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Feminilidade: sobre a censura e o supereu PSICANÁLISE E LINGUAGEM: UMA OUTRA PSICOPATOLOGIA PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

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Eliana Maria Perini

Feminilidade: sobre a censura e o supereu

PSICANÁLISE E LINGUAGEM: UMA OUTRA PSICOPATOLOGIA

PÓS-GRADUAÇÃO

LATO SENSU

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Eliana Maria Perini

Feminilidade: sobre a censura e o supereu

SÃO PAULO

2008

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Abro a gaveta e salta uma palavra: dança sedutora sobre meu cansaço, veste-se de indefinições, retorce-se no labirinto das ambigüidades. Tento uma geometria que a contenha no espaço entre dois silêncios quaisquer. Mas ela inventa o que faço: peso de fruta no sono da semente, assiste à minha luta, belo enigma. Eu, mediação incompetente.

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ELIANA MARIA PERINI. Feminilidade: sobre a censura e o supereu (Orientadora: Profª. Drª. Sandra Dias). Psicanálise e linguagem: uma outra psicopatologia, Pós-Graduação lato sensu – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, 2008.

RESUMO

Não existe na linguagem um significante que possa representar a feminilidade, como o Falo pode dizer do conjunto dos homens. Não existindo este significante, não há como recalcá-lo, torná-lo inconsciente. Desta forma, Lacan diz que a feminilidade sofre processo operatório de apagamento antes mesmo de ter a possibilidade de existência na linguagem. A censura é anterior ao recalque. A censura e o supereu são colocados por Lacan no mesmo registro da lei, é da ordem da cultura. Sendo anterior ao recalque, o supereu materno arcaico, com suas próprias leis, é uma função do supereu. É a figura materna em sua representação do Outro não todo submetido à castração que pode provocar efeitos de devastação em relacionamentos de mães com suas filhas. Mas, este supereu materno arcaico deve também ser situado no momento cultural vivenciado. É o discurso em sua concretude.

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ELIANA MARIA PERINI. Femininity: on Censorship and the Superself (Advisor: Prof. Dr. Sandra Dias). Psychoanalysis and Language: one other psychopathology, Post-Graduation

lato sensu – Pontifical Catholic University of São Paulo – PUC-SP, 2008.

ABSTRACT

In language, there is not a signifier which can represent femininity as the Phallus can represent the entirety of men. Because such signifier does not exist, it is not possible to suppress it, that is, to make it unconscious. Lacan says that the signifier for femininity undergoes a process of erasure by censorship even before such signifier has the possibility of existence in the language. Censorship is anterior to suppression. Lacan places censorship and the superself at the same level of the law, in the realm of culture. Being anterior to suppression, the archaic maternal superself, with its own laws, is a function of the Superself. It is the mother figure, in its representation of the Other not completely subject to castration, that can cause effects of devastation in relationships between mothers and daughters. However, the archaic maternal superself must also be placed in the cultural moment being lived. It is the discourse in its concreteness.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 07

CAPÍTULO I - A feminilidade em Freud... 09

CAPÍTULO II - A feminilidade em Lacan... 24

CAPÍTULO III - Censura e supereu... 39

3.1 Censura e supereu em Freud... 39

3.2 Censura e supereu em Lacan... 50

CAPÍTULO IV - As fórmulas da sexuação... 54

CAPÍTULO V - Feminilidade, censura e supereu... 58

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho objetivou percorrer teoricamente o caminho que Freud e Lacan traçaram em relação à feminilidade. Ao mesmo tempo, foi destacado do livro de Serge André,

O que quer uma mulher, sua afirmação de que “a feminilidade não se destaca do recalque, mas sim da censura”. Desta forma, foi pesquisado em textos freudianos e de Lacan a conceituação que ambos deram aos termos censura e supereu. Tanto para Freud, como para Lacan, o supereu é cultural. Lacan afirma que o supereu e a censura devem ser colocados no mesmo registro da lei, é o discurso em sua concretude, é cultural.

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CAPÍTULO I - A feminilidade em Freud

Freud, em seu texto A Sexualidade infantil, diz sobre a amnésia infantil de que sem esta a amnésia histérica não existiria. Sobre a amnésia infantil, ela “converte a infância de cada um numa espécie de época pré-histórica e oculta dele os primórdios de sua própria vida sexual” (FREUD, 1905, pp. 163). Ligando então a amnésia histérica ao recalcamento, isto decorre, portanto, de que há um “acervo de traços mnêmicos” desta pré-história infantil, que através de ligações associativas tornam presentes os fatores responsáveis pelo recalcamento.

Sobre as inibições sexuais durante o período de latência total ou parcial, podem surgir alguns entraves à pulsão sexual, que colocarão limitações à mesma, tais como “o asco, o sentimento de vergonha, as exigências dos ideais estéticos e morais” (FREUD, 1905, p. 166). Sobre as zonas erógenas do corpo infantil, são distinguidas três fases da masturbação infantil, e dá ao terceiro momento o único a ter importância. Em relação à segunda fase da masturbação infantil, deixam, segundo ele, “as mais profundas marcas (inconscientes) na memória da pessoa, determinam o desenvolvimento de seu caráter, caso ela permaneça sadia, e a sintomatologia de sua neurose, caso venha a adoecer depois da puberdade” (FREUD, 1905, p. 177). Esta atividade sexual infantil é vinculada à amnésia infantil normal. Para o reaparecimento da atividade sexual, tornam-se decisivas a associação de causas internas e externas, as quais podem ser observadas, quando no caso de doenças neuróticas, através dos sintomas.

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entre as pulsões cruéis e as erógenas torne-se depois indissolúveis na vida” (FREUD, 1905, P.181).

Sobre as organizações pré-genitais, elas são assim chamadas, pois as zonas genitais ainda não assumiram o papel preponderante na organização sexual do sujeito. A primeira dessas fases é a oral, onde o alvo sexual consiste na incorporação do objeto – “modelo do que mais tarde irá desempenhar, sob a forma da identificação, um papel psíquico tão importante” (FREUD, 1905, p. 186).

A segunda fase é a da organização sádico-anal. “Nela, a divisão em opostos que perpassa a vida sexual já se constituiu, mas eles ainda não podem ser chamados de masculino e feminino, e sim de ativo e passivo” (FREUD, 1905, p. 186). Ocorre, já na infância, uma escolha objetal semelhante a que ocorre na puberdade, ou seja, o interesse sexual já se orienta em relação a uma única pessoa, com a qual pretende alcançar seus objetivos. A última fase da organização sexual é o estabelecimento da concentração das pulsões parciais ao primado da genitália a serviço da reprodução.

Nos processos afetivos, ainda dentro do estudo da sexualidade infantil, alguns afetos que são sexualmente excitantes apesar de em si mesmos serem desprazerosos, tais como a angústia, o medo ou o horror, conservam-se em grande número de pessoas pela vida toda, e que para atenuar os efeitos de tais afetos, elas buscam alternativas imaginárias, como leitura, teatro, etc. Seguindo este pensamento, nos é dito que as “sensações de dor intensa provoquem o mesmo efeito erógeno, sobretudo quando a dor é abrandada ou mantida à distância por alguma condição concomitante, estaria nessa vinculação uma das principais raízes da pulsão sadomasoquista...” (FREUD, 1905, p. 191).

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e à meta sexual: a de ternura e a sensual. A primeira destas comporta em si o que resta da primitiva eflorescência infantil da sexualidade” (FREUD. 1905, p. 195).

Chama-se de libido a “uma força quantitativamente variável que poderia medir os processos e transformações ocorrentes no âmbito da excitação sexual” e, diferenciando esta libido em relação à sua origem particular, da energia suposta aos processos anímicos em geral, lhe é conferido também um caráter qualitativo. É denominada como uma representação VORSTELLUNG, “a um quantum de libido a cujo substituto [Vertretung] psíquico damos o nome de libido do ego, e cuja produção, aumento ou diminuição, distribuição e deslocamento devem fornecer-nos possibilidades de explicar os fenômenos psicossexuais observados” (FREUD, 1905, p. 204). Mas, só podemos acessar essa libido do ego se ela investir psiquicamente os objetos sexuais, o que a faz converter-se em libido do objeto. Isto efetuado, ela pode então “concentrar-se nos objetos, fixar-se neles ou abandoná-los, passar de uns para outros e, partindo dessas posições, nortear no indivíduo a atividade sexual que leva à satisfação, ou seja, à extinção parcial e temporária da libido” (FREUD, 1905, p. 205).

