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Roger Ancillotti. Considerações médico-legais sobre os crimes contra a liberdade sexual

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Academic year: 2021

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consideRAções médico-legAis sobRe

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Roger Ancillotti

Médico. Perito Legista, Professor de Medicina Legal. Ex-Diretor Geral do Instituto Médico Legal Afrânio Peixoto (RJ). Autor do livro Medicina Legal à luz do Direito Penal e Processual Penal. Editora Impetus.

A Lei n.º 12.015, publicada no dia 10.08.09, alterou diversos dispositivos do Código Penal, do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Lei dos Crimes Hediondos, de maneira geral no que tange aos crimes contra a liberdade sexual, tentando puni-los com maior rigor, endurecendo aqueles cometidos contra crianças e adolescentes.

Lamentavelmente, o legislador equivocou-se, em nossa opinião, em não observar a complexidade das implicações médico-legais. Desapareceu do Código Penal brasileiro (CPB) o tipo penal do atentado violento ao pudor, sendo absorvido pelo estupro. Anteriormente à lei, tínhamos:

Estupro: artigo 213 do CPB: Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça: Pena - reclusão de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

Atentado violento ao pudor: artigo 214 do CPB: Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal: Pena - reclusão de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

Estes crimes foram resumidos no artigo 213 do CPB, atualmente com a seguinte redação: Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena - reclusão de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

§1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou maior de 14 (quatorze) anos: Pena - reclusão de 8 (oito) a 12 (doze) anos.

§2º Se da conduta resulta morte: Pena - reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

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Ao ser trocado, neste texto, a palavra “mulher” por “alguém”, em tese, os homens daqui para frente poderiam ser vítimas de estupro, ao passo que, anteriormente, indivíduos do sexo masculino sofriam atentado violento ao pudor, cuja penalidade era similar ao estupro. Homens homossexuais, garotos de programa e michês poderiam ser doravante estuprados.

Não havendo restrição de gênero quanto aos sujeitos do crime, porém, deve-se observar cuidadosamente que o homem somente poderá ser vítima da figura prevista na segunda parte do referido artigo.

A capitulação, quando houver a prática de estupro e ato libidinoso, deverá mencionar ambos os núcleos dos verbos existentes no citado artigo 213.

A Medicina Legal considera estupro, desde o tempo do Direito Romano, a entidade que tem como requisito “sine qua non” a conjunção carnal e está intimamente ligado à expressão em latim “introdutio penis in(tra) vas”, ou seja, introdução do pênis na vagina, que pode ser total ou parcial, com ou sem ejaculação. Portanto, deixa vestígios materiais, como marcas da violência exercida, a presença de esperma, ruptura himenal, gravidez, doenças sexualmente transmissíveis etc. O exame de corpo de delito é necessário.

Os outros constrangimentos diversos da conjunção carnal serão, como anteriormente, tipificados no atentado violento ao pudor. Os exemplos típicos são a cópula anal ou em outras sedes, a introdução de dedos, objetos ou pênis de silicone na vagina, felação, cunilíngua etc., sendo realizados por e contra pessoa de qualquer gênero, comportando ação tanto ativa quanto passiva. Exemplos: ativa – a ofendida sofre o constrangimento de masturbar o autor; passiva – o ofendido é obrigado a deixar-se ser masturbado pela delinquente. Portanto, na nossa opinião, pode ser alegada aqui a figura jurídica da “abolitio criminis”, pela absorção deste tipo penal pelo estupro. Por isso, não há mais condições legais para o concurso dos tipos anteriormente capitulados nos artigos 213 e 214, ora falecidos.

Os outros requisitos são a violência ou a grave ameaça, respectivamente, “vis corporalis” ou “vis compulsiva”. A violência pode ser física (real) ou presumida. A violência física é o emprego de meios materiais para vencer a resistência da vítima, como a força física e/ou a superioridade numérica. Como ressaltado, é nesta hipótese que se encontrarão, com frequência, escoriações, equimoses, estigmas ungueais (marcas das unhas), sugilações (chupões), lesões de defesa etc., devidamente referidas no exame pericial. A violência presumida consiste na anulação da capacidade da vítima resistir. Há exemplos como hipnotismo ou sessões onde falsos espiritualistas aproveitam-se da situação de transe e mantêm

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Já a grave ameaça é uma modalidade de violência moral ou psíquica, consistindo em prometer/ameaçar causar um mal sério. Atua-se, assim, inibindo a capacidade de resistência da vítima, impondo o terror. Exemplo: ameaçar um filho daquela pessoa com uma arma. Ademais, houve o acréscimo de artigos que gerarão controvérsias periciais.

