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Cinema no Hospital? Práticas pedagógicas com o cinema e o audiovisual no espaço hospitalar.

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE ARTES E COMUNICAÇÃO SOCIAL

BERNARDO CAMPBELL BRAGA FERREIRA

CINEMA NO HOSPITAL?

Práticas pedagógicas com o cinema e o audiovisual no espaço hospitalar

Niterói 2018

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BERNARDO CAMPBELL BRAGA FERREIRA

CINEMA NO HOSPITAL?

Práticas pedagógicas com o cinema e o audiovisual no espaço hospitalar

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de Licenciatura em Cinema e Audiovisual, como requisito parcial para conclusão do curso.

Orientadora:

Prof.ª Dr.ª Eliany Salvatierra Machado

Niterói 2018

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Ao meu avô Edson, por me inspirar a estudar. À minha madrinha Marlena, por me ensinar a sonhar.

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AGRADECIMENTOS

Aos professores Bruno, Fernanda e Angela, por me apresentarem e acompanharem minha passagem pelas atividades no IPPMG, razão deste trabalho.

Ao professor Maurício, por me acolher como monitor em sua disciplina, e por todo apoio que seu trabalho como coordenador de curso proporcionou a mim e a meus colegas ao longo de quase toda passagem pela universidade

À minha orientadora Eliany, a qual me abraçou e me acompanhou por todos esses anos de curso e, principalmente, durante a monografia, como uma verdadeira tutora, cujo apoio foi fundamental para minha trajetória na universidade.

Ao meu chefe Guilherme, quem me auxiliou a conciliar meu trabalho formal com as atividades universitárias, quando normalmente isto seria impossível.

Ao Manoel, meu terapeuta, com cujo auxílio eu descobri que queria trabalhar com cinema e educação por toda minha vida.

Aos amigos Pedro Alves e Mariana Revoredo, por todos os períodos que compartilhamos como colegas ao longo do curso e sem os quais eu jamais teria usufruído tão bem deste tempo.

Ao Pedro Brandão, meu amigo e irmão, que me ensinou a amar a UFF como se fosse minha casa, e com quem sempre pude transformar minhas angústias em determinação.

À Omayra, minha companheira, quem me inspirou, apoiou e incentivou por todos estes anos, e que me mostrou uma outra face do mundo.

Especialmente, à minha mãe, ao meu pai e à minha irmã, por serem meus eternos pilares, meus principais professores, sem os quais eu não seria ninguém.

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Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo. Paulo Freire

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RESUMO

Este trabalho apresenta as atividades do projeto de extensão “Cinema no Hospital” da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que foram realizadas nas enfermarias do hospital pediátrico situado na ilha do Fundão, no Rio de Janeiro, ao longo de dez encontros, acompanhadas de orientação e colaboração de professores e estudantes, principalmente da área de educação. O objetivo deste trabalho é debater e refletir sobre as experiências desenvolvidas entre crianças e cinema num espaço atípico para tais atividades no supracitado período. Esta experiência coloca o cinema e audiovisual como elementos capazes de permear o espaço do hospital e levar aos pacientes crianças, através da educação, a possibilidade de desenvolver processos e conhecimento de saberes mediante sua interação com os recursos presentes, em atividades práticas e/ou teóricas. Pode-se concluir que é possível atuar com cinema nestes espaços inóspitos e educar através do lúdico.

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ABSTRACT

This work presents the activities of the project “Cinema no Hospital” from Universidade Federal do Rio de Janeiro, developed at the infirmaries of the paediatric hospital from Ilha do Fundão, Rio de Janeiro, through ten occasions, followed by orientation and collaboration, manly from the area of education. The goal of this work is to discuss and think about the experiences developed between children and cinema in an unusual place for those activities in the mentioned period. This experience puts cinema and audio-visual as elements able to pass through the hospital place and lead the children patients, by education, to the possibility of developing processes and knowledges through they interaction with the present resources, in practice and/or theoretical activities. It can conclude that is possible do act with cinema I these hostiles places and to educate ludic.

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RESUMEN

Este trabajo presenta actividades del proyecto de extensión “Cinema no Hospital”, de Universidade Federal do Rio de Janeiro, que fueran desarrolladas en las enfermarías del hospital pediátrico situado en Ilha do Fundão, Rio de Janeiro, a lo largo de diez encuentros, acompañados de orientación y colaboración de profesores y estudiante, principalmente del área de educación. El objetivo de este trabajo es discutir y reflexionar sobre la experiencia desarrollada entre niños y cine en un espacio inusual para estas actividades en el periodo citado. Esta experiencia expone el cine y audiovisual como elementos capaces de permear el espacio del hospital y llevar a los pacientes niños, a través de la educación, la posibilidad de desarrollar procesos y conocimientos mediante su interactuación con los recursos presentados, en actividades prácticas y/o teóricas. Puede ser concluido que es posible actuar con cine en estos espacios hostiles y educar a través del lúdico.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Dia das crianças. Foto tirada em 14 de outubro de 2016, IPPMG. ... 22 Figura 2. Sozinho no hospital. Foto tirada em 13 de janeiro de 2017, no IPPMG. ... 38

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 13

1 O PROJETO ‘CINEMA NO HOSPITAL?’ ... 15

1.1 EXPECTATIVAS: AS PRIMEIRAS DE MUITAS ... 16

2. ATIVIDADES: A SURPRESA E O IMPREVISTO ... 18

2.1. O PRIMEIRO DE MUITOS ENCONTROS... 18

2.2 PLANEJAMOS, MAS TUDO MUDA, A VIDA EM MOVIMENTO ... 21

2.3 O PAPEL DO EDUCADOR AUDIOVISUAL... 23

2.4 FAÇA SOL, FAÇA CHUVA, O PROJETO CONTINUA ... 26

2.5 DO HOSPITAL À ESCOLA ... 28

2.6 SABER SOBRE CINEMA ... 31

2.7 A EXIBIÇÃO ... 33

2.8 ANÁLISE FÍLMICA? ... 34

2.9 REVISITANDO O CINEMA ... 36

2.10 SOZINHO? OU TALVEZ NÃO ... 37

3 CINEMA, SIM, NO HOSPITAL ... 40

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INTRODUÇÃO

A ideia de se trabalhar com cinema no hospital nunca foi algo que me provocou muito interesse ou curiosidade. Particularmente, considerava um tipo de desafio o qual não estava disposto a encarar, e imaginava uma infinidade de empecilhos que mais desanimariam do que incentivariam os envolvidos. O que aconteceu foi bem diferente disso.

Eu, que particularmente não nutro de grande apreço pelo espaço do hospital, tive receio de iniciar algo nesse ambiente, mas, considerando a proposta1, algo nisso me intrigava, além da obrigatoriedade do estágio do curso. Encarar “Cinema no Hospital?” seria uma experiência nova em um ambiente onde nada parecia estar favorável, e onde todo o progresso traria uma sensação de sucesso, por mais sutil que fosse.

Os momentos aqui relatados, e sob os quais reflito, mostram um pouco o rompimento do pressuposto de que o hospital não é um espaço educativo, e que ele pode ser valorizado e considerado no que se trata da intervenção do audiovisual na vida de crianças. A partir daí, desenvolvi um pensamento acerca da aprendizagem através do lúdico, a qual pode ocorrer em qualquer espaço, mas mais precisamente no espaço do hospital, e auxiliar a revolucionar os ambientes como locais possíveis de atravessamento da educação.

O relato exposto, no presente texto, trata da minha participação como estagiário e mediador dentro de um projeto do CINEAD (Cinema para Aprender e Desaprender), da Faculdade de Educação UFRJ, com graduandos, mestrandos e doutorandos, que toma o cinema e o audiovisual como meio para a educação; e busca a reflexão de todo este processo, assim como o apresenta como Trabalho de Conclusão de Curso para o curso de Cinema e Audiovisual com ênfase em licenciatura na Universidade Federal Fluminense. Este projeto ocorre nas enfermarias do IPPMG (Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira) do Centro de Ciências da Saúde da UFRJ, na Ilha do Fundão, todas as sextas-feiras, no período da tarde.

O Trabalho de Conclusão de Curso apropria-se do diário das atividades, dos relatos e relatórios para construir um diário de bordo. Um relato afetivo e reflexivo dessa experiência intensa e inovadora na formação do educador audiovisual.