A libido do ego também é chamada de libido narcísica. É, portanto, aos destinos dados à libido do ego, a responsabilidade maior pelas perturbações psíquicas neuróticas, principalmente às perturbações psicóticas mais graves.

Em relação às manifestações auto-eróticas e masturbatórias da sexualidade, é formulado que “a sexualidade das meninas tem um caráter inteiramente masculino” (FREUD, 1905, p. 206). Sobre os conceitos de masculino e feminino, se houvesse a possibilidade de um rigor mais preciso sobre os mesmos, seria possível defender uma afirmação de que a libido é “regular e normativamente, de natureza masculina, quer ocorra no homem ou na mulher, e abstraindo seu objeto, seja este homem ou mulher” (FREUD, 1905, pp. 206-7).

É afirmado também, que sem levar em conta a bissexualidade como fator decisivo na constituição de homens e mulheres, “dificilmente se poderá chegar a uma compreensão das manifestações sexuais efetivamente no homem e na mulher” (FREUD, 1905, p. 207).

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menina. Havendo então, pela mulher uma transferência de excitação da zona erógena clitoridiana para a vagina, “ela muda a zona dominante para sua atividade sexual posterior...” (FREUD, 1905, p. 208).

Com esta mudança de zona erógena dominante, tal como ocorre com o recalcamento da masculinidade infantil na puberdade, aí se operam os principais determinantes, “da propensão das mulheres para a neurose, especialmente a histeria. Esses determinantes, portanto, estão intimamente relacionados com a natureza da feminilidade” (FREUD, 1905, p. 208).

No que se refere ao encontro do objeto,

em geral, a pulsão sexual torna-se auto-erótica, e só depois de superado o período de latência é que se restabelece a relação originária. Não é sem boas razões que, para criança, a amamentação no seio materno torna-se modelar para todos os relacionamentos amorosos. O encontro do objeto é, na verdade, um reencontro (FREUD, 1905, p. 209).

Em nota acrescentada ao texto em 1915, está colocado que podemos percorrer dois caminhos para encontrar o objeto, por apoio, via modelos infantis primitivos, ou pela via narcísica, que “busca o ego do próprio sujeito e vai reencontrá-lo em outrem. Este último tem uma importância particularmente grande para os desfechos patológicos” (FREUD, 1905, p. 209).

Em O objeto sexual na fase da amamentação, é enunciado que, durante todo o período de latência “a criança aprende a amar outras pessoas que a ajudam em seu desamparo e satisfazem suas necessidades, e o faz segundo o modelo de relação de lactente com a ama e dando continuidade a ele” (FREUD, 1905, pp. 209-10).

O trato da criança com a pessoa que a assiste é, para ela, uma fonte incessante de excitação e satisfações sexuais vindas das zonas erógenas, ainda mais que essa pessoa—usualmente, a mãe—contempla a criança com os sentimentos derivados de sua própria vida sexual: ela a acaricia, beija e embala, e é plenamente claro que a trata como o substituto de um objeto sexual plenamente legítimo” (FREUD, 1905, p. 210).

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dos genitores, principalmente por parte da mãe, dão direção fundamental às suas escolhas de objeto, e ao mesmo tempo produz uma relação hostil à mãe, portanto com o mesmo sexo, o que pode influenciar decisivamente sua escolha de objeto “no sentido considerado normal”.

No texto A organização genital infantil, é retomada a questão da primazia dos órgãos genitais na infância, para reelaborar a mesma no sentido de que a principal diferença entre esta e a organização genital final do adulto é de que, na infância, para ambos os sexos, o que entra em consideração é apenas o órgão sexual masculino, o que determina portanto, não a primazia de um órgão genital, mas sim a do falo. Freud afirma que pode descrever esta nova conceituação apenas em relação aos meninos, pois desconhece os processos referentes às meninas.

Na “organização pré-genital sádico-anal não existe ainda a questão de masculino e feminino; a antítese entre ativo e passivo é a dominante”. No estádio seguinte, existe masculinidade, mas não feminilidade. “A antítese aqui é entre possuir um órgão genital masculino e ser castrado.”

Na puberdade é que a polaridade sexual vai coincidir com o masculino e feminino. “A masculinidade combina [os fatores de] sujeito, atividade e posse do pênis; a feminilidade encampa [os de] objeto e passividade. A vagina é agora valorizada como lugar de abrigo do pênis; ingressa na herança do útero.” (FREUD, 1923, p. 184)

No texto A dissolução do complexo de Édipo, Freud aborda a questão de como o complexo de Édipo pode ser resolvido no menino e da sua dificuldade em conceituar de como o mesmo poderia ocorrer na menina.

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A fase fálica, que é contemporânea do complexo de Édipo, não vai além, ou seja, até a organização genital definitiva, mas fica, submersa, sendo sucedida pelo período de latência. Freud realiza algumas questões de como o complexo de Édipo se resolveria na menina, e acrescenta que o material disponível “por alguma razão incompreensível, torna-se muito obscuro e cheio de lacunas”. Ao mesmo tempo, afirma que “o sexo feminino também desenvolve um complexo de Édipo, um superego e um período de latência”. Na menina, da mesma forma que o menino, ocorre uma “organização fálica e um complexo de castração”, apenas não ocorrem da mesma forma que no menino. Repetindo um dito de Napoleão, Freud acrescenta que “A anatomia é destino”.

Desta forma, na menina, em princípio o clitóris funcionaria como um pênis, mas ao perceber em algum menino a diferença entre o seu pênis e o do menino, ela sente-se como que injustiçada, pois algo a ela foi danoso, e isto se torna como que um fundamento para um sentimento de inferioridade. A menina ficará por algum tempo ainda com a expectativa de que seu pênis crescerá de acordo com seu adiantar da idade. “...o complexo de masculinidade das mulheres se ramifica.” (FREUD, 1924, p. 223)

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No texto Algumas conseqüências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos, Freud avança um pouco mais em relação à dissolução do complexo de Édipo da menina, e de como sua feminilidade pode ou não vir a se constituir.

Nas meninas, o complexo de Édipo levanta um problema a mais que nos meninos. Em ambos os casos, a mãe é o objeto original, e não constitui causa de surpresa que os meninos retenham esse objeto no complexo de Édipo. Como ocorre, então, que as meninas abandonem e, ao invés, tomem o pai como objeto? (FREUD, 1925, p. 312)

É retomada a percepção pela menina da ausência de pênis em si própria, e nomeia esta percepção como inveja do pênis. Desta inveja, havendo por parte da menina uma dificuldade maior em aceitar esta ausência de pênis, pode decorrer “grandes dificuldades no caminho de seu desenvolvimento regular no sentido da feminilidade...” (FREUD, 1925, p. 314). Assim, na recusa da castração, a menina no futuro pode se direcionar a comportar-se como um homem.

Uma mulher, após ter-se dado conta da ferida ao seu narcisismo, desenvolve como cicatriz um sentimento de inferioridade. Quando ultrapassou sua primeira tentativa de explicar sua falta de pênis como uma punição pessoal para si mesma, e compreendeu que esse caráter sexual é universal, ela começa a partilhar do desprezo sentido pelos homens por um sexo que é inferior em tão importante aspecto, e, pelo menos no sustentar dessa opinião, insiste em ser como um homem (FREUD, 1925, p. 315).

Ou seja, possuir um falo. Coloca-se também como conseqüência da inveja do pênis “um afrouxamento da relação afetuosa da menina com seu objeto materno” (FREUD, 1925, p. 316).

Em relação à atividade masturbatória, o reconhecimento pela menina da diferença anatômica força-a a “afastar-se da masculinidade e da masturbação masculina (clitoridiana, segundo Freud) para novas linhas que conduzem ao desenvolvimento da feminilidade” (FREUD, 1925, p. 318).

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Na menina, não ocorreria a destruição do complexo de Édipo tal como ocorre nos meninos. Desta forma, o superego nas mulheres não seria “tão inexorável, tão impessoal, tão independente de suas origens emocionais como exigimos que seja nos homens” (FREUD, 1925, p. 320).

