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O imaginário lusoafrobrasileiro na umbanda portuguesa

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A

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G

O

TSRQPONMLKJIHGFEDCBA

o

IMAGINÁRIO LUSO-AFRO-BRASILEIRO

NA UMBANDA PORTUGUESA

o

PROCESSO DE

TRANSCULTURAÇÃO

srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

fonte de sucessivas migra-ções. O final dos anos 40 conheceu partidas em mas-sa de famílias que se dirigi-ram para vários países e particularmente para o Bra-sil, sendo que poucas retomaram. Foi nessa vaga migratória que o pai de M ãe Virgínia Albuquerque veio

para o Brasil:rqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAM eu paiIHGFEDCBAf o i

para oBrasil no ano de 1949,

tinha eu catorze anos e no

ano seguinte fomos ter com

ele. Em princípio eu não

queria ir para o Brasil,

quando meu pai falava

nes-sa viagem eu reclamava sempre, pois que a

mi-nha vontade era ir para Angola. Não pudemos

ir porque o Salazar proibiu a migração para a

África.

A política de Salazar era a de evitar toda tentativa de autonomização. A política geral visava reter o desenvolvimento econõmico das colônias sem incentivar a migração branca e, ao mesmo tempo, ocupar os territórios com uma administração discreta e eficaz.

IS M A E LA.P O R D E U S J R .*

R E S U M O

A p a rtir d e c o n s id e ra ç õ e s s o b re o s p ro c e s s o s d e tra n s c u ltu ra ç ã o d a U m b a n d a d e O m o lo c õ p ro c u ro n o s e io d o g ru p o re lig io s o d o T e rre iro d e U m b a n d a O g u m M e g ê e m L is b o a -P o rtu g a l, d is c u tir a te x tu a liz a ç ã o d a m e m ó ria , a (re )in v e n ç ã o d a s tra d iç õ e s im p líc ita s n o s te x to s e s c rito s p o r V irg ín ia A lb u q u e rq u e e e d ita d o s n o T e rre iro . A m e m ó ria d o c o rp o e d a v o z d e ita d a n a e s c rita p e rm a n e c e c o m s e u s p rin c íp io s p e rfo rm á tic o s n o s te x to s q u e s ã o u tiliz a d o s p e lo g ru p o re lig io s o . E a p o n ta m p a ra a c o m p le x id a d e d o s fa to re s e n v o lv id o s n a m a n u te n ç ã o , re p ro d u ç ã o e in o v a ç ã o n o q u e ta n g e a o u n iv e rs o re lig io s o e s tu d a d o .

• D o u to r e m A n tro p o lo g ia , p ro fe s s o r T itu la r d o D e p a rta m e n to d e C iê n c ia s S o c ia is e F ilo s o fia d a U n iv e rs id a d e F e d e ra l d o C e a rá .

O

processo de trans-culturação da Um-banda para Portugal permite perceber os fenômenos de esqueci-mentos, memórias e recri-ações, ao se estabelecer em um novo sistema socio-cultural. Fernando Ortiz, aponta que a transcultu-ralidade permite compre-ender "as diferentes fases do processo de transição de uma cultura a outra

cultu-ra, que é o que implica realmente a palavra inglesa acculturation, assinala que esse pro-cesso compreende também a perda ou o ar-rancar pela raiz uma cultura prévia, a qual seria definida como deculturação. Traz, além disso, a idéia de conseqüente criação de no-vos fenômenos culturais, o que se chamaria neoculturação" (Ortiz, 1947:102-3).

A Umbanda, fundada no Rio de Janeiro, difundiu-se no Brasil através dos meios massivos, livros, jornais, programas de rádio. Outro fator que contribuiu para este processo foi a migração, principalmente no que se re-fere ao Nordeste. Exemplar neste sentido é o caso da M ãe Júlia que se mudara para o Rio e retomando, , instala em 1954 um terreiro e o registra na Polícia. A primeira casa matriz de centenas de outras.

A instalação da Umbanda em Portugal, particularmente em Lisboa, se deve entre ou-tros fenômenos também à questão da migra-ção. O Nordeste português sempre foi uma

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M eu pai ao chegar no Brasil arranjou trabalho nas oficinas de serralharia de Paganni e Pi-nheiro onde trabalhou durante muitos anos. As grades e portões do palácio do Bispo que

fo i elevado a Cardeal na Guanabara foram

feitos pelo meu pai. O sportais e grades do jockei

Club, também o sportões do Banco do Brasil

no Largo de São Francisco. M eu pai era um excelente serralheiro, mas sem ambições. (. ..)

(2)

BH/UFC

dcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

orqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAnavio aportou primeiro no Recife, não me lembro também se em Salvador, cheguei no Rio

de janeiro, fomos morar numa vila que hoje

já não existe, pertinbo da PraçasrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA11.Tinha uns tios que moravam perto do morro do Catumbi,

eu ficava horasIHGFEDCBAàjanela para verovai e vem dos negros que desciam e subiam. Certas noi-tes havia o toque de samba, ao ouvir sentia

meu corpo vibrar, mas era proibido subir o

morro para mim que era branca. Gostava do Carnaval e saía no bloco carnavalesco de Catumbi juntamente com meus primos, à noi-te íamos ao Orfeão Portugal.

Penso ser im portante perceber o olhar do m igrante frente à nova sociedade: O seu

sentim ento de estranham ento. Logo se desta-cam as redes fam iliares, tanto no processo de

m igração quanto na nova sociedade. Os pri-m eiros de cada fam ília desbravam , se

insta-lam e outros seguem o m esm o cam inho. Ao chegar, recebem o apoio na busca de em pre-go através das relações que os fam iliares já haviam estabelecido. Interessante é a im pres-são que a m úsica deixou, o toque do sam ba que fazia o corpo vibrar e a interdição da

dança pela discrim inação de cor, o m orro não era lugar para branco.

M inha mãe ao chegar não arranjou emprego, toda sua vida tinha sido criada de servir e no Brasil ficou com a vida da casa e lavadeira de roupa. O s imigrantes homens davam a roupa a lavar e minha mãe fazia esse trabalho para ajudar a pagar as nossas passagens que o seu

irmão António tinha emprestado ao meu pai. Depois deixou para cuidar dos netos.

