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Psicoterapia na Infância e Intervenção na Primeira Infância

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Academic year: 2021

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1º FORUM DA SAÚDE MENTAL

Câmara Municipal de Lisboa 26 e 27 de Setembro 2018

PSICOTERAPIA NA INFÂNCIA E INTERVENÇÃO NA PRIMEIRA INFÂNCIA

Joana Espírito Santo Psicóloga Clínica, Psicanalista joanaespirito@gmail.com

A psicoterapia na infância tem uma série de particularidades como os estilos de comunicação e associação livre, através do desenho e do brincar; as características do setting, espaço para brincar, horários, materiais; e a aliança terapêutica, que deve incluir uma aliança com os pais ou cuidadores privilegiados. Focar-me-ei na importância do papel que os pais desempenham na psicoterapia de uma criança.

Quando uma criança inicia um processo psicoterapêutico, fá-lo por decisão dos seus pais, encaminhados ou não por um pediatra, uma educadora ou um professor. São eles – os pais ou outros cuidadores privilegiados – que nos procuram e nos pedem ajuda para resolver ou desvendar uma qualquer problemática. São eles – os pais – aqueles que melhor nos podem informar sobre todo o processo de desenvolvimento e suas vicissitudes. É a eles que recorremos para recolher os dados da anamnese; é a eles que colocamos as perguntas mais íntimas; é com eles que fazemos os pontos de situação; é deles que recebemos a criança em psicoterapia e é a eles que a entregamos no fim de cada sessão.

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A criança, ela, aceita e abraça o processo psicoterapêutico porque vem trazida pela mão dos pais (e sabemos o que acontece quando um dos pais não está de acordo ou quando não acredita no processo...) e é capaz de se ligar a nós e ao processo psicoterapêutico porque confia na escolha que os seus pais fizeram quando a trouxeram até nós.

Por outro lado, quando uma criança é trazida para a psicoterapia, ela é o porta-voz de uma dinâmica familiar, de que os seus sintomas não podem ser separados. Uma criança não “adoece” sozinha; o que “adoece” é o sistema relacional. Por isso, quando tratamos uma criança, tratamos as suas relações com os pais, com a família, com a escola...com o mundo. Não é aliás diferente de tratar a criança no adulto – nas psicoterapias de adultos – mas com as crianças não podemos ignorar a sua dependência real em relação aos pais.

A psicoterapia na infância é assim um trabalho de equipa, onde o papel dos pais não pode nem deve ser deixado de parte. Acompanhar uma criança em psicoterapia é trazer e acolher o seu mundo dentro do nosso gabinete, tanto na fantasia como na realidade. As crianças apreciam que os adultos em quem confiam conversem entre si e sabem muito bem, quando existe confiança e coerência, que o segredo profissional não fica por isso posto em causa.

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Na psicoterapia psicanalítica, durante muitos anos (e nalguns casos até nos dias de hoje) os pais eram vistos como um impedimento no processo analítico de uma criança, impedindo o estabelecimento de uma relação transferencial (A. Freud) ou, pelo contrário, não lhes era atribuída importância alguma, uma vez que mais importante do que os pais reais era a “relação fantasmática” com as imagos parentais interiorizadas (M. Klein). Foi Winnicott – um pediatra e psicanalista britânico - que, nos anos 50/60 do século passado, chamou a atenção para a importância do ambiente não apenas enquanto objecto real, mas enquanto lugar privilegiado para o amadurecimento1. Para ele, era muito importante não só não perturbar a relação com os pais, como restaurá-la durante o processo psicoterapêutico.

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Com Winnicott, sabemos que o bebé nasce com uma tendência inata – biologicamente pré-programada – para o amadurecimento. E o ambiente onde tudo isto acontece pode ser facilitador ou perturbador desta tendência inata. Um ambiente facilitador é um ambiente seguro, confiável, previsível, que se adapta às necessidades, que não interrompe e facilita a espontaneidade e que apresenta o mundo ao bebé de uma forma

1 O termo “amadurecimento” é o resultado da feliz tradução para português de Elsa Oliveira Dias e Zeljko Loparic dos termos winnicottianos “processo de maturação” e “processo de

desenvolvimento”. De facto, a língua portuguesa enriquece os termos de “maturação” e “desenvolvimento” conferindo ao processo um carácter mais pessoal através do termo “amadurecimento”.

