes.

Ainda em relação à civilização egípcia, é relevante o registro do fato de que vários governantes com deficiência exerceram longos reinados de forma plena, o que demonstra a aceitação da deficiência pela sociedade, pelo menos no que se refere àqueles dirigentes.

Entre os hebreus, a intolerância à deficiência era grande, embora alguns de seus líderes tenham com ela convivido.

Otto Marques da Silva (1986, p. 73-77)11 afirma que, no documento religioso denominado “Livro de Enoc, o Profeta”, rejeitado pela Igreja Católica, Noé é descrito com todas as características do albinismo. Já Isaac conviveu, por vários anos, com a deficiência visual, e Moisés possuía sério distúrbio de comunicação, o que o levou a se fazer acompanhar sempre por Aarão, seu irmão, que o auxiliava na interlocução com os líderes hebreus e com o faraó e sua corte, durante a sua missão de libertar seu povo da escravidão.

Afirma o mesmo autor que, para os antigos hebreus, as doenças crônicas, ou qualquer forma de deficiência física ou mental, eram consideradas indicativas de impureza ou de pecado, não sendo permitido, por exemplo, que pessoas com deficiência desempenhassem as funções de sacerdote. Ao mesmo tempo, de forma semelhante à de outros povos contemporâneos a eles, os hebreus

11 O autor transcreve interessante trecho do livro Levítico, elaborado por Moisés com normas e

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possuíam leis que determinavam penas mutiladoras para aqueles que infringissem as normas de conduta então vigentes.

No Novo Testamento também há registro de várias referências às pessoas com deficiência (SILVA, O.M, 1986, p. 85-91), seja para deixar evidenciada a

crença de que os males incapacitantes derivavam de interferências de maus espíritos ou de castigos por pecados praticados, seja para indicar que a única alternativa de sua sobrevivência era a mendicância. Registra-se ainda a busca de curas milagrosas por parte das pessoas com deficiência, junto a Jesus Cristo e seus apóstolos.

Os babilônios, pelo Código de Hamurábi, conjunto de leis mais antigas de que se tem notícia, do mesmo modo que os hebreus, adotavam penas mutiladoras.

A civilização grega abrigou em seu seio exemplos da dicotomia do tratamento destinado às pessoas com deficiência. Embora houvesse leis que determinavam a eliminação das crianças que nascessem com deficiências, ao mesmo tempo foi precursora em estabelecer a obrigação do Estado em dar assistência àqueles que não fossem capazes de prover sua própria existência.

Exemplos do primeiro tratamento eram as orientações legais existentes em Esparta e Atenas, mencionadas por Assis (2007), que estabeleciam, respectivamente que, “as crianças mal constituídas devem ser eliminadas” e “todas as pessoas inúteis devem ser mortas quando a cidade estiver sitiada”.

Registros feitos por historiadores, relativos à Esparta, dão conta de que havia nas proximidades da cidade um abismo onde crianças, havidas pelos anciãos componentes de comissão oficial designada para tal fim, como frágeis, feias e disformes, eram arremessadas para a morte. Tal prática, amparada pelas leis vigentes, como já se mencionou, era justificada pelo fato de que não era boa, nem para a criança, nem para a República, a continuidade de sua vida, já que, desde o nascimento, demonstrava que não fora gerada para ser forte e saudável durante toda a sua existência.

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eram criadas pelos pais até os seis ou sete anos de idade, quando eram entregues para que fossem educadas para a arte de guerrear. (SILVA, O.M, 1986, p. 121-122).

Destaca-se que tal restrição não abrangia todos os habitantes de Esparta, mas apenas aqueles conhecidos como “os iguais”, que eram considerados cidadãos espartanos, ou seja, a elite, responsável pela manutenção da ordem interna e que se dedicava às guerras.

Em Atenas, embora os métodos fossem diferentes, havia também a política de extermínio das crianças com deficiência.

Silva registra que,

“[...] no que diz respeito a Atenas – a grande rival de Esparta - quando nascia uma criança, o pai celebrava uma festa conhecida como ‘amphidromia’ (de ‘amphi’ que significa ‘ao redor’ e ‘dromos’, para ‘volta’). Os costumes exigiam que ele tomasse a criança em seus braços, dias após o nascimento, e a levasse solenemente à sala para mostrá-la aos parentes e amigos e iniciá-la no culto dos deuses. A festa terminava com banquete familiar. Caso não fosse realizada a festa, era sinal de que a criança não sobreviveria. Cabia, então, ao pai o extermínio do próprio filho”. (SILVA, O.M, 1986, p. 126).