Aos 12 anos com eçou a trabalhar com o aprendiz de costureira em um a m odista no Porto. Logo à M ãe Virgínia chegar encontra um lugar com o ajudante em um a das casas de m odas m ais im portante no Rio de Janeiro dos anos 50.

Fui trabalhar na Casa Sibéria. Naquele tem-po tinha boas clientes, como a família Vargas, M atarazo, hoje esta casa não existe. M adame Celine era judia francesa, achava que eu

ti-nha um corpo igual ao de um manequim e convidou-me para ser manequim lá da casa. Como era menor, meu pai não consentiu ( ..) Eu gostava de copiar para mim o s modelos que vinham de Paris e era constantemente chamada a atenção por um dos patrões.

O fato de ela copiar os m odelos acabou provocando a sua dispensa, e ao sair m ontar seu próprio atelier em casa. Narra com o veio a encontrar o rapaz português tam bém m igrante, o nam oro e o casam ento. E os per-calços do dia a dia, o insucesso do m arido nos negócios, as aflições do cotidiano, a

bus-ca e a adesão à Um banda.

Gostaria de cham ar atenção para a m etodologia da pesquisa. A história de vida e a biografia aplicada aos fenôm enos de

aculturação, da im igração e aos m om entos de m udança social, perm item perceber os

pro-cessos de adaptação ao novo contexto, redefinição de identidades e suas relações com outros grupos. Apesar de já ter utilizado a história de vida para saber do percurso da M ãe Virgínia, pedi-lhe para escrever sua bio-grafia. Assim , pude com parar o que foi

narra-do na história de vida com a biografia escrita, na m edida em que m inha proposta é traba-lhar a tradição oral por ela deitada na escrita. E, ao m esm o tem po, fazer a triangulação sugeri da por Thom as & Zananieki (1998),

m uito m enos em busca de veracidade, m as procurando perceber as diferentes form as narrativas e as perform ances nelas im plícitas. O estado de aflição por que passam as pessoas no seu cotidiano tem sido constatado com o um dos fatores principais para a adesão

as religiões que utilizam as técnicas da possessão,

A desgraça bateu a nossa porta, mais uma vez. Depois de alguns negócios muito maus, tive de dividir o meu tempo entre o s meus filhos, ajudar meu marido no restaurante que tínhamos perto do Largo da Freguesia em

[a c a r e p a g u â , e a costura para pagar algumas

despesas com luz do restaurante. Foram tem-pos tão difíceis que não gosto de lembrar (, ..).

(3)

No princípio do século, já havia sido constatada a presença de m igrantes inclusive

portugueses freqüentando a m acum ba carioca.rqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

M eu marido ia aos terreiros de Umbanda

pro-curar ajuda, nada resolvia, ele passou a ir sozinho porque eu não tinha fé. Gostava dos cânticos e das danças, mas não aceitava os

trabalhos que via fazer (. ..) Depois de

jacarepaguá voltei para Cascadura para um

restaurante, aí já tinha três filhos, Pedra,

Fátima e António.dcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAO António era muito do-ente, todos tiveram problemas, onde a morte

esteve perto, mas s ó morreu aquela que já

me referi, a Rosinha. Naturalmente isso é

coisa da vida, só quem não anda cá é que não passa por elas.

A crise financeira, a doença, a presença da m orte, a contínua situação de aflição por que passa a fam ília, levam o m arido a procu-rar soluções nas práticas um bandistas:

Naquele restaurante eu passei a morar nos

fundos, e além dos problemas do meu filho

mais novo, eu também tinha uma ferida que não conseguia curar. Não era falta de trata-mento médico nem falta de higiene. Não

po-dia costurar doente e sem dinheiro porque o

restaurante não ia bem, s ó vivia a

lamentar-me. M eu marido foi procurar uma mãe de

santo que lhe disse terem feito uma

macum-ba para mim. Tinha de ser desmanchada e

pediram-nos nessa altura 21 mil cruzeiros.

M eu marido disse que o bom seria pedirmos

odinheiro emprestado para fazer otrabalho,

s ó assim eu ficaria boa. Não concordei e

dis-se com voz rouca e fora de mim: "Não pedes

nada, dentro de dias estou boa". Era noite de

lua cheia e ela estava mesmo em frenteIHGFEDCBAà

por-ta do quarto que dava para um pátio,

ajoe-lhei no chão e acendi a lamparina e pedi com

fé a minha cura se isso acontecesse muito

breve teria a prova da minha força e passava a acreditar nas leis da Umbanda.

Vale ser ressaltada, neste trecho, a ten-tativa de solucionar os estados de aflição m uito

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com uns na Um banda. E, ao m esm o tem po, o uso da categoria acusatória "feito um a m a-cum ba", isto é feitiço, com o causa prim eira da desorganização da vida cotidiana.

A biografia perm itiu trazer à tona um a narração m ais rica em fatos e, ao m esm o tem -po, um a reflexão por parte da M ãe Virgínia sobre os m esm os. Deixando entrever m elhor o

im a g in á r io m a tr ic ia l português a o q u a l ir ia s e r

a r tic u la d o o im a g in á r io d a Um banda. N a s a ld e

i-as, v ila s ou c id a d e s de P o r tu g a l, segundo M o is é s

do Espírito Santo, em seu trabalho sobre a reli-gião popular portuguesa, "continuam a praticar-se ritos vindos do fundo dos tem pos inúm eras vezes condenadas pelas instituições eclesiásti-cas ou m esm o pelos regulam entos m unicipais.

Religião cristã, m agia, feitiçaria form am um todo coerente no seio d a s cam adas populares, recor-rem aos m esm os sím bolos c...) a religião parece

aqui im utável desde há séculos" (Espírito Santo, 1994:20) Lisboa não foge a regra. Penso poder afirm ar que as práticas religiosas portuguesas do Catolicism o denom inado de popular não di-ferem em sua essência das m esm as práticas que podem ser encontradas no Brasil e na Am érica Latina de um m odo gera1. Todas essas práticas m ostram a capacidade de (re) criação no cam

-po religioso. O que m e perm ite dizer que o substrato pagão existente na prática do catoli-cism o português m uito se assem elha ao

encon-trado no Brasil, com o se percebe na fala de M ãe Virgínia relativa a explicação do restabelecim ento da saúde se deve m ais à lâm

-pada acesa na noite de lua cheia, ao azeite e a reza do que ao atendim ento m édico.