Retoma-se no texto Sexualidade feminina a questão do complexo de Édipo e sua resolução via castração pelos meninos e pelas meninas. Mas há acréscimos. Sobre a resolução do complexo para as meninas, contrapondo a mesma à dos meninos, são realizadas questões; “Também seu primeiro objeto foi a mãe. Como encontra o caminho para o pai? Como, quando e por que se desliga da mãe?”

Volta-se à questão de que o desenvolvimento da sexualidade feminina torna-se mais difícil, pois a menina tem que fazer a passagem do que foi originalmente sua principal zona genital, o clitóris para a vagina, mas que surge uma nova dificuldade também característica e tão importante para o desenvolvimento da mulher, ou seja, “a troca de seu objeto original – a mãe – pelo pai”. Desta forma, é considerada a possibilidade de que para algumas mulheres sua ligação original à mãe seria tão intensa de forma que para elas nunca haveria um verdadeiro direcionamento de interesse pelos homens. Dispõe-se então à fase pré-edipiana das mulheres um outro valor de importância. Especifica-se então, que a mulher só atinge “a normal situação edipiana positiva depois de ter superado um período anterior que é governado pelo complexo negativo” (FREUD, 1931, p. 260).

Entre estas acha-se a suspeita de que essa fase de ligação com a mãe está especialmente relacionada à etiologia da histeria, o que não é de surpreender quando refletimos que tanto a fase quanto a neurose são caracteristicamente femininas, e, ademais, que nessa dependência da mãe encontramos o germe da paranóia posterior nas mulheres, pois esse germe parece ser o surpreendente, embora regular, temor de ser morta (devorada?) pela mãe. É plausível presumir que esse temor corresponde a uma hostilidade que se desenvolve na criança, em relação à mãe, em conseqüência das múltiplas restrições impostas por esta no decorrer do treinamento e do cuidado corporal, e que o mecanismo de projeção é favorecido pela idade precoce da organização psíquica da criança (FREUD, 1931, p. 261).

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A mulher, reconhecendo sua castração e, ao mesmo tempo rebelando-se contra a mesma, pode seguir três linhas de desenvolvimento:

1ª – Repulsa geral à sexualidade. Abandono da atividade fálica e sua sexualidade em geral;

2ª – Se aferra com “desafiadora auto-afirmatividade à sua masculinidade ameaçada”. A fantasia de em algum momento conseguir o pênis tão desejado e tornar-se um homem, pode levá-la a uma escolha homossexual de objeto;

3ª – Atinge a atitude feminina normal final, tomando o pai como objeto, “encontrando assim o caminho para a forma feminina do complexo do Édipo”.

A diferença de como ocorre na menina o complexo de Édipo e a castração determinam “seu cunho especial ao caráter das mulheres como seres sociais”.

A fase pré-edipiana, de vínculo exclusivo com a mãe adquire muito mais importância na vida das mulheres do que na dos homens. A hostilidade da filha para com sua mãe seria derivada desta fase, e não da fase do complexo de Édipo; nesta, haveria apenas um reforço da hostilidade já presente.

Alguns fatores são enumerados como determinantes para o afastamento da menina em relação à sua mãe. Como alguns destes fatores “são determinados pelas circunstâncias da sexualidade infantil em geral...”, são válidos também para a vida erótica dos meninos.

1 – “O amor infantil é ilimitado.” É exclusivista, quer tudo, mas também não tem objetivo, não obtendo satisfação completa, e por isto acaba em desapontamento;

2 – Este motivo, mais específico, é derivado do complexo de castração, a menina não tem um pênis. A partir deste ponto surgem as três possibilidades de escolha sexual, já citadas anteriormente;

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ressentimento da menina por ser impedida em sua atividade sexual, “desempenha grande papel em seu desligamento da mãe”. Na puberdade, este motivo pode renovar-se, diante do controle materno à “castidade da filha”.

Há uma ambivalência concernente aos sentimentos de amor e ódio. Ambos podem coexistir na mesma intensidade de seu oposto. Desta forma, os sentimentos da criança em relação à sua mãe também passam por esta ambivalência e, principalmente, durante a vivência de sua sexualidade infantil, complexo de Édipo, a qual se fará presente por toda sua vida, em diferentes momentos e intensidade.

A menina objetiva seus alvos sexuais em direção à mãe, tanto de forma ativa quanto passiva, os quais são determinados pela fase libidinal por onde esteja passando. Essa atividade ou passividade não se realiza em regularidade e intensidade em todas as crianças, e em algumas nem chega a ocorrer. Em relação à mãe, as primeiras experiências da criança são de passividade.

Na menina, os desejos orais agressivos e sádicos decorrem pela repressão precoce e representam

um temor de ser morta pela mãe, temor que, por sua vez, justifica seu desejo de morte contra a mãe, se este se torna consciente. É impossível dizer quão freqüentemente esse temor da mãe é apoiado por uma hostilidade inconsciente por parte desta, hostilidade que é sentida pela menina (FREUD, 1931, pp. 272-3).

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Freud, no início de seu texto Feminilidade, aponta para o que considera como sendo um enigma, a natureza da feminilidade. Ele fala da questão bissexual do ser humano e, que independentemente de algumas características biológicas e físicas, que determinam o homem e a mulher, a masculinidade e a feminilidade são constituídas de características que são desconhecidas e que não correspondem à anatomia.

Freud segue, neste texto, apontando também sobre o que pode ser considerado ativo ou passivo, e da relação que até então se fazia de que o ativo estaria vinculado ao masculino, e a passividade ao feminino. Demonstra então, através de exemplos práticos e argumentação lógica, de que nada determina que o ser ativo esteja estreitamente vinculado à masculinidade, e a passividade estreitamente vinculada à feminilidade. Ambas posições, ativa e passiva, podem coexistir em diferentes momentos e intensidade, tanto do lado da feminilidade quanto do lado da masculinidade. Mas, ao mesmo tempo, sobre a atividade e passividade, Freud faz um alerta:

Poder-se-ia considerar característica psicológica da feminilidade dar preferência a fins passivos. Isto, naturalmente, não é o mesmo que passividade; para chegar a um fim passivo, pode ser necessária uma grande quantidade de atividade (FREUD, 1932-33, p. 143).

Ainda citando Freud:

Devemos, contudo, nos acautelar nesse ponto, para não subestimar a influência dos costumes sociais que, de forma semelhante, compelem as mulheres a uma situação passiva. Tudo isso ainda está longe de uma elucidação. Existe uma relação particularmente constante entre feminilidade e vida pulsional, que não devemos desprezar. A supressão da agressividade das mulheres, que lhes é instituída constitucionalmente e lhes é imposta socialmente, favorece o desenvolvimento de poderosos impulsos masoquistas que conseguem, conforme sabemos, ligar eroticamente as tendências destrutivas que foram desviadas para dentro (FREUD, 1932-33, pp. 143-4 ).

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A segunda tarefa, “que sobrecarrega o desenvolvimento da menina”, refere-se ao primeiro objeto de amor, a mãe, que para a menina se tornará mais onerosa em relação ao menino. De início, para ambos, meninas e meninos, o primeiro objeto de amor está na figura materna, mas o que passa a se diferenciar ocorre durante a situação edipiana.

Para a menina, no Édipo o pai está como seu objeto de amor, e no decorrer do complexo, supõe-se que ela passará do objeto paterno para o objeto materno como escolha definitiva. A menina, no decorrer deste percurso, deve mudar de “zona erógena e de objeto”, ao passo que o menino mantém ambos. Freud, questiona então como isso pode ocorrer, “como passa ela da fase masculina para a feminina, à qual biologicamente está destinada?”

E ele acrescenta que não é possível entender as mulheres se não for considerado com seu devido valor, as relações pré-edipianas da menina com sua mãe. Estas relações podem, segundo Freud, se apresentar sob diferentes formas, as quais “persistem através de todas as três fases da sexualidade infantil, também assumem as características das diversas fases e se expressam por desejos orais, sádico-anais e fálicos. Esses desejos representam impulsos ativos e também passivos...” (FREUD, 1932-33, p. 148).

Freud aponta para as fantasias de sedução na pré-história pré-edipiana das meninas em relação à mãe. Neste ponto, como diz ele, “a fantasia toca o chão da realidade”, já que é a mãe através dos cuidados de higiene corporal quem estimula e erotiza as zonas genitais da criança.

