• Nenhum resultado encontrado

A educação para o desenvolvimento da pessoa : uma leitura do Art. 205 da Constituição Federal de 1988 à luz do personalismo de Emmanuel Mounier

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A educação para o desenvolvimento da pessoa : uma leitura do Art. 205 da Constituição Federal de 1988 à luz do personalismo de Emmanuel Mounier"

Copied!
75
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Faculdade de Educação JOSI MARA NOLLI

A

EDUCAÇÃO

PARA

O

DESENVOLVIMENTO

DA

PESSOA:

UMA

LEITURA

DO

ART.

205

DA

CONSTITUIÇÃO

FEDERAL

DE

1988

À

LUZ

DO

PERSONALISMO

DE

EMMANUEL

MOUNIER

CAMPINAS 2019

(2)

JOSI MARA NOLLI

A

EDUCAÇÃO

PARA

O

DESENVOLVIMENTO

DA

PESSOA:

UMA

LEITURA

DO

ART.

205

DA

CONSTITUIÇÃO

FEDERAL

DE

1988

À

LUZ

DO

PERSONALISMO

DE

EMMANUEL

MOUNIER

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestra em Educação, na área de concentração de Educação.

Orientador: PROF. DR. ROBERTO AKIRA GOTO

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DE DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA JOSI MARA NOLLI E ORIENTADA

PELO PROF. DR. ROBERTO AKIRA GOTO.

CAMPINAS 2019

(3)
(4)

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

A

EDUCAÇÃO

PARA

O

DESENVOLVIMENTO

DA

PESSOA:

UMA

LEITURA

DO

ART.

205

DA

CONSTITUIÇÃO

FEDERAL

DE

1988

À

LUZ

DO

PERSONALISMO

DE

EMMANUEL

MOUNIER

Autora: Josi Mara Nolli

COMISSÃO JULGADORA: Prof. Dr. Roberto Akira Goto

Prof. Dr. Newton Aquiles von Zuben Prof. Dr. André Gonçalves Fernandes

Profª Drª Juliana Ormastroni de Carvalho Santos

A Ata da Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa de Pós-graduação em Educação da Faculdade de Educação.

(5)

DEDICATÓRIA

Ao filósofo Emmanuel Mounier pelo raro testemunho de crença na pessoa!

Aos que se esforçam, sobretudo, na educação, para despertar a pessoa no homem! E aos que, uma vez despertos, assumem o protagonismo de seu desenvolvimento como pessoas!

(6)

AGRADECIMENTOS

A DEUS, por ter me criado à Sua imagem e ter me chamado a amadurecer livremente. Tal liberdade tem me possibilitado escolher continuamente ser pessoa.

Aos meus pais, BENEDITO ALFREDO NOLLI e NEIDE APARECIDA VILLANOVA NOLLI que, com belíssima simplicidade, me amaram e me educaram como pessoa, respeitando sempre minhas escolhas e decisões. Agradeço pelo sustento efetivo, afetivo e espiritual que recebi, sobretudo, nesse tempo de pesquisa. Aos meus irmãos e cunhados; aos meus sobrinhos MARIA YASMIM, EDUARDA e JOSÉ FELIPE, nascidos do meu coração!

Ao Prof. Dr. ROBERTO AKIRA GOTO, a quem me alegra chamar de “meu Orientador”. Agradeço pela postura exigente e, ao mesmo tempo, permeada de sensibilidade, delicadeza e paciência. Atitudes de um verdadeiro Mestre!

Ao Prof. Dr. NEWTON AQUILES VON ZUBEN, ao Prof. Dr. ANDRÉ GONÇALVES FERNANDES e à Prof.ª Dr.ª JULIANA ORMASTRONI DE CARVALHO SANTOS, pelas leituras e ricas contribuições para o seguimento e a conclusão deste trabalho. À Prof.ª Drª. NIMA IMACULADA SPIGOLON e ao Prof. Dr. ANDRÉ LUIZ PAULILO, pela sempre prontidão e cordialidade!

À UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS (UNICAMP), que me deu a oportunidade de realizar um dos meus projetos de Vida mais significativos – obter o título de Mestra. Para mim, é muito mais que um título acadêmico, é uma verdadeira conquista! Sinto-me honrada em ter concluído o Mestrado em uma Universidade pública e de qualidade. Obrigada a toda sociedade brasileira!

Ao meu Amigo Frei HILÁRIO VALCANAIA (TOR) por ter me permitido compartilhar as alegrias e provações no percurso desta pesquisa.

Enfim, agradeço às PESSOAS que fazem e que sempre farão parte da minha Vida, também àquelas que um dia fizeram e que, agora, só posso vê-las com o coração. Presenças e ausências que me atravessam continuamente, recordando-me a cada instante este princípio mounieriano: “ser é amar”.