O meu médico era um primo do António meu marido que no dia seguinte veio a

mi-nha casa acompami-nhado de sua mãe que era

do Santo. D. M aria disse-me, sei que estás

mal e não acreditas no Santo, mas recebi

uma mensagem para vir ter contigo. Olhou

para as minhas pernas, molhou o s dedos no

azeite da lamparina e untou-as e rezou. O

Dr. M oura disse-me para eu ter de ir com ele

na clínica Brasil- Portugal no dia seguinte

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trata-da. As pernas estavam curadas e eu sentia-me outra vez forte e cheia de vida. A minha

lamparina nunca mais se apagou.srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

A recorrência do m arido Antônio a vári-os terreirvári-os é enfatizada e sem pre im pulsio-nada pela crise financeira,

M eu marido de repente ganhou um mau gênio insuponâtel,o dinheiro não havia. Eupedi ajuda

a D. M aria, ela levou-me ao Centroquefreqüen-tava e a senhora mãe de santo disse que eu tinha um Santo muito caprichosoe que

enquan-to não tratasse como deviadcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAs ó teria miséria. Eu cedi a ir dizendo: "Seo mal é meu está bem, eu

vou e tudo bem, eu conserto".

Penso ser inútil buscar a causalidade na eficácia sim bólica, procurando no senso cientí-fico explicaçôes da ação m ágico-religiosa. A eficácia sim bólica não teria nada de específico enquanto causa eficiente, no entanto guarda sua originalidade enquanto eficáciasignificante,quer dizer, a eficácia representada que se torna con-teúdo de um a m ensagem . (Isam bert :1982) A Um banda com seus rituais tem sua eficácia significante, com o pode ser percebido na nar-ração de M ãe Virgínia quando encontra o terrei-ro aonde iria se desenvolver e iniciar-se.

Efui, ao chegar no TerreiroD. Lucindajogou

os búzios e disse: "Esfilha de Omulu tem

Ogum que quer tua coroa e Nana como tua mãe". Ela disse tudo aquilo para mim era o

mesmo que nada, daqueles nomes s ó conhe-cia Ogum como São Jorge, mas perguntei o

que deveria fazer para melhorar a nossa vida. "Faz tua cabeça ". disse. (. ..) confiei nela, per-guntei se podia tratar de mim ao que ela res-pondeu: "Estou sentindo que es muito difícil

de tratar, deves ter mau gênio, mas es pura no Santo aceito fazer tua cabeça ".

ADESÃOTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÀ U MB A N D A

o

prim eiro transe parece ser o m arco de ruptura não só com o cotidiano, m as

prin-cipalm ente com a aceitação inelutável da efi-cácia da religião.

Começou a gira e D. Lucinda, minha M ãe de Santo, disse-me para eu olhar tudo e apren-der naquele dia eras ó ver.O ata baque toca-va, todos cantavam e eu olhava. Analisando achava-me a mais e que aquela religião não era para mim portuguesa, pois desta raça s ó

era eu. O toque continuava cada vez me sen-tia pior, comecei a ficar tonta, a minha cabe-ça andava a rodar, eu sabia que estava parada, mas via as bandeirinhas presas no teto a andar, a roda. Quando passou a sen-sação de tudo rodar eu estava ajoelhada no meio do terreiro, deram-me água e pouco a pouco melhorei, então minha M ãe disse: "Você

recebeu seu Boiadeiro ", ao que respondi: "o que é isso?"Ela explicou, mas fiquei mais en-vergonhada por não entender nada.

A descrição do prim eiro transe não di-fere dos inúm eros depoim entos que encon-trei em m inhas pesquisas no Ceará e os que são relatados na bibliografia etnográfica. Em -bora M ãe Virgínia conhecesse a possessão pelas inúm eras vezes que havia ido, acom pa-nhando o m arido aos diversos terreiros por ele freqüentado, não deixa de ser im portante essa aceitação da possessão pois o fenôm eno da possessão, em Portugal foi com batido pela Igreja Católica e pelo Estado, ficando reduzi-da a um fenôm eno individual com o m ostrou José Leite Vasconcelos, escondido nas aldei-as, coisas de bruxedos. A com plexidade dos fatores envolvendo a reprodução, m anuten-ção e inovaanuten-ção da m em ória no que se refere a Um banda em Portugal, se deve no m eu en-tender às práticas tradicionais do catolicism o relativas às soluções dos estados de aflição.

PROCESSO RITUAL E PERFORMANCE

Comecei no Terreiro de M ãe Lucinda em 1959, ela explicou-me que eu tinha Santo de Nação (Candomblé). Então ela pediu ao Pai de Santo dela que desse assistênciaIHGFEDCBAà minha

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camarinha para que tudo corresse bem. Ini-ciei as obrigações no Santo no ano de 1960. Fui baptizada na cachoeira da Vargem Grande emIHGFEDCBAja c a re p a g u â e meu baptismo de praia foi em Septiba. Entrei para a camarinha em

ja-neiro desrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA1961, num Domingo à tarde e mi-nha mãe falou que precisava de água de chuva

de trovoada para oabõ do seu Santo que era Xangô. Não havia ninguém a não ser eu no Terreiro, M ãe Lucinda morava numa casa

perto, passei parte da noitedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAs ó com o s santos da casa. Depois do banho fu i outra vez me

deitar e M ãe Lucinda disse-me que eu tinha mais duas companheiras, eu era a dofona. Não posso dizer o que se passou no dia de

s e g u n d a -fe ira , devo ter dormido todo o dia.

