Rev Rene. 2012; 13(4):816-24. Artigo Original
SISTEMATIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA: LIMITES E POSSIBILIDADES
NURSING ASSISTANCE SYSTEMATIZATION IN THE FAMILY HEALTH STRATEGY:LIMITS AND POSSIBILITIES
SISTEMATIZACIÓN DE LA ATENCIÓN DE ENFERMERÍA EN LA ESTRATEGIA SALUD DE LA FAMILIA:LÍMITES Y POSIBILIDADES
Gisele de Castro Varela1, Suzana Carneiro de Azevedo Fernandes2, Johny Carlos de Queiroz3, Alcivan Nunes Vieira4, Virgínia Rose Carneiro de Azevedo5
A pesquisa visa identificar a concepção dos enfermeiros sobre a Sistematização da Assistência de Enfermagem enquanto instrumento de organização do trabalho e qualificação da assistência de Enfermagem na Saúde da Família e; identificar as dificuldades encontradas para a efetivação da Sistematização da Assistência de Enfermagem na Saúde da Família. Trata-se de uma pesquisa qualitativa do tipo exploratória que teve como sujeitos os enfermeiros das Unidades Saúde da Família do município de Mossoró, Brasil. Os resultados mostraram que para operacionalizar a Sistematização como ferramenta para valorização da enfermagem nos serviços de saúde, é preciso superar mudanças de paradigmas do pensar, ser e agir que ainda permeiam a enfermagem. Concluímos que, é imprescindível articular estratégias e instrumentos que viabilizem um caminho para uma assistência diferenciada, dinâmica e científica, comprometida com os princípios do Sistema Único de Saúde, com a visibilidade do saber/ fazer da enfermagem e a autonomia profissional.
Descritores: Cuidados de enfermagem; Saúde da Família; Enfermagem.
The research seeks to identify the conception of nurses on Nursing Assistance Systematization (NAS) while instrument of working organization and qualification of the attendance in the Health of the Family; to identify the pointed difficulties for the effectuation of the Nursing Assistance Systematization in Health of the Family. It is a qualitative research of exploratory type that had as subjects the nurses of Family’s Health Units in the city of Mossoró. Results showed that in order to operate NAS as a tool for valuing nursing on health services, it is necessary to overcome changing of paradigms of thinking, being and acting that still permeate nursing. We concluded that it is indispensable to articulate strategies and tools that allow a pattern for a differentiated, dynamic and scientific assistance, committed to the principles of the Unified Health System, with the visibility of knowing/making of nursing and professional autonomy.
Descriptors: Nursing Care; Family Health; Nursing.
El objetivo de la investigación fue identificar la concepción de enfermeros acerca de la Sistematización de la Asistencia de Enfermería, como instrumento de organización del trabajo y cualificación de la atención de enfermería en Salud de la Familia e identificar las dificultades encontradas en la ejecución de esta Sistematización en la Salud de la Familia. Estudio cualitativo, exploratorio, con enfermeros de Unidades de Salud de la Familia de ciudad Mossoró-RN, Brasil. Los resultados señalaron que para operar en la Sistematización como herramienta para recuperación de la enfermería en los servicios de salud, es necesario superar cambios en los paradigmas de pensar, ser y actuar que todavía impregnan la enfermería. Es esencial para desarrollar estrategias y herramientas que permiten forma de apoyar atención diferenciada, dinámica y científica, comprometida con los principios del Sistema Único de Salud, con la visibilidad del conocer/hacer de la enfermería y la autonomía profesional.
Descriptores: Atención de Enfermería; Salud Familiar; Enfermería.