O percurso da menina para desvincular-se de sua tão intensa relação primeira, com a figura materna,e realizar uma troca objetal em relação ao pai, segundo Freud, “não envolve apenas uma simples troca de objeto”.

O afastar-se da mãe, na menina, é um passo que se acompanha de hostilidade; a vinculação à mãe termina em ódio. Um ódio dessa espécie pode tornar-se muito influente e durar toda a vida; pode ser muito cuidadosamente supercompensado, posteriormente; geralmente uma parte dele é superada, ao passo que a parte restante persiste. Os eventos de anos subseqüentes naturalmente influenciam muito isto (FREUD, idem, p.150).

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de que esta deu à criança muito pouco leite – censura que lhe é feita como falta de amor.” (FREUD, ibidem, p. 151)

A chegada de um irmão também pode se apresentar como uma nova acusação à mãe, onde “a conexão com a frustração oral é mantida...”

É no período fálico que, segundo Freud, “as mais intensas frustrações ocorrem”, quando a mãe pode proibir que a criança exerça atividades prazerosas com seus genitais, e pior se acompanhadas de ameaças punitivas e desagrado. E, como diz Freud, atividades, que no final das contas foram iniciadas pela própria mãe, através dos cuidados de higiene.

Mas, contra-argumenta Freud, todos esses motivos encontram-se também presentes nos cuidados da mãe em relação ao menino, e, no entanto, ele não se afasta do objeto materno como a menina pode fazê-lo. Ele vai em busca então, de um outro fator que possa melhor esclarecer este afastamento da menina em relação à sua mãe, e vai situá-lo no complexo de castração. Freud constata nas análises que realiza a presença de uma queixa onde “as meninas responsabilizam sua mãe pela falta de pênis e não perdoam por terem sido, desse modo, colocadas em desvantagem”.

Freud atribui então um complexo de castração às mulheres, mas o diferencia do complexo de castração dos homens. No menino, o complexo ocorre quando ele constata que as meninas em seus genitais não possuem um pênis, e passa a temer que ele também possa vir a perder o seu, pois supõe, que a menina tinha, mas por alguma razão foi dela retirado. Na menina, a constatação de que não tem um pênis também decorre da visão do genital masculino. Ela percebe a diferença, dá importância a esta diferença, e ainda segundo Freud, passa a se sentir injustiçada por também não ter um pênis. Freud então dirá, que a menina pode em algum momento dizer que também quer ter um pênis, e “se tornam vítimas da ‘inveja do pênis’; esta deixará marcas indeléveis em seu desenvolvimento e na formação de seu caráter, não sendo superada, sequer nos casos mais favoráveis, sem um extremo dispêndio de energia psíquica”.

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possibilita, segundo Freud, três linhas de desenvolvimento, que também já foram citadas no texto anterior:

- Inibição sexual ou neurose;

- Modificação do caráter no sentido de um complexo de masculinidade; - Feminilidade normal.

Sobre a masturbação clitoridiana, Freud argumenta que a menina, ao abandonar esta prática, ao mesmo tempo renuncia a “uma determinada soma de atividade”. A passividade passa a predominar, e a menina volta-se para seu pai através de pulsões passivas.

Os senhores podem verificar que semelhante sinuosidade no desenvolvimento, o qual remove a atividade fálica, prepara o caminho para a feminilidade. Se, no decurso desse desenvolvimento, não se perdem demasiados elementos através da repressão, essa feminilidade pode vir a ser normal (FREUD, ibidem, p.157).

Esse se voltar para o pai, carrega consigo a equivalência simbólica pênis-bebê. Na fase fálica, a menina desejou um bebê, que se apresentava em suas brincadeiras com bonecas. Mas, segundo Freud, este brinquedo não a levava em direção a expressar uma feminilidade, mas sim, em uma identificação à mãe, substituindo a atividade pela passividade, onde representava o papel da mãe, e a boneca era ela própria, a menina que brincava. Fazia com o bebê, o que a mãe costumava fazer com ela. Com o surgimento do desejo de ter um pênis, é que “a boneca-bebê, se torna um bebê obtido de seu pai e, de acordo com isto, o objetivo do mais intenso desejo feminino”.

Esta transferência, para o pai “do desejo de um pênis-bebê”, inicia na menina o complexo de Édipo, e a hostilidade em relação à mãe é intensificada. Na menina, ao contrário do que ocorre com o menino, a castração é anterior ao complexo edípico, e desta forma, para a menina, a permanência no complexo é indeterminada. Segundo Freud, “destroem-no tardiamente e, ainda assim, de modo incompleto”. Isto, ainda segundo Freud, acarreta na menina a formação de um superego menos severo do que o dos meninos.

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de narcisismo, que também afeta a escolha objetal da mulher, de modo que, para ela, ser amada é uma necessidade mais forte que amar” (FREUD, ibidem, p. 161-2).

Um pouco mais à frente no texto, ele volta a mencionar os fatores sociais interferindo nas escolhas objetais da mulher.

“Os fatores determinantes da escolha objetal da mulher muitas vezes se tornam irreconhecíveis devido a condições sociais. Onde a escolha pode mostrar-se livremente, ela se faz, freqüentemente, em conformidade com o ideal narcisista do homem que a menina quisera tornar-se.” (FREUD, ibidem, p. 162)

Na finalização deste seu texto, Freud acentua a importância da “ligação afetuosa pré-edipiana” da menina com sua mãe, sendo a mesma “decisiva para o futuro de uma mulher: durante essa fase são feitos os preparativos para a aquisição das características com que mais tarde exercerá seu papel na função sexual e realizará suas inestimáveis tarefas sociais” (FREUD, ibidem, p. 164).

Freud finaliza então, com sua já tão conhecida e citada frase:

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CAPÍTULO II - A feminilidade em Lacan

Em relação à comunicação no Seminário sobre as psicoses, Lacan afirma que “todo conhecimento humano se origina na dialética do ciúme, que é uma manifestação primordial da comunicação” (LACAN, 1988, p. 50). Este ciúme decorre do fato que um sujeito humano desejante é constituído a partir do desejo do outro, que também se torna seu Outro da linguagem. Das relações primordiais com este outro, que o integra em seu despedaçamento inicial, surge uma rivalidade primitiva, decorrente exatamente desta dependência inicial, ou seja, o sujeito só existe a partir do desejo do outro. Esta rivalidade “concorrencial no fundamento do objeto” é superada na fala com a intervenção do terceiro.

Nesta dialética, onde sempre pode vir a ocorrer de o sujeito ver-se diante da necessidade de vir a anular o outro, pela razão mesma de sentir-se em algum momento diante da possibilidade de ser anulado pelo outro, por alguma discordância possível, ou seja, “a dialética do inconsciente implica sempre, como uma de suas possibilidades, a luta, a impossibilidade da coexistência com o outro” (LACAN, 1988, p. 51).

“É numa rivalidade fundamental, numa luta com a morte primeira e essencial, que se produz a constituição do mundo humano como tal. Só que assiste no fim à reaparição das apostas.” (LACAN, 1988, p. 51)

Lacan exemplifica com o senhor e o escravo, onde o senhor goza do gozo do escravo, e perde sua humanidade, o escravo reconhece seu senhor mas mantém sua humanidade. Para Lacan, não é o objeto de gozo que está aí em causa, mas “a rivalidade enquanto tal”.

O sujeito falante liga-se imaginariamente ao outro, que é seu “centro de gravidade do seu eu individual” (LACAN, 1988, p. 54). Neste centro “não há palavra.” Quando, a palavra verdadeira se presentifica, nos fazemos reconhecer diante do Outro, mas só podemos ser por ele reconhecidos porque antes ele é reconhecido, questão de reciprocidade.

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Este depende em si mesmo da possibilidade de conciliar no discurso um certo passado da fala do sujeito, ligado, como Freud o sublinhou, ao mundo próprio de suas relações infantis. É precisamente esse passado da palavra que continua a funcionar na língua primitiva (LACAN, 1988, p. 74).

