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Psicodinâmica do trabalho: labor, prazer e sofrimento

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Academic year: 2021

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Psicodinâmica do trabalho: labor, prazer e sofrimento

Psychodynamics of work: labor, pleasure and suffering

Psicodinamica del trabajo: labor, plazo y sufrimiento

Marta Kolhs

1

; Agnes Olschowsky

2

; Lucimare Ferraz

3

; Marcio Camatta

4

RESUMO

Objetivo: Apresentar a teoria da Psicodinâmica do Trabalho por meio da revisão narrativa. Método:

Realizou-se uma revisão bibliográfica narrativa, das produções de Cristophe Dejours e colaboradores, bem como de pesquisas brasileiras que realizaram estudos focados na teoria da Psicodinâmica do Trabalho.

Resultados: Percebeu-se que a teoria da Psicodinâmica do Trabalho destaca as relações entre condutas,

atitudes, vivencias de prazer e sofrimento, e como o trabalho se organiza nessa conjuntura. Considerando também, a importância da subjetividade, das estratégias defensivas construídas pelos próprios trabalhadores no cenário do trabalho e das relações que estabelecem. O enfoque da Psicodinâmica do Trabalho vem ganhando ressonância no Brasil e no exterior, uma vez que se direciona a análise crítica da relação entre homem e trabalho. Considerações finais: Compreende-se a necessidade de estudar novas formas que envolvem o mundo do trabalho na busca organização de um espaço de trabalho com mais saúde por meio do reconhecimento, autonomia e liberdade do trabalhador.

Palavras chaves: Psicodinâmica do Trabalho; Trabalhador; Prazer; Sofrimento.

ABSTRACT

Aims: To present the theory of work psychodynamics through narrative review. Method: It was

accomplished by the bibliographical revision narrative, the productions of Cristophe Dejours and collaborators, as well as of brazilian researches that use studies focused on the theory of theory of the Psychodynamics of the Work. Result: It was noticed that the theory of Work Psychodynamics highlights the relationships between behaviors, attitudes, experiences of pleasure and suffering, and how work is organized at this juncture. Considering also the importance of subjectivity, the defensive strategies built by the workers themselves in the work scenario and the relationships they establish. The approach of the Psychodynamics of Work has been gaining resonance in Brazil and abroad, since it is directed the critical analysis of the relation between man and work. Final considerations: It is understood the need to study new forms that involve the world of work in the search for a healthier work space through the recognition, autonomy and freedom of the worker.

Keywords: Work Psychodynamics; Worker; Pleasure; Suffering.

1

Professora Adjunta da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Chapecó SC, Brasil.

2

Professora titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Porto Alegre, RS, Brasil.

3

Professora Adjunta da Universidade Comunitária de Chapecó (UNOCHAPECÓ), Chapecó SC, Brasil.

4

Professor adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Porto Alegre, RS, Brasil. DOI: 10.25248/REAS232_2018

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RESUMEN

Objetivo: Presentar la teoría de la Psicodinámica del Trabajo a través de la revisión narrativa. Metodo: Se

realizó por la revisión bibliográfica narrativa, de las producciones de Cristophe Dejours y colaboradores, así como de investigaciones brasileñas que realizaron estudios enfocados en la teoría de la Psicodinámica del Trabajo. Resultado: Se percibió que la teoría de la Psicodinámica del Trabajo destaca las relaciones entre conductas, actitudes, vivencias de placer y sufrimiento, y cómo el trabajo se organiza en esa coyuntura. Considerando también la importancia de la subjetividad, de las estrategias defensivas construidas por los propios trabajadores en el escenario del trabajo y de las relaciones que establecen. El enfoque de la Psicodinámica del Trabajo viene ganando resonancia en Brasil y en el exterior, una vez que se dirige el análisis crítico de la relación entre hombre y trabajo. Consideraciones finales: Se comprende la necesidad de estudiar nuevas formas que involucran, al mundo del trabajo en la búsqueda de organización de un espacio de trabajo con más salud por medio del reconocimiento, autonomía y libertad del trabajador.