1Enfermeira. Graduada em Enfermagem (UERN). Mossoró - RN, Brasil. E-mail: gisele.c.varela@gmail.com
2Enfermeira. Doutora em Ciências Sociais (UFRN). Docente da Faculdade de Enfermagem da UERN. Mossoró, RN, Brasil. E-mail: suzanaazevedo@uern.br 3Enfermeiro. Mestre em Enfermagem (UFRN). Docente da Faculdade de Enfermagem da UERN. Mossoró, RN, Brasil. E-mail: johnycarlos@uol.com.br
4Enfermeiro. Mestre em Cuidados Clínicos em Saúde (UECE). Docente da Faculdade de Enfermagem da UERN e da UNP Campus Mossoró. Mossoró, RN, Brasil. E-mail: alcivannunes@uern.br
5Enfermeira. Especialista em Gestão Hospitalar (NESC/UFRN). Coordenadora dos Agentes Comunitários de Saúde do município de Mossoró. Mossoró, RN, Brasil. E-mail: virginia_rose@uol.com.br
Autor correspondente: Gisele de Castro Varela
Rua Inácio Mendes, 3012, Centro, CEP: 62930-000, Limoeiro do Norte, Ceará, Brasil. E-mail: gisele.c.varela@gmail.com
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A Sistematização da Assistência de Enfermagem
(SAE) se constitui em um instrumento metodológico
dinâmico e inovador essencial para orientar a prática da
enfermagem. Permite ao enfermeiro aplicar seus
conhecimentos técnico-científicos na prática assistencial,
o que favorece um cuidado individualizado, contínuo e
com qualidade(1).
Nesta perspectiva, a SAE propicia subsídios para a
organização da assistência de enfermagem no que diz
respeito ao método, pessoal e instrumentos de trabalho,
o que torna possível a operacionalização do processo de
enfermagem(2).
Atualmente, para o Conselho Federal de
Enfermagem – COFEN (2009) o processo de
enfermagem se encontra organizado em cinco etapas:
coleta de dados de enfermagem (histórico de
enfermagem), diagnóstico de enfermagem,
planejamento de enfermagem, implementação e
avaliação de enfermagem(2).
O emprego do processo de enfermagem tem sido
uma ferramenta importante para a categoria
profissional, pois a partir dele o enfermeiro planeja a
assistência, considerando a identificação dos problemas
de saúde do paciente e, através de intervenção
terapêutica realiza uma avaliação sistematizada da
assistência com vistas ao alcance de resultados
esperados(3).
Com a construção do Sistema Único de Saúde
(SUS) e implantação da Estratégia Saúde da família
(ESF) surge a necessidade de reorientação do modelo
de atenção à saúde a partir da atenção básica como
proposta de mudança do modelo centrado no médico e
no hospital para um modelo centrado no usuário
(família) e na equipe(4). A ESF objetivou instituir novas
práticas em saúde, passando a considerar o ser humano
na sua dimensão individual, familiar e coletiva, o que
compreende uma assistência integral(5).
A mudança no modelo assistencial somente será
possível a partir do momento que existir um modelo de
atenção à saúde que centre as ações do cuidado em
saúde no usuário(4). Daí a relevância de trabalhar a SAE
na ESF, visto que ambas focalizam o usuário como
sujeito da assistência e não como objeto de trabalho da
enfermagem(6).
Nesse contexto, o enfermeiro na Estratégia
Saúde da Família deve sistematizar a assistência de
enfermagem conceituando pessoa como sendo o
indivíduo, a família e/ou a comunidade; conceituando
ambiente de maneira que englobe a comunidade em
que essa pessoa vive; conceituando saúde de acordo
com as diretrizes da Estratégia Saúde da Família e
conceituando o profissional enfermeiro como um agente
de promoção da saúde(7).
É essencial que haja participação do usuário na
sistematização da assistência de enfermagem,
entretanto, na maioria das vezes, as ações de
enfermagem não são construídas de maneira
compartilhada com o usuário, e assim, a assistência
centrada no indivíduo é esquecida.
O enfermeiro ao desenvolver a sistematização das
suas práticas deve proporcionar um espaço de fala e
escuta o que contribuirá para a fortificação do vínculo
entre profissional/usuário.
Nesse ínterim, não basta ser competente somente
na dimensão técnica, é preciso também desenvolver
habilidades interpessoais no sentido de integrar e
fortalecer a relação entre o enfermeiro e a sua equipe
como também deles com o usuário(8). O
desenvolvimento de habilidades interpessoais é
importante tanto quanto o desenvolvimento de
habilidades do pensamento crítico, não devendo
supervalorizar um em detrimento do outro.