Lacan, no seminário 3, em continuidade à constituição do sujeito em sua relação com o outro, que também se torna seu Outro, aborda a relação narcísica que perpassa este relacionamento. Sendo, a relação do narcisismo considerada como a “relação imaginária central para a relação inter-humana”, torna-se assim uma relação erótica, pois, “toda identificação erótica, toda apreensão do outro pela imagem numa relação de cativação erótica, se faz pela via da relação narcísica – e é também a base da tensão agressiva” (LACAN, 1988, p. 110). É via o estádio do espelho que esta relação de agressividade se presentifica, pois na constituição do eu que é sempre esta relação com o outro no espelho, um estranho que está sempre em ameaça de retomar seu domínio sobre o eu, que é ao mesmo tempo esse mesmo estranho que ameaça. É um senhor, que ameaça sempre do interior e do exterior ao próprio sujeito.

“Ele está sempre a mesmo tempo no interior e no exterior, é por isso que todo equilíbrio puramente imaginário com o outro está sempre condenado por uma instabilidade fundamental.” (LACAN, 1988, p. 111)

Há em todo relacionamento, mesmo no relacionamento erótico, algo de uma relação de exclusão, “é ele ou eu”, uma “tensão agressiva” integrante de todo e qualquer “funcionamento imaginário no homem” (LACAN, 1988, p. 113). Na ambigüidade desta relação encontramos o complexo de Édipo, que por si só, em sua incestuosidade, produz conflito e destruição.

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1º “Por que a própria menina se considera, nem que seja por um momento, castrada, na acepção de privada de falo, e castrada pela operação de alguém, que primeiro é sua mãe, ponto importante, e em seguida seu pai, mas de tal maneira que temos de reconhecer nisso uma transferência no sentido analítico do termo”;

2º “Por que, em ambos os sexos, a mãe, mais primordialmente, é considerada como provida de falo, como mãe fálica”;

3º “Por que, correlativamente, a significação da castração só adquire de fato (clinicamente manifesta) seu alcance eficiente na formação dos sintomas, a partir de sua descoberta como castração da mãe”;

4º “Esses três problemas culminam na questão da razão, no desenvolvimento, da fase fálica. Sabemos que Freud especifica com esse termo a primeira maturação genital – como aquilo que se caracterizaria, por um lado, pela dominância imaginária do atributo fálico e pelo gozo masturbatório, e que, por outro lado, localiza esse gozo da mulher no clitóris, assim promovido à função do falo, e com isso parece excluir, nos dois sexos, até o término dessa fase, isto é, até o declínio do Édipo, qualquer localização instintiva da vagina como lugar da penetração genital.” (LACAN, 1998, p. 693)

No decorrer de algumas interpretações dadas à obra freudiana no decorrer do tempo, Lacan posiciona a descoberta de Freud dentro da ordem do significante em oposição ao significado, e que é dentro desta ordem que devemos entendê-la. Nos diz da “paixão do significante”, a qual determina ativamente o que é significável, e com isto tornando-se significado. É a inserção do homem na linguagem e dos efeitos desta sobre ele, mas para além do que ele acredita se dizer e dizer de si. É da outra cena, que Freud via sonhos denomina como inconsciente que Lacan também nos fala. Inconsciente estruturado como linguagem via combinações e substituições que metonímia e metáfora respectivamente determinam e produzem. Efeitos que ambas produzem, que determinam o sujeito e nos dizem do mesmo.

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“Pois ele é o significante destinado a designar, em seu conjunto, os efeitos de significado, na medida em que o significante os condiciona por sua presença de significante.” (LACAN, 1998, p. 697)

Seguindo o pensamento de Lacan no texto, ele estabelece que a demanda está distintamente diferenciada do que é da ordem da necessidade fisiológica, pois ela diz respeito a ser

demanda de uma presença ou de uma ausência, o que a relação primordial com a mãe manifesta, por ser prenhe desse Outro a ser situado aquém das necessidades que pode suprir. Ela já o constitui como tendo o ‘privilégio’ de satisfazer as necessidades, isto é, o poder de privá-las da única coisa pela qual elas são satisfeitas. Esse privilégio do Outro, assim, desenha a forma radical do dom daquilo que ele não tem, ou seja, o que chamamos de seu amor (LACAN, 1998, pp. 697-8).

Tudo o que é respondido a uma demanda, segundo Lacan, torna-se então prova de amor, o que por si faz desvio do que é desejo. Sobre o desejo:

Ao incondicionado da demanda, o desejo vem substituir a condição ‘absoluta’: condição que deslinda, com efeito, o que a prova de amor tem de rebelde à satisfação de uma necessidade. O desejo não é, portanto, nem o apetite de satisfação, nem a demanda de amor, mas a diferença que resulta da subtração do primeiro à segunda, o próprio fenômeno de sua fenda (Spaltung) (LACAN, 1998, p. 698).

À demanda de amor segue-se o significante do desejo, o qual é desconhecido do sujeito. Se o desejo de uma mãe é o falo, a criança quer ser o falo para ela, ou seja, a criança deseja ser desejada como o falo da mãe, deste Outro que ela representa para a criança. E, este desejo, desejo do desejo do Outro, se faz presente porque teve significação fálica, via significante fálico, houve castração.

Sobre a mulher e sua feminilidade, no que concerne em sua relação ao falo, Lacan diz que

é para ser o falo, isto é, o significante do desejo do Outro, que a mulher vai rejeitar uma parcela essencial da feminilidade, nomeadamente todos os seus atributos na mascarada. É pelo que ela não é que ela pretende ser desejada, ao mesmo tempo que amada. Mas ela encontra o significante de seu próprio desejo no corpo daquele a quem sua demanda de amor é endereçada (LACAN, 1998, p. 701).

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paradigmático de todas as formas da semelhança que levarão para o mundo dos objetos um toque de hostilidade, projetando nele a transformação da imagem narcísica que, do efeito jubilatório de seu encontro no espelho, transforma-se, no confronto com o semelhante, no escoadouro da mais íntima agressividade.

“É essa imagem que se fixa, eu ideal, desde o ponto em que o sujeito se detém como ideal do eu. O eu, a partir daí, é função de domínio, jogo de imponência, rivalidade constituída.” (LACAN, 1998, p. 823)

Na relação imaginária que o sujeito mantém com o outro, seu semelhante, a agressividade se torna o fiel da balança em torno do qual irá decompor-se o equilíbrio do semelhante com o semelhante na relação do Senhor com o Escravo, prenhe de todas as astúcias pelas quais a razão vai aí pôr em marcha seu reino impessoal (LACAN, 1998, p. 824).

O phi maiúsculo , “falo simbólico impossível de negativizar, significante do gozo”, é o que explica a maneira particular das mulheres em relação à sua própria sexualidade, e torna os homens o sexo frágil em relação à perversão.

Na neurose, o histérico, o obsessivo ou o fóbico “mais radicalmente”, é o sujeito que identifica a falta do Outro com sua demanda, com D. Disso resulta que a demanda do Outro passa a exercer a função de objeto na fantasia do sujeito, ou seja, “sua fantasia reduz-se à pulsão”.

Dando o neurótico prevalência à sua demanda, ele faz com que sua angustia diante do desejo do Outro fique escondida, a qual segundo Lacan “impossível de desconhecer quando é encoberto apenas pelo objeto fóbico, e mais difícil de compreender nas outras duas neuroses, quando não se dispõe do fio que permite situar a fantasia como desejo do Outro” (LACAN, 1998, p. 838). Assim, no obsessivo, “ele nega o desejo do Outro, formando sua fantasia para acentuar a impossibilidade do esvaecimento do sujeito”, e no histérico, o desejo só se mantém como desejo insatisfeito, o qual advém de onde o sujeito da histeria se furta a se colocar como objeto. O pai ideal, como diz Lacan, “é uma fantasia de neuróticos”.

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pai que seria perfeitamente senhor/mestre de seu desejo, o que teria o mesmo valor para o sujeito.” (LACAN, 1998, p. 839)

A fantasia, em sua estrutura, “contém o (– ), função imaginária da castração, sob uma forma oculta e reversível de um de seus termos para o outro” (LACAN, 1998, p. 840).

Lacan fala do amor de transferência via o Banquete. No momento em que Alcebíades declara que em Sócrates estaria o agalma, “o tesouro inestimável” escondido no objeto a, e ele declarando de seu desejo deste tesouro ao próprio Sócrates, Lacan diz que neste momento a divisão do sujeito se faz notificar, e aproxima este momento da mulher “por trás de seu véu: é a ausência do pênis que faz dela o falo, objeto do desejo” (LACAN, 1998, p. 840).