Palabras claves: Psicodinámica del trabajo; Trabajador; Placer; Sufrimiento.

INTRODUÇÃO

O trabalho é uma atividade em que o homem modifica a natureza, transformando a si mesmo nesse processo interativo. É a produção e a reprodução das necessidades sociais em que o próprio homem social é quem define historicamente suas necessidades, que são atendidas pelo trabalho. Logo, o trabalho é o processo de transformação de um objeto em um produto, realizado pela atividade humana (MARX, 2008). O debate que envolve o papel do trabalho na constituição do sujeito, aquele que pensa, cria – entendido como centralidade do trabalho – é remota (FACAS; SILVA; ARAUJO, 2013). Esse aspecto pode ser verificado na obra “O mal-estar na civilização” de Freud (1996), lançada originalmente em 1930. Essa obra já destacava a importância do trabalho na vida do homem, ao entender que “[...] nenhuma outra técnica para a conduta de vida prende o indivíduo tão firmemente à realidade quanto à ênfase concedida ao trabalho, pois este, pelo menos, lhe fornece um lugar seguro numa parte da realidade, na comunidade humana” (FREUD, 1996, p. 88).

Estudo acerca da provável influência do trabalho sobre o bem estar e a saúde dos trabalhadores não é temática recente, pois no final da II Guerra Mundial, um grupo de pesquisadores constituiu a disciplina de Psicopatologia do Trabalho. Contudo, nesse momento as pesquisas não forneceram subsídios satisfatórios para a construção de um quadro das patologias mentais do trabalho, levando assim, a maior parte dos pesquisadores da época a concluírem que o trabalho por si só não ocasionava efeitos deletérios à saúde mental dos trabalhadores (DEJOURS, 2011a).

Entretanto, alguns pesquisadores não aceitavam tal conclusão e continuaram pesquisando nessa linha. Assim, em 1980, Dejours publicou na França o estudo intitulado “Travail: usure mentale. Essai de

psychopathologie du travail”, traduzida no Brasil, em 1987, como “A loucura do trabalho: estudo de

psicopatologia do trabalho”. A partir de então, a discussão dos efeitos do trabalho sobre o aparelho

psíquico passou por mudanças e, nessa nova etapa de desenvolvimento, a Psicopatologia recebeu uma nova denominação: A Psicodinâmica do Trabalho, também considerada como análise da Psicodinâmica nas situações de trabalho. (MERLO, 2002). Diante disso, este estudo tem por objetivo apresentar a teoria da Psicodinâmica do Trabalho, por meio de uma revisão bibliográfica narrativa, suscitando reflexões sobre o prazer e sofrimento no trabalho.

MÉTODO

O presente estudo trata-se de uma revisão narrativa, com uma síntese qualitativa dos estudos

analisados. Buscou-se por estudos que abordassem sobre o tema Psicodinâmica do Trabalho. Os materiais selecionados que compõe esta revisão são especialmente textos literários produzidos por estudiosos desta temática. Alem destas obras foi utilizados artigos publicados por pesquisadores que investigam elementos da Psicodinâmica do Trabalho. Não se fez recortes de período de produção, visto que buscou-se conhecer historicamente a construção cientifica da teoria.

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Acredita-se que a forma de busca é satisfatória para atender ao objetivo deste estudo, uma vez que a síntese dos textos extraídos para esse trabalho são considerados suficiente para apresentar a construção histórica da Psicodinâmica do Trabalho, assim como todos os elementos que envolve o prazer e o sofrimento do trabalhador nos cenário de laborais.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Psicodinâmica do Trabalho é proveniente da teoria psicanalítica, que designa o estudo dos movimentos psicoafetivos gerados pela evolução dos conflitos inter e intrasubjetivos do trabalhador, tendo uma abordagem científica para a análise da organização do trabalho. (DEJOURS, 2012a) ou a

A teoria da Psicodinâmica do Trabalho originou-se na França, na década de 1980, por Christophe Dejours, médico francês, com formação em Psicanálise e Psicossomática, professor do Conservaitore