Não se pode negar a importância dos
instrumentos tecnológicos bem como do conhecimento
teórico e científico dos profissionais para a resolubilidade
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dos problemas de saúde. Entretanto, a escuta às
necessidades do usuário, sua fala, o vínculo que se deve
estabelecer com o mesmo é tão fundamental quanto os
recursos tecnológicos e científicos.
Portanto, esse novo cenário da atenção básica
exige a necessidade de novos conhecimentos,
habilidades e práticas organizadas e sistematizadas,
sendo assim, essencial viabilizar a Sistematização da
Assistência de Enfermagem. A mesma se constitui numa
ferramenta básica de reflexão, avaliação e melhoria na
qualidade do trabalho do enfermeiro, garantindo a
responsabilidade da sua equipe e, deste modo,
promovendo a sua autonomia.
A SAE constitui-se ainda em um instrumento de
comunicação e informação de qualidade entre a própria
equipe de enfermagem e também com os demais
profissionais de saúde, permitindo uma ampliação da
comunicação, bem como a parceria e cooperação na
resolução dos problemas de saúde de maneira mais
abrangente e eficiente(9).
Assim, fica evidenciada que com a SAE a
contribuição da enfermagem na atenção à saúde ganha
uma maior visibilidade e reconhecimento, o que é basilar
para a efetivação da autonomia profissional(10). A
valorização da enfermagem enquanto profissão tem na
sistematização da assistência de enfermagem o
embasamento necessário para o desenvolvimento de um
trabalho consciente, autêntico e gratificante do ponto de
vista de resultados positivos na assistência prestada(11).
Dada a importância da SAE para fundamentação
dos cuidados de enfermagem, faz-se necessário
identificar a concepção dos enfermeiros sobre a
Sistematização da Assistência de Enfermagem enquanto
instrumento de organização do trabalho e qualificação
da assistência de Enfermagem na Saúde da Família e;
identificar as dificuldades encontradas para a efetivação
da Sistematização da Assistência de Enfermagem na
Saúde da Família.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa do tipo
exploratória. O estudo qualitativo possibilita abranger a
totalidade do problema investigado em suas múltiplas
dimensões. O estudo exploratório busca aperfeiçoar
ideias e proporcionar novas discussões acerca do tema
em questão(12).
O estudo ocorreu em Unidades Saúde da Família
do município de Mossoró -RN: USF Dr. José Fernandes
de Melo, que possui duas equipes saúde da família; na
USF Dr. Ildone Calvacante de Freitas que possui três
equipes saúde da família e na USF Dr. Chico Costa, que
possui quatro equipes saúde da família, localizadas
respectivamente nos bairros Lagoa do Mato, Barrocas e
Santo Antônio.
Como critério de inclusão para seleção dos
sujeitos da pesquisa elencou-se ser enfermeiro que atua
na Estratégia Saúde da Família e aceitar participar da
pesquisa. Como cada equipe Saúde da Família possui
um enfermeiro na sua composição, e todos os
enfermeiros aceitaram participar do estudo, foram
entrevistados nove enfermeiros das equipes saúde da
família das unidades investigadas.
A realização das entrevistas deu-se no período de
setembro de 2010 a março de 2011, por contato direto
com os enfermeiros nas unidades de saúde as quais
estão vinculados, mediante um agendamento prévio.
Foram abordadas questões abertas sobre a
compreensão dos enfermeiros acerca da SAE, a
importância da SAE enquanto instrumento de
organização do trabalho e qualificação da assistência de
enfermagem na Saúde da Família e as dificuldades
encontradas para a efetivação da Sistematização da
Assistência de Enfermagem na Saúde da Família.
As entrevistas foram gravadas por meio de um
aparelho MP4. Sequencialmente foram transcritas,
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mantendo-se o sigilo, a privacidade e o anonimato. Em
seguida, processou-se a análise dos dados.
Para assegurar anonimato dos enfermeiros
entrevistados, os seus nomes foram substituídos e
identificados por nomes das teóricas de enfermagem, a
exemplo, Myra Levine, Martha Rogers, Hildegard
Peplau, Imogene King, Wanda Horta, Dorothea Orem,
Madeleine Leininger, Callista Roy por compreender que
a construção das teorias realizadas por essas teóricas de
enfermagem têm sido um passo fundamental em
direção à compreensão da Enfermagem como práxis
social, transformadora da natureza, do homem e da
sociedade e um alicerce para a Sistematização da
Assistência de Enfermagem.