(7)

RESUMO

Propõe-se, na presente dissertação, uma leitura interpretativa do Art. 205 da Constituição Federal de 1988 no que se refere à educação para o pleno

desenvolvimento da pessoa. Considera-se que, pelo viés jurídico-constitucional, e da

perspectiva da Psicologia do Desenvolvimento, o pleno desenvolvimento da pessoa, no Art. 205, adquire o significado de objetivo da educação e pode ser entendido como desenvolvimento cognitivo. Já à luz do personalismo de Emmanuel Mounier, compreende-se o pleno desenvolvimento da pessoa como finalidade da educação, focalizada e estudada na atualidade de suas práticas escolares; para tanto, analisa-se um quadro recorrente em sala de aula, em que educandos questionam e analisa-se autoquestionam sobre a utilidade de determinados conteúdos e disciplinas, remetendo predominantemente aos valores de mercado. Discute-se, dessa forma, se, em tal contexto, é possível o pleno desenvolvimento da pessoa segundo os parâmetros e valores do personalismo mounieriano, considerando que, na visão de Mounier, o homem é chamado a amadurecer livremente. Conclui-se que, para Mounier, a educação para o pleno desenvolvimento da pessoa é, no fundo, autoeducação e autodesenvolvimento, envolvendo, sobretudo, liberdade, escolha: trata-se, portanto, do protagonismo que o educando pode assumir no processo de sua educação, escolhendo valores que possam contribuir para o seu desenvolvimento como pessoa. PALAVRAS-CHAVE: 1. Pessoa. 2. Educação. 3. Constituição de 1988. 4. Personalismo. 5. Emmanuel Mounier.

(8)

ABSTRACT

This dissertation proposes an interpretative reading of Art. 205 of the Brazil’s Constitution of 1988 regarding education for the full development of the person. It is considered that, from the legal-constitutional bias, and from the perspective of Developmental Psychology, the full development of the person, in Art. 205, acquires the meaning of objective of education and can be understood as cognitive development. Already in the light of the personalism of Emmanuel Mounier, it is understood the full development of the person as the purpose of education, focused and studied in the actuality of their school practices; to this finality, we analyze a recurrent classroom image, in which students ask (included themselves) about the usefulness of certain contents and disciplines, referring predominantly to market values. Thus, it is discussed whether, in such a context, the full development of the person is possible according to the parameters and values of mounierian personalism, considering that, in Mounier's view, man is called to mature freely. It is concluded that, for Mounier, education for the full development of the person is, in essence, self-education and self-development, involving, above all, freedom, choice: it is, therefore, the protagonism that the student can assume in the process of his/her own education, choosing values that can contribute to their development as a person.

KEY WORDS: 1. Person. 2. Education. 3. Constitution of 1988. 4. Personalism. 5. Emmanuel Mounier.

(9)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...10

CAPÍTULO I - PESSOAEEDUCAÇÃONACONSTITUIÇÃODAREPÚBLICA FEDERATIVADOBRASILDE1988...14

1.EDUCAÇÃOEPESSOA...14

2.DAEDUCAÇÃOPARAOPLENODESENVOLVIMENTODAPESSOA...23

2.1 O pleno desenvolvimento da pessoa: objetivo da educação ... 23

2.2 Uma perspectiva psicológica ... 26

CAPÍTULO II - AEDUCAÇÃOPARAOPLENODESENVOLVIMENTODA PESSOASEGUNDOOPERSONALISMODEEMMANUELMOUNIER...35

1.OPERSONALISMOMOUNIERIANO...25

2.AFINALIDADEDAEDUCAÇÃONOPERSONALISMODEMOUNIER... 37

2.1 Despertar pessoas ... 39

3. O PLENO DESENVOLVIMENTO DA PESSOA EM MOUNIER ... 41

CAPÍTULO III - O“PARAQUESERVE?”EAEDUCAÇÃOPARAOPLENO DESENVOLVIMENTODAPESSOA...56

1.O(S)SIGNIFICADO(S)DO“PARAQUESERVE?”...56

2.O“PARAQUESERVE?”EOPLENODESENVOLVIMENTODAPESSOA NAPERSPECTIVADEMOUNIER...64

CONSIDERAÇÕESFINAIS... 67

(10)

INTRODUÇÃO

Este estudo busca interpretar a educação para o pleno desenvolvimento da pessoa, tendo como ponto de partida o Art. 205 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Rege tal dispositivo constitucional que a educação tem por objetivo, entre outros, o pleno desenvolvimento da pessoa.

A primeira questão que deveria ocorrer na prática da educação, quando da reflexão sobre esse objetivo, é: o que é a pessoa? Dessa questão, adviriam outras: educação para desenvolver o quê, ou quem?; em que consiste o pleno desenvolvimento da pessoa? São questões fundamentais que se colocam na dinâmica da educação da pessoa e que se impõem por sua própria importância.

A respeito da temática da pessoa na Constituição de 1988 há uma quantidade significativa de trabalhos e pesquisas que se referem ao princípio da dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III), tendo em vista tratar-se de um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Contudo, a maioria dos estudos se pauta pela questão principiológica do dispositivo.