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acessível; sem lho impingir. É um ambiente vivo e real, com as suas falhas e, por isso “suficientemente bom”.

Quando tudo corre bem, ou seja quando não existem doenças hereditárias, malformações congénitas, lesões acidentais ou processos infecciosos, o amadurecimento acontece naturalmente e o ambiente onde o bebé se desenvolve só precisa de o acolher e deixá-lo cumprir as suas tarefas do amadurecimento, facilitando-lhe o processo e respondendo às suas necessidades.

A psicoterapia na infância é portanto uma possibilidade de reparação e retoma do amadurecimento quando, pelas mais diversas razões, o ambiente não foi ou não pôde ser facilitador ou adequadamente responsivo. Quando o ambiente não foi, nas palavras de Winnicott, “suficientemente bom”. Mas o facto de o ambiente não ter sido “suficientemente bom” não implica que ele seja ou tenha sido intencionalmente mau.

Então - podemos perguntar - será a psicoterapia na infância uma resposta “suficientemente boa”? É, sem dúvida, uma resposta necessária e, com ela, evitam-se muitas complicações na entrada para a adolescência e depois para a vida adulta. Contudo, a experiência de 20 anos de trabalho nesta área tem-me mostrado que muitas psicoterapias na infância – pesadas para as famílias, pelo tempo que demoram a produzir efeitos consistentes e pelos custos financeiros que representam - poderiam ser reduzidas e nalguns casos até totalmente substituídas por uma intervenção

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mais leve e menos intrusiva, centrada na promoção da saúde, durante a primeira infância. Sabemos que a promoção da saúde mental acontece na gravidez e nos primeiros anos de vida quando, num período tão sensível e precioso, o bebé e a família podem beneficiar de um olhar partilhado sobre o seu desenvolvimento enquanto família. E sabemos, aqueles que trabalhamos com bebés e crianças pequenas, que a saúde mental e relacional tem um forte impacto na saúde física e no desenvolvimento como um todo. Winnicott provocou uma mudança de paradigma na Psicanálise com a sua Teoria do Amadurecimento Pessoal e ensinou-nos que o desenvolvimento assenta nas características individuais (natureza inata) e nas experiências com o meio ambiente (relação); que a forma como os pais respondem e se relacionam com o bebé tem uma forte preponderância no seu amadurecimento e no modo como ele se adapta ao mundo.

Poucos anos depois, na década de 70 do século passado, Brazelton trazia uma mudança de paradigma na Pediatria, transformando (com a NBAS – Neonatal Behavioral Assessment

Scale) a avaliação do recém-nascido numa experiência

partilhada, centrada na família e nas características individuais do recém-nascido. Com ele, aprendemos que as características individuais e o temperamento do bebé também influenciam e moldam a forma como os pais se relacionam com ele. Um bebé doente ou muito difícil pode perturbar seriamente o ambiente onde nasce, pode provocar desequilíbrios e equívocos no

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estabelecimento das relações mais precoces e pode influenciar negativamente a imagem que os pais têm de si e da sua parentalidade.

É portanto neste período tão sensível da relação, uma relação que é simultaneamente:

- a continuação de uma relação iniciada in utero - o lugar da conexão psykhé / soma

- o apoio para os processos de integração do Eu - o lugar da vinculação pais-bebé

que situo a minha Consulta do Bebé e da Família. Trata-se de uma consulta que se quer articulada com a pediatria e com outros serviços da rede pública ou privada de prestação de cuidados materno-infantis, numa lógica de complementaridade. Os bebés e famílias encaminhados para esta consulta levarão consigo um pequeno relatório que poderão entregar ao seu médico.

Esta Consulta do Bebé e da Família nasce de várias fontes de conhecimento e experiência que pautaram o meu percurso académico, formativo e profissional:

- A observação de bebés segundo o método de Esther Bick (um método de observação antropológica em meio natural utilizado por Margaret Mead e que E. Bick aplicou à observação do bebé no seu meio natural habitual, a saber a família) ensinou-me a observar e compreender a comunicação inconsciente na relação família-bebé.