Os dados obtidos foram analisados por meio de
categorias. Estas se constituem em palavras expressivas
em torno das quais o conteúdo de uma fala é
organizado(12) . Portanto, os dados foram agrupados
segundo suas semelhanças e características comuns.
No sentido de atender às diretrizes e normas que
regulamentam as pesquisas envolvendo seres humanos
estabelecidas pela resolução 196/96 do Conselho
Nacional de Saúde, este estudo foi submetido ao Comitê
de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade do Estado
do Rio Grande do Norte (UERN), sendo aprovado
segundo parecer nº 042 /2010, de 17/09/2010. O Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), também
foi aprovado no referido comitê, foi lido e explicado aos
participantes antes do início das entrevistas.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os sujeitos do estudo foram os enfermeiros que
atuam nas unidades já citadas, sendo responsáveis
pelas ações da Estratégia da Saúde da Família. O
cotidiano de trabalho deles é compreendido por ações
estratégicas e assistenciais, incluindo desde o
atendimento na própria unidade, ações educativas junto
à população, visitas domiciliares e o desenvolvimento de
ações direcionadas pelas demandas locais, tais como:
campanhas contra a dengue, combate ao uso de drogas,
campanhas contra a violência, entre outras.
A partir das falas destes sujeitos, foram
produzidas categorias que sintetizaram a compreensão
deles sobre a Sistematização da Assistência de
Enfermagem, enquanto instrumento de organização do
trabalho e qualificação da assistência de Enfermagem na
Estratégia de Saúde da Família.
A construção de cada categoria foi subsidiada por
palavras-chave extraídas de cada entrevista, assim, a
sistematização da assistência foi articulada a
planejamento das ações, à qualificação da própria
assistência de enfermagem, bem como à autonomia do
enfermeiro no trabalho desenvolvido em equipe.
Sistematização da Assistência de Enfermagem
enquanto instrumento de qualificação da
assistência de enfermagem na Saúde da Família.
De acordo com as falas dos entrevistados
podemos identificar que a SAE a partir do momento que
permite levantamento das necessidades e prioridades de
saúde do indivíduo, do estabelecimento de diagnóstico e
das intervenções de enfermagem, possibilita avaliar os
cuidados implementados e seus efeitos.
Ao serem questionados sobre a SAE como um
instrumento de qualificação da assistência de
Enfermagem, as enfermeiras Dorothea Orem e Wanda
Horta referiram que: Sim, pois quando temos um planejamento
do nosso trabalho com identificação de problemas e traçamos metas
para serem alcançadas a partir do diagnóstico ... temos uma melhor
qualidade de nossa assistência, tanto individual como coletivamente
(Dorothea Orem). Sim, com certeza, porque ... em cima do diagnóstico eu vou fazer as prescrições de enfermagem e aí eu vou avaliar como
essa prescrição foi efetivada ou não. A partir de como eu faço essa
avaliação, eu vou estar qualificando, eu vou ver como que está, e se essa atenção foi de qualidade... A partir da prescrição eu vou estar
avaliando e reavaliando a cada instante para saber se eu preciso
mudar ou não, se não foi feito o que era para ter sido feito. Então a
gente tem como fazer a avaliação com relação à qualidade da assistência (Wanda Horta).
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É preciso que sempre seja feita uma reavaliação
das práticas de enfermagem, a fim de analisar os
aspectos positivos e negativos da assistência de
enfermagem. Isso permite ao enfermeiro perceber quais
são os cuidados que devem ser mantidos, os que devem
ser modificados e os que já podem ser finalizados, o que
dinamiza e otimiza a assistência de enfermagem(7).