1 O projeto “Cinema no Hospital?” é uma iniciativa do programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a partir do projeto do programa de pós-graduação, o CINEAD (Cinema para Aprender e Desaprender), criado e coordenado por Adriana Fresquet. Este projeto me foi apresentado pelo professor de Pesquisa e Prática de Ensino (I, II, III e IV) da Universidade Federal Fluminense (UFF) e doutorando na Faculdade de Educação da UFRJ, Bruno Teixeira Paes, e pela Doutora Fernanda Omelczuk, do mesmo programa da UFRJ.

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14 As reflexões a seguir contam um pouco desta rotina ao longo de dez semanas da minha participação, que foi apenas uma parte do meu trabalho de cinema neste hospital, mas foram os primeiros e, sem dúvida, os mais intensos e ricos para constituir a minha formação.

Este diário de campo, o qual é apresentado aqui, relata as atividades em diversas situações, com uma grande variedade de pacientes, na presença de diferentes equipes, em contextos distintos, sempre buscando o mesmo objetivo: o cinema, o audiovisual e a educação no espaço do hospital como desbravadores de atividades lúdicas com crianças.

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1 O PROJETO ‘CINEMA NO HOSPITAL?’

O projeto “Cinema no hospital?” está vinculado às atividades prévias realizadas pelo CINEAD, que diante das discussões desse grupo de pesquisa, propõe em 2009 a exploração do espaço do hospital, mais precisamente das enfermarias, como possível local de busca da aproximação de crianças e adultos com o cinema, dentro de um espectro maior oriundo das pesquisas do próprio CINEAD. Isto surge, principalmente, com a referência da pedagogia da criação de Alain Bergala2, também estudado como um dos pilares do curso de licenciatura em cinema da Universidade Federal Fluminense.

Tive a oportunidade de iniciar minha frequência ao hospital a partir de uma conversa com uma das precursoras deste projeto, e possivelmente uma das mais dedicadas a ele, a psicóloga Fernanda Omelczuk, cuja tese de doutorado3 foi justamente sobre cinema em hospital. Além dela, ainda havia Angela Santi, que também coordena o projeto, e Tatiane Mendes, estudante de doutorado na área da educação na UERJ, além de colaboradores esporádicos.

“Cinema no Hospital?” tem um nome interrogativo justamente com o intuito de problematizar esse espaço educativo: será que é possível? Será que podemos levar o cinema às enfermarias e envolver as crianças em todo seu contexto num momento onde elas deveriam estar em suas respectivas escolas, mas não, estão ali, hospitalizadas e com outras necessidades?

A proposta do Cinema no Hospital é um desafio, que é se apropria do espaço do hospital para que esse se torne educativo, usando o cinema e o audiovisual como braços que envolvem as crianças que precisam de cuidados e atenção em um momento sensível, num ambiente delicado. O objetivo é leva-las a reflexão, imersão, transformação, e, principalmente, que as ações as provoquem.

A princípio, as intervenções artísticas em hospitais para mim soavam como um trabalho voluntário, como leitura de histórias ou entretenimento com palhaços. Após as minhas primeiras idas ao hospital, percebi meu engano, e o quão enriquecedor é o projeto, não apenas às crianças, mas para nós educadores. Era impressionante perceber o quanto uma ação tão simples, e muitas vezes desprovida de recursos, trazia diversão e aprendizado aos envolvidos.

2 BERGALA, Alain. A Hipótese-Cinema: pequeno tratado de transmissão do cinema dentro e fora da escola. Rio de

Janeiro: Booklink; CINEAD-LISE-FE/UFRJ, 2008.

3 WALTER, Fernanda Omelczuk. O que se aprende quando se aprende cinema no hospital? Rio de Janeiro: UFRJ, 2016.

Tese (Doutorado em Educação) — Programa de Pós-graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.

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16 Evidentemente, não há tanto romantismo nesta empreitada, a realidade concreta as vezes é dura. O projeto “Cinema no Hospital?” é, para todos os efeitos, um projeto de questionamento, às vezes de enfrentamento, de transposição de barreiras e de reconstrução de um espaço não tão amigável em um ambiente de possibilidades de crescimento, evolução, interação e enriquecimento pessoal, tanto para nós quanto para as crianças – e muitas vezes até para pais e profissionais.

O projeto é uma intervenção em um espaço hostil e inóspito, onde levamos o cinema para quebrar todas as impurezas atmosféricas que normalmente se teria num ambiente como é o hospital. O cinema invade e modifica o espaço a cada vez que entramos na enfermaria e uma criança sorri ao ouvir este termo. Elas se transformam a cada segundo de exibição, a cada momento de uma atividade, a cada interação com pessoas diferentes.

A atuação no hospital é mais que uma simples intenção de transformação daquele espaço e das vidas daquelas crianças. É, na realidade, uma agitação, uma inquietação – em geral, momentânea – que busca levar àqueles envolvidos a outro patamar, ainda que intangível. O exercido no começo do estágio estava bem atrelado às intenções do projeto do CINEAD, mas se metamorfosearam ao longo daqueles encontros das sexta-feira semanais, chegando a um perfil mais próprio e sem desprezar a importância da exibição fílmica. Pouco a pouco demos mais espaço às atividades lúdicas vinculadas ao cinema, como animação em papel ou com fotos, criação de personagem, narrativa com sombras, interação com aparelhos óticos, entre outras que exigiam contato tátil, e não tanto apenas visual como assistir a um filme.

“Cinema no Hospital?” é enriquecê-los inconscientemente, transformando-os em pessoas com novas e diferentes perspectivas ao seu entorno; ao mesmo passo que nos enriquece, multiplicando as possibilidades e perspectivas que temos diante da interação cinema-criança. Não há dúvidas que o cinema por si só já possui capacidade didática educacional, além de ser uma atividade de prazer e divertimento, mas o que interessava não era apenas a exibição dos filmes, e sim da eventual prática de atividades lúdicas.

1.1 EXPECTATIVAS: AS PRIMEIRAS DE MUITAS

O fato de nunca ter trabalhado em uma escola como estagiário ou educador trazia certa ansiedade e receio quanto à atuação em hospital e com crianças. Digo isso pois o ambiente do hospital me parece tão frágil que seria suscetível a qualquer mínima alteração proposta a ele, proporcionando grande probabilidade de falha.

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17 Além disso, a falta de experiência na área e a expectativa de encarar algo totalmente novo e diferente do que eu já tivera contato trazia certa ansiedade, e atiçava minha curiosidade e imaginação tanto positivamente como negativamente.

Nas breves conversas que tive com a Fernanda Omelczuk através de e-mail, percebi que o hospital realmente necessitava de pessoas decididas a investir nesse projeto, mas também tinha a ligeira impressão de que havia muitas pessoas envolvidas para que ele fosse desenvolvido e que não tinham carências.

Por se tratar de uma atividade de estágio, obrigatória no meu curso de licenciatura, e diante da abertura para a minha participação, imaginei que seria uma excelente oportunidade de aprendizado e que teria contato com pessoas que me auxiliariam nessa atividade pelo tempo que eu precisasse. Parecia-me uma estrutura consolidada.

Quando finalmente tive a oportunidade de participar pela primeira vez, em breve conversa antes de iniciarmos a intervenção em uma das enfermarias, finalmente percebi qual era a dinâmica ali, e minhas expectativas se alteraram lentamente até que finalmente eu pudesse conhecer de fato como acontecia o projeto “Cinema no Hospital”.

Embora existisse há quase seis anos quando iniciei, em outubro de 2016, o projeto ainda carecia de certa atenção em diversos aspectos. Percebi que ele realmente era um desafio, por não haver tantas pessoas disponíveis para frequentar o hospital semanalmente, impossibilitando uma grande variedade de atividades. Notei, também, pela inicial falta de material, que a experiência que levávamos para dentro do hospital provavelmente é o aspecto mais importante do projeto. Há que se aprender a improvisar e lidar com as crianças hospitalizadas de forma diferente de como seria numa escola, onde temos um ambiente relativamente controlado e focado no ensino. Há carências a serem preenchidas ali, o que torna cada visita ao hospital precursora de uma gama de expectativas diferenciadas a cada semana.

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2. ATIVIDADES: A SURPRESA E O IMPREVISTO

Basicamente, a ideia das atividades envolve a exibição de alguns curtas-metragens e a busca por algum diálogo com os filmes. Às vezes, há uma tentativa de fazer atividades independente das exibições, que podem envolver e levar a criança-educanda a criar o seu próprio filme, seja através do roteiro, construção de personagens ou interação com sombras.