National des Arts et Métiers em Paris, aonde dirige o Laboratório de Psicologia do Trabalho e da Ação. As

primeiras investigações voltadas aos trabalhadores/operários ocorreram na década de 1970, as quais analisavam a patologia mental consequente do trabalho repetitivo, sob pressão de tempo e forte exploração. Essas investigações tinham como objetivo revelar a doença mental ocasionada pelo trabalho diferenciando-a ddiferenciando-as demdiferenciando-ais; e cdiferenciando-ardiferenciando-acterizdiferenciando-ando os fenômenos que diferenciando-as produzidiferenciando-am (DEJOURS; ABDOUCHELLI, 2011). No entanto, os pesquisadores, além de desvendar doenças mentais específicas, perceberam, com maior evidência, comportamentos descritos como estranhos e incomuns ou incoerentes nos trabalhadores. Começando a ter destaque um conjunto de signos característicos (semiologia) que possuíssem um valor descritivo generalizável ao conjunto de uma categoria profissional, sendo característica de uma situação de trabalho supostamente semelhante. Para isso, foi esboçado um modelo teórico que tinha como tema central o sofrimento no trabalho e as defesas contra ele (DEJOURS; ABDOUCHELLI, 2011).

Por outro lado, a Psicodinâmica recusa-se perseguir o incompreensível das doenças mentais do trabalho e localiza-se no estudo da normalidade. Desde modo, visa responder a seguinte questão: “como os trabalhadores conseguem não ficar loucos, apesar das exigências do trabalho, que, pelo que sabemos são perigosas para a saúde mental?” (DEJOURS, 1999, p. 17). A resposta para esta interrogação ocorre pelo equilíbrio psíquico do trabalhador, requerendo estratégias especiais de defesas estabelecidas pelos trabalhadores para enfrentar mentalmente as circunstâncias das atividades laborais. São essas estratégias, individuais ou coletivas, que evitam a descompensação mental, e de maneira simbólica, criam no trabalhador a sensação de ser mais forte que a organização do trabalho (DEJOURS 2012b).

Elucida-se que no primeiro momento a abordagem Psicodinâmica do Trabalho contextualiza-se como uma teoria voltada para a análise do prazer no trabalho, do sofrimento e defesas, das patologias e busca pela saúde do trabalhador, bem como dos mobilizadores sociais do sujeito frente ao trabalho. No momento seguinte, Dejours explicita a Psicodinâmica do Trabalho como teoria das relações entre subjetividade e trabalho, e no terceiro momento a localiza como uma antropologia relativa à centralidade do trabalho na vida dos seres humanos (DEJOURS 2011a).

No decorrer dos anos, mais especificamente, a partir da década de 1980, a Psicodinâmica do Trabalho procurou compreender a maneira com que a maioria dos trabalhadores (homens e mulheres) conseguia driblar as doenças mentais, mesmo expostos a pressões organizacionais (DEJOURS; JAYNET, 2011). Período este dividido em três fases distintas e evolutivas.

A primeira fase, ocorrida na década de 1980, voltou-se a analisar a constituição do sofrimento mental a partir do olhar dos próprios trabalhadores, sem se deter nas patologias que o sofrimento poderia ter ocasionado. A Psicodinâmica do Trabalho tem como foco o estudo dos vínculos entre esse sofrimento e a organização do trabalho, analisando as dinâmicas pelas quais se estabelecem sistemas coletivos de defesas e de acordos éticos. Esse momento foi marcado pela busca do entendimento das origens do sofrimento e do confronto entre a organização do trabalho e o sujeito. Desse modo, Dejours (2015, p.9) propunha-se a responder às questões: “como fazem os trabalhadores para resistir aos ataques ao funcionamento psíquico provocados pelo trabalho? O que fazem para não ficar loucos?”

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Para Dejours, o trabalho poderia apenas favorecer o aparecimento de uma descompensação, desencadeamento de um transtorno mental. Contudo, o aparecimento de ansiedade e sentimentos como raiva, medo e ressentimento é estudado desde a fase inicial da Psicodinâmica do Trabalho; sempre considerando o contexto de trabalho e correlacionando as exigências e formas de controle instauradas, bem como outros aspectos da organização do trabalho (DEJOURS; JAYNET, 2011).