Myra Levine contribui na sua fala com a discussão
ao relatar que: A SAE dá qualidade e uma maior autonomia no
cuidado do enfermeiro. Ela qualifica porque a gente faz um plano de
cuidados, vê as intervenções que a gente está fazendo naquele
usuário. Então, é uma forma de qualificar nossa assistência porque a gente vai ver os resultados daquele plano e se realmente eles vão dar
uma resposta positiva, porque se não der a gente parte para outro
plano (Madeleine Leininger). A SAE pode ser entendida sim, como meio de qualificar a assistência de enfermagem, pois com ela o
profissional sente a necessidade de se aprimorar cada vez mais para
poder dar uma assistência cada vez melhor à população assistida por
ele (Myra Levine).
Torna-se evidente que a Sistematização da
Assistência de Enfermagem qualifica o trabalho do
enfermeiro, pois a partir dela é possível avaliar e refletir
acerca das ações/intervenções implementadas. Se as
mesmas não estão melhorando o estado de saúde do
indivíduo, é porque o plano estabelecido não está
adequado para o determinado momento, sendo preciso
revê-lo e modificá-lo.
Para que seja feita uma avaliação de qualidade é
necessário que as demais etapas do processo de
enfermagem sejam revisadas, pois somente a partir
disso é que o enfermeiro está pronto para decidir se
continua, modifica ou finaliza o plano(8). A SAE é
fundamental nesse sentido ao passo que a mesma
possibilita ao enfermeiro avaliar se a sua assistência está
surtindo resultados positivos, está sendo de qualidade
ou não.
Pode-se identificar que a SAE proporciona ao
enfermeiro a necessidade de aprimorar a sua prática
exigindo competência e pensamento crítico. Para isso,
exigem-se do enfermeiro capacitações no sentido da
elaboração diagnóstica e melhor entendimento sobre o
assunto para o alcance de uma prática assistencial de
excelência.
O raciocínio diagnóstico ou a aplicação do
pensamento crítico para a identificação de problemas de
saúde reais ou potenciais exige conhecimentos,
habilidades e experiência(8).
Sistematização da Assistência de Enfermagem
enquanto um instrumento importante para a
organização do trabalho do enfermeiro na Saúde
da Família
Quando questionada sobre a importância da SAE
enquanto instrumento importante para a organização do
trabalho do enfermeiro, Martha Rogers afirma que: Sim,
que considera a SAE um importante instrumento para a organização
do trabalho do enfermeiro, bem como para a organização do trabalho.
Se a gente não tivesse de certa forma já essa organização em termos de divisão de dia, de que população a gente ia atender ficaria
complicado para a gente dar suporte. Por exemplo, naquele dia entra
uma gestante, aí depois entrou uma criança, aí depois entra um hipertenso, fica complicado para você colocar quem vai ser prioridade
naquele dia.
Martha Rogers acrescenta que, a SAE contribui
para a organização do trabalho do enfermeiro porque
ajuda a identificar prioridades nos atendimentos
prestados à população e possibilita ao enfermeiro
estabelecer o seu próprio diagnóstico, planejar,
direcionar a sua assistência e implementar os cuidados
com e para o usuário.
Wanda Horta e Madeleine Leininger também
consideram a SAE importante instrumento para a
organização do trabalho do enfermeiro. Com certeza, porque
não vejo o trabalho do enfermeiro sem a SAE. Eu não tenho como ver algo e em cima disso eu não fazer diagnóstico e não prescrever e aí
não estar reavaliando. A SAE é um instrumento importantíssimo, não
tem como hoje a gente ter a enfermagem distante da SAE, ela é inerente ao processo de trabalho do enfermeiro (Wanda Horta). Sem
sombra de dúvidas. Se realmente existir a SAE em qualquer serviço,
em qualquer nível de atenção básica, secundária e terciária, a
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do serviço vai ficar praticamente muito bem qualificada (Madeleine
Leininger).
A partir das falas das enfermeiras, Martha Rogers,
Wanda Horta e Madeleine Leininger podemos identificar
a relevância da SAE para a organização do trabalho do
enfermeiro, por permitir identificar os problemas
existentes em uma realidade, realizar diagnósticos de
enfermagem, intervir nesses problemas a partir da
implementação da assistência, avaliar os cuidados de
enfermagem e ao mesmo tempo refletir e reavaliar a
assistência prestada.
