A EDUCAÇÃO AFECTIVO-SEXUAL NO PRÉ-ESCOLAR
O DESENVOLVIMENTO AFECTIVO-SEXUAL –
A DESCOBERTA DA
REALIDADE EXTERIOR
(Dos 3/4 anos aos 5/6 anos)
Nesta faixa etária a actividade sexual é essencialmente lúdica, exploratória e informativa e assenta no auto-erotismo.
Neste período a criança tem uma capacidade espantosa de coordenação de movimentos. É extremamente activa, infatigável, barulhenta, espontânea… É mais realista e objectiva, pois vai descentrar-se progressivamente do mundo de ficção.
A tomada de consciência progressiva por parte da criança de que os pais são independentes de si própria fá-la temer a sua perda, o que lhe causa grande ansiedade. O aparecimento de um irmão mais novo pode provocar, também, com frequência perturbações no comportamento da criança, que se pode tornar ciumenta, agressiva, por vezes mesmo violenta. Não é por acaso que nesta altura são frequentes os terrores nocturnos e os pesadelos. Estas angústias exprimem-se também na atracção pelos contos de fadas por vezes com figuras cruéis, com irmãs que só agridem, madrastas ou mães que abandonam os filhos na floresta, com o lobo mau e bruxas aterradoras pois, permitem-lhes, inconscientemente, identificarem-se com essas situações, e desculpabilizarem-se de sentimentos que lhes são incómodos e as perturbam.
Sensivelmente a partir dos 3 anos, a criança inicia o relacionamento interpessoal com outras crianças. A interacção entre os pares, em grupos mistos de rapazes e raparigas, confronta a criança com outros pontos de vista, o que é essencial ao seu desenvolvimento afectivo. É nesta fase que tem início a socialização sexual básica da criança, a qual se prolonga até ao início da puberdade.
Entre os 3/4 anos, a criança sabe a que sexo pertence e classifica-se de acordo com ele, através de um conjunto de comportamentos regidos pelos papéis sexuais atribuídos a um ou ao outro sexo. Assim, para além de saber a que sexo pertence, a criança utiliza o meio envolvente, brinquedos, roupas, jogos e/ou actividades para se auto-classificar. É a fase em que é comum ouvimos que «não visto esta cor porque é de menina», «não quero estas calças que são de menino», «este brinquedo é de menina/o».
Isto significa que a identidade sexual e o papel atribuído ao seu sexo regulam já a maioria dos seus comportamentos.
É, também, por volta dos três anos que a criança descobre diferenças nos órgãos sexuais. Provavelmente isso estará na origem do desencadear da idade dos «porquês» e
marca um passo importante na sua evolução – permite-lhe a integração do seu esquema
corporal. Na fase dos «porquês» surgem perguntas sobre: as diferenças anatómicas entre os dois sexos; de onde vêm os bebés; como nascem; como se fazem os bebés; porque é que se beijam…; enfim, é uma fase de curiosidade intensa, com uma grande capacidade verbal por parte da criança.
As perguntas no domínio da sexualidade são inevitáveis e necessárias e serão mais espontâneas quanto maior for a confiança que as crianças depositem nos pais. È frequente que, depois de um período em que fazem espontaneamente perguntas, deixem de as fazer quando se dão conta de que os pais não são sinceros ou de que os castigam.
Além disso as crianças constroem as suas próprias teorias sexuais. Com elas dão resposta à sua curiosidade por estes temas. Estas teorias têm origem nas próprias crianças (construções espontâneas) ou são uma síntese, não necessariamente coerente, entre a sua fantasia e o que ouviram ou viram. São teorias habitualmente compartilhadas pelas crianças com a mesma idade e que resistem, durante um certo tempo, às informações que as contradizem.
A fase de descoberta do corpo do outro inclui a curiosidade pelo corpo da mãe e do pai e pelas diferenças anatómicas entre os dois sexos.