Ao longo das atividades dos dez primeiros dias (entre 7 de outubro de 2016 e 13 de janeiro de 2017), muito aconteceu. Como nos foi explicado, por haver um público rotativo, a variabilidade de possibilidades se multiplica a cada encontro. Enquanto em um dia pode haver 6 (seis) crianças, das quais 3 (três) estão disponíveis a participar, na semana seguinte pode haver 8 (oito) crianças e nenhuma estar disposta, pelo motivo que for, seja vontade própria, medicamentos, ou até pelos próprios pais.

Também se deixa a cargo da situação de cada dia se as crianças escolherão os filmes e as atividades ou se iniciamos o encontro com alguma ideia anteriormente elaborada. Alguns roteiros dessas ideias já existiam e eram sugeridos pelos colaboradores, os quais eram periodicamente atualizados e aprimorados. Da mesma forma que tive liberdade para usar ou não essas atividades pré-concebidas, aproveitei minha experiência de licenciando em cinema e audiovisual para desenvolver novas, e passar aos futuros colaboradores, o que se perpetuou por alguns meses posteriormente.

Por contar com mais colaboradores da área da educação do que propriamente da área de cinema, era mais comum que se mantivesse um formato menos dependente de repertório fílmico, mas sempre aberto a alguma súbita ideia dependendo de cada situação, outro aspecto que se alterou rotineiramente.

2.1. O PRIMEIRO DE MUITOS ENCONTROS

No meu primeiro dia de ida ao hospital, conheci a Fernanda Omelczuk. Ela me apresentou a dinâmica, e que esta era diretamente dependente das crianças com quem conviveríamos. Logo no primeiro dia tivemos um problema com equipamento. Devido ao projeto de cinema que também ocorre no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, o equipamento4 do CINEAD se encontrava em outro local, diverso aos armários do IPPMG Após

4 O equipamento principal vinculado ao projeto é um computador, um projetor Datashow e caixas de som para propagação

do áudio. Além destes, muito material em papel, cartolinas, giz de cera, lápis, além CDs e DVDs com filmes diversos. Dentre estes aparatos comuns à escola, havia já montados alguns brinquedos óticos, assim como fotos retiradas de alguns filmes para atividades diversas.

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19 perder um tempo inicial com o deslocamento, nos encaminhamos para as enfermarias do hospital pediátrico.

Este meio tempo foi fundamental para conhecer através das palavras da Fernanda o que era o “Cinema no Hospital?” Inteirei-me de como funcionava a dinâmica nas enfermarias e dos procedimentos pelo quais passaríamos em todas as visitas, como higienizar as mãos ao entrar e montagem de equipamento. Antes de adentrarmos às enfermarias, Fernanda nos propôs uma atividade que, logo ao conhecemos as crianças, percebemos não ser mais possível.

Naquele dia, a vontade dos pacientes era assistir a filmes de terror. De forma quase intransigente, era isso que eles queriam. Por não haver um repertório propriamente de terror no computador disponível para o projeto, teríamos que improvisar. Desta forma, usamos um pouco do nosso conhecimento para escolher quatro curtas-metragens.

Neste dia exibimos os seguintes filmes, dentre os quais apenas o primeiro não constava no “Cardápio de Filmes5” do projeto:

• Lights Out6

• Contato Sideral antes do colegial7 • A Garrafa do Diabo8

• Caçadores de Saci9

Em “Lights Out”, a protagonista está se preparando para dormir, mas possui dificuldade de apagar as luzes, uma vez que sempre que o faz, vê uma silhueta estranha nas sombras, se desenvolvendo este momento até o clímax característico deste gênero fílmico. Ao fim de sua exibição, graças a seu fim abrupto, questionamos as crianças envolvidas para saber o que elas fariam para continuar aquele filme a partir daquele ponto. Todas participaram, cada uma em suas vezes. A princípio, Fernanda fazia a maior parte da comunicação, uma vez que eu queria aprender um pouco sobre a dinâmica.

Uma das crianças se destacou, elaborando uma infinidade de possibilidades – de certa forma, até bem violentas – para a continuação do filme. Considerei suas criações violentas pois ao lhe pedir para dar continuidade ao filme “Lights Out” sob sua perspectiva, ele decidira que

5 O Cardápio de Filmes é representado por dois pequenos livretos de conteúdos diferentes contendo cerca de vinte filmes

cada um, com informações como diretor, ano e uma foto, escolhidos através de uma curadoria proposta pelo artigo: WALTER, Fernanda Omelczuk. 50 curtas para uma infância alternativa (e para uma alternativa de infância. Cinema e

Educação, a Lei 13006: reflexões, perspectiva e propostas, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, p.

196-213. 2015.

6 LIGHTS OUT. SANDBERG, David F. 2013. Suécia. Cor. 3 min.

7 CONTATOS SIDERAIS ANTES DO COLEGIAL. MCHADDO, Ale. 2009. Brasil. Cor. 14 min. 8 A GARRAFA DO DIABO. COIMBRA, Fernando. 2009. Brasil. Cor. 15 min.

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20 seria uma boa ideia resolver o conflito final entre as personagens com bombas, tiros de armas de fogo e muito sangue. Neste instante, percebi o quão frágil era a história dos pacientes ali, mas também o quanto uma breve exibição fílmica os entretinha, fascinava e provocava. Por se tratar de um hospital público, também nos depararíamos com pessoas vindas de situações sociais extremamente complexas e frágeis. Toda a violência a qual aquele paciente, o das criações mirabolantes e radicais, era submetido influenciava diretamente na forma como ele encarava o mundo, e como encarava suas próprias criações.

Após a exibição dos demais filmes, que em suas essências não eram exatamente do gênero de horror/terror, a maioria das crianças parecia não apenas satisfeita, como também animada, e muitos dos pacientes tinham interagido a fim de tentar construir uma narrativa de continuidade para os filmes. Na esperança de conseguir fazer com que um dos pacientes fizesse uma gravação na semana posterior, propusemos a Rafael10 (o menino das criações violentas que devia ter entre oito e dez anos) uma atividade.

Pedimos a ele que elaborasse um pequeno roteiro de um filme de terror no hospital. Usamos parte do material que já existia guardado: uma sequência de cinco planos de outro filme. Pedimos ao paciente-educando que as ordenasse numa sequência lógica narrativa e nos contasse uma história com aqueles cinco planos, o que ele fez com relativa facilidade. Era notável a empolgação com que ele montava aquele “quebra-cabeça” de fotos, ordenando-os das mais diversas formas enquanto elaborava uma história para aquela sequência narrativa.

Após isso, propusemos que ele criasse seu próprio filme, separando-o em cinco cenas. Neste instante, pude perceber a dureza de se interagir naquelas situações: Rafael não sabia escrever.

Apesar de triste pela situação, tínhamos uma solução: Rafael poderia desenhar cada uma das cenas. Novamente, nos deparamos com a impossibilidade, visto que seu motivo de estar no hospital era justamente com as mãos. Ele tinha ambas as mãos bem atadas por gaze e esparadrapo. Então mudamos de novo a abordagem. Ele narraria verbalmente para nós e escreveríamos e desenharíamos para ele em cada um dos quadros.

Encaramos a solução com empolgação à medida que ele criava uma narrativa repleta de funcionários do hospital, invocação de espíritos e sacis fantasmas. Ainda assim, com certa dificuldade, uma vez que o menino possuía certa dificuldade de dissociar sua criação das imagens que ele vira previamente para compreender o conceito de narrativa.

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21 Apesar disto, ignorando o que escrevemos ao lado de cada quadro – explicando a narrativa – Rafael se entretinha com a elaboração da história através dos desenhos que eram feitos, também por nós, em cada quadro sequencial, permitindo-o vislumbrar a ideia que ele havia formado para aquela narrativa, fazendo-o participar, inclusive, da elaboração desses desenhos.

Assim, mesmo diante de uma série de dificuldades, considerei-o como um dia de muita produtividade e uma apresentação extremamente reconfortante sobre o projeto. Estava fascinado e mal podia esperar pela próxima oportunidade, apesar de quaisquer dificuldades.

2.2 PLANEJAMOS, MAS TUDO MUDA, A VIDA EM MOVIMENTO

Com a experiência da semana anterior, buscamos conversar um pouco entre nós sobre a abordagem da próxima semana. Mas, obviamente, todo esse planejamento se alterou quando chegamos ao hospital.

Considerando a atividade da semana anterior, buscamos filmes de terror para passar às crianças, mas o colega que levaria o pendrive com os filmes o esqueceu, então teríamos novamente que improvisar. Desta vez, usamos os “cardápios de filmes” para escolher o que exibir.