A enfermeira Leininger relatou também a
necessidade de efetivar a SAE em todos os níveis de
atenção à saúde. Considera-se que isso é fundamental
para a continuidade da assistência à saúde, já que o
usuário, na maioria das vezes, ao longo do tratamento
de seu problema de saúde perpassa por todos os níveis
de atenção.
Dificuldades encontradas para a aplicabilidade da
Sistematização da Assistência de Enfermagem na
Saúde da Família
Diante das entrevistas realizadas, as dificuldades
encontradas para a aplicabilidade da Sistematização da
Assistência de Enfermagem na Saúde da Família
pode-se identificar principalmente o tempo, o número de
famílias cadastradas, que muitas vezes ultrapassa
aquela preconizada pelo Ministério da Saúde, falta de
recursos humanos, materiais, dentre outros.
De acordo com o depoimento de Martha Rogers:A
primeira coisa é tempo porque ... a gente trabalha com muitas coisas que são de competência nossa e muitas que colocam como se fossem
de nossa competência.... É um entrave também, a falta de
profissionais, pelo menos na realidade em que eu trabalho e acho que
também ... a falta de um trabalho em equipe, de uma maior integração e assim, a responsabilidade de cada um frente aquele problema, realidade.
Madeleine Leininger também refere que o tempo
é o principal entrave para a aplicabilidade da
Sistematização da Assistência de Enfermagem na Saúde
da Família o tempo para a gente de fato colocar toda a
sistematização, todo o plano de cuidados é curto. Por falta de tempo a
gente só põe praticamente a conduta que foi realizada e o tratamento. ... não é que a gente não tenha ferramentas, mas o que falta mesmo é um pouquinho mais de tempo.
Fica evidenciado que o tempo é um grande
obstáculo para a efetivação da SAE no serviço de saúde.
A falta de tempo é um dos principais motivos que levam
os enfermeiros a não incorporarem uma metodologia de
assistência que traga subsídios científicos e visibilidade
profissional(13).
Callista Roy acrescenta que o excesso de trabalho,
acúmulo de responsabilidades para o enfermeiro que muitas vezes faz
o papel de assistente social, psicólogo e outros. Além disso, o número elevado de famílias cadastradas na equipe.
Outro obstáculo também bastante citado que
impede a sistematização da assistência pelo profissional
é o acúmulo de funções que deles são esperados. Muitas
são as atribuições do enfermeiro que trabalha na ESF
que além de exercer as suas atividades profissionais,
realiza atividades que não são de competência da
enfermagem. Ao realizar tarefas que não lhe compete, o
enfermeiro se distancia do seu verdadeiro foco de
atenção, a assistência ao usuário.
O enfermeiro ao priorizar funções de outros
profissionais subestima suas próprias funções. Assim,
destaca-se que o exercício de suas funções está
centrado na assistência ao paciente e deve ser
embasado nos valores de sua profissão e não nos
valores institucionais ou de outras áreas(14).
Percebe-se que o tempo não permite ao
enfermeiro realizar todo o processo de sistematização
das práticas de enfermagem. O que ainda se consegue
desenvolver são as intervenções de enfermagem e,
mesmo assim, estas se restringem ao
tratamento/conduta que foi aplicada em uma
determinada situação.
Sabe-se que as intervenções de enfermagem não
devem se limitar apenas a efetivação do planejamento
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feita uma reflexão, reavaliação da situação de saúde do
indivíduo para poder de fato ser implementado o
tratamento(8).
Wanda Horta nos diz que: ... Precisamos repensar a
saúde da família porque tem perdido o seu foco, devido a grande
demanda. ... A gente tem poucos recursos humanos, um enfermeiro
só por equipe não está dando mais. A gente tem muita coisa para
fazer e não estamos conseguindo, a gente está fazendo um faz de conta. O grande número de atendimento, a grande carga burocrática
... inviabiliza que eu coloque em prática a SAE como ela deveria ser.
Por que a gente sistematiza, mas não como deve ser totalmente. Então, eu acho que o entrave maior é esse, realmente a falta de recursos humanos.