o

processo ritual tal com o foi realizado no terreiro onde foi iniciada, é repetido hoje em Portugal, assim com o posto na escrita nos "livros" de M ãe Virgínia. Vai-se encontrar, no entanto, um a (re) criação m otivada pelo ecossistem a, assim com o pela sociedade por-tuguesa, com o já tratei em ensaios anteriores sobre as folhas rituais (Pordeus: 1997) e o espaço do terreiro (Pordeus: 1997). Exem plar desta recriação é o assentam ento do Orixá Tem po, onde no centro de dois círculos, um m enor e um outro m aior e no m eio está plan-tado um Pinheiro. Fala dos círculos com o o pequeno e o grande touro. A M ãe de Santo rem ete a explicação às tradições célticas. E a utilização do pinheiro natalino, o argum ento é que os galhos form am um a estrela. As ten-tativas de adaptar as plantas brasileiras não tiveram sucesso em decorrência do clim a. As folhas rituais, que não são encontradas na flo-ra portuguesa vão sendo substituídas por o u

-tras que ela procura no próprio jardim do terreiro, o m ais das vezes na floresta em Sintra. Dessa m aneira, as (re)criações na substituição das plantas vai preenchendo as lacunas sem alterar a eficácia significante do ritual.

O im aginário religioso da Um banda se m anifesta nos sonhos que desem penham no processo ritual, com o desenvolvido no con-texto brasileiro, a partir da própria experiên-cia de M ãe Virgínia. Os sonhos relatados na

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sua biografia rem etem a um im aginário do luso-afro-brasileiro. Quando recolhe alguém para fazer a iniciação em Portugal, recom en-da que anote os sonhos para serem por ela interpretados, pois o santo m anda m ensagens através do sonho.

Sonhei que eu voava num cemitério, s ó via cruzes de madeira e campas de terra à volta não havia nada, nem árvores, nem casas, e eu voava, voava até que encontrei uma cam-pa vazia e aterrei lá. Estava uma noite com luar e eu fiquei ali deitada naquela campa. Ouvi que chamavam por mim e voei de novo, desta vez para o infinito. Continuava a ou-vir chamar por mim e vi um homem todo vestido de preto, voei até o s seus pés e ali fiquei, quando olhei oseu rosto era uma

ca-veira e suas mãos eram ossudas.(. ..)

O sonho justifica a inform ação de ser filha de Om ulu. A busca do conhecim ento se concretiza na prática religiosa, m as tam bém n ,s leituras, nas pesquisas bibliográficas rea-lizadas para a construção dos seus textos.

Acordei porque minha M ãe de Santo chamou por mim. Estava na hora do banho ritual.

Nessa hora aproveitou para dizer que tinha passado a noite toda ao meu lado, porque o

Pai de Santo dela que tinha ajudado a fazer as minhas oferendas para Exu pediu para ela ficar, dizendo que eu ia Ter uma noite agita-da. M ãe Lucinda confirmou que eu estive sempre muito agitada es ó depois das três ho-ras da madrugada é que acalmei. Na terça-feira vireio Irê e não me lembro de nada que

se tenha passado a não ser um grande banho e um sonho.

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in-cluindo-se os pensam entos, os sons articula-dos, quer dizer a linguagem no qual são trans-m itidos e onde recebetrans-m sua fortrans-m a trans-m aterial, enfim , a ação exercida do exterior pela ex-pressão desse pensam ento. Os term os são com preendidos com o pensam ento, palavra sonora, linguagem e verbo.

O Orixá entende o oriki (oração) que "age" no ritual por seu poder intrínseco, sob um a form a m ais ou m enos igual e com pará-vel ao sacrifício ou a toda outra operação ou m anipulação ritual. O que m e leva a dizer que, nos encontram os frente a um m aterial com o o designado por J.L. Austin (970), de

"enunciação perform ativa", que perm ite fa-zer qualquer coisa através da palavra (em quanto tal), considerando-se toda enunciação digna desse nom e com o sendo antes de tudo um ato de discurso produzido na situação onde se encontram os interlocutores.

A perform ance deve ser entendida com o

ato social definido por relação que se estabe-lece pelo m eio da enunciação entre o locutor e o auditor. Cum prindo um ato ilocucionário, o locutor exprim e um certo papel e o desig-na ao auditor um outro papel com plem entar; o locutor exprim e sua vontade de que o audi-tor siga um a dada conduta, colocado-se com o possuidor de um a autoridade que deixa o au-ditor a se conduzir de determ inada m aneira, sim plesm ente porque é a vontade do locutor. O papel social assum ido pelo locutor é o de superior hierárquico institucionalizado quan-do em ite um a ordem .

Os processos rituais das religiões de m atrizes africanas, no Brasil, Cuba, Haiti, nos países da região do rio da Prata e em Portu-gal, im plicam na voz, na m úsica, na dança e na possessão, podendo assim ser designados de perform ativos. Pois nessas religiões en-contram -se particularm ente atos designados de ilocucionários com o ordenar, interrogar, acon-selhar, exprim ir um desejo, sugerir, advertir, agradecer, criticar, acusar, afirm ar, parabeni-zar, suplicar, am eaçar, prom eter, insultar, des-culpar-se, levantar hipóteses, desafiar, jurar, autorizar e declarar, entre outros. Austin des-tacou nas realizações institucionais os papéis

locucionários, para m ostrar que a linguagem é um a espécie de vasta instituição, com por-tando um a pluralidade de papéis convencio-nais correspondentes a um a gam a de atos de discursos reconhecidos socialm ente.

Desta form a a vocalidade rege todo o conhecim ento tradicional, no que concerne ao valor do conteúdo e à sua expressão. No universo luso-afro-brasileiro os textos são em sua essência vocais. O seu conhecim ento im

-plica em um exercíciorqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAm nem ônico im enso: suas transm issões são objeto de rituais

cuida-dosos que, em decorrência de seu caráter sa-cram ental, necessitam de preocupações particulares. Transm itidos oralm ente de gera-ção em geragera-ção, por m ães e pais-de-santo que transm item oralm ente para os filhos de santo essas m em órias. Essa transm issão é cer-cada de garantias destinadas a proteger o sa-ber de qualquer sacrilégio.