No texto Intervenção sobre a transferência, Lacan, retomando o caso Dora, no momento em que Freud pontua sobre o interesse do Sr. K. por ela, de que esta só poderia aceitar a manifestação de desejo do Sr. K. “Se ela aceitasse a si mesma como objeto do desejo, isto é, depois que houvesse esgotado o sentido daquilo que procurava na Sra. K.” (LACAN, 1998, p. 221)

Assim como em toda mulher, e por razões que estão no próprio fundamento das mais elementares trocas sociais (justamente as que Dora formula nas queixas de sua revolta), o problema de sua condição está, no fundo, em se aceitar como objeto do desejo do homem, e é esse o mistério, para Dora que motiva sua idolatria pela Sra. K., do mesmo modo que, em sua longa meditação diante da Madona e em seu recurso ao adorador distante, ele a empurra para a solução que o cristianismo deu a esse impasse subjetivo, fazendo da mulher o objeto de um desejo divino ou um objeto transcendental do desejo, o que dá no mesmo (LACAN, 1998, p. 221).

Ainda sobre o desejo, no Seminário 7, no texto A pulsão de morte, Lacan explica que a ética na prática psicanalítica coloca a transgressão em “uma relação sensível” com o sentido do desejo. E, novamente acentuando a diferença estrutural entre a função do desejo de razão e necessidade. “O fato de o homem ser apreendido no campo do inconsciente tem um caráter primitivo fundamental”. É da ordem de uma estrutura de linguagem que o antecipa em uma lógica organizada, que o divide, Spaltung, e, em relação à qual seu desejo deve ser articulado. Esse desejo deve haver-se com o problema do gozo, que não se apresenta como satisfação de uma necessidade, “mas como a satisfação de uma pulsão”. A pulsão, comportando uma dimensão histórica.

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coextensiva ao funcionamento da pulsão no que se chama de psiquismo humano. É igualmente lá que se grava, que entra no registro da experiência, a destruição (LACAN, 1997, p. 256).

Ainda, citando Lacan:

A pulsão de morte deve ser situada no âmbito histórico, uma vez que ela se articula num nível que só é definível em função da cadeia significante, isto é, visto que uma referência, que é uma referência de ordem, pode ser situada em relação ao funcionamento da natureza. É preciso algo para além dela, de onde ela mesma possa ser apreendida numa rememoração fundamental, de tal maneira que tudo possa ser retomado, não simplesmente no movimento das metamorfoses, mas a partir de uma intenção inicial (LACAN, 1997, p. 258).

Sendo a pulsão de morte articulada a uma cadeia significante, ao mesmo tempo em que ela é pulsão de destruição (no pensamento freudiano), ela também é “vontade de criação a partir de nada, vontade de recomeçar”.

Lacan aproxima a noção de pulsão de morte como uma sublimação criacionista da noção que Sade dava à mesma. Essa sublimação criacionista está ligada à cadeia significante e, portanto, como tal, em um determinado momento para além dessa cadeia, e em nada relacionado com o mundo da natureza, apresenta-se o “ex nihilo sobre o qual ela se funda e se articula como tal”.

Lacan, acentua a necessidade “de um ponto de criação “ex nihilo”, do qual nasce o que é histórico na pulsão”. Se, “no começo era o verbo”, então é o significante que aí se presentifica, e sem o qual é impossível fazer a articulação histórica da pulsão. A produção é assim colocada na ordem de uma originalidade que decorre de uma criação “ex nihilo” a qual “introduz a organização do significante no mundo natural”.

Situando o lugar da obra, e via o amor cortês, o lugar onde a mulher é colocada como lugar do ser, não enquanto mulher, “mas enquanto objeto do desejo”. Ser, para o qual o desejo se dirigindo, não é nada mais “do que um ser de significante”.

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do desejo radical uma vez que é o campo da destruição absoluta, da destruição para além da putrefação, é o fenômeno estético propriamente dito uma vez que é identificável com a experiência do belo – o belo em seu brilho resplandescente, esse belo do qual disseram que é o esplendor da verdade. É evidentemente por o verdadeiro não ser muito bonito de se ver, que o belo, senão seu esplendor, pelo menos sua cobertura.

Lacan situa a articulação do bem em sua relação com a Lei, e acentua que a concepção do princípio do prazer está em relação dialética com o princípio de realidade. Assim, a questão do bem está atada ao princípio do prazer e ao princípio de realidade.

Fazendo uma analogia com o uso do pano pelo homem desde o seu aparecimento, Lacan coloca o bem em uma articulação totalmente diferente ao do uso do pano, o bem, está na condição de que o “sujeito pode dele dispor.” Situando o bem à ordem do nascimento do poder, a disposição daquele torna-se essencial pois num primeiro plano “traz à luz tudo o que significa a reivindicação do homem que conseguiu, num certo momento de sua história, dispor de si mesmo” (LACAN, 1997, p. 279). E, dispor de seus bens significa “ter o direito de privar os outros de seus bens”. Neste poder de privar o outro de seus bens, produz-se o laço “fortíssimo” do qual surge o outro como tal.

Opondo a privação à frustração e à castração, disse-lhes que era uma função instituída como tal no simbólico, no sentido em que nada é privado de nada, o que não impede que o bem do qual se é privado seja totalmente real. Mas o importante é saber que o privador é uma função imaginária. É o pequeno outro, o semelhante, aquele que é dado nessa relação semienraizada no natural que é o estádio do espelho, mas tal como se apresenta para nós lá onde as coisas se articulam no nível do simbólico (...) – o que se chama defender seus bens é apenas uma única e mesma coisa que proibir a si mesmo de gozar deles. A dimensão do bem levanta uma muralha poderosa na via de nosso desejo. É mesmo a primeira com a qual lidamos em cada instante e sempre. (LACAN, 1997, p. 280)

O ideal do eu do sujeito é colocado como o que representa “o poder de fazer o bem”, o qual retorna sem cessar em sua própria ação de fazer o bem “como a ameaça sempre crescente em nós de uma exigência de conseqüências desconhecidas”, sendo o eu ideal, o outro imaginário, aquele que nos priva.

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É nesta fronteira de tramas dos sujeitos que Lacan precisa o belo como o elemento que permitirá diferenciar “um elemento do campo do para além do princípio do bem”.

Lacan estabelece “uma certa relação do belo com o desejo”. Diz, que esta relação é “singular e ambígua” e, de que “o belo tem por efeito suspender, rebaixar, desarmar, diria eu, o desejo. A manifestação do belo intimida, proíbe o desejo” (LACAN, 1997, p. 290).

“O belo em sua função singular em relação ao desejo não nos engoda, contrariamente à função do bem. Ela nos abre os olhos e talvez nos acomode quanto ao desejo, dado que ele mesmo está ligado a uma estrutura de engodo.” (LACAN, 1997, p. 291)

Se a fantasia é um “bem-não-toque-nisso”, ela é “na estrutura desse campo enigmático, um belo-não-toque-nisso.” Lacan situa então, a primeira margem deste campo como “aquela que, com o princípio do prazer, nos impede de nele entrar – a margem da dor” (LACAN, 1997, p. 291).

“A unidade que se depreende de todos os campos em que o pensamento analítico etiquetou o masoquismo se atém àquilo que, em todos esses campos, faz a dor participar do caráter de um bem.” (LACAN, 1997, p. 291)

“...o que falta àquele que ama?” Lacan faz a questão e a responde no Seminário 8, “A Transferência”, neste momento via o discurso de Diotima e, reportando-se à dialética dos bens tratada no Seminário da Ética. Faz outra questão: “Esses bens, porque os ama, aquele que ama?” E, reproduzindo Diotima, “para gozar deles”.

A denominação do todo serve para designar a parte. Da mesma forma, toda aspiração em direção aos bens é amor, mas, para que falemos de amor propriamente dito, existe alguma coisa que se especifica. É assim que ela introduz a temática do amor e do belo. O belo especifica a direção na qual se exerce a atração pela posse, ao gozo de possuir (...). Eis o ponto onde Diotima nos leva para definir o amor (LACAN, 1992, p. 129).