A prática de extermínio das crianças doentes e com deficiência não só era aceita pela sociedade da época, como era defendida por dois dos principais filósofos da época, Platão (428 a 348 a.C.) e Aristóteles (384 a 322 a.C.).

Nesse sentido, assinala Olney Queiroz Assis sobre o assunto:

“Platão, ao pensar uma sociedade ideal, defendeu a aplicação de medidas eugênicas. É certo que, no Livro Terceiro de A República (s/d), justificou tais medidas como uma maneira de fortalecer a unidade do Estado. Para o filósofo, os melhores homens deveriam unir-se às melhores mulheres, o mais freqüentemente possível, e os defeituosos, às defeituosas, o mais raro possível. Os filhos dos primeiros deveriam ser criados, conservando, assim, a qualidade do rebanho, enquanto os filhos dos segundos, quando defeituosos, deveriam ser abandonados para morrer”. (2007, p. 01).

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Já em relação à segunda posição, ou seja, proteção de pessoas com deficiência, registra-se o fato de, em Esparta e em Atenas, existirem determinações oficiais, no sentido de serem concedidas vantagens de diversas naturezas, em especial de natureza alimentar, aos soldados feridos e a suas famílias12.

Ao mesmo tempo em que são registrados os comportamentos díspares da civilização grega, em relação às pessoas com deficiência, é imperioso relevar o fato de que foram os gregos que desenvolveram o conceito de isonomia, hoje amplamente utilizado na busca de efetivar, como regra, a inclusão dessa parcela da população em todas as atividades da sociedade, pelo reconhecimento de que a igualdade entre as pessoas somente poderá ser alcançada se igualadas as diferenças, ou seja, se os desiguais forem tratados de forma desigual, na medida de suas desigualdades.

A civilização romana, da mesma forma que a grega, adotou a prática de extermínio das crianças nascidas com deficiências. Silva (1986, p. 128-130) registra o fato de uma lei, atribuída a Rômulo, no surgimento da vida formal de Roma, vedar a morte intencional de crianças com menos de três anos de idade, excetuando-se, porém, a hipótese daquelas nascidas com deficiências que pudessem ser consideradas mutiladas ou monstruosas e que deveriam ser mortas ao nascer.

No mesmo sentido, preconizavam as primeiras normas escritas de Roma, as Leis das Doze Tábuas. Ao tratar do pátrio poder, a Tábua IV, em um de seus incisos, prescrevia: “o pai imediatamente matará o filho monstruoso e contrário à forma do gênero humano, que lhe tenha nascido há pouco”.

12 Vigia a Lei de Sólon (640 a 558 a.C.), que estabelecia: “Soldados feridos gravemente e os

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Esse preceito, ao que parece, era admitido pela sociedade romana à época, já que se verifica menção à prática até na obra de um dos mais importantes pensadores e filósofos de Roma, Sêneca13.

Há, ainda, registros de que, quando não afogadas, as crianças nascidas com deficiência eram abandonadas em cestos às margens do Rio Tibre, que corta a cidade, e que algumas delas eram recolhidas por pessoas que viviam de esmolas, para servirem como meio de exploração. Outros dados indicam que pessoas com deficiência em Roma, além de utilizadas para esmolar, também serviam nas atividades de prostituição e nos famosos circos romanos. (SILVA, 1986, p. 130).

Embora patente o preconceito no seio da sociedade da Roma antiga, em relação às pessoas com deficiência, conforme se evidencia nos apontamentos acima, a história de Roma demonstra também que vários de seus governantes e homens célebres possuíam graves deficiências, dentre eles, o Imperador Cláudio I (10 a.C. a 54 d.C.), vítima de paralisia infantil e de epilepsia, e o Censor Ápio Cláudio, deficiente visual. (SILVA, 1986, p. 131-132).