Com a nossa chegada, vimos que uma dupla de pacientes elaborava a montagem de um quebra-cabeças, e prontamente nos surgiu a ideia de elaborar um filme em stopmotion com eles, considerando que Fernanda havia levado uma câmera. Um dos meninos (Marcos) prontamente se interessou para participar das atividades, enquanto o outro (Beto) resistiu e rejeitou.

Enquanto exibíamos os filmes propostos – todos em animação de stopmotion – pudemos perceber que o interesse das crianças aumentava. Assim, começamos a posicionar o equipamento para que pudéssemos elaborar um filme em stopmotion com eles usando o quebra-cabeça.

Durante todo esse processo, porém, senti leve desconforto presenciando uma situação constrangedora. Uma nova colaboradora, Samira, havia ido ao hospital desta vez também. Enquanto as crianças montavam o quebra-cabeça, estruturávamos o equipamento para a exibição, Samira “auxiliava” os pacientes em seu quebra-cabeça. Compreendi aquela atitude de forma impositiva e controladora, pois não observava mais o desenvolvimento das crianças diante daquela rica atividade, uma vez que a colaboradora os influenciava em suas escolhas de

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22 montagem, prejudicando o aprendizado, apenas para que pudesse acelerar as atividades posteriores.

Finalmente, quando o equipamento então estava pronto para produzirmos as fotos da sequência do filme que seria feito pelas crianças, fomos interrompidos por outro projeto do hospital. Pela recente data do “dia das crianças”, voluntários fantasiados vieram presentear as crianças, o que as tirou o foco completamente da atividade que exercíamos. Aproveitamos o momento para confraternização, uma vez que todos estávamos ali pelas crianças (Figura 1).

Figura 1. Dia das crianças. Foto tirada em 14 de outubro de 2016, IPPMG.

Iniciamos a atividade de fotografia e logo Beto, que antes parecia desinteressado, tomou as rédeas da situação, assumindo o posto de fotógrafo. Ele logo compreendeu a mecânica para o stopmotion e se familiarizou com a dinâmica, enquanto Marcos o auxiliava um pouco, retirando as peças do quebra-cabeça para simular uma animação de montagem/desmontagem. Após tiradas todas as fotos, passamos todas para o computador para exibir em projeção nas cortinas, simulando a animação sem necessitar usar um software de edição. As crianças adoraram, apesar de Beto criticar sua própria construção, dizendo que gostaria de refazer – o que era uma excelente oportunidade de avaliação do próprio trabalho.

Aproveitamos então o momento de reconstrução do quebra-cabeça para tentar refazer a atividade e exibimos paralelamente outro filme em stopmotion feito por outro paciente em outro momento, alcançando novamente a atenção das crianças.

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23 Assim que iniciamos novamente a filmagem, Beto quis fazer a atividade sozinho, já que alegava que Marcos o estava prejudicando mais do que auxiliando. Incentivamos a dupla a realizar a atividade em grupo, sugerindo a Beto que orientasse seu parceiro para fazer da forma que ele desejava, ensinando o colega a prosseguir como ele o fizera anteriormente. Assim, Marcos ficou encarregado de tirar as fotos enquanto Beto o orientava e retirava as peças do quebra-cabeça da forma que desejara – em espiral para que proporcionasse um efeito diferente. Foi curioso observar o quão engajados estavam na atividade, comentando sobre a iluminação e mesmo o enquadramento, surpreendendo a nós conforme eles desenvolviam a sequência de fotos sem ajuda alguma. O resultado: a animação exatamente como queriam – ou quase.

Exibimos novamente a animação e eles adoraram, orgulhosos. Variamos a sequência de fotos de modo que ela avançasse e retrocedesse de uma só vez, fascinando-os. Explicamos a alguns pais como funcionava aquela elaboração para que eventualmente tentassem realizar a atividade em casa, com as crianças. E assim encerramos a atividade do dia.

2.3 O PAPEL DO EDUCADOR AUDIOVISUAL

Na atividade da terceira semana tivemos a oportunidade de trabalhar com a Angela Santi, que viria a ser minha supervisora no período de estágio, e era uma das coordenadoras do projeto. Diferentemente da Fernanda, que tinha alguma experiência com cinema tanto teórica como prática, a Angela é professora da área da educação e não tem tanta familiaridade com cinema ou tecnologia, o que me permitiu perceber um pouco a importância do meu papel na participação de projeto.

No encontro, Pedro Alves, colega do curso de Cinema e Audiovisual (Licenciatura) que acompanhava o projeto em alguns encontros, pôde levar os curtas-metragens de terror que ele já havia sugerido anteriormente. Exibiríamos os filmes de terror, como as crianças haviam pedido insistentemente e, coincidentemente, todos os filmes eram em animação.

Ao chegarmos, neste dia, percebemos que três pacientes presentes haviam participado na semana anterior da atividade, mas por desinteresse próprio ou por estarem impossibilitados devido a procedimentos médicos, nenhum deles poderia participar nesta semana, o que nos fez lamentar, mas buscar outra equipe de crianças para a participação. Encontramos algumas crianças interessadas e relativamente disponíveis em outra enfermaria, de forma que, enquanto elas terminavam seus procedimentos médicos, aproveitamos para montar o equipamento e

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24 elaborar uma estratégia de abordagem diante dos filmes, uma vez que não eram estes participantes os que demonstraram interesse nos filmes de terror.

Exibimos “Alma11” e “Vinil Verde12”. O filme “Alma” é um filme em computação gráfica onde a protagonista está passeando por uma rua em um dia de inverno e vislumbra uma loja de brinquedos cuja vitrine simula uma grande boca. Nesta vitrine há um boneco exatamente igual à protagonista. Ao notar isso e distrair-se, o boneco desaparece. Instigada, ela vai até a porta da loja, que está fechada, e vê o boneco mais adentro. Curiosa, busca uma maneira de adentrar e ver mais de perto. Durante sua busca para reencontrar o boneco, ela passeia pela loja até finalmente o encontro final, onde uma surpresa acontece entre ela e seu “sósia”.

“Vinil Verde”, por outro lado, é um filme em animação com fotos de forma bem peculiar. Ele retrata a história de uma família de mãe e filha, onde a mãe presenteia a filha com uma caixa de discos infantis, dizendo-lhe que pode ouvir qualquer um deles, menos o disco verde. Esta informação sempre era repetida pela mãe durante o café da manhã antes de sair para trabalhar. A filha, nada obediente, resolve transgredir, em segredo, a orientação materna enquanto está sozinha em casa. Essa história se repete continuamente, mas sempre que a filha ouve o disco verde na ausência da mãe, esta retorna do trabalho sem um membro (braços ou pernas), embora nada seja discutido sobre isso explicitamente. Isto não impede a rotina da filha de continuar ouvindo o disco verde. Ao longo do filme são mostradas as consequências das escolhas da filha que resultam na eventual perda de sua mãe.

As escolhas dos filmes, dentro das opções oferecidas pelo colega Pedro Alves, foi tentar seguir um pouco o padrão da curadoria dos filmes do cardápio de filmes. Desta forma, buscamos por filmes que possuíam crianças, e que representassem algo vinculado a atividades infantis. Essa escolha foi realizada exclusivamente por este colega, uma vez que eu não conhecia previamente os filmes levados por ele nem outros colaboradores presentes neste dia.

As crianças se interessaram bastante pelos filmes, mas não sentiram medo ou nada parecido, o que nos levantou a questão da possibilidade de entendimento que elas tiveram dos filmes. Conversamos um pouco sobre os filmes após cada exibição, buscando entender se as crianças estabeleciam alguma relação entre elas e os protagonistas crianças, ou o que haviam compreendido em geral sobre o filme. Devido à baixa idade dos educandos, suspeitamos haver falta de malícia por parte deles em compreender algumas entrelinhas presentes nos filmes. O que tornou, a meu ver, menos preocupante a exibição de “Vinil Verde” para as crianças

11 ALMA. BLAAS, Rodrigo. 2009. Brasil. Cor. 5 min.

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25 hospitalizadas. Entretanto, também refletimos sobre a possibilidade de as crianças terem de fato entendido os filmes e simplesmente não se relacionarem com eles, ou estarem tão relacionadas que não fossem afetadas. Mesmo assim, nenhuma delas expressou isso verbalmente ou corporalmente.

Apesar disso, os dois filmes nos permitiram dialogar com os pacientes para saber o que eles entendiam por filme de animação, e como era o processo do mesmo. Conversamos sobre fotos, sequências, filmagens, computação gráfica. Pacientes e responsáveis se interessaram.