Para Madeleine Leininger a falta de recursos humanos é o grande dificultador para a efetivação da
SAE: Em Mossoró a gente não tem cinco por cento de cobertura da estratégia de saúde da família. Se existisse isso, ficaria melhor para a
gente trabalhar porque a gente também atende demandas de outras
áreas que são descobertas. Então assim,... se de fato fosse a
quantidade de famílias que preconiza o Ministério da Saúde, aí tinha como a gente trabalhar a sistematização. ... Se a gestão desse maior
adesão a questão da estratégia saúde da família de cobertura do município já ia resolver isso aí.
A enfermeira Leininger relata que essa enorme
demanda existente para a ESF também perpassa por
uma questão de gestão. O município não dispõe de
unidades básicas de saúde da família suficientes para
atender a população. O número de famílias cadastradas
para cada equipe tem ultrapassado muito o número que
é preconizado pelo Ministério da Saúde e neste sentido,
um enfermeiro só por equipe não é mais capaz de
ofertar uma assistência de qualidade.
Sabe-se que esse problema de gestão não está ao
alcance do enfermeiro, tratando-se nesse caso de um
fator de ordem política e estrutural. Nesse ínterim,
considera-se que é salutar a enfermagem, as instituições
de saúde e a gerência priorizarem e valorizarem aquilo
que é fundamental tanto para o reconhecimento
profissional quanto para a qualidade da assistência
ofertada ao usuário(10).
Assim, a Sistematização da Assistência de
Enfermagem vai sendo deixada de lado, pois o
enfermeiro estará mais preocupado em dar conta de
atender a enorme demanda da ESF do que prestar uma
assistência de qualidade(13). Neste sentido, percebe-se
que a implantação e implementação da SAE demanda
habilidades gerenciais(15) e assistenciais que devem ser
implementadas gradativamente, tendo em vista que
essa nova maneira de trabalhar implica na modificação
dos processos de trabalho, na reorganização dos
recursos humanos, materiais e administrativos(7).
As limitações para a aplicação da Sistematização
da Assistência de Enfermagem na Estratégia Saúde da
Família ficam bem evidenciadas. Nesse sentido, é
imprescindível lançar mão de meios e instrumentos que
busquem a concretização de uma assistência
sistematizada, organizada e resolutiva.
ES FINAIS
O presente estudo permitiu visualizar que os
profissionais em meio aos obstáculos que perpassam na
sua prática profissional acabam por não efetivarem a
Sistematização da Assistência de Enfermagem de
maneira integral.
É preciso que os profissionais avancem na
perspectiva de que a Sistematização da Assistência de
Enfermagem constitui-se em um instrumento de
organização não porque ajuda esses profissionais a se
dividirem com relação aos atendimentos, mas sim
porque permite ao enfermeiro registrar toda a
assistência ofertada ao usuário, assim como possibilita a
construção de um saber próprio e autônomo.
São muitos os obstáculos a serem enfrentados
para a concretização da Sistematização da Assistência
de Enfermagem na Estratégia Saúde da Família como a
falta de recursos humanos, materiais, apoio institucional
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e gerencial que influenciam diretamente na
operacionalização dessa metodologia da assistência.
Também é fundamental o apoio e respaldo da
gestão local a fim de proporcionar subsídios que
busquem consolidar a Sistematização da Assistência de
Enfermagem na Estratégia Saúde da Família.
Para operacionalizar a SAE como ferramenta para
valorização da enfermagem nos serviços de saúde, é
preciso superar mudanças de paradigmas do pensar, ser
e agir que ainda permeiam a enfermagem. Assim, a SAE
na ESF caminha a passos lentos, pois a mudança para a
transformação somente será possível a partir do
momento que a enfermagem reorganizar o seu saber e
a sua prática e as instituições de saúde oferecerem um
arcabouço estrutural, organizacional e orçamentário que
proporcione subsídios para a aplicação da SAE.
É imprescindível articular estratégias e
instrumentos que viabilizem um caminho para uma
assistência diferenciada, dinâmica e científica, pois é
essencial buscar uma assistência comprometida com os
princípios do Sistema Único de Saúde, com a visibilidade
do saber/ fazer da enfermagem e autonomia
profissional.
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Recebido: 03/08/2011