Como uma das mais fecundas contribuições da Psicodinâmica do Trabalho está na tentativa de superação da distância que existe entre o trabalho prescrito e o trabalho real. Isto é, os procedimentos formalmente previstos nas determinações da empresa (trabalho prescrito) não correspondem à realidade das possibilidades humanas de cumprimento. O real do trabalho é definido como o que resiste ao conhecimento científico, ao saber e ao domínio técnico, isto é, pela defasagem irredutível entre a organização prescrita do trabalho e a organização real do trabalho (DEJOURS 2015). “O real é aquilo sobre o qual a técnica fracassa depois que todos os recursos da tecnologia foram corretamente utilizados” (DEJOURS, 2005, p. 40). Dejours acrescenta que para “enfrentar o real do trabalho implica, para aquele que não desiste diante da dificuldade, mobilizar uma inteligência, uma engenhosidade que passam por transformações da subjetividade e da personalidade”. (DEJOURS, 2005, p.37). A psicodinâmica do trabalho estuda o hiato que ocorre entre o trabalho real e o prescrito (DEJOURS; JAYNET, 2011).

Na década de 1990, segunda fase da Psicodinâmica do Trabalho, passa-se a rever o foco exclusivo das patologias relacionadas ao trabalho. A partir desse momento centraliza-se o estudo da normalidade, ou seja, para o enigma de como os trabalhadores conseguem manter certo grau de equilíbrio psíquico apesar das condições precárias de trabalho a que estão submetidos (UCHIDA 2009). Para Dejours à criatividade no trabalho, possibilita ao trabalhador usar sua inteligência prática e beneficiar sua identidade, promovendo ações geradoras de prazer (DEJOURS 2015).

É na segunda fase que a análise do trabalho destaca a construção da identidade do sujeito e a dinâmica do reconhecimento, pois se entende que a transformação do sofrimento em criatividade beneficia o equilíbrio psíquico e somático do sujeito, além de tornar-se meio de promoção à saúde (MENDES, 2007). A terceira fase, com início no final da década de 1990, caracteriza a solidificação e alastramento da Psicodinâmica como abordagem científica capaz de esclarecer as implicações do trabalho sobre os processos de subjetivação, a saúde dos trabalhadores e as patologias sociopsíquicas provocadas pelas atividades laborais (MENDES, 2007). Em 1998, Dejours publica o livro Souffrance em France. No Brasil essa obra foi traduzida como “A Banalização da Injustiça Social”. Dejours também publicou em 2008 o livro “Avaliação do Trabalho Submetido à Prova Real”. Essas duas obras passam a caracterizar uma nova fase da teoria Dejouriana, perpetuando-se até o momento. Destaca-se ainda que essas obras abordam que o foco da análise recai não mais sobre o prazer-sofrimento no trabalho, mas sim no modo como os trabalhadores subjetivam essas experiências, passando a valorar o sentido que essas experiências atingem a vida dos trabalhadores, bem como o uso de estratégias ocasionadas pelas novas formas de organização do trabalho, como as defesas individuais e coletivas (MERLO; MENDES, 2009).

A partir disso iniciam-se, na perspectiva da Psicodinâmica do Trabalho, estudos sobre patologias sociais do trabalho como a sujeição voluntária, a hiperaceleração, a vulgarização do sofrimento, os distúrbios osteomusculares, o alcoolismo e a depressão (MENDES; MULLER, 2013). Também, ganham destaque as análises sobre as novas formas de organização do trabalho, os significados dados às situações de prazer-sofrimento, o uso das estratégias de mediação, as formas de subjetivação e organização do trabalho. A organização do trabalho, entendida como o “cenário” de atuação dos trabalhadores, é um dos principais elementos para a Psicodinâmica do Trabalho. A organização pode ser definida como representações relativas à natureza e divisão das tarefas, normas, controles e ritmos de trabalho (MENDES, 2008). A organização do trabalho se detém nos instrumentos, nos protocolos de trabalho, nos números de pessoas para realizá-lo, na velocidade de execução, no tempo atribuído, e na deliberação com os colegas (MENDES, 2008; DEJOURS, 2012a).