Faz-se igualmente necessário, no que diz respeito à Roma, mencionar o fato de que mutilações de nariz e orelhas eram utilizadas como penas ou como castigos, não só contra os inimigos capturados pelas legiões romanas, mas também contra os seus próprios soldados, nas hipóteses de infrações graves à disciplina militar ou em caso de deserções. Amputação de punhos, decapitação, crucificação e até afogamento são mencionados como punições aos soldados desertores. Em contrapartida, observa-se a grande preocupação dos exércitos romanos com o imediato atendimento aos soldados feridos nas batalhas, chegando ao ponto de serem montados verdadeiros hospitais de campanha, o que, com certeza, diminuía, em muito, o risco de morte e de seqüelas graves resultantes dos ferimentos. (SILVA, 1986, p. 143-145).

13 “´[...] não se sente ira contra um membro gangrenado que se manda amputar; não o cortamos por

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Os seguidores dos ideais de Jesus Cristo foram, nos primeiros tempos da Igreja Católica, violentamente perseguidos pelos governantes romanos, que determinavam, com freqüência, fossem-lhes aplicados castigos mutiladores, geralmente amputações de membros e extração de olhos, quando a pena não era a morte. A par disso, é resultante da inspiração nos ideais do Cristianismo a decisão do imperador romano Constantino de proibir, em 315 d.C., a prática de extermínio do recém-nascido com deficiência, por parte do pai, prática denominada por ele de parricídio. (SILVA, 1986, p. 154-160).

Nessa mesma direção, é em Roma que se forja um novo profissional, o jurisconsulto, especializado em aplicar o direito, observando a situação em concreto, para construir as soluções a partir da prática, o que, sem dúvida alguma, transportado para os tempos modernos, resultou no avanço e na consolidação do conjunto de direitos e garantias hoje assegurados às pessoas com deficiência14.

Registro não menos importante é aquele referente à situação das pessoas com deficiência no Império Bizantino, também chamado de Império Romano do Oriente, que existiu no período de 476 a 1453, ou seja, durou muito tempo, após a queda do Império Romano do Ocidente, e tinha como sua capital a cidade de Constantinopla.

Em Constantinopla, havia uma eficiente rede de serviços organizados para dar assistência aos mais variados tipos de desamparados, aqueles que não eram capazes de se manter por conta própria, aí incluídas as pessoas com deficiência. Havia, porém, a preocupação de que as pessoas capazes de exercer atividades fossem encaminhadas para o trabalho, evitando-se, assim, que essas passassem a praticar atos ilícitos ou vivessem a esmolar.

14 Neste sentido leciona Olney Queiroz Assis: “Não obstante, em Roma, aparece a figura do

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Não obstante as marcantes influências da Igreja na sociedade, principalmente no que diz respeito à prática da caridade cristã, à semelhança de leis adotadas por outros povos já mencionados, contemporâneos ou não do Império Bizantino, por bastante tempo, as leis bizantinas previram penas mutiladoras, ou de vazamento de olhos, para vários crimes, sendo os mais graves apenados com a morte, principalmente quando se tratava de atentados contra a autoridade imperial. A aplicação das penas, por óbvio, aumentava o contingente de pessoas com deficiência a vagar no território bizantino. (SILVA, O.M, 1986, p. 175-177).

No que diz respeito aos soldados que se tornavam incapacitados para as atividades laborais, em decorrência das guerras, Otto Marques da Silva (1986, p. 81-182, 186-188) afirma que eles continuavam a receber suas rendas, uma espécie de pensão. O autor também descreve a imensa crueldade com que os imperadores bizantinos tratavam seus inimigos, os capturados nas batalhas, aqueles considerados conspiradores, bem como os que haviam sido destituídos do trono pela força, sendo bastante comum a prática de ablação dos olhos nestes casos.

No restante da Europa, em todo o período da história denominado Idade Média, cujo início é marcado pela decadência do Império Romano Ocidental, ou seja, durante o lapso temporal entre os séculos V e XV, a Igreja Católica exerceu importante papel no que diz respeito à organização dos primeiros hospitais em diversas localidades, visando primordialmente ao acolhimento de viajantes doentes e enfermos agudos e crônicos, aí incluídas as pessoas com deficiência.

Ao mesmo tempo em que se verifica o crescimento da organização de serviços de acolhida aos doentes, principalmente por parte da Igreja Católica, verifica-se, durante toda a Idade Média, a manutenção da prática de penas mutiladoras para diversos crimes. (SILVA, O.M., 1986, p. 201-203).