A linguagem , não é som ente um dispo-sitivo ou um a instituição perm itindo a realiza-ção dos atos que não existem que por essa instituição. Os atos que se realizam na palavra são governados por regras, na m edida que a crença do locutor naquilo que ele diz é associ-ada por um a regra ao ato da palavra a qual pretende realizar. Afirm ar algum a coisa é pro-fessar um a crença, exprim ir convencionalm ente. Toda m agia é m agia do verbo, conjura-ção e evocaconjura-ção, apologia e m aldição. Pela palavra, o hom em estabelece seu poder so-bre as coisas. A potência do verbo é de fato m aior ou m enor e se organiza de acordo com o respectivo poder da palavra de cada um , pois a força é o próprio verbo. Na África, nas culturas tradicionais, sem a ação da palavra, as forças se degradariam , não haveria nasci-m ento, nenasci-m a nasci-m etanasci-m orfose, nenasci-m a vida. O m esm o perm anece na cultura luso-afro-brasi-leira. O fato de dizer o nom e engendra o nom eado. Nom ear é um a evocação m ágica, um ato de criação, pois aquilo que não pode ser representado, é irreal, não existe. Porém todo pensam ento hum ano, desde que ele é enunciado torna-se realidade. A palavra põe em m ovim ento o universo das coisas, tem o

poder de transform ação sobre elas, a palavradcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

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é o poder de m etam orfose. Cada palavra é um engajam ento, é ação, na m edida em que tem esse poder. A palavra não cai no vazio, na m edida que não existe gratuidade na pala-vra pronunciada, toda ela provoca conseqü-ência. Cada denom inação engaja a m agia que é responsável por sua palavra.

O poder da palavra, engajam ento e res-ponsabilidade consecutiva da sua enunciação, leva a consciência que som ente o verbo trans-form a e m uda, são critérios característicos do pensam ento da tradição luso-afro-brasileira. O hom em exerce o dom ínio das coisas, graças à palavra, através dela pode m odifica-Ias, tor-na-Ias atuantes e as com andar. Com andar as coisas pela virtude da enunciação é isso a m agia e a m agia é o verbo. Transform a cada coisa que em essência é um a força na m edi-da que engendra, colocando-as em tensão com as outras coisas que são engendradas ao m es-m o tees-m po.

A enunciação perform ativa é, então, a enunciação objetivando a fazer qualquer coisa, o que exige freqüenternente o contexto da enunciação ou as circunstâncias. No contexto das religiões luso-afro-brasileiras,no m ovim en-to da voz perm aneceriam os term os em prega-dos se com preendendo com o pensam ento, ação, palavra e verbo das ações em preendidas nessas religiões, agindo nos rituais por seu poder intrínseco tanto nos sacrifícios, na

inici-ação, ou em todas as outras ações rituais.rqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Na quarta-feira também de nada me lembro até a hora do banho ritual e de me vestirem

para ser catulada. (. ..). ComeçaramdcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAo s sacrifí-cios es ó lembro de ver alguém com uma

gali-nha branca na mão. Eu quejá não estava muito bem escorreguei do banco e ajoelhei no chão e não vi mais nada. Senti que pegavam em mim ao colo que eu tinha gritado, pois que conheci a minha voz, mas o s gritos eram como o s de um cavaleiro árabe. M eu Ogum recebeu mi-nha coroa e deu a dijina de Ogum-Beira-M ar; isto naturalmente naIHGFEDCBAU m b a n d a .

A eficácia significante do rito rem ete então a perform ance. No entanto não se pode

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R E V IS T A D E C I~ N C IA S S O C IA IS v .3 1 N .2 2 0 0 1

transform ar a perform ance em um ato m ágico da palavra com o cham a atenção François Isam bert, un rite est p e r f o r m a t if lorsqu 'i!

réalise, sur un mode convenu, une certaine relation à l'outre (personne, objet, diuinité) par Ia symbolisation elle-même de Ia relation à

etablir. ( J979p a s s ir n ) . As condições

intrínse-cas, internas e circunstanciais presidem à efi-cácia do ato m ágico. Quando olhada do ponto de vista do sujeito, não existe nada de m iste-rioso nessa relação, na m edida em que as atitudes tendem a se identificar aos sím bolos, verbais ou não, que os designam e sem os quais dificilm ente essas atitudes podem ser m antidas. Penso, então, que se avança em profundidade na análise sociológica dos ritos em geral, entendendo-os a partir da noção de perform ance.

Tive um sonho, era omar e eu estava senta-da na areia, apareceu um cavalo branco com uma crina e rabo muito grande e bonito. Ele galopou no mar relinchava e mexia a cabeça

muito nervosa. Quando chegou a praia galo-pou sempre pela areia afora até desaparecer

no horizonte.

A eficácia sim bólica do processo ritual é confirm ada através dos sonhos que ocor-rem na cam arinha e irá refletir-se no cotidia-no do neófito. Ao m esm o tem po, reforça o sentim ento de pertença à nova religião.

Até hoje a minha força vem da lembrança da força desse cavalo. Eu tinha presenciado o

meu nascimento para a nova vida espiritual. Fui e serei sempre o cavalo de Ogum meu Pai e Senhor, rebelde, indomável, mas fiel e ami-ga como ele meu Orixá. Houve um ritual na

s e x ta - fe ir a que constava de fazer oferendas

de comidas aos orixás. M ãe Lucinda entre-gou-me um prato de comida para eu carre-gar na cabeça. Eu tinha de dançar com essa comida e não deixar cair. Dancei e não dei-xei cair

(8)

personagens históricos da Um banda e do

ce-nário político do Rio de Janeiro.rqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Sábado era o dia da nossa apresentação ao

público. Antes da festa fomos retiradas para uma sala onde deveríamos ser vestidas para

nossa apresentação. Enquanto estávamosIHGFEDCBAà

espera, a M ãe Criadeira ia-nos ensinando

como deveríamos proceder comdcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAo s cumpri-mentos tanto aos Pais de Santo presentesjoão

de Freitas, jerônimo de Souza, Darcy de Sou-za, Bethoven Gonçalves que durante o

tem-po da camarinha estivera a ajudar, foram convidados para assistir a minha festa entre outros Atila Nunes que depois elegeu-se De-putado. Através da divulgação pelo rádio e pelo seu trabalho na Umbanda foi eleito como de Deputado. Lembro quefo i através do seu programa de rádio que eu ouvia enquanto

costurava, que aprendi alguns pontos de Umbanda cantados até hoje em meu terreiro..

