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JUVENTUDE E VIDA COM HIV: O QUE ISSO TEM A VER COM A ESCOLA?

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Academic year: 2021

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JUVENTUDE E VIDA COM HIV: O QUE ISSO TEM A VER COM A

ESCOLA?

Jeane Félix da Silva 1

1. Questões iniciais

O tema HIV/aids está presente formalmente nas escolas de educação básica, no Brasil, desde a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN, em 1997 (BRASIL, 1998). O tema transversal “orientação sexual” 2 inaugura a inserção desse tema nas escolas de modo institucionalizado (é importante destacar que, antes dos PCNs, já havia iniciativas pontuais de escolas, universidades e organizações não governais para trabalhar com o tema). O tema transversal orientação sexual é dividido em três blocos de conteúdos, quais sejam: Corpo - matriz da sexualidade; Relações de Gênero e Prevenção das Doenças Sexualmente Transmissíveis/Aids (DST/Aids). O tema HIV/aids é, portanto, uma das questões a ser abordada nas escolas de educação básica.

A partir da publicação dos PCNs, proliferaram pelo Brasil, várias iniciativas de tratar esse tema nas escolas. Profissionais de educação, de saúde e de organizações não-governamentais (ONG) eram responsáveis por conduzir essas estratégias pedagógicas. O viés da prevenção, contudo, prevalecia e a reflexão sobre as questões relativas à vida com HIV invisíveis. Segundo Vera Paiva (2007), a tendência nacional é de foco na prevenção primária, isto é, os/as soronegativos/as são os sujeitos prioritários das ações educativas em HIV/aids.

As ações de prevenção primária são fundamentais para a reduzir o número de novas infecções ao HIV. Todavia, não podemos deixar de considerar, nos processos educativos nos quais estamos envolvidos/as, a perspectiva da soropositividade, particularmente, na relação entre soropositividade e juventude.

Juventude é aqui entendida como um fenômeno social e cultural e não apenas como uma definição cronológica. Esse é um termo sobre o qual não existe consenso. Por um lado, é definido

1 Pedagoga e mestre em educação pela Universidade Federal da Paraíba. Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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como uma etapa intermediária do desenvolvimento humano, vivenciada entre a infância e a vida adulta. Essa noção é marcada por um recorte etário, que varia entre políticas e estudos. Por outro lado, a juventude é entendida como uma categoria social, fenômeno plural e complexo, que pode ser vivenciado de modos diferentes, pelos diferentes sujeitos (REGUILLO, 2003). Juventude é um fenômeno atravessado por marcadores de gênero, sexualidade, raça/cor, local de moradia, etc3. Com isso quero dizer que há diferenças entre ser jovem mulher e jovem homem, entre jovens rurais e jovens urbanos, jovens pais e mães e jovens sem filhos/as etc. Dito de outro modo, há diversos modos de ser jovem e de viver a juventude e a soropositividade é uma dessas possibilidades.

Os/as jovens que vivem com HIV/aids, após anos de invisibilidade e silenciamento, organizam-se em uma Rede Nacional e começam, de modo organizado, a demandar dos governos e organismos internacionais atenção sobre suas particularidades. Entre as demandas indicadas por estes/as jovens está a inclusão do tema viver com HIV/aids na juventude em escolas, processos de formação continuada de professores/as e nos materiais educativos voltados ao trabalho com o tema aids nas escolas.

2. Juventudes e soropositividades: o que a escola tem com isso?

Se respondesse de modo aligeirado a essa questão eu diria: tudo! A escola tem tudo a ver como juventudes e soropositividades. A escola é o espaço mais legítimo para a educação de crianças e jovens na nossa cultura e entre esses/as, estão as crianças e jovens soropositivos/as. Na escola, passamos boa parte das nossas vidas, fazemos amigos/as, vivemos as primeiras paixões, aprendemos sobre os conteúdos formais e informais. Por esta razão, a escola é, também, um espaço privilegiado para abordar questões outras que não as do currículo formal.