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não do ter, nessa visada ao infinito deste objeto impossível, quanto mais longe o sujeito vai em sua busca desejante, mais ele, em seu eu ideal, torna-se mais desejável. No discurso de Diotima, a relação de amor é dual, com a entrada de Alcibíades no discurso, a relação no mínimo passa a ser a três.

É só para o ser falante que se pode dizer da existência do amor, e exatamente porque ele fala. Também é no incondicional da demanda que o amor se inscreve, e é exatamente nesta incondicionalidade da demanda que se situa o desejo.

“A metáfora do desejante no amor implica naquilo que ela substitui como metáfora, isto é, o desejado. O que é desejado? É o desejante no outro – o que só se pode fazer se o próprio sujeito for colocado como desejável. É isso que ele demanda da demanda de amor.” (LACAN, 1992, p. 345)

Amar, repetindo Lacan, é, portanto, “dar o que não se tem – e só se pode amar agindo

como quem não tem, mesmo se se tem. O amor como resposta implica no domínio do não-saber” (LACAN, 1992, p. 345).

No Seminário 11, no texto “O sujeito e o outro (I): A alienação”, a libido é colocada como um órgão essencial, embora irreal, para que a pulsão possa ser compreendida em sua natureza. Irreal não deve ser compreendido como imaginário.

“...na relação fundamental da pulsão, o movimento é essencial, pelo qual a flecha que parte para o alvo só preenche sua função na medida em que realmente dele emana, para retornar ao sujeito.” (LACAN, 1988, p. 195) Ainda transcrevendo Lacan:

A reversão da pulsão é coisa completamente diferente da variação de ambivalência que faz passar o objeto do campo do ódio ao do campo do amor e inversamente, conforme ele seja ou não aproveitável para o bem-estar do sujeito. Não é quando o objeto não é bom a seu ver que alguém se torna masoquista. De cada vez que estamos na dialética da pulsão, outra coisa comanda. A dialética da pulsão se distingue fundamentalmente do que é da ordem do amor como do que é do bem do sujeito (LACAN, 1988, p.96).

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Ela, a pulsão, deve ser reconhecida nos objetos a, representados pelo seio, fezes, o olhar e a voz. É aqui que a dialética do sujeito enquanto sujeito do inconsciente deve ser instaurada. Estes objetos a, que Lacan os situa no campo do prazer, Lust, e numa relação “profundamente narcísica com o sujeito”, Lust-Ich. Como diz Lacan, “o que não pode ser guardado do lado de fora, temos sempre sua imagem do lado de dentro. É mesmo tola assim, a identificação ao objeto do amor. (...). Isso, meu caro, é o objeto do amor” (LACAN, 1988, p. 229).

O objeto do desejo, que é a causa do desejo, é o objeto da pulsão, em torno do qual ela gira. O desejo não se prende ao objeto da pulsão, ele contorna o objeto, pois é do desejo que se trata na pulsão. Lacan no entanto faz uma ressalva, de que nem todo desejo deva estar necessariamente presente na pulsão. De que há desejos vazios, loucos, que podem resultar de uma proibição.

Seguindo Lacan, agora em seu Seminário 20, mais ainda as questões do gozo se põem, e do que deste gozo é possível ou não relacionar com o amor, o desejo é o que da mulher e sua feminilidade pode se dizer, ou não.“O Gozo do Outro, do Outro com A maiúsculo, do corpo do Outro que o simboliza, não é o signo do amor.” (LACAN, 1985, p. 12)

Já no início deste seminário, Lacan estabelece que sendo o desejo de um sujeito o desejo de desejo do Outro, sendo isto ignorado pela via do amor, no que parece ser uma sentença enigmática, ele acrescenta: “Quando se olha para lá mais de perto, vêem-se as devastações” (LACAN, 1985, p. 2).

No “Aturdito”, esta frase pode ficar um pouco mais clara:

...a elucubração freudiana do complexo de Édipo, que faz da mulher peixe na água, pela castração ser nela ponto de partida (...), contrasta dolorosamente com a realidade de devastação que constitui, na mulher, em sua maioria, a relação com a mãe, de quem, como mulher, ela realmente parece esperar mais substância que do pai – o que não combina com ele ser segundo, nesta devastação (LACAN, 2003, p. 465).

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possibilidade deste Um em algum momento vir a se estabelecer, porque gozar de um corpo nu, não significa que se desvele algo de uma identificação com o Um. Como diz Lacan, o que há sob uma vestimenta, o corpo, talvez seja “apenas esse resto que chamo de objeto a”.

O que dá suporte à imagem é um resto. O amor, “em sua essência, é narcísico”, e a causa do desejo, o resto, que é o que o mantém insatisfeito, e em sua impossibilidade. Sendo o gozo fálico determinado pelo significante da ordem do ter, o que coloca o homem como o que provido do órgão, segundo Lacan, “dito” fálico, e não havendo portanto, na linguagem um significante para representar a mulher, pois que desprovida de falo, Lacan situa o sexo da mulher como não lhe dizendo nada, a não ser pela via do gozo do corpo. Quando ele diz do sexo da mulher, ele acentua este “da mulher”, pois não existindo a mulher, “a mulher não é toda – o sexo da mulher não lhe diz nada, a não ser por intermédio do gozo do corpo” (LACAN, 1985, p. 15).

Do homem, este não chega a gozar do corpo da mulher, pois o gozo fálico torna-se obstáculo, gozando ele então do gozo do órgão. “Gozar tem esta propriedade fundamental de ser em suma o corpo de um que goza de uma parte do corpo do Outro, Mas esta parte também goza – aquilo agrada ao Outro mais, ou menos, mas é fato que ele não pode ficar indiferente.” (LACAN, 1985, p. 35)

A relação sexual, não existindo, só tem seu suporte na escrita, exatamente daquilo que não é possível dizer de sua inexistência. Na inexistência da relação sexual, Lacan situa a mulher como entrando em função na relação sexual apenas enquanto “mãe”. Para o gozo não-toda que é a mulher, “que a faz em algum lugar ausente de si mesma, ausente enquanto sujeito”, ela fará de seu filho o objeto a, visando a um tamponamento desta ausência.

O homem inscreve-se no conjunto dos castrados, submetidos à função fálica, onde ao menos um não passa pela castração. É nesta inscrição, via função paterna, que opera a castração, onde o homem fica inscrito na linguagem via representação fálica, pelo significante fálico. A função paterna pela castração elimina a possibilidade de existência de uma relação sexual.

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alguma representação fálica às mulheres. Não havendo a exceção, a castração não opera via significante fálico, tornando a mulher não-toda submetida à mesma. A relação da mulher é com o campo do Outro, , lugar do qual não se pode dizer, tal qual não se pode dizer da mulher, pois não existe inscrição fálica, e é deste lugar, que Lacan fala de um gozo a mais das mulheres.Um gozo do qual não se pode dizer, mas às vezes se tem alguma notícia. Lacan cita alguns místicos para exemplificar este gozo. Mas, ao mesmo tempo ela se relaciona com o Falo, quando ela se dispõe a se fazer de objeto a do homem, de ocupar o lugar deste objeto na fantasia do homem, onde ela parte se objetiva e parte se subjetiva neste lugar. Seria o lugar da mascarada, onde ao mesmo tempo que ela é não-toda submetida à castração, ela se objetiva como fálica para o homem. Enquanto se prestando a ocupar o lugar de objeto a para seu homem a mulher está numa relação imaginária de semelhante à semelhante. Enquanto sendo não-toda, em relação com o Outro, a relação está no simbólico.

Lacan toma de Aristóteles a idéia de um Deus como “o motor imóvel, a esfera suprema”, e que seria na relação com este ser “no lugar, opaco, do gozo do Outro, desse Outro no que ele poderia ser, se ela existisse, a mulher, que está situado esse Ser supremo, manifestamente mítico em Aristóteles (...)” (LACAN, 1985, p. 111).

Ainda citando Lacan:

“É na medida em que seu gozo é radicalmente Outro que a mulher tem mais relação com Deus do que tudo que se pôde dizer na especulação antiga, ao se seguir a via do que só se articula manifestamente como o bem do homem.” (LACAN, 1985, p. 111)

Lacan então passa a falar de amor, e que tal por si só já está na ordem de um gozo. E jogando com o equívoco possível entre as palavras, com algumas em especial, ele homofoniza a palavra alma com amar, surge pois a palavra “almar”. A alma como uma possibilidade de “efeito do amor”, “a alma alma a alma, não há sexo na transação. O sexo não consta neste caso” (LACAN, 1985, p. 113).