A exploração do próprio corpo a nível dos órgãos sexuais, que também caracteriza esta fase, dar-lhe-á grande prazer, tal como anteriormente acontecia com a região oral e depois anal.
Ligado a este prazer sensual vai estabelecer-se uma atracção privilegiada com o adulto (pai ou mãe) do sexo oposto. Nota-se, também, um certo grau de rivalidade, e mesmo de agressividade, em relação ao progenitor do mesmo sexo. É o chamado período edipiano.
Após esta fase, define-se, então, o posicionamento da criança ao lado do pai ou da mãe – identificação sexual – conforme se trate de menino ou menina.
Na fase final desta faixa etária ― 6 anos ― inicia-se um processo natural de construção do pudor. Para que essa construção da privacidade e da intimidade se desenvolva é importante que os adultos respeitem o espaço da criança, nomeadamente através dos seus comportamentos (não tomar banho com a criança; não a deixar dormir, sistematicamente, na cama dos pais; entrar na casa de banho somente se a criança o solicita ou permite).
Esta consideração dos adultos pelo crescimento da criança e por estes novos sentimentos de vergonha vão permitir à criança o respeito por si própria e também o respeito pelos outros e pelas normas que cada vez mais lhe vão sendo exigidas, nomeadamente com a entrada para a escola do 1.“ Ciclo.
Neste período a evolução sexual depende da forma como a criança vivencia e resolve:
- Os inevitáveis problemas de ciúmes;
- A resposta que encontre para a sua curiosidade sexual, acentuada pela descoberta das diferenças anatómicas entre o rapaz e a rapariga, os papéis masculino e feminino e a origem dos bebés;
- Os modelos de identificação ou imitação de que disponha; - A reacção dos adultos perante os seus comportamentos.
Em princípio, se as crianças perguntam, necessitam, obviamente, de explicações, ainda que simples e adaptadas ao seu desenvolvimento e às suas particularidades individuais.
Atitudes dos educadores
Como nesta idade as crianças ainda não interiorizaram a moral sexual dos adultos, na sua maioria, mostram o seu corpo e encaram o corpo dos outros de forma natural e espontânea. Dependerá, em parte, das atitudes dos adultos que as rodeiam, pais e educadores, que estas atitudes de naturalidade prevaleçam.
É muito importante o modo como se atende uma criança que nos pergunta: “Como nasce o bebé? Como aparece na barriga da mãe?”...
É com tranquilidade, bom senso, com verdade que as respostas deverão ser dadas. Não se ir além do que a criança pergunta. Não deve ser assustada ou remeter-se para mais tarde a explicação que nos é solicitada, pois se o fizermos a criança inventará respostas falsas por vezes assustadoras, que em nada favorecem o seu equilíbrio afectivo.
Todas as ameaças feitas pelos pais quando vêem os seus filhos mexer no sexo são extremamente prejudiciais, particularmente se surgem as ameaças de o pénis ser cortado ou de poderem aparecer doenças. Para ajudar a integração do esquema corporal de uma criança deve proporcionar-se que brinque com bonecos e bonecas, vestindo-os, despindo-os, dando-lhes banho. Isto quer se trate de um rapazinho quer de uma rapariga.
É um período no qual a qualidade da relação entre o pai e a mãe tem particular importância para o equilíbrio da criança.
Os pais têm ainda um papel fundamental a desempenhar quando a criança manifesta terrores nocturnos e pesadelos.
É, por vezes difícil para os pais receberem com tranquilidade e firmeza quer as meiguices quer a hostilidade dos filhos no chamado período edipiano. É contudo essencial que o consigam, que criem um ambiente de compreensão sem ceder a «chantagens afectivas».
vai identificar-se com a mãe e também acabará por com ela se reconciliar. Será importante a presença de uma figura feminina. É basicamente por este processo de identificação que se resolvem os complexes edipianos e as crianças constroem a sua identidade sexual.