Desse modo, a divisão do trabalho trata da divisão das tarefas e dos conteúdos, bem como o modo operatório e a tudo o que é prescrito ao trabalhador. Quando se dividem as tarefas ou quando se quer que

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as pessoas respeitem efetivamente o que foi decidido, é preciso que haja uma hierarquia, um controle, um comando (DEJOURS, 1986, 2012b). Com isso a organização prescrita do trabalho corresponde às normatizações, regras e comandos, sejam eles formais ou informais, pois trata-se de tudo aquilo que antecede a execução do trabalho, satisfazendo uma necessidade de orientação e fiscalização ao trabalhador.

É essencial considerar que, para a Psicodinâmica do Trabalho, a organização do trabalho coloca-se diante da ação de engajamento psíquico do trabalhador na prática, que provém, essencialmente, da criatividade, da engenhosidade e da criação. Isso possibilita ao trabalhador eleger estratégias para eliminar falhas diante dos imprevistos no trabalho concreto, ultrapassando os limites do prescrito e constituindo o trabalho vivo. Para tal, as normas tendem a ser transgredidas constituindo uma realidade de ação distinta da planejada, o que torna importante na análise do trabalho, distinguir o trabalho prescrito do real no exercício e/ou organização do trabalho.

As prescrições são necessárias para orientar a execução do trabalho, assim, são importantes para a relação sujeito-trabalhar. O que se percebe é que as prescrições, são insuficientes para dar conta do real do trabalho. Dejours explica que, para a Psicodinâmica do Trabalho, nenhuma descrição de tarefa consegue prever com exatidão a realidade de um trabalho, visto que esta realidade é sempre volátil e imprevisível (DEJOURS, 2012a).

Deste modo, quando a organização do trabalho é inflexível torna-se um potencial desencadeador de sofrimento psíquico no trabalhador. Já a liberdade dos trabalhadores é a condição necessária ao equilíbrio psicossomático. (DEJOURS, 2011a, 2015). A existência de um espaço de liberdade que autoriza uma negociação entre o trabalhador e a organização prescrita para realização do trabalho possibilita invenções e ações de modificação do modo de execução, que visa adaptação às necessidades desse trabalhador. Porém, a ausência dessas possibilidades leva o trabalhador ao sofrimento (DEJOURS, 2011b).

O sofrimento no trabalho, que podem ser coletivos ou individuais, são gerados por sentimentos como: o medo, angústia e insegurança. Normalmente esses sentimentos são originários do confronto entre desejo e necessidade do trabalhador, resultante de uma negociação mal sucedida entre desejos, anseios individuais e da organização (MENDES, 2007; DEJOURS, 2011b). Nesse aspecto, ressalta-se que o sofrimento no trabalho é uma vivência intermediária entre a doença mental e o bem-estar psíquico. Contudo, precisa ser idealizado como uma existência bivalente, que pode ser vista como positiva ou negativa, conforme as estratégias utilizadas pelo indivíduo para conduzir determinada situação (DEJOURS E ABDOUCHELLI, 2011)

Em seu aspecto dialético, o trabalhador diante do sofrimento no trabalho, utiliza-se da ressonância simbólica, ou seja, quando o trabalho permite de alguma forma que o trabalhador possa se harmonizar com os desejos e pretensões individuais, alcançando a realização, o sofrimento é ressignificado. (DEJOURS, 1996, 2008). A ressonância simbólica ocorre quando, ao existir uma compatibilidade entre as representações simbólicas do sujeito e a realidade de trabalho, o teatro da infância é reinterpretado no teatro do trabalho. Ela é a concordância entre o inconsciente do trabalhador e os objetivos da organização do trabalho, sendo que para esse processo ocorrer, a tarefa deve ter um sentido para o sujeito a partir da sua história de vida (DEJOURS; ABDOUCHELI, 2011). Com isso, emergem as experiências de prazer no trabalho.