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ele enfrenta o saber com que ele alma”. Mas há a questão de que não é possível dizer se a mulher pode dizer sobre o que ela sabe sobre seu gozo.

Citando Empédocles, para quem Deus, era “o mais ignorante de todos os seres, por não conhecer de modo algum o ódio”, conhecer coloca então a questão do amor vinculada ao saber, Lacan completa dizendo que quem não conhece o ódio, também, de forma alguma conhece o amor. E, completa nestes termos, que quanto mais o homem em relação à mulher se presta à confusão com Deus, que é do que ela goza, “menos ele odeia e menos ele é – e uma vez que, depois de tudo, não há amor sem ódio, menos ele ama” (LACAN, 1985, p. 120). Ele nomeia de “hainamoration”, “uma enamoração feita de ódio (haine) e de amor, um

amódio...” (LACAN, 1985, p. 122). Ainda sobre o ódio, Lacan diz que estamos tão sufocados pelo tema “que ninguém percebe que um ódio, um ódio sólido, ele se dirige ao ser, ao ser mesmo de alguém que não é forçosamente Deus” (LACAN, 1985, p. 135).

Ele cita então Santo Agostinho, quando este relata de seu ciúme diante da cena a que presencia, de seu irmão mais jovem, ainda bebê, sugando o seio de sua mãe. Lacan nomeia de “gozume” o ódio-ciumento que daí eclode, “o gozo do ciúme, aquele se imagenizaria com o olhar, em Santo Agostinho que o observa, o homenzinho... Acrescenta, ao final do texto; “A criança olhada, ela o tem, o a. Será que ter o a é sê-lo?” No segmento do seminário, mais à frente ele responde, que não, o objeto a “não é nenhum ser”. O objeto a vem como uma suposição de preenchimento de um vazio impossível de preencher, e que via os quatro objetos nomeados como causa de desejo, seio, fezes, olhar e voz, são colocados como substitutos do Outro na causa de desejo. Sobre o saber e o amor:

“...é que o saber, que estrutura por uma coabitação específica o ser que fala, tem a maior relação com o amor. Todo amor se baseia numa certa relação entre dois saberes inconscientes.” (LACAN, 1985, p. 197)

O gozo do Outro, quando tomado como corpo, “é sempre inadequado – perverso de um lado, no que o Outro se reduz a objeto a – e do outro, eu direi louco, enigmático” (LACAN, 1985, p. 197).

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beatitude do cristianismo, Lacan diz que isto não é mais do que “entravar-se numa apreensão de miragem. O ser como tal, é o amor que chega a abordá-lo no encontro” (LACAN, 1985, p. 199).

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CAPÍTULO III - Censura e supereu

Serge André, ao final de seu livro O que quer uma mulher? diz o seguinte: “Referindo-nos à distinção introduzida por Lacan em seu Seminário sobre Os quatro conceitos fundamentais da Psicanálise, vamos adiantar que a feminilidade não se destaca do recalque, mas sim da censura” (ANDRÉ, 1998, p. 286).

Com isto, ele quer apontar que não existe na linguagem um significante específico que diga da mulher e da sua feminilidade, tal como o significante Falo diz do conjunto dos homens. Não existindo este significante, não há inscrição no inconsciente, portanto, não há recalque. A feminilidade não passa então pelo recalque, mas se destaca da censura.

3.1 Censura e supereu em Freud

Na “carta 79” a Fliess, Freud escreve sobre o recalcamento na neurose obsessiva, e o “significado transferido” que as palavras podem adquirir, “tão logo aparecem novos conceitos que exigem designação...” Para exemplificar o que diz, Freud metaforiza sobre a censura russa em relação a um jornal estrangeiro que tenha passado pelas fronteiras russas. Nesta censura russa, “palavras, orações e frases inteiras são obliteradas, de modo que o que resta se torna ininteligível” (FREUD, 1897, p. 375-6).

Em “As Neuropsicoses de Defesa”, comentando sobre a divisão da mente, Freud, contestando a noção de histeria de Janet, apresenta duas outras formas de a mesma vir a se apresentar, mas ele se detém naquela que denomina como “histeria de defesa”, para distingui-la da histeria “hipnóide” e da histeria de “retenção”.

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O eu leva muito menos vantagem escolhendo a transposição do afeto como método de defesa do que escolhendo a conversão histérica da excitação psíquica em inervação somática. O afeto de que o eu sofreu permanece como antes, inalterado e não diminuído, com a única diferença de que a representação incompatível é abafada e isolada da memória. As representações recalcadas (...) formam o núcleo de um segundo grupo psíquico, que, acredito, é acessível mesmo sem a ajuda da hipnose. Se as fobias e obsessões são desacompanhadas dos notáveis sintomas que caracterizam a formação de um grupo psíquico independente na histeria, isto é sem dúvida porque, em seu caso, toda a alteração permaneceu na esfera psíquica, e a relação entre a excitação e a inervação somática não sofreu qualquer mudança (FREUD, 1894, pp. 60-1).

Em “Sobre a introdução ao narcisismo”, sobre a formação do ideal de eu, Freud explicita que a mesma decorre da vigilância da consciência moral que parte da “influência crítica dos pais, mediada através da voz, aos quais no correr do tempo associaram-se os educadores, professores e, como multidão ilimitável e indefinível, todas as outras pessoas do meio (as que são próximas, a opinião pública)” (FREUD, 1914, pp. 32-3).

Esta consciência moral também pode atuar sobre os sonhos, e Freud lembra que a “formação do sonho surge sob o domínio de uma censura, a qual coage os pensamentos do sonho à desfiguração” (FREUD, 1914, p. 35).

“Se nos adentramos mais na estrutura do eu, poderemos reconhecer, no ideal de eu e nas manifestações dinâmicas da consciência moral, também o censor do sonho.” (FREUD, 1914, p. 35)

Ainda sobre o narcisismo, em relação ao sentimento de si, este aparece num primeiro momento como uma expressão da grandeza do eu, que decorre, ou se constitui desde a onipotência primitiva e no decorrer da experiência vivida pelo sujeito que pode aumentar aquele sentimento. Freud atribui ao sentimento de si “uma dependência particularmente íntima da libido narcísica”. Este sentimento de si, nas relações amorosas, pode ser diminuído quando o não ser amado se presentifica ou é elevado, quando o sujeito é amado. Ser amado é “o alvo e a satisfação na eleição de objeto narcísica”. Ao amar, perde-se uma parte do narcisismo, parte esta que só poderá ser restituída ao ser amado.

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controle” (FREUD, 1914, p. 37). O ideal de eu possui o componente individual, o social, “o ideal comum de uma família, de uma classe, de uma nação”.

“A consciência de culpa foi originariamente angústia ante o castigo dos pais, melhor dito: ante a perda do amor destes; no lugar dos pais é colocada a indefinida multidão dos companheiros.” (FREUD, 1914, p. 42)

No texto “As Pulsões e suas Vicissitudes” , Freud estabelece que as pulsões no decorrer de seu desenvolvimento e da vida passam por várias vicissitudes, que ele enumera como sendo as seguintes:

- Reversão a seu oposto;

- Retorno em direção ao próprio eu (self) do indivíduo; - Repressão;

- Sublimação.

Freud também coloca que a investigação sobre as vicissitudes das pulsões deve ficar restrita às pulsões sexuais, as quais segundo ele “são mais familiares.” Neste texto, Freud vai trabalhar os dois primeiros itens, a reversão a seu oposto e o retorno em direção ao próprio eu. Ele considera que a existência de forças motoras impedem que uma pulsão possa chegar a seus fins sem passar por uma modificação e seu percurso. A estes desvios ou vicissitudes que a pulsão encontra em seu caminho, ele denomina como “modalidades de defesa contra as pulsões”.

A reversão de uma pulsão em seu oposto transforma-se em dois outros processos, que são de diferentes naturezas:

- A mudança da atividade para a passividade; - E uma reversão do conteúdo.

Referências

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