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É neste mesmo período da história que se verifica o abrandamento das normas internas na Igreja Católica que, inspiradas nos antigos hebreus, impediam o exercício do sacerdócio por pessoas com deficiências. Vários documentos emitidos por aqueles que exerceram o papado em tal espaço de tempo apontavam para o impedimento das funções religiosas apenas daqueles que apresentassem deficiências que realmente impossibilitassem o exercício em questão. Ao mesmo tempo, as pessoas com deficiência foram impedidas, por influência das autoridades da Igreja Católica, de participar das cruzadas que visavam à libertação de Jerusalém dos considerados infiéis. A proibição abrangia ainda as mulheres solteiras e os idosos. (SILVA, O.M., 1986, p. 205-206).

Outra prática de exclusão de pessoas com deficiência na Idade Média era aquela dos portadores de hanseníase, doença também conhecida como lepra, que provocava mutilações e outros tipos de seqüelas em suas vítimas. Quando identificado, o portador de hanseníase era expulso das cidades e impedido do convívio com outras pessoas, inclusive de sua família. Celebrava-se até uma missa de réquiem para o doente, ou seja, a missa na qual se pede o descanso eterno das almas dos mortos, o que equivalia a uma declaração de morte, um sepultamento simbólico.

A par disso, o doente perdia seus direitos civis, uma vez que era considerado juridicamente morto. Se contasse com algum apoio da família, conseguia permanecer em um leprosário; caso contrário, estava fadado a permanecer o resto de sua vida mendigando para sobreviver, com restrições severas de locais que podia freqüentar e, ainda assim, utilizando vestes que identificassem sua condição15.

As precárias condições de higiene, o crescimento da aglomeração urbana sem qualquer infra-estrutura e a dispersão de diversos conhecimentos sobre a saúde das pessoas, acumulados pelos povos da Antigüidade, tiveram como conseqüência a proliferação de várias doenças durante toda a Idade Média, muita delas verdadeiras epidemias, o que fez com que aumentassem a taxa de mortalidade e o número de pessoas com deficiência.

15 “Foram por séculos marcados, e a marca mais forte e evidente ficava nas roupas que eram

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Nesse período, grassava a crença de que as deficiências eram frutos de castigo divino ou mesmo de manifestações de seres malévolos, o que fazia com que houvesse uma total exclusão das pessoas com deficiência, condenadas a sobreviver da caridade alheia, das esmolas.

A exceção dessa situação talvez tivesse sido aquela vivenciada pelos deficientes visuais a partir do século XII. Otto Marques da Silva (1986, p. 218-219) afirma que os deficientes visuais foram tratados de forma diferente, podendo ser considerados privilegiados, em face da atenção que lhes era dispensada pelos governantes europeus. Menciona a existência de abrigos especiais para deficientes visuais pobres, a organização destes em corporações de ofício e a concessão, por parte da Igreja, de expressas e exclusivas autorizações para esmolar nas escadarias e dentro das igrejas, concedidas às mencionadas instituições.

Com o final da Idade Média, marcado pela queda do Império Romano do Oriente, o mundo, pelo menos em sua porção européia, passa por uma série de importantes alterações no modo de ver a vida, no período denominado de Renascentista.

A cultura é mais disseminada e, lentamente, os anos de escuridão e de ignorância, calcados em superstições, vão passando, para darem lugar ao desenvolvimento de novos paradigmas e à nova postura frente ao homem, o que fez com que também fossem alteradas as perspectivas sobre as doenças e as pessoas com deficiências, que passam a merecer tratamento diferenciado, em relação àqueles que necessitavam de abrigo e cuidados pela ausência de meios próprios para sobreviver.

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Nesse período tornou-se comum a aplicação, por parte dos governantes, de leis que proibiam a vadiagem16, algumas prevendo penas de flagelação, mutilações e enforcamento, nos casos de reincidência.

A preocupação com a extrema pobreza de grande parte população da Inglaterra levou o Rei Henrique VIII, no ano de 1576, a promulgar uma lei instituindo o pagamento de uma contribuição destinada ao custeio dos serviços de assistência aos miseráveis, aí incluídas as pessoas com deficiência que, pelo menos nos centros maiores, passaram a receber atendimento em separado.