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- A Filosofia Touchpoints de T.B. Brazelton, amplamente divulgada em Portugal pela Fundação Brazelton / Gomes-Pedro para as Ciências do Bebé e da Família, ensinou-me a olhar para o desenvolvimento com períodos previsíveis de desorganização, que podem perturbar as relações familiares, mas que são, simultaneamente, oportunidades de intervenção e de reorganização, para garantir a continuidade do amadurecimento.

- A Teoria do Amadurecimento Pessoal de D.W. Winnicott (profundamente estudada e investigada por Zeljko Loparic e Elsa Oliveira Dias) tem-me oferecido a possibilidade de remodelar o manejo clínico dos meus casos, identificando o momento na linha do amadurecimento em que as coisas se complicaram e onde elas devem ser retomadas.

- O trabalho com equipas de acolhimento de crianças e jovens em risco e a observação e avaliação de recém-nascidos acolhidos em Centros de Acolhimento Temporários, pôs-me em contacto com realidades extremas e com a extraordinária capacidade de recuperação dos bebés, crianças e jovens nascidos em ambientes perturbadores do seu amadurecimento pessoal.

Todas estas experiências concorreram para o desenho da Consulta do Bebé e da Família, que consiste em sessões espaçadas no tempo, iniciando-se preferencialmente no último trimestre da gravidez e seguindo um esquema de follow-up. São sessões de observação partilhada do bebé e da criança, onde o saber dos

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pais e do técnico se interligam, à boa maneira da Filosofia Touchpoints, e onde vão sendo monitorizadas as diferentes tarefas e conquistas do amadurecimento, assim como as condições mais ou menos facilitadoras que o ambiente apresenta.

Não se trata de uma sessão de psicoterapia, nem tampouco de uma sessão de coaching parental. Na Consulta do Bebé e da Família incentiva-se a observação partilhada do bebé, a descoberta das suas características individuais e do seu temperamento, reflecte-se sobre o impacto que estas características têm nos pais, reforça-se o conhecimento que os pais têm do seu filho, abordam-se questões que possam surgir ligadas à fase do desenvolvimento e do amadurecimento daquele momento e antecipam-se os períodos de desorganização da fase seguinte. Com isto não estamos apenas a promover um desenvolvimento saudável, assente em relações naturais, reais, espontâneas e por isso sanígenas (na terminologia de Coimbra de Matos); estamos também a prevenir que períodos previsíveis de desorganização não sejam mal-entendidos, mal-interpretados, causadores que equívocos relacionais... e que eventuais factores perturbadores do amadurecimento se fixem e enquistem, desorganizando esta tendência inata – biologicamente pré-programada – para um amadurecimento pessoal, com que todos somos brindados à nascença.

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A intervenção na primeira infância deverá tendencialmente reduzir e nalguns casos até evitar que algumas crianças tenham de ser submetidas a um processo psicoterapêutico. Na idade escolar, por exemplo, algumas dificuldades de aprendizagem têm na sua origem uma perda da espontaneidade ou uma falha na aquisição da capacidade de simbolização, ou ainda um salto por cima da capacidade de se preocupar com o outro, de ter um desejo de reparação. A energia de uma criança que pensa com o corpo pode ser confundida com hiperactividade ou défice de atenção. As crianças aprendem brincando; brincando umas com as outras e, se perdem essa capacidade – A CAPACIDADE DE BRINCAR – adoecem, precisam de psicoterapia. Muitas das psicoterapias que tenho feito nos últimos anos, centraram-se só na recuperação da capacidade de brincar... Os bebés brincam muito antes de conquistar a etapa do jogo simbólico, acreditam que criam o mundo à sua volta porque a mãe / os pais lho apresentam na exacta medida das suas necessidades; não lho impingem...

A Consulta do Bebé e da Família não vem por isso trazer nada de novo na relação pais-bebé; vem apenas para salvaguardar e preservar, para promover e não deixar perder a magia e a paixão que existem quando nasce uma família.

Referências

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