Após isso, propusemos a construção de um filme em stopmotion novamente, e um dos garotos se interessou bastante, pois queria fazer seu coelho de pelúcia ler um livro do Pinóquio. Lidamos com dificuldades de recursos desta vez, uma vez que não tínhamos câmera para as fotografias, tampouco um tripé para manter a câmera estável. Sendo assim, usamos um celular para fazer as fotos, e a criança era responsável por tirar a foto, embora nós mantivéssemos a estabilidade do celular. Isso também ocorreu de forma diferente, uma vez que o paciente não queria levantar-se de seu leito, ou seja, com a presença/interferência da cama na execução da atividade.

Depois disso, passamos a sequência de fotos (mais ou menos 12) para todos assistirem e compreenderem como funciona a animação em stopmotion. Os envolvidos acharam bem interessante, apesar da baixa qualidade e isso nos permitiu mostrar-lhes como é, de certa forma, simples e possível de se fazer mesmo com poucos recursos.

Após a apresentação, o realizador do filme se desinteressou pelo assunto e, ainda muito novo, se irritou e não mais participou, exigindo atenção de sua responsável. Paralelamente, começamos a conversar com a outra paciente participante que se interessou bastante pela animação e então contamos sobre as diversas técnicas para realizar uma: pixelation, animação de objetos, quadro negro, recortes, etc. E, para ilustrar, mostramos dois filmes em animação que havíamos feito durante a faculdade para que fosse possível perceber tanto a simplicidade como a acessibilidade. A mãe da paciente logo se interessou em tentar fazer isso com a filha em casa.

Passamos os procedimentos detalhadamente de como aquilo poderia ser feito, mesmo sem edição, apenas numa rápida sequência de fotos passadas manualmente, e encerramos as atividades logo depois.

A atividade deste dia permitiu perceber, mesmo que um pouco, o papel que eu poderia vir a desempenhar como educador na área de cinema. Um destes passos era a curadoria dos filmes, que embora eu não houvesse feito, pude perceber sua importância, já que um curador

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26 também é pesquisador como o educador. Ademais, o fato de ter imaginado a falta de identificação das crianças dos objetivos dentro de cada película também me permitiu refletir sobre a importância de estar presente nestas exibições para poder discutir sobre o ocorrido em cada uma destas narrativas e mediar essa descoberta junto aos educandos. Mais importante que isto, ainda, era poder usar de todo o material apresentado e desta experiência para conduzir as crianças a outras atividades relacionadas e ajuda-los a construir juntos para que pudessem construir sozinhos eventualmente. Pesquisar, mediar e orientar eram, sem dúvidas, habilidades que eu reconhecia cada vez mais implicitamente como essenciais nesta empreitada.

2.4 FAÇA SOL, FAÇA CHUVA, O PROJETO CONTINUA

Voltei duas semanas após ao IPPMG em decorrência do feriado do dia do servidor público, na sexta-feira anterior, 28 de outubro de 2016. Vale destacar que, por ser uma atividade em hospital, o projeto acontece sempre que haja alguém para ir ao hospital e participar, independente de feriados ou recessos. Isso apenas depende do grupo de colaboradores do projeto e de sua disponibilidade. Sendo assim, na semana anterior, mesmo com feriado, o projeto esteve presente.

Desta vez, ao chegar ao hospital, Fernanda e Lys (estudante de letras da UFRJ colaboradora do projeto) escolhiam a enfermaria na qual atuar. Elas me contaram um pouco sobre cada uma e não foi difícil escolher, tendo em vista um paciente em especial que se destacava em uma das enfermarias.

Enquanto elas me contavam o caso de Mathias, percebia a situação tão comum pela qual ele passava, como provavelmente muitas outras crianças que estiveram naquele hospital. Era triste e dolorosa, intensa, e certamente nos dava certa esperança em trabalhar com essas crianças para nos esforçarmos em tentar fazer uma pequena diferença em suas vidas.

Mathias era um garoto extremamente hiperativo, que gostava de se comunicar e fazer diversas coisas em pouco tempo. Não conseguia ficar parado e achava filmes totalmente desinteressantes. Tudo para ele tem que ser em extrema velocidade, intenso e grandioso. Pelo pouco que podíamos saber de sua história, não sabíamos o motivo de ele estar hospitalizado, mas sua responsável era a avó. Soubemos que seu pai havia assassinado sua mãe, e consequentemente, estava preso. Mathias aterrorizava a enfermaria dizendo que mataria a todos, e ele tinha apenas dez anos. Seu nível de dissociação era tão alto que ele se apresentava por João Gabriel – e posteriormente por outro nome. Não parava e, até que montássemos o

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27 equipamento de exibição, ele transitou ininterruptamente entre a enfermaria a sala de recreação com um triciclo e vários jogos.

Cada um dos quatro pacientes escolheu um filme, na nossa tentativa de aproximação daquelas crianças, e o primeiro a ser exibido foi o de Mathias. Ele enfim se entreteve e assistiu ao filme sem desviar o olhar ou se levantar. Por outro lado, o filme não o satisfez, era demasiadamente leve e sem emoção, não possuía explosões, sangue ou morte. Assim, enquanto os demais filmes passavam, ele até se entretinha por um tempo, mas depois desistia de assistir e começava a transitar pelas enfermarias novamente.

Enquanto as crianças assistiam aos curtas-metragens, elaboramos taumatrópios para mostrar-lhes, e elas se encantaram. Eu, inclusive, mostrei um a Mathias, que logo apreciou o feito. Questionando-o sobre o que ele achava do taumatrópio e se estava interessado em fazer um e aprender sobre cinema, o garoto pareceu mais amigável e interessado, intrigado por uma possibilidade bem diferente da qual ele estava acostumado. Certamente se tivéssemos mais material disponível para realizar uma produção, poderíamos ter iniciado um contato mais profundo.

Com a aproximação do fim da sessão, o conselho tutelar chegou para conversar com a avó de Mathias, e posteriormente ela apareceu aos prantos. Aquela senhora não tinha condições para criar seu próprio neto e ele, sem pais, seria levado pelo conselho tutelar.

Inicialmente, apenas acompanhamos esse momento sem perceber, mas era nítido o que aconteceria. Fizemos papel de invisíveis e arrumamos o material para encerrar a atividade naquele dia conforme o horário de término se aproximava. Fernanda, que tem formação em psicologia, posteriormente nos relatou a situação mais claramente – após breve conversa com a avó do menino. Este talvez tenha sido o momento mais tenso vivido no hospital: acompanhar de perto o desamparo de uma criança, que seria apenas mais uma no sistema vindo de uma origem trágica e sensível.

Percebi a minha fragilidade e empatia por Mathias, o que me demostrou o quão frágeis somos ou nos tornamos diante de situações avassaladoras como aquela., súbitas e imprevisíveis. Ali, como agentes externos que participam esporadicamente da vida daquelas crianças, éramos apenas meros coadjuvantes, talvez até figurantes, em suas vidas. Ainda assim, esta experiência possibilitava-me uma reflexão perdurável: a fragilidade nos estimula a fortalecer e, principalmente, a não desistir. Sabia eu, portanto, que qualquer pequena intervenção que fizesse, por mais simplória e discreta, poderia fazer a diferença. E ao meu lado, eu carregava o cinema comigo.

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28 Concretizava em minha essência a importância que era a minha relação com o cinema e o audiovisual, e o quanto isto estava cada vez mais se sedimentando em minha experiência. Ciente disto, eu notava o quanto o cinema era transformador, reconhecia sua potência, sentia a força de si como arte, e me encantava com seu caráter lúdico. Em situações como a de Mathias, como a das crianças nas enfermarias, o cinema era uma oportunidade de viajar por outros mundos, por outros espaços, de se reconhecer e de reconhecer o outro, era esperança.

2.5 DO HOSPITAL À ESCOLA

Nesta semana, no dia 11 de novembro de 2016, a equipe do projeto tinha uma intervenção no Colégio Pedro II, então haveria uma pausa na ida ao hospital. Eu, como estudante de licenciatura, logo me propus a comparecer, pois buscava algumas experiências em escolas. A unidade seria a do Humaitá, mas como ela estava em greve e obras, faríamos a atividade com os alunos (em horário extra) num outro colégio da região.

Como não participava ativamente das reuniões na Faculdade de Educação da UFRJ, não tinha conhecimento dessa atividade, apenas o que foi divulgado brevemente. Seria uma exibição de filmes para responsáveis e alunos, e depois haveria cinco oficinas ministradas cada uma por duas pessoas da equipe da UFRJ – as quais eu pouco conhecia.