Atitude semelhante já havia sido adotada na França, no ano de 1547, obrigando a população a recolher contribuições para a concessão de auxílios aos indigentes, que eram classificados em três categorias: aqueles que não eram doentes nem deficientes, encaminhados ao trabalho; os que eram pessoas com deficiência, mas possuíam residência própria, para as quais se destinava ajuda em seu próprio domicílio; e, por fim, aqueles com deficiência e sem lar, que eram encaminhados para abrigos. (SILVA, O.M., 1986, p. 237-238).

Durante toda a Idade Moderna e início da Idade Contemporânea, foram registrados avanços no que diz respeito aos conhecimentos de medicina e às técnicas utilizadas para a educação de pessoas com deficiência, sendo por demais significativas as iniciativas que tinham por objetivo o ensino da linguagem oral e de sinais, para pessoas com deficiência auditiva, e da leitura, para pessoas com deficiências visuais.

No mesmo período, várias pessoas com deficiência brilharam nos vários campos da ciência e das artes, entre as quais destacam-se: Galileu Galilei (1564 – 1642), matemático, astrônomo e físico, que se tornou deficiente visual nos últimos anos de sua vida; Johannes Kepler (1571 – 1630), astrônomo, deficiente visual; John Milton (1608 - 1674), escritor, deficiente visual; Alexandre Pope (1688 -

16 Olney Queiroz Assis consigna sobre o assunto: “O Estado impôs, então, uma legislação com o fito

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1744), poeta, múltiplas deficiências físicas; Maria Tereza Von Paradis (1759 – 1824), pianista, deficiente visual; e Ludwig van Beethoven (1770-1827), compositor, deficiente auditivo.

Durante a Idade Moderna, vários instrumentos foram inventados e outros aperfeiçoados, com a finalidade de fornecer meio para as pessoas com deficiência se locomoverem, assim como facilitar sua inserção no trabalho, tais como cadeira de rodas, bastões, bengalas, próteses, macas, camas móveis e veículos adaptados. (FONSECA, 1997, p. 137).

No campo do Direito, é relevante destacar a aprovação, pela Assembléia Nacional da França, em 1793, da segunda Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1973), que, em seu artigo XXI, estabelece:

“Os auxílios públicos são uma dívida sagrada. A sociedade deve a subsistência aos cidadãos infelizes, quer seja procurando-lhes trabalho, quer seja assegurado os meios de existência àqueles que são impossibilitados de trabalhar”.

O texto em destaque evidencia a preocupação nascente, no sentido de que o Estado, além de fornecer meios para aqueles que não possuem condições de desenvolver qualquer atividade que lhes possibilite a sobrevivência, deve também se ocupar de encaminhar para o mundo laborativo aqueles capazes de produzir.

Outro importante registro a ser feito é aquele do advento da Revolução Industrial17, na segunda metade do século XVIII, período durante o qual as jornadas exaustivas, os ambientes insalubres e a total ausência de segurança nas fábricas também propiciavam o surgimento de um número expressivo de

17 Sobre o assunto assinala Oliveira: “A Revolução Industrial veio alterar o cenário e gerar novos e

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trabalhadores com deficiência, vítimas de acidentes de trabalho, que, obviamente, também permaneciam à margem do mercado de trabalho.

Inúmeras iniciativas, a partir da segunda metade do século XIX, podem ser constatadas, no tocante à instalação de serviços cuja finalidade era a qualificação profissional da pessoa com deficiência, visando a sua inserção no mundo do trabalho18.

Já no Brasil, apenas na fase do Império, é possível destacar, ainda que de forma tímida, algumas iniciativas, principalmente as oficiais, na criação de instituições voltadas para a educação e o acolhimento de pessoas com deficiência.

O primeiro exemplo disso é a criação, por ato de Dom Pedro II, do Imperial Instituto dos Meninos Cegos, em 1854, com clara inspiração no instituto mantido na capital francesa, o Institute des Jeunes Aveugles de Paris, voltado para a educação dos deficientes visuais.

Por determinação de Dom Pedro II foi criado também o Instituto dos Surdos-mudos, que visava à educação e à profissionalização de crianças de 7 a 14 anos, do sexo masculino, que permaneciam na instituição em regime de internato.

Por último, cumpre ressaltar a criação do Asilo dos Inválidos da Pátria, inaugurado em julho de 1868, destinado a acolher os soldados brasileiros feridos em operações militares ou em guerras, como aquela contra o Paraguai, que, àquela época, era travada.

18 Nesse sentido, segundo Silva: “A partir da segunda metade do século XIX houve um forte

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