A escola é um espaço importante para a desconstrução de preconceitos, estigmas e estereótipos de todas as ordens. Se referindo ao enfrentamento da homofobia, Rogério Junqueira (2009), traz reflexões que cabem também à nossa reflexão sobre soropositividade na escola. Segundo o autor, para conseguirmos construir escolas “solidárias, livres de preconceito e discriminação, é necessário identificar e enfrentar as dificuldades que temos tido para promover os direitos humanos e, especialmente, problematizar, desestabilizar e subverter a homofobia (JUNQUEIRA, 2009, p. 13), e eu acrescentaria aos estereótipos de gênero, raça, geração e soropositividade. Ocultar os aspectos relacionados à soropositividade nas escolas traz efeitos

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negativos à vida dos/as jovens que vivem com HIV, que aprendem a silenciar sua condição sorológica para não se expor a preconceitos, estigma e discriminação associados/as a essa condição.

Segundo Ministério da Saúde, havia no Brasil, em 2009, cerca de 60 mil jovens vivendo com HIV/aids. Muitos/as desses/as jovens, provavelmente, encontram-se nas nossas escolas. Mas, a maior parte deles/as, nunca teve coragem de mencionar sua condição sorológica na escola. Isso porque a escola, que é uma instituição que tem, entre outros objetivos, o dever de acolher e proteger os/as jovens e suas particularidades, muitas vezes cria mecanismos invisíveis (e algumas vezes bem visíveis e explícitos) de reprodução de estigma e preconceitos associados às diferenças. A escola, ao longo dos anos, foi se transformando num espaço para estudantes “iguais”. Nas palavras de Junqueira:

Ao longo de sua história, a escola brasileira estruturou-se a partir de pressupostos fortemente tributários de um conjunto dinâmico de valores, normas e crenças responsável por reduzir à figura do “outro” (considerado “estranho”, “inferior”, “pecador”, “doente”, “pervertido”, “criminoso” ou “contagioso”) todos aqueles e aquelas que não se sintonizassem com o único componente valorizado pela heteronormatividade e pelos arsenais multifariamente a ela ligados – centrados no adulto, masculino, branco, heterossexual, burguês, física e mentalmente “normal”(2009, p. 14).

Nesse sentido, aqueles e aquelas que não se encaixam nesse perfil, quase sempre, encontram dificuldades na escola para viver as suas “diferenças”. Contudo, trabalhar a partir do princípio que todos/as somos diferentes faz com que a escola tenha muito mais possibilidades para acolher seus alunos e alunas e ser, assim, um espaço mais plural, diversificado, heterogêneo e significativo.

A heteronormatividade presente nas escolas é responsável por submeter diversos/as jovens aos mais diversos tipos de violência, associadas à gênero, sexualidade, raça/cor, crença religiosa, soropositividade, entre outras. Por esta razão, nós, profissionais da educação, precisamos estar atentos/as a esse quadro e mudar nossas práticas educativas cotidianas.

Tenho ouvido de profissionais da educação, ao longo da minha prática como educadora que trabalha nos campos da saúde e da sexualidade, que estes temas não são tratadas com a devida atenção nas escolas porque estes/as não se sentem preparados para tal atribuição. É sobre a formação destes/as profissionais que falarei na próxima seção.

3. Profissionais de educação: articulações entre formação, juventudes e soropositividades

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racismo, prevenção do HIV/aids, passam a ser importantes questões que a escola deveria tratar. Contudo, os currículos de formação inicial de professores/s, com algumas exceções, não tratam desses temas de forma didática. O resultado disso é que os/as professores/as não se sentem preparados/as.

Como efeito da ausência do trabalho com esses temas nos cursos de formação inicial de professores/as, foram sendo organizadas em todo o país, sob diversas perspectivas teórico-metodológicas e promovidas pelas mais distintas instituições (Ministérios da Educação e da Saúde, Secretarias de Educação e de Saúde, ONGs e universidades), processos de formação continuada com objetivo de “preparar” estes profissionais no trato com temas como sexualidade e gênero4. As famosas “capacitações5” ocorreram (e continuam a ocorrer) repetidamente trabalhando com esses temas. Contudo, os/as professores/as continuam a se sentir despreparados. Aqui, tenho algumas suspeitas: as “capacitações” são, boa parte das vezes, “pacotes prontos”, com conteúdos pré-definidos, numa perspectiva generalizante, distante da realidade vivenciada pelos/as professores/as; os processos de formação continuada de profissionais de educação são, em boa parte dos casos, conteudistas, com pouco tempo para o aprofundamento reflexivo das questões.