O prazer no trabalho é avaliado como originário dos sentimentos de liberdade para pensar, agir e se expressar sobre o trabalho, também são considerados os sentimentos de realização, gratificação e orgulho profissional (DEJOURS, 2012a). Igualmente, a subjetividade do trabalhador é um dos pontos a ser analisado tanto na luta contra o sofrimento individual e coletivo quanto na propiciação do prazer no trabalho (DEJOURS, 2015).

As pesquisas em Psicodinâmica do Trabalho estão se desenvolvendo no campo da experiência subjetiva, do sofrimento e do prazer no trabalho, sendo que é necessário privilegiar a análise das experiências subjetivas e as articulações do singular e do coletivo. Para a Psicodinâmica, o coletivo de trabalho refere-se à prática de construção de regras de trabalho, de acordos normativos, técnicos e éticos

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entre os trabalhadores, isto é, o coletivo não é simplesmente um agrupamento de pessoas, ele envolve inteligência, envolvimento e compromisso, para uma construção social, chamada de cooperação (DEJOURS, 2011b).

A cooperação só se torna efetiva quando os trabalhadores demonstram desejo, anseio e vontade de cooperar coletivamente, passando assim por uma mobilização (não prescrita), que deve ser considerada insubstituível dos trabalhadores na concepção, nos ajustes da organização do trabalho (DEJOURS, 2011b). O autor também fala que a cooperação está atrelada à inteligência prática e à mobilização subjetiva, pois ela é constituída pela possibilidade de ação coordenada visando à construção de um produto comum, baseada na solidariedade e confiança.

Outro ponto avaliado pela Psicodinâmica refere que o prazer e o sofrimento estão em uma relação subjetiva do trabalhador com o seu trabalho. Isto porque o ato de trabalhar não consiste em apenas produzir, mas também em modificar o homem a si mesmo. Sendo assim, o que definirá se o sofrimento terá como designação a criatividade ou o adoecimento é a forma de lidar com os impasses psíquicos provocados pelo confronto entre o prescrito e o real no trabalho (DEJOURS, 2007, 2012a).

Na Psicodinâmica do Trabalho, conforme descrito por Dejours, o sofrimento criativo acontece quando o trabalhador consegue suportar o sofrimento, superar os entraves e os fracassos determinados pela realidade do trabalho (DEJOURS, 2012a). Ao mesmo tempo em que se modifica pelo desenvolvimento da inteligência e capacidade, também torna possível converter o sofrimento em prazer, ao fazer uso da inteligência prática. Essa inteligência é fundamentalmente transgressiva e está em constante ruptura com as normas, pois se ocupa no saber-fazer. Mas, para que a inteligência prática seja colocada em ação é preciso que a organização do trabalho dê liberdade e reconheça o exercício da criatividade frente aos acontecimentos inesperados.

No momento que o trabalho faz a passagem do sofrimento para o prazer denomina-se sublimação. Para a Psicodinâmica o termo sublimação refere-se a estratégias defensivas para lidar com o sofrimento, buscando o prazer e o reconhecimento em um determinado grupo de trabalho (MACÊDO, 2013).

O reconhecimento é compreendido pela Psicodinâmica como a recompensa simbólica, pela constatação da contribuição individual realizada para o funcionamento do processo de trabalho frente às imperfeições da prescrição. A avaliação da utilidade técnica e social do trabalho realizado, feito pela hierarquia, e a avaliação da particularidade e beleza do saber-fazer realizado pelos colegas, valida o uso da engenhosidade e da inteligência no trabalho.

No contexto de trabalho, o reconhecimento está fundado em dois tipos de julgamento: julgamento de utilidade e julgamento estético (DEJOURS 2015). O primeiro refere-se aos âmbitos social, econômico e técnico, ou seja, o que o trabalhador faz de útil. O reconhecimento se dá pelo julgamento das contribuições pessoais que podem ser individuais e coletivas na elaboração da organização do trabalho. O segundo refere-se à observação se esse é um trabalho bem-feito. É o reconhecimento feito pelo julgamento dos pares, aqueles que conhecem os entraves e dificuldades para realização das tarefas do trabalho bem como as regras de determinado cargo (MARTINS, 2012).