Ainda que os conceitos de identidade sexual e de papel sexual (ou de género) sejam distintos (o primeiro refere-se à auto-classificação como rapaz ou rapariga e o segundo ao papel atribuído na nossa sociedade às mulheres e aos homens), as crianças não os distinguem e, de facto, como veremos, auto-classificam-se sobretudo a partir de características do papel (cabelo, roupas, adornos…). Nesta idade admitem facilmente que a identidade pode mudar se quiserem e que esta depende basicamente da aparência. Somente, entre os sete e os nove anos dão prioridade aos órgãos genitais como elemento definidor da identidade.
È bom que a partir do sistema educativo, e especialmente da educação sexual, se ensine às crianças a distinguir o que é, porque a sociedade assim o quer (que é relativo e mutável) e o que é assim, porque faz parte da nossa natureza (a identidade). Esta distinção é fundamental para poder, a partir dela, criticar os elementos de exploração e desigualdade que ainda estão presentes nos papéis sexuais.
É importante que os pais tenham bem consciência de que são figuras de identificação dos seus filhos: é importante estarem «presentes», é importante cuidarem da sua qualidade humana, do seu comportamento perante os filhos. Pode dizer-se que a definição sexual de uma criança é determinada não só geneticamente mas também por razões de ordem cultural.
Mas, actualmente, o homem e a mulher começam a tomar atitudes diferentes das tradicionais, verificando-se assim, quer a nível familiar quer profissional, que o trabalho e as tarefas são escolhidas pela mulher e pelo homem cada vez mais por causa dos seus gostos e competência do que por serem «próprios» da mulher ou serem «próprios» do homem.
Portanto a definição sexual não está por vezes bem demarcada, bem explicita para os olhos de uma criança. Torna-se importante distinguir aquilo que resulta de pressões sociais ou culturais, daquilo que são as verdadeiras características inerentes a um determinado sexo.
Celeste Malpigue afirma: «Como atributos quase universais, podemos afirmar que o
sexo masculino é dotado de maior agressividade, é mais expansivo na expressão dessa mesma agressividade, é mais activo, em geral, e nele a motricidade é privilegiada, aprendendo desde muito cedo a dominar os factores espaciais (organização do espaço, mecânica, etc.)».
Celeste Malpique continua: «A menina parece mais ligada, atenta, sensível ao relacionamento
interpessoal, à intimidade da relação. Valoriza a expressão dos afectos e manifesta interesse pela vida psicológica. É mais precoce e rica na sua evolução na fase inicial, e revela maior riqueza no tocante à expressão verbal». Mais adiante, no entanto, afirma que não se podem
considerar como verdades absolutas as características apontadas. Aliás, investigadores no domínio da antropologia levam-nos a pensar na importância das pressões sociais na própria definição das características psicológicas.
João dos Santos vai mais longe quando afirma: «Ninguém é totalmente homem ou
elementos masculinos, herdados da personalidade do pai». Assim um homem não se sente
perturbado se tiver um temperamento sensível, e uma mulher não se sente menos feminina se tiver um emprego tradicionalmente ocupado por homens.
Mas sob o ponto de vista do desenvolvimento das crianças, será importante que a mãe e o pai, elogiem a feminilidade das meninas e a masculinidade nos meninos, o que contribuirá certamente para definição sexual dos seus filhos.
O anúncio do nascimento de um novo irmão deve ser preparado com antecedência, para que os filhos o recebam bem e não surjam problemas de ciúme.
Durante a gravidez, os filhos poderão ser convidados a porem a mão sobre a barriga da mãe e fazer-se notar que o bebé vai crescendo. «Se for menina, como lhe vamos chamar? E se for menino?». Pede-se então aos filhos que ajudem, que colaborem, a preparar roupas, o berço, os brinquedos que o bebé vai usar. Tudo isto é compartilhado entre pais e filhos, que assim se vão sentindo responsáveis e desejosos do aparecimento do novo bebé.