Fecha-se assim o processo ritual reali-zado no Brasil. E é assim que vem sendo realizado no Terreiro de Um banda Ogum M egê em Lisboa, onde m ais de quarenta pes-soas foram por ela iniciadas, com o verem os posteriorm ente em seus livros na série intitulada Os Orixás Africanos - Iniciação, em 5 volum es, perfazendo o total de 148 pági-nas de textos entrem eados com ilustração re-produzindo fotografias e im agens desenhadas.

A narração continua m ostrando, com o a situação financeira m udou perm itindo depois a ida a Portugal visitar os parentes e lá perm anecendo por iperm posição religiosa, para cuperm -prir a m issão de divulgar a Um banda.

Nossa vida melhorou e deixamos de ter tanto sofrimento. Foi realmente através do Santo que nós encontramos o s nossos caminho. Nessa altura tínhamos a E r u a n â r ia na rua

M onsenhor F e lix em Vaz Lobo. Eu sempre tra-balhei na Ervanária e ali fiz amizade com alguns Pais de Santo, costurei muita roupa de Santo para saídas e fiz coroas (adê) para Orixás, cocares para caboclos e saias para Pomba Gira, além das guias que

encornen-davam. Enriqueci muito o meu saber com

conversas ali no balcão e como queria saber sempre, aproveitei para ler alguns livros so-bre Umbanda que naquele tempo eram poucos

o

estado de aflição financeira não se encerra com a iniciação, m as com a dedica-ção ao santo e ao contínuo trabalho daí em diante realizado na prática religiosa.

Continuei a trataro Santo, fiz minha

obriga-ção dos sete anos. (. ..) Ali permaneci na mi-nha obrigação durante o s sete dias que era de praxe e com a ajuda da M ãe Lucinda e dos meus guias eu recebi ordens para seguir e fazer "filhos". A loja prosperou e alguns tem-pos depois meu marido propôs virmos passar férias em Portugal. Como pensamos vir de férias meu marido consultou meu Preto-

Ve-lho que disse sim, que poderíamos vir passe-ar s ó que eu eo s meninos não voltaríamos, porque era chegado o momento de vir para

cá cumprir minha missão. Explicou ao meu marido que eu ia abrir aqui casa de Santo e começar a 'Jazer filhos". (. ..) eu nada fiquei sabendo atéodia em que decidi ficar aqui E foi com uma escassa bagagem que vim para

Portugal começar nova vida.

A volta para Portugal passa a ter o cará-ter de um a m issão a ser cum prida para a difu-são da Um banda.TSRQPONMLKJIHGFEDCBA

A L I B E R A Ç Ã O D A V O Z

A voz em Portugal, durante m eio século preso no obscurantism o salazarista,desabrocha-va nos cânticos religiosos de exaltação à Vir-gem , na voz das bruxas protegidas pelas silvas, a voz, no sentir fatalista que se espelha no fado, nos poetas orais, nos dizedores nas aldeias, vem

à tona com o que a recuperar o silêncio. Em blem ático da liberação da voz, é o abrir da cortina do espiritism o kardecista até então praticado atrás das m asm orras do silêncio. A instalação da Um banda em 1976, das igrejas pentecostais e outras, perm ite dizer que em

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personagens históricos da Um banda e do

ce-nário político do Rio de Janeiro.rqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Sábado era o dia da nossa apresentação ao

público. Antes da festa fomos retiradas para uma sala onde deveríamos ser vestidas para

nossa apresentação. Enquanto estávamosIHGFEDCBAà

espera, a M ãe Criadeira ia-nos ensinando

como deveríamos proceder comdcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAo s cumpri-mentos tanto aos Pais de Santo presentesjoão

de Freitas, jerônimo de Souza, Darcy de Sou-za, Bethoven Gonçalves que durante o tem-po da camarinha estivera a ajudar, foram

convidados para assistir a minha festa entre outros Atila Nunes que depois elegeu-se De-putado. Através da divulgação pelo rádio e pelo seu trabalho na Umbanda foi eleito como de Deputado. Lembro que foi através do seu programa de rádio que eu ouvia enquanto

costurava, que aprendi alguns pontos de Umbanda cantados até hoje em meu terreiro..

Fecha-se assim o processo ritual reali-zado no Brasil. E é assim que vem sendo

realizado no Terreiro de Um banda Ogum M egê em Lisboa, onde m ais de quarenta pes-soas foram por ela iniciadas, com o verem os posteriorm ente em seus livros na série intitulada Os Orixás Africanos - Iniciação, em 5 volum es, perfazendo o total de 148 pági-nas de textos entrem eados com ilustração

re-produzindo fotografias e im agens desenhadas. A narração continua m ostrando, com o a situação financeira m udou perm itindo depois

a ida a Portugal visitar os parentes e lá per-m anecendo por im posição religiosa, para cum -prir a m issão de divulgar a Um banda.

Nossa vida melhorou e deixamos de ter tanto sofrimento. Foi realmente através do Santo que nós encontramos o s nossos caminho. Nessa altura tínhamos a Ervanária na rua M onsenhor Felix em Vaz Lobo. Eu sempre tra-balhei na Ervanária e ali fiz amizade com alguns Pais de Santo, costurei muita roupa de Santo para saídas e fiz coroas (adê) para Orixás, cocares para caboclos e saias para Pomba Gira, além das guias que

encomen-davam. Enriqueci muito o meu saber com

conversas ali no balcão e como queria saber sempre, aproveitei para ler alguns livros so-bre Umbanda que naquele tempo eram poucos

o

estado de aflição financeira não se encerra com a iniciação, m as com a dedica-ção ao santo e ao contínuo trabalho daí em diante realizado na prática religiosa.