Nota-se que para Psicodinâmica do Trabalho o sofrimento criativo está intimamente ligado ao prazer conquistado no trabalho, pelo exercício da inteligência astuciosa e da criatividade, também pelo reconhecimento da contribuição vital que representa a organização do trabalho. Desse modo, a mudança ou ressignificação do sofrimento em prazer, a conquista da identidade e da saúde dependem da qualidade da dinâmica do reconhecimento e das estratégias defensivas contra o sofrimento (BENDASSOLLI, 2012). As estratégias de defesa são elaboradas individual e coletivamente. Contudo o sofrimento, o prazer, as aspirações e os desejos são vivências subjetivas; que remetem ao sujeito singular, portador de uma história e de uma experiência única, sentida de forma própria. Portanto, o trabalhador, após viver uma situação de sofrimento institui, num plano individual, mecanismos próprios de defesa; adaptando-se às condições do trabalho da melhor maneira possível. Em situações coletivas, como nas relações de trabalho, cada trabalhador, mesmo vivendo individualmente seu próprio sofrimento, é capaz de unir esforços com seus

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semelhantes, para juntos elaborarem estratégias de defesa coletiva.

As estratégias podem ser construídas e sustentadas pelo grupo de trabalhadores por meio do que é denominado na Psicodinâmica como sutileza, engenhosidade e diversidade, considerando os modos de pensar, sentir e agir do trabalhador. Conforme descrito por Dejours (2011b), as defesas habitualmente se apresentam de duas formas: - Defesas de Proteção: modos compensatórios, as situações geradoras de sofrimento são racionalizadas e podem perdurar por mais tempo. Exemplo: racionalização, idealização e; - Defesas de Adaptação e de Exploração: podem se esgotar mais rapidamente, tem na sua base a negação do sofrimento e submissão ao desejo da produção, perda do próprio desejo. Exemplo: autoaceleração, controle excessivo, individualismo, passividade.

Porém, as estratégias nem sempre tem potenciais benéficos, pois são capazes de permitir que o trabalhador conviva com o sofrimento e a alienação das suas verdadeiras causas. A alienação consiste na ausência de luta sobre as contradições e da mobilização subjetiva. A mobilização subjetiva é o que permite a ressignificação das situações geradoras de sofrimento em situações geradoras de prazer. Portanto, na relação entre trabalho, prazer e sofrimento é importante compreender que o trabalho nem sempre é patogênico, pois ele continua sendo o mediador insubstituível da realização pessoal no campo social, reitera-se a importância de se preservar a análise dos motores individuais e coletivos do prazer no trabalho (DEJOURS, 2011b).

Visando o entendimento da inter-relação trabalho e saúde, o arcabouço teórico e metodológico a Psicodinâmica do Trabalho busca como base a análise da dinâmica organizacional, preocupa-se com os elementos visíveis e invisíveis, objetivos e subjetivos, psíquicos e sociais, políticos e econômicos que operam e interferem de algum modo no contexto de trabalho (MENDES, 2007). Entretanto, observa-se que a teoria Psicodinâmica do Trabalho, ainda que consolidada como abordagem científica, continua em processo de desenvolvimento e aprimoramento de sua aplicabilidade nos estudos que abordam o prazer e sofrimento no trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Psicodinâmica do Trabalho analisa as relações entre condutas, comportamentos, experiências de sofrimento e de prazer do trabalhador. Igualmente, verifica como o trabalho se organiza, bem como as estratégias e os mecanismos defensivos elaborados pelos próprios trabalhadores no cenário do trabalho para enfrentar situações de sofrimento.

O enfoque da Psicodinâmica do Trabalho nos estudos sobre saúde e bem-estar do trabalhador vem ganhando ressonância no Brasil e no exterior, possivelmente por se direcionar a análise crítica da relação entre homem e trabalho. Essa abordagem permite uma compreensão contemporânea sobre a subjetividade no trabalho, trazendo um novo olhar ao mundo do trabalho.

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