VIOLAÇÃO SEXUAL MEDIANTE FRAUDE, ART. 215

Sob esse título, as condutas que constituíam os crimes de posse sexual mediante fraude e atentado ao pudor mediante fraude, constantes dos artigos 215 e 216 do CP, nessa ordem, foram unificadas no artigo 215., que hoje é ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima: Pena - reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

Parágrafo único. Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.

Anteriormente, chamava-se posse sexual mediante fraude: Art. 215. Ter conjunção carnal com mulher, mediante fraude: Pena - reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos.

Parágrafo único. Se o crime é praticado contra mulher virgem, menor de 18 (dezoito) e menor de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

Ou atentado ao pudor mediante fraude:

Art. 216. Induzir alguém, mediante fraude, a praticar ou submeter-se à prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal: Pena - reclusão de 1 (um) a 2 (dois) anos.

Parágrafo único. Se a vítima é menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.

ASSÉDIO SEXUAL, ART. 216-A

Foi acrescentada ao crime de assédio sexual, previsto no artigo 216-A do Código Penal, uma causa de aumento de pena, tratada no § 2º daquele dispositivo, com a seguinte redação: “A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos”.

Desse modo, se o crime for praticado contra menores de 18 (dezoito) anos, será afastada a competência dos juizados especiais, não podendo sequer ser aplicados os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95, pois, apesar da aludida norma não especificar a fração mínima de aumento da pena, qualquer

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acréscimo importará na extrapolação dos limites previstos nos artigos 61 e 89 da Lei dos Juizados Especiais.

A ação penal, nos casos de assédio sexual contra menores de 18 (dezoito) anos, passou a ser pública incondicionada por força do artigo 225, parágrafo único, do CP, com a nova redação conferida pela lei em estudo.

DOS CRIMES SEXUAIS CONTRA VULNERÁVEL . ESTUPRO

DE VULNERÁVEL, ART. 217-A

A nova lei trata por “vulneráveis” as vítimas menores de 14 (quatorze) anos, ou portadoras de enfermidade ou deficiência mental, ou, ainda, aquelas que por qualquer outra causa não possam oferecer resistência.

Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (quatorze) anos: Pena - reclusão de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

§ 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

§ 2º (VETADO)

§ 3º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.

§ 4º Se da conduta resulta morte: Pena - reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

Não há restrição de gênero quanto aos sujeitos do crime, todavia, deve-se observar que o homem somente poderá ser vítima da figura prevista na segunda parte do referido artigo.

A capitulação, quando houver a prática de estupro e ato libidinoso, deverá mencionar ambos os núcleos dos verbos existentes no citado artigo 213.

As condutas que definiam o estupro e o atentado violento ao pudor foram sistematizados no artigo 217-A em razão do sujeito passivo, denominadamente vulnerável, havendo um aumento da pena básica, que passou a reger-se pelos limites de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

Note-se que o tipo penal pune o ato de ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos, não exigindo o emprego de violência real.

Anteriormente, neste caso, preceituava o art. 224: Presume-se a violência, se a vítima: a) não é maior de 14 (quatorze) anos; b) é alienada ou débil mental

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oferecer resistência. E somente mulher poderia ser vítima do crime de estupro, que tinha o homem como seu sujeito ativo.

CORRUPÇÃO DE MENORES, ART. 218

A Lei n.º 12.015/09 alterou o título do capítulo II que tratava “Da Sedução e da Corrupção de Menores” para “Dos Crimes Sexuais contra Vulnerável”, mudando a redação do artigo 218 do Código Penal, passando a punir a conduta de “induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem”, com pena de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.

A ação penal nesse crime é igualmente pública incondicionada, ex vi artigo 225, parágrafo único, do CP.

SATISFAÇÃO DE LASCÍVIA MEDIANTE PRESENÇA DE CRIANÇA OU ADOLESCENTE, ART. 218-A

A lei em estudo criou o seguinte tipo penal:

Art. 218-A. Praticar, na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos ou induzi-lo a presenciar conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem: Pena - reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.

A ação penal nesse crime é igualmente pública incondicionada, conforme artigo 225, parágrafo único, do CP.

FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL DE VULNERÁVEL, ART. 218-B

Também foi criada a seguinte figura delitiva:

Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone: Pena - reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos. § 1º Se o crime é praticado com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.

§ 2º Incorre nas mesmas penas: I - Quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo; II - O proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifiquem as práticas referidas no caput deste artigo.

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§ 3º Na hipótese do inciso II do § 2º, constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de localização e de funcionamento do estabelecimento.

Para caracterizarmos pericialmente pela Medicina Legal os crimes contra a liberdade sexual, utilizamos a quesitação oficial padrão desde 1941, criada depois da publicação do Código de Processo Penal brasileiro, à época produzida por médicos legistas e coordenada por jurisconsultos brasileiros de renome internacional. Hoje, ainda utilizados, os quesitos básicos para cada caso são os que se seguem:

AUTO DE EXAME DE CORPO DE DELITO (CONJUNÇÃO CARNAL)

PRIMEIRO - SE A PACIENTE É VIRGEM;

SEGUNDO - SE HÁ VESTÍGIOS DE DESVIRGINAMENTO RECENTE; TERCEIRO - SE HÁ OUTROS VESTÍGIOS DE CONJUNÇÃO CARNAL;

QUARTO - SE HÁ VESTÍGIO DE VIOLÊNCIA E, NO CASO AFIRMATIVO, QUAL

O MEIO EMPREGADO;

QUINTO - SE DA VIOLÊNCIA RESULTOU PARA A VÍTIMA INCAPACIDADE

PARA AS OCUPAÇÕES HABITUAIS POR MAIS DE TRINTA DIAS, OU PERIGO DE VIDA, OU DEBILIDADE PERMANENTE OU PERDA OU INUTILIZAÇÃO DO MEMBRO, SENTIDO OU FUNÇÃO, OU INCAPACIDADE PERMANENTE PARA O TRABALHO, OU ENFERMIDADE INCURÁVEL, OU DEFORMIDADE PERMANENTE (RESPOSTA ESPECIFICADA);

SEXTO - SE A VÍTIMA É ALIENADA OU DÉBIL MENTAL;

SÉTIMO - SE HOUVE OUTRA CAUSA DIVERSA DA IDADE NÃO MAIOR

DE QUATORZE ANOS, ALIENAÇÃO OU DEBILIDADE MENTAL, QUE A IMPOSSIBILITASSE DE OFERECER RESISTÊNCIA.

AUTO DE EXAME DE CORPO DE DELITO (ATENTADO AO PUDOR):

PRIMEIRO - SE HÁ VESTÍGIOS DE ATO LIBIDINOSO;

SEGUNDO - SE HÁ VESTÍGIO DE VIOLÊNCIA E, NO CASO AFIRMATIVO, QUAL

O MEIO EMPREGADO;

TERCEIRO - SE DA VIOLÊNCIA RESULTOU PARA A VÍTIMA INCAPACIDADE

PARA AS OCUPAÇÕES HABITUAIS POR MAIS DE TRINTA DIAS, OU PERIGO DE VIDA, OU DEBILIDADE PERMANENTE OU PERDA OU INUTILIZAÇÃO DO MEMBRO, SENTIDO OU FUNÇÃO, OU INCAPACIDADE PERMANENTE PARA O TRABALHO, OU ENFERMIDADE INCURÁVEL, OU DEFORMIDADE PERMANENTE (RESPOSTA ESPECIFICADA)

QUARTO - SE A VÍTIMA É ALIENADA OU DÉBIL MENTAL;

QUINTO - SE HOUVE OUTRA CAUSA DIVERSA DA IDADE NÃO MAIOR

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Como foi discutido acima, a capitulação, quando houver a prática de estupro e ato libidinoso, deverá mencionar ambos os núcleos dos verbos existentes no citado artigo 213. E, por analogia, separadamente nos casos estanques de cada violação “per se”.

Em nossa opinião, antes de modificarmos as quesitações oficiais, há que haver uma ampla discussão entre os profissionais da medicina legal, penalistas, autoridades e representantes sociedade civil organizada.

Enquanto isso, deve ser dever da autoridade requisitante o enquadramento dentro de cada núcleo dos verbos do artigo 213, já que a atividade pericial se dá por demanda e não autônoma e automaticamente. Finalmente, não devem ser modificados os quesitos em cada unidade federativa ao bel-prazer dos interesses locais; tratando-se de uma lei federal, devemos respeitar as implicações.

Referências

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