Continuei a tratar o Santo, fiz minha

obriga-ção dos sete anos. (. ..) Ali permaneci na mi-nha obrigação durante o s sete dias que era de praxe e com a ajuda da M ãe Lucinda e dos meus guias eu recebi ordens para seguir e fazer "filhos". A loja prosperou e alguns tem-pos depois meu marido propôs virmos passar férias em Portugal. Como pensamos vir de férias meu marido consultou meu Preto-

Ve-lho que disse sim, que poderíamos vir passe-ar s ó que eu eo s meninos não voltaríamos, porque era chegado o momento de vir para

cá cumprir minha missão. Explicou ao meu marido que eu ia abrir aqui casa de Santo e começar a 'fazerfilhos". (. ..) eu nada fiquei sabendo atéodia em que decidi ficar aqui E foi com uma escassa bagagem que vim para

Portugal começar nova vida.

A volta para Portugal passa a ter o cará-ter de um a m issão a ser cum prida para a

difu-são da Um banda.

A

TSRQPONMLKJIHGFEDCBAL I B E R A Ç Ã O D A V O Z

A voz em Portugal, durante m eio século preso no obscurantism o salazarista,

desabrocha-va nos cânticos religiosos de exaltação à Vir-gem , na voz das bruxas protegidas pelas silvas,

a voz, no sentir fatalista que se espelha no fado, nos poetas orais, nos dizedores nas aldeias, vem à tona com o que a recuperar o silêncio.

Em blem ático da liberação da voz, é o abrir da cortina do espiritism o kardecista até então praticado atrás das m asm orras do silêncio. A instalação da Um banda em 1976, das igrejas

pentecostais e outras, perm ite dizer que em

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Portugal existe um a relação direta entre o pro-cesso de dem ocratização, a liberação desse im aginário, que traduziria um a inquietação so-cial recusando os lim ites do presente e as con-dições reais do futuro. O fenôm eno da possessão na Um banda Portuguesa m arcaria o fim de um período social e se encarregaria de um duplo significado: o desequilíbrio de um a cultura; e a aceleração de sua transform ação por interm édio do im aginário coletivo. (De

Certeau, 1980:7/8 passim )rqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Em relação ao Santo no princípio fiquei um pouco desorientada, estávamos no regime de Marcelo Caetano e embora já fosse mais livre continuava a ser um pouco tensa a parte re-ligiosa, porque a Religião Espírita continua-va a ser desenvolvida às escondidas. Procurei um centro Espírita, mas era tudo Kardeck e que para mim não senna, faltava algo. Em casa recebia meu Preto Velho para dar con-selhodcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAs ó a nos. E tudo começou de novo, con-selhos pequenos, oferenda em minha casa aos Orixás para ajudar as pessoas e assim come-çou a espalharo sensinamentos da Umbanda. Palavra passa palavra e as pessoas começa-ram a procurar-me em segredo para eu as ajudar. Oengraçado é que ninguém me cha-mava de bruxa e eu até me sentia bem.

O processo de liberação política parece ser um a caixa de Pandorra que ao ser aberta solta o im aginário. Os hom ens constroem no processo do im aginário os deuses que passam a existir no quotidiano de suas experiências so-ciais,transform andoe reorganizandoa sociedade. A entrada de Portugal na Com unidade Econôm ica Européia pode ser considerada com o um processo radical de m odernização, e se m anifesta entre outros, em nível do im a-ginário, na oferta nos jornais de toda um a ca-tegoria de serviços classificados com o horóscopos, aonde se encontram anúncios que respondem aos estados de aflição do dia a dia: m estres e professores astrólogos, carto-m antes, tarô, jogo de búzios, carto-m édiuns, carto-m é-diuns espíritas, reiki, espíritas videntes, ocultistas e curandeiros das antigas colônias

88 R E V IS T AD E C I~ N C IA S S O C IA IS V .3 1 N .2 2 0 0 1

africanas, m estras espiritualistas, parapslCo-logos, pais e m ães de santo brasileiros.

Com a revolução do 2 5 de abril novos cultos apareceram e o s Rosa Cruz da Amorc tam-bém. Já tinha lido algo sobre eles no Brasil e resolvi fazer-me sôcia o que aconteceu em

7 8 . O sestudos que fiz nessa Ordem ajuda-ram-me muito porque vi que tudo o que se

passava comigo era normal. O problema é que na Umbanda não tem uma escola onde se estude tão correctamente como na A.M.O.R.C. e fiquei mais enriquecida em es-clarecimentos que depois pude transmitir aos meus Filhos de Santo.

Cham aria atenção para esta últim a frase do enriquecim ento trazido pelo Rosa Cruz da AM ORCe a transm issão para os filhos de santo. Em bora não tenha sido explorado na pesquisa é provável que venham a ser encontrado essas influências nos textos escritos por D. Virgínia.

Minhas primeiras filhas de Santo foram aIHGFEDCBA

M a r ia z in b a , sua mãe Conceição e sua cunha-da Mariana. (. ..) Nessa altura já tinha se cunha-dado

o 2 5 de abril eo s hospitais eram um caos.

A

TSRQPONMLKJIHGFEDCBAI N V E N Ç Ã O E T E X T U A L lZ A Ç Ã O D A M E M Ó R I A

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Esse fenôm eno tem provocado no co-nhecim ento das Ciências Sociais em geral e particularm ente no antropológico um a circularidade- a popularizaçãodo conhecim ento e do discurso científico divulgado e filtrado pe-las m ídias e por outras instituições de form a parcelar e desconexa criando assim "novas" re-alidades e esquem as perceptivos, cognitivos e perform ativos de senso com um que finalmente volta-se a estudar com o algo já transform ado, sob o efeito de um a circularidadeherm enêutica. A produção da M ãe-de-Santo Virgínia Albuquerque hoje alcança m ais de 80 títulos utilizados pelos filhos de santo e pela cliente-la. O conteúdo dessas publicações é um m ate-rial etnogrâfico com pleto em sua riqueza de dados, sobre a religião, m itos, ritos, espaço e tem po ritual; ao m esm o tem po, traduz um a das sínteses do Candom blé e da Um banda de-nom inada Om olocô. Deitada na escrita a reli-gião luso-afro-brasileira, pode ser considerada um a teologização exaustiva da religião aí fun-dada, assim com o, a (rejinvençâo de um a tra-dição com o propôs Hobsbawm (1979).