Além disso, acho também que há uma ideia polarizada em relação a formação de profissionais de educação para o tratamento das questões já mencionadas nos ambientes escolares. Por um lado, o fato de não “estar preparado/a” parece que desobriga os/as profissionais a falar sobre os temas e, principalmente, a intervir em relação à violência, sofrida pelos alunos e alunas “diferentes”, que ocorrem na escola. Por outro lado, parece haver uma ideia de que a “preparação” é algo fixo, que um dia atingiremos, ou que apenas alguns/algumas atingem. E com isso quero dizer que, o fato de um/a profissional da educação não se sentir apto para refletir com seus alunos e alunas sobre as questões relativas a temas como gênero e sexualidade não o desobriga a intervir sempre que houver situações de estigma e discriminação na escola. Quero dizer, também, que não acredito que haja um momento no qual “estejamos preparados”, pois, por mais experientes que sejamos no tratamento dessas questões com nossos/as alunos/as, há sempre perguntas que não conseguimos responder e situações em que não sabemos como intervir. E isso faz parte do processo continuado de formação!

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De todo modo, a realização de processos de formação continuada não desobriga os cursos de formação de professores/as a abordar os tais “temas transversais” em disciplinas obrigatórias do currículo. É papel da universidade discutir essas questões na formação inicial de professores/as e demais profissionais da educação. Mas, nesse campo, ainda temos um longo caminho a trilhar...

4. Algumas reflexões finais

Diante do exposto, fica a impressão que ainda temos muitos desafios para incluir questões associadas a soropositividade nas escolas. Entre outras questões porque, como disse, os/as professores/as não se sentem preparados/as para lidar com vários dos temas considerados transversais. Também porque precisamos mudar nossa cultura de trabalhar apenas a dimensão da prevenção para soronegativos e incorporar a dimensão da prevenção secundária ou “prevenção posithiva” (PAIVA, 2007; BRASIL, 2010).

É preciso romper com a noção de que essas não são questões importantes para a escola. A escola precisa ser um espaço democrático, acolhedor, aberto às diferenças e diversidades presentes na nossa cultura.

Os/as jovens que vivem com HIV não são “os outros”. Eles/as estão nas nossas escolas, são nossos alunos e alunas. Por essa razão, a escola precisa estar preparada para acolhê-los/as, para tratar do tema da soropositividade e evitar que eles/as sejam discriminados/as e estigmatizados. Precisamos começar a refletir sobre as articulações entre juventudes e soropositividades no âmbito das escolas o mais rápido possível. Precisamos construir uma escola de fato democrática e plural, onde as diversidades e diferenças sejam respeitadas e valorizadas!

5. Referências:

ANDRADE, Sandra dos Santos. Juventudes e processos de escolarização: uma abordagem cultural. Porto Alegre: UFRGS, 2008. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008.

BRASIL. Ministério da Saúde e Ministério da Educação. Guia de Adolescentes e jovens para a educação de pares. Projeto Saúde e Prevenção nas Escolas. Brasília: Ministério da Saúde, 2010. BRASIL. Política Brasileira de Aids: Principais resultados e avanços - 1994 – 2002. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_94_02.pdf. Acesso em: 11/06/2010.

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FRANCH, Mónica. Tempos, contratempos e passatempos: um estudo sobre práticas e sentidos do tempo entre jovens de grupos populares do Grande Recife. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-graduação em sociologia e antropologia. Rio de Janeiro, dez-2008. 326p. Tese (Doutorado em Antropologia).

JUNQUEIRA, Rogério Diniz Junqueira (Org.). Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, UNESCO, 2009

MEDRADO-DANTAS, Benedito. Tempo ao tempo: a gestão da vida em idade. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica, 2002 – Tese (Doutorado em Psicologia Social).

PAIVA, Vera. V. Paiva. Prevenção positHIVa: abordagem psicossocial, emancipação e vulnerabilidade. Texto apresentado no seminário "Prevenção Posithiva: estado da arte". ABIA, Rio de Janeiro, 25-26 outubro de 2007.

PASINI, Elisiane e PONTES, João Paulo. Jovens Multiplicadoras de Cidadania: construindo outra história! Porto Alegre: Themis, 2007.

REGUILLO, Rossana. Las culturas Juveniles: um campo de estúdio. Breve agenda para discussion. Revista Brasileira de Educação, 2003.

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