Para mim, o que havia de mais interessante nisto é que eu poderia acompanhar a atividade para aprender, conhecer um pouco a dinâmica da equipe diante de uma organização prévia e uma intervenção já programada, além de me auxiliar no estágio, já que eu estava ali inicialmente como observador.

Foram exibidos cinco curtas-metragens: • A Velha a Fiar13

• Animando14 • Doce Balé15 • Peste da Janice16

• O Caminho das Lanternas17

13 A VELHA A FIAR. MAURO, Humberto. 1964. Brasil. Preto e Branco. 6 min. 14 ANIMANDO. MAGALHÃES, Marcos. 1987. Brasil. Cor. 13 min.

15 DOCE BALÉ. FRIDMAN, Lina; FRIDMAN, Maira. 2010. Brasil. Cor. 5 min. 16 PESTE DA JANICE. FIGUEIREDO, Rafael. 2007. Brasil. Cor. 15 min.

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29 A sala onde fora feita a exibição tornara-se pequena para tantas pessoas que foram participar daquela atividade extracurricular, transformando a sala de exibição do colégio em uma sala apertada onde o ar-condicionado não dava vazão. Resultado: pais insatisfeitos e crianças desinteressadas se pronunciaram. Pais queriam que a única porta do local ficasse aberta para entrar um pouco de circulação de ar (juntamente com luz), enquanto crianças simplesmente não conseguiam permanecer ali sentadas e saíam da sala. Além disso, logo que cheguei pude notar o imenso número de responsáveis que, durante a sessão, apenas se entretinham com seus respectivos celulares.

Para mim, havia uma essência do cinema perdida ali. Obviamente não era a situação mais confortável possível, mas era uma atividade escolar extracurricular para crianças e seus pais, sem obrigatoriedade, mas igualmente importante.

Entre a exibição dos filmes, havia uma pausa para reflexão e debate. Foi possível perceber a diferença que as crianças não hospitalizadas tinham com o cinema. As crianças ali envolvidas sempre reagiam aos filmes durante suas exibições, assim como, embora às vezes tímidas, participavam em grande quantidade dos debates. Certamente, havia um diferencial quantitativo também, o que acreditava influenciar de forma contagiosa a participação.

Após as exibições, crianças e responsáveis foram direcionadas para cinco salas diferentes onde ocorreriam as oficinas. Neste meio tempo, me reuni com a equipe da UFRJ, onde Fernanda e Angela estavam presentes além de outras participantes. Elas me solicitaram para que eu ministrasse uma oficina, tendo em vista que dos dez colaboradores que deveriam comparecer, apenas metade estava presente, e havia uma das oficinas sem ninguém para orientar. Acredito que recebi este pedido diante da experiência que eu já tinha com cinema, e provavelmente lidaria mais facilmente com a oficina que alguém da área de educação sem experiência em audiovisual. Meu único receio era ministrar uma oficina da qual eu pouco tinha conhecimento e sem supervisão ou auxílio.

A oficina chamava-se “Narrativando” e consistia em orientar que os grupos de alunos e pais construíssem uma história baseados apenas um uma foto. Previamente, foi solicitado aos pais dos alunos para que levassem uma foto dos próprios pais de sua época de infância. Com isso, no momento da oficina, sortearíamos uma foto que seria exibida a todos sem revelar quem era seu responsável. A partir daí, cada grupo elaboraria uma narrativa para que, ao fim da atividade, cada um relatasse a história que imaginavam ser a original daquela foto, buscando uma troca de perspectivas e experiências. E, por fim, revelaríamos a história original para mais um debate.

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30 Como costuma ser nas minhas experiências no hospital, nada ocorreu exatamente como planejado. Poucas pessoas haviam levado fotos, mas logo resolvemos isto, posto que apenas uma era necessária. Com muitos pais e muitas crianças, a sala estava bem desorganizada e eu não conseguia nem ao menos iniciar a proposta. Com auxílio de uma das professoras locais – que dava aulas de ensino fundamental na sala escolhida – conseguimos iniciar um contato e passar a proposta. Em geral, pais e crianças estavam um pouco tímidos, mas a dinâmica fluiu depois da explicação. Passando de grupo em grupo, era possível dar alguma orientação.

Ao fim da atividade, cada equipe contou sua história, o que foi riquíssimo, uma vez que os grupos interagiram e até mesmo enriqueceram as histórias uns dos outros. Além disso, a foto em si não possuía uma história tão profunda, motivo pelo qual a própria dona da foto inventou uma nova narrativa. Foi interessante perceber a forma diferente como cada grupo recebeu a proposta, alguns apenas narrando através da contagem de uma história, enquanto outras elaboravam uma cena. Havia histórias mais realistas e histórias mais ficcionais. E, embora a maioria estivesse tímida para a participação, ao fim, todas os grupos fizeram a sua própria participação e apresentação. Em breve conversa, pude perceber o quanto as crianças se sentiram provocadas à criação de histórias, associando-as a filmes e atividades audiovisuais.

Por fim, o evento se encerrou com lanche para todos os participantes.

A atividade na escola era bem diferente das intervenções no hospital. Em muitos aspectos. Ainda que ambas envolvessem crianças, na escola os próprios responsáveis lhe davam mais liberdade, primeiro por estarem em estado pleno de saúde, e segundo por ser um ambiente conhecido por eles; em contrapartida ao hospital, onde os responsáveis eram mais rígidos. Por se tratar de um colégio público como o Pedro II, havia uma boa diversidade de alunos de acordo com suas condições socioeconômicas e culturais, o que, a princípio, não trazia muita disparidade ao hospital.

Por outro lado, era notável a relação diferente que as pessoas ali (pais e alunos) tinham com cinema. Ainda que não conhecessem todos os filmes, certamente experimentaram mais vezes essa relação com audiovisual, inclusive no próprio espaço escolar, levando-os a participar com mais naturalidade dos debates, dos questionamentos, diante de uma mediação mais sutil.

Era, afinal, uma atividade extracurricular, e ainda que muitos pudessem se sentir obrigados a estarem ali, era uma escolha, diferente de estar hospitalizado, o que é uma necessidade. Desta forma, a postura das pessoas era diferente. Assim como também era discrepante a relação de profissionais daquele espaço (professores) com as crianças era diferente da relação dos profissionais do hospital (médicos e enfermeiros) com os pacientes, e

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31 com o cinema neste meio de campo, provavelmente por afinidade, e sem dúvida pela atividade fim de seus respectivos trabalhos.

Apesar das diferenças, havia algumas semelhanças, como a relação que as crianças estabeleciam com as atividades cinematográficas, principalmente as exibições. Tanto na escola como no hospital, aquele fascínio costumava se apresentar pelos educandos, embora sempre houvesse exceções. Também foi possível comparar a participação e atuação dos responsáveis de ambos os casos, onde há uma variação muito inconstante de interesse e desinteresse dos pais, em ambos os espaços, ora engajados e participativos, ora apenas interessados em conversar com os outros responsáveis ou em seus telefones celulares.

De qualquer forma, a oportunidade de participar com um mesmo grupo de docentes numa intervenção escolar e hospitalar, ambas envolvendo o cinema como um dos principais meios, com um público similar, mas repleto de diferenças, trouxe enriquecimento para o trabalho que eu desenvolveria ao longo dos próximos encontros no IPPMG.

2.6 SABER SOBRE CINEMA

Foi nesta vez que tive a oportunidade de conhecer a última das três grandes colaboradoras do projeto, a Tatiane Mendes. Embora já relativamente familiarizado com a forma de trabalhar de Angela e Fernanda, agora haveria um novo momento, o qual seria bastante interessante seguindo o objetivo de conhecer abordagens mais variadas e aprimorar a capacidade de improvisação.

Quando cheguei às enfermarias, ela já havia montado o equipamento, mas não havia exibição. Em vez disso, percebei que Tatiane propusera às crianças uma atividade com sombras mesclada a uma atividade de construção de personagens. Então, prontamente, entrei na atividade para participar junto a ela.

Iluminando as cortinas estava apenas a luz que saía do projetor, formando uma grande tela branca. Com formato das mãos, mostramos às crianças como era possível dar vida às sombras. Em meio a isso, elas tinham que elaborar um personagem para participar da dinâmica. Não havia restrição, mas eles teriam que tentar representa-los nas sombras.

O objetivo da dinâmica era tentar fazer com que cada criança, por fim, representasse um papel através de seu respectivo personagem e juntas elas interagissem através da projeção, usando sombras.