Tenho m e interessado na articulação do que aconteceu com as narrações m íticas co-lhidas entre os narradores e posto na escrita, sendo posteriorm ente retom ado pela voca-lidade. A m inha pesquisa associa um conjun-to de reflexões sobre a descrição e que tem por m ateriais textos vocais e escritos em suas diversas articulações. Propõe-se um a leitura das narrações em um quadro de referência, concebido para estudar a construção sim bóli-ca dos objetos do conhecim ento; com o um saber se escreve e se tom a possível à leitura, e retom a a vocalidade original articulado no corpo de quem diz e ouve.

M ãe Virgínia, explicando os textos con-tidos em seus livros, cham a atenção que os versos com portam , às vezes, expressões de um sim bolism o polivalente. São declam a-dos, recitados e entendidos pela assistên-cia. O que eles traduzem deve perm anecer incom preensível por aqueles que desconhe-cem o seu significado e transparente para aqueles que sabem . A palavra age, m as o segredo perm anece. Um a seqüência de um

texto, às vezes m esm o, um a só frase pode ser com preendida de várias m aneiras. O sentido corrente inteligível a todos recobre um senso profundo, revelado progressiva-m ente aos iniciados. Com entários sucessi-vos são dados pouco a pouco até a com preensão integral para os que chegam ao grau m ais alto do conhecim ento.

Essas orações perform ativas, não sendo nem falsas nem verdadeiras, são enunciações que objetivam desencadear os bons augúrios e afastar a aflição cotidiana. Invocar o Orixá, fazer algum a cousa para que o bem -estar per-m aneça sob sua proteção. Toper-m o a dizer que é no ritual que se encontra o contexto da enunciação e são nele que se realizam os atos ilocucionários de expressão de desejo, sugestão, advertência, agradecim ento, critica, acusação, afirm ação, súplica, prom essa, des-culpa, jura, autorização, declaração ...

DEseRçÃO OU INTERPRETAÇÃO

A experiência que produz o conhecim en-to do senso com um tem com o objetivo resol-ver problem as do uso e do aproveitam ento em relação à realidade em pírica. Desta form a, ela difere da investigação científica cujo obje-tivo é o conhecim ento pelo conhecim ento, sem preocupação im ediata de aplicação do saber adquirido em relação ao ser hum ano e ao am

-biente que o cerca (Dewey, 1993).dcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

É fato adm itido que todos os grupos culturais possuem um conjunto de significa-dos enraizasignifica-dos profundam ente em seus cos-tum es, construindo categorias, form as de interpretar o que os cerca e a vida em grupo. O sistem a de significações incorporados na linguagem veiculando a tradição perm ite tor-nar esse senso em práticas.

No caso específico de m eu estudo, vejo a pesquisa realizada com o um a explicação que objetiva fazer conhecer e saber o pro-cesso de transculturação das religiões luso-afro-brasileiras em Portugal. Tudo o que foi deitado na escrita por M ãe Virgínia Albu-querque, visando a teologização da religião,

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assim com o em sua biografia, m arcam a auto-ria da fundação da religião em território por-tuguês. Em bora distintas em suas abordagens com o form as de conhecim ento e uso, são no m eu entender, discursos de sensos distintos, senso teológico e senso científico. Porém todo este m aterial escrito recebe de m inha parte um estatuto de m aterial etnográfico de den-tro, isto é observado, estranhado e explicado pelo próprio nativo.TSRQPONMLKJIHGFEDCBA

o

TEXTO PERFORMATIVO

o

m aterial vocal que com põe os livros organizados por M ãe Virgínia Albuquerque é im portante, não só pelo interesse que apresen-ta em si m esm o, m as apresen-tam bém pelo papel que desem penha no universo das cerim ônias, no ritm o da execução de rituais com plexos aos quais se integram na m esm a rubrica que os gestos do oficiante, do sacrificador ou dos participantes. Sim ples preces, individuais ou coletivas, fór-m ulas de invocação onde intervéfór-m repetições rítm icas, m oduladas ou cantadas, textos longos que servem de base ao ensino para aqueles que se subm etem à iniciação.

Algum as questões devem ainda ser su-blinhadas - os textos são litúrgicos, não pos-suindo para aqueles que utilizam um caráter literário, m as oferecendo, no entanto toda sua especificidade de textos sagrados, ou seja, im plicam na enunciação e na locução da-quele que fala e daqueles que ouvem . A invocação, o testem unho da fé do indivíduo ou do grupo, o apelo dirigido a todos os Orixás, as potências sobrenaturais, aos an-cestrais, para serem socorridos ou agradeci-m entos que lhe são dirigidos. Eagradeci-m bora essas preces sejam acom panhadas freqüentem ente de considerações que tratam de elem entos naturais, às vezes, de objetos, os quais não se podem a um a prim eira audição com pre-ender o sentido, apoiam -se nas crenças e no sistem a de pensam ento da m em ória luso-afro-brasileiras, onde nada daquilo que se faz, se diz ou pensa é indiferente, nada do que foi criado pode ser negligenciado. Afinal o

ho-90dcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAR E V IS T AD E C IÊ N C IA S S O C IA IS v .3 1 N .2 2 0 0 1

m em age dentro de um universo em função da presença e do valor de todos os elem en-tos que o com põem .

EmrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBALa lettre et IaIHGFEDCBAu o ix (987), Paul

Zunthor cham a a atenção que adm itir o fato de um texto ter sido oral, em algum m om ento de sua existência, é ter consciência de um fato histórico que não se confunde com a si-tuação onde subsiste o traço da escrita. M ais que um a ruptura, a passagem do vocal, m ani-festa um a convergência entre os m odos de com unicação assim confrontados. A linguagem da com unicação direta fixada no m anuscrito perm anece, potencialm ente. Assim posso di-zer que as m em órias do corpo e da voz deita-das na escrita perm anecem com seus princípios perform áticos nos textos que são utilizados pelo grupo religioso.

Praia de Iracem a (For), 2.000

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Referências

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