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32 Através da atividade, poderíamos mostrar aos pacientes que um personagem pode ser qualquer coisa, seja rico em detalhes visuais, ou apenas uma silhueta. Com isso em mente, começamos a exibição de filmes, paralelamente buscando alguns filmes apenas com sombras para exibir às crianças e ver suas reações e reflexões quando se deparassem com personagens apenas elaborados em sombras.

Durante a exibição dos filmes, tive a oportunidade de conhecer um pouco melhor a forma como Tatiane trabalhava no hospital. Tendo uma experiência anterior com audiovisual, já que ela fizera mestrado na área de comunicação, percebi que ela tinha uma abordagem mais ostensiva quanto ao uso de dispositivos audiovisuais, que se pronunciaria ao longo daquela intervenção no hospital. Percebi isso aos poucos e como, em geral, abordagens diferentes são necessárias para provocar não apenas pessoas diferentes, mas provocar cada indivíduo de maneiras distintas e sempre manter em movimento a engrenagem da percepção.

Posteriormente, encontramos um filme apenas como sombras chamado “Sombras de Mão”, onde todos os personagens e o ambiente eram basicamente representados por uma ou mais mãos. Aquilo remeteu os pacientes imediatamente à atividade inicial. Enquanto eles se maravilhavam com aquela exibição, duas novas colaboradoras do projeto chegaram. Ambas já haviam participado anteriormente na atividade do Colégio Pedro II.

Apresentei-lhes a dinâmica do hospital e os procedimentos pertinentes às atividades do hospital. Como ambas eram estudantes da área de educação, também não tinham muita familiaridade com cinema ou o equipamento, o que me faria orientá-las mais vezes em oportunidades posteriores. Mas foi uma experiência interessante ao pensar que eu estava apresentando o projeto “Cinema no Hospital?” pela primeira vez a alguém que participaria dele. Inspirados pelas sombras, os pacientes pediram filmes de terror e, mais uma vez, lhes proporcionamos esta oportunidade. Os filmes apresentados foram “Lights Out” e “A Garrafa do Diabo”. O primeiro tem um formato clássico de curta-metragem de terror, e foi escolhido justamente por isto. Já “A Garrafa do Diabo” foi escolhido dentro do cardápio de filmes, e por lidar com uma relação das crianças com adultos. Conta a história de dois meninos travessos, onde um convence o outro a pegar uma garrafa da casa de um vizinho, já idoso, alegando que é uma garrafa contendo um ser endiabrado. A história se desenvolve nesta aventura, com posterior quebra desta garrafa, libertando seu conteúdo.

As crianças ficaram deslumbradas e, provavelmente, sua inocência não permitiu que se assustassem tanto quanto nós mesmos. Após isso, continuamos a sessão com um filme de

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33 sombras que usava formas conhecidas, “Príncipes e Princesas18”, para que as crianças percebessem que, apesar de sombras, havia formatos diferentes de se construir narrativas e silhuetas com elementos diversos.

Aproveitamos a oportunidade para finalizar com a apresentação de taumatrópios aos pacientes e às novas colaboradoras, para que se familiarizassem.

2.7 A EXIBIÇÃO

Retornei ao hospital duas semanas depois, em 02 de dezembro, com o maior número de participantes até então que teríamos desde que iniciei o estágio no IPPMG. Neste dia estavam presentes Fernanda, Samira, Williane e Natasha (as duas últimas as recém-chegadas ao projeto). Usamos da oportunidade para ajudar a familiarização de Samira, Williane e Natasha a manipular os equipamentos básicos do projeto: projetor, computador e caixas de som.

Enquanto Fernanda passava às crianças os cardápios de filmes para que eles escolhessem quais queriam assistir, eu ensinava às três como estruturar a sessão para exibição. Isso consistia basicamente em fechar as cortinas e as manter firmes para não entrar luz durante a exibição dos filmes, conectar as caixas de som e o projetor ao computador, e localizar no computador onde ficavam os filmes.

Foi interessante perceber minha evolução individual ao longo de todas essas idas ao hospital. Fernanda teria que sair mais cedo e finalizaríamos a sessão sozinhos. Com um pouco de experiência que eu já tinha, provoquei nas colegas colaboradoras algumas propostas que poderíamos fazer às crianças.

O primeiro filme, “O Garoto de Barba19”, possuía um ligeiro erro de continuidade, então levantamos essa questão entre as crianças para que elas entendessem esse conceito e pudessem descobrir que erro era esse. Apresentamos a eles três fotos do filme (já previamente separadas para outras atividades), onde uma delas indicava a cena onde ocorria esse equívoco. Após repassar a cena algumas vezes, as crianças identificaram aquilo do que falávamos.

Posteriormente, exibimos filmes com protagonistas crianças, “Doido Lelé20”, “O Avô do Jacaré21” e “Contatos Siderais antes do colegial” e incitamos os pacientes a buscarem relações entre os filmes que haviam visto, pois apesar dos enredos diferentes, possuíam morais

18 PRÍNCIPES E PRINCESAS. OCELOT, Michel. 2000. Brasil. Cor. 70 min. 19 O GAROTO DE BARBA. FAUST, Christopher. 2010. Brasil. Cor. 14 min. 20 DOIDO LELÉ. ALVES, Ceci. 2008. Brasil. Cor. 17 min.

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34 parecidas. “Doido Lelé” tratava-se de um garoto que queria ser cantor de rádio, e sempre que podia tentava participar de um concurso para se testar, até que um dia finalmente realiza um desempenho muito diferente e louco, como a maioria das pessoas o considera. “O Avô do Jacaré” conta a história de uma menina que gosta muito de dinossauros, e descobre um animal desta época que possui relação com o jacaré, desenvolvendo uma amizade com este animal, embora ninguém acreditasse. Já em “Contatos Siderais antes do colegial”, um grupo de amigos vai acampar e um deles acredita em vida extraterrestre, enquanto seus amigos não, de forma que o menosprezam por isto; ao longo de sua jornada essa história se altera à medida que surgem evidências dessas vidas extra planares.

Curiosamente, todos os filmes exibidos naquela tarde possuíam protagonistas crianças, então após a saída de Fernanda, buscamos levar aos pacientes não apenas a identificação deles com os protagonistas, mas reviver momentos que vivenciaram que eram semelhantes e, se não, como agiriam se estivessem posicionados no lugar dos personagens. Os filmes haviam sido escolhidos pelas crianças, uma vez que havia um bom número de participantes e era uma forma de democratizar as exibições. Eu e Fernanda, particularmente, nos aproveitamos da oportunidade tendo em vista já conhecermos os filmes, e conseguir extrair deles uma proposta de interação com os educandos.

Definitivamente, era enriquecedor e divertido falar com as crianças sobre os filmes ali exibidos quando atravessavam de forma quase imperceptível cada uma delas, e assim que buscávamos uma provocação, os pacientes se libertavam para demonstrar suas perspectivas e opiniões, tornando aquele diálogo fluído e transformador. E, enfim, percebi-me como um orientador, sem supervisão, para mostrar-me capaz de educar, de elaborar uma intervenção.

2.8 ANÁLISE FÍLMICA?

Desta vez, em 9 de dezembro, Tatiane era encarregada, novamente, da equipe para a atividade. O fato de ela ter experiência com audiovisual colaborava bastante para agilizar a dinâmica no hospital, uma vez que ela já possuía repertório fílmico e familiaridade com o equipamento, o que me dava mais liberdade durante a atividade, considerando que poderíamos alternar essa função.

Já acostumados às placas de crítica dos filmes, aproveitamos para usá-las após todos os filmes e sedimentar a facilidade que isso trazia na hora de a criança avaliar sua opinião sobre a exibição. Obviamente, isso nem sempre era possível dependendo do paciente, uma vez que nem

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35 todos tinham contato com aquele conceito previamente. Desta forma, acabávamos explicando o que significava e posteriormente aquilo se tornava intuitivo.

As placas de críticas de filmes possuem ícones usados por mídias de grande circulação para simbolizar a opinião de críticos sobre filmes (boneco aplaudindo quando gosta e boneco dormindo quando desgosta, por exemplo). Elas apareceram no projeto do hospital antes de eu fazer parte do mesmo. Surgiram como forma de identificação da opinião da criança por cada filme exibido através de uma relação com uma linguagem já existente (nessas mídias), sem que a criança precisasse, de fato, se expressar verbalmente – o que era mais comum do que imaginávamos. De forma que, ao facilitar a declaração do educando sobre um filme, abríamos um leque de opções a explorar a partir daí numa continuidade de diálogo.

Desta vez, após cada filme, exploramos bem a relação que as crianças estabeleciam com o filme através de objetos do cinema.

Na exibição do filme “A Menina Espantalho22”, questionamos os pacientes sobre o conceito de “protagonista”, buscando saber o que eles interpretavam por isso, se necessariamente deveria ser um personagem relacionado ao título, ou mesmo se só poderia ser um personagem.

No filme “Feijão com Arroz23”, buscamos coloca-los na posição de seus respectivos pontos de vista, e como é explorado o ponto de vista da câmera no cinema. Perguntamos através de alguns trechos onde eles acreditavam estar a câmera, sobre que objeto, ou se era o olhar de alguém. Além disso, eles nos surpreenderam ao citar diferentes tipos de ângulo, dependendo do ponto de vista explorado.

Em “Maré Capoeira24”, uma das meninas disse não achar que aquilo era um filme. Então a conversa se desenvolveu na dicotomia “Vídeo x Filme”, levando-os ao questionamento da duração dos filmes. “Filmes são apenas vídeos longos?” Também contamos um pouco sobre os primórdios do cinema, sobre os irmãos Lumiére e sobre Georges Méliès.

Exibimos novamente “Príncipes e Princesas” após muitos pedidos insistentes. E após, exploramos novamente a brincadeira com as sombras, de forma que eles buscassem construir uma nova narrativa envolvendo suas próprias sombras e o filme atual. Enquanto um grupo interagia com o projetor, levei um praxinoscópio para ser apresentado aos demais pacientes, que imediatamente ficaram fascinados. Expliquei-lhes que aquilo também construía uma

22 A MENINA ESPANTALHO. DOS SANTOS, Cassio Pereira. 2008. Brasil. Cor. 13 min.

23 2º episódio em “5X FAVELA AGORA POR NÓS MESMOS. DIEGUES, Cacá; MAGALHÃES, Renata

Almeida. 2010. Brasil. Cor. 103 min.”

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36 narrativa e era um filme, apenas feito de forma diferente. Isso os provocou, gostariam de aprender a fazer assim também.

Em mais uma atividade no hospital, pude perceber o quanto a pluralidade de abordagens pode ser rica para o desenvolvimento da relação dos educandos com cinema. Além do que considero básico na relação deles com a noção de filme, muitas destas exibições proporcionaram discussões e aprofundamento em aspectos diversos dos materiais audiovisuais, sem dúvida trazendo grande enriquecimento e experiência para os envolvidos.

2.9 REVISITANDO O CINEMA

Com crianças que estavam presentes na semana anterior, no dia 9 de dezembro, foi possível buscar um diálogo entre a atividade nestes dois dias de intervenção. As crianças já pareciam mais familiarizadas com assistir filmes e a adesão foi mais simples, além do diálogo. O que trouxe mais realização a elas foi, de fato, a interação com as sombras, novamente.

Procuramos iniciar a atividade baseada na exibição do filme “Príncipes e Princesas”, pois uma das meninas havia assistido ao filme na semana anterior e queria assistir novamente. Foi surpreendente perceber após a exibição do filme que ela queria, na realidade, assistir novamente a mesma parte da outra semana, e não uma diferente, como ocorrera, já que exibimos a segunda parte desta vez. “Príncipes e Princesas” é uma série de filmes curtos com temática medieval da relação entre diversos tipos de príncipes e princesas e se passa todo numa construção narrativa a partir de sombras, embora com muitas cores de fundo a fim de definir as silhuetas apresentadas e sempre com uma narração em off.

Iniciando a interação com sombras, trouxemos não apenas nossas mãos como ferramentas para cria-las na projeção das cortinas, mas também os recortes baseados no mesmo filme, para tentar recriar a cena. Para que não exibíssemos novamente o da semana anterior, tentamos explorar a memória da paciente de forma que ela e Angela, que me acompanhava desta vez, remontassem alguma cena daquela narrativa, e isso trouxesse alguma recordação à criança.

Durante algumas tentativas, percebemos que talvez a paciente não estivesse disposta ou pronta o bastante para elaborar uma nova história sozinha ou reviver a anterior, e decidimos mudar dinâmica. Juntamos todas as três crianças que estavam participando da atividade e sugerimos que elas reconstruíssem com as atuais figuras ou com as próprias mãos uma narrativa de uma história que já conhecessem. Resultado: nós, educadores, simulando com as sombras

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37 enquanto as crianças se divertiam, assistindo. Além disso, a construção desastrosa de enredo que mesclava mais de uma história de princesa da Walt Disney foi rapidamente corrigida pelas crianças que, então, não hesitaram em começar a contar a história como ela realmente era e, certamente, enriquecendo a atividade.

Os demais filmes também foram escolhidos pelas crianças, uma vez que já as conhecíamos da semana anterior, pensamos que seria interessante dar continuidade às dinâmicas anteriores a partir de outros filmes.

Um dos escolhidos foi “O Filho do Vizinho25”, um filme onde o protagonista sempre relata sobre um amigo que vai visita-lo à porta de sua casa, se referindo a ele pela homonímia do título do filme, e onde se estabelece uma relação muito interessante, principalmente se considerarmos a condição de necessidade especial do protagonista (que só é revelada ao fim do filme).

Já “Ernesto (no País do Futebol)26” era um filme que a Angela sempre me falava, então encontramos a possibilidade de exibi-lo e eu poderia ver que tipo de atividade ela proporia a partir daí. O filme relata a vida de um garoto argentino em plena Copa do Mundo de futebol realizada no Brasil

O último filme, “10 centavos27” foi escolhido por uma das crianças já no fim da atividade, para terminar aquele dia. Desta forma, não elaboramos nenhuma dinâmica especial senão apenas conversar sobre o filme, considerando que ele retratava a vida do protagonista que vivia na periferia e era guardado de carros em pontos turísticos da cidade.

2.10 SOZINHO? OU TALVEZ NÃO

Em plena sexta-feira 13 de janeiro de 2017 foi a primeira vez que eu iria sozinho ao hospital, uma vez que agora a equipe deste projeto estava carente de uma de suas orientadoras, que iria trabalhar em outro estado. Aceitei o desafio. Meu retorno ao hospital ocorreu após o hiato das festas de fim do ano de 2016 e, por se tratar do início do ano, havia a possibilidade de uma dificuldade de interação com as crianças, mas eu não imaginava que fosse ser tão frustrante. Sem dúvida, foi um desafio quando percebi que quase nenhuma criança queria participar da atividade. Além de ter que improvisar sozinho, não havia oportunidade de debater com algum colega sobre possíveis atividades.

25 O FILHO DO VIZINHO. VIDIGAL, Alex. 2011. Brasil. Cor. 7 min.

26 ERNESTO NO PAÍS DO FUTEBOL. QUEIROZ, André; BOLOGNA, Thais. 2009. Brasil. Cor. 14 min. 27 10 CENTAVOS. DE OLIVEIRA, Cesar Fernando. 2007. Brasil. Cor. 19 min.

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38 Inicialmente apenas duas crianças se dispuseram a assistir filmes. Desta forma, seria a primeira vez que daria a oportunidade de as crianças escolherem mais de um filme. Após o início da exibição, percebi que uma das crianças estava mais entretida em seu celular do que no filme, mesmo que fosse o de sua escolha. Ela assistia a um desenho animado que eu reconhecia como bastante popular, mas não sabia exatamente do que se tratava. Em questionamento acerca do que ela assistia, ela interrompia brevemente e olhava para o filme. Senti que havia uma percepção de obrigação em participar da atividade, fato com o qual geralmente não tínhamos problema. Curiosamente, tampouco houvera intervenção parental neste caso.

Desta forma, a criança optou por não mais participar da atividade. Em contrapartida, outra criança, que inicialmente não estava interessada em assistir a filmes, começou a olhar para a projeção e logo quis participar (Figura 2).

Figura 2. Sozinho no hospital. Foto tirada em 13 de janeiro de 2017, no IPPMG.

A partir daí, havia duas crianças interessadas em assistir aos filmes. A atividade correu bem, mas depois de alguns filmes, por necessidades eventuais, a menina precisava receber tratamento, e logo depois, o menino recebeu alta, o que o deixou impaciente, pois pensava que só poderia sair dali após o término dos filmes. Expliquei-lhe que aquilo não era obrigatório e ele ficou mais à vontade. Logo notei que poderia haver déficit de comunicação em relação à elegibilidade da atividade. Mesmo assim, a atividade foi finalizada precocemente, sem a

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