No que diz respeito à educação, existem também muitos trabalhos que se debruçam sobre a análise do direito (social e positivo) à educação, inclusive mencionando o Art. 205, na medida em que ele coloca a educação como “direito de todos”. Mas nota-se a escassez de pesquisas que se desdobram na busca de uma interpretação do significado de pessoa nesse específico dispositivo constitucional e no contexto mais amplo da Constituição Federal de 1988 e de suas relações com a temática da educação.

Há trabalhos que se esforçam também em analisar outras categorias que constam no Art. 205, mas não tratam nem refletem sobre o significado de pessoa, concentrando-se, recorrentemente, na interpretação dos aspectos relacionados ao preparo para o exercício da cidadania e à qualificação para o trabalho.

Contudo, a pessoa é o fundamento do cidadão e do trabalhador. Assim, faz-se necessário refletir sobre a educação da pessoa, antes mesmo de se falar em outras categorias. Não se trata de separá-las ou excluí-las, mas de compreendê-las como dimensões – ainda que distintas – da pessoa. Um educando em sala de aula, por exemplo, é ou será um cidadão, um trabalhador, mas antes de tudo já é e/ou deve ser compreendido também como pessoa, pois o artigo constitucional em questão refere-se ao pleno desenvolvimento da pessoa.

(11)

Neste estudo, procura-se interpretar o significado que essa educação para

o pleno desenvolvimento da pessoa adquire no Art. 205 da Constituição de 1988

para, confrontando-o com o pensamento personalista do filósofo francês Emmanuel Mounier, empreender uma reflexão sobre o que pode e deve significar uma educação que tenha por finalidade esse desenvolvimento pessoal num quadro marcado e limitado pelo “para que serve?”.

O presente trabalho divide-se em três capítulos.

No primeiro busca-se interpretar, pelo viés jurídico-constitucional, o que o Art. 205 e a legislação subsidiária e complementar – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9.394/96 – dispõem sobre a pessoa e seu pleno desenvolvimento. Constata-se que a pessoa, no Art. 205, é compreendida como sujeito de direito – especialmente, o direito à educação. Trata-se, ao mesmo tempo, de sujeito passivo, porque recebe educação, e de agente da educação, porque faz parte de instituições responsáveis pela educação. Assim, a pessoa, como sujeito de direito, é também responsável por sua própria educação.

Entende-se que o pleno desenvolvimento da pessoa, no Art. 205, comparece como um objetivo da educação, pois pode envolver ações mensuráveis, observáveis e com resultados precisos. Predomina, nesse dispositivo constitucional, a ideia de desenvolvimento cognitivo, tal como se pode observar quando se realiza sua leitura à luz da Psicologia do Desenvolvimento, com foco específico na teoria de Jean Piaget. Sua pertinência ao objeto analisado explicita-se em vista das seguintes aproximações: no que tange à forma de organização do ensino preconizada pela LDB nº 9.394/96, por exemplo – da educação infantil ao ensino superior, num movimento progressivo, que considera as fases da vida da pessoa e no que se refere à questão das relações sociais. Vê-se que a educação, no Art. 205, tem por objetivo o desenvolvimento das capacidades cognitivas da pessoa na medida em que se vincula ao desenvolvimento econômico do país.

No segundo capítulo, a educação para o pleno desenvolvimento da pessoa é interpretada sob uma perspectiva filosófica – a do personalismo de Emmanuel Mounier, que se caracteriza fundamentalmente por colocar a pessoa no centro de sua reflexão e de sua estrutura conceitual1. Considera-se que o pleno

desenvolvimento da pessoa, no personalismo, comparece como finalidade da

(12)

educação e não como objetivo, por se tratar, na verdade, de autodesenvolvimento que envolve, entre outros, elementos que não são possíveis nem passíveis de se medir, analisar, registrar – tal como o “despertar” e o “amadurecer” do homem como pessoa.

A preocupação de Mounier não é com uma definição rígida de pessoa, mas a de compreender o homem como pessoa – o que envolve, portanto, a antropologia filosófica.

Mounier, continuamente, reflete sobre a pessoa, mas é na obra O

personalismo que o filósofo aprofunda e desdobra o tema ao tratar das estruturas do

universo pessoal. Para Mounier, a pessoa não nasce perfeita, ou seja, acabada; o homem é chamado a “amadurecer livremente” como pessoa, e isso envolve dois aspectos fundamentais para o seu desenvolvimento – a liberdade, que lhe confere a possibilidade de escolha, e o protagonismo, que o coloca como principal responsável por seu desenvolvimento.

Mounier compreende a pessoa em dimensões que envolvem aspectos transcendentes, mas sem desconsiderar os elementos sócio-político-econômicos, ou seja, trata-se da pessoa situada no mundo e na história, permanecendo no centro de suas reflexões a questão da liberdade. A pessoa pode, então, escolher seus valores políticos e econômicos tanto quanto os estéticos, éticos, morais etc., num processo e/ou percurso de livre amadurecimento. A educação, compreendida como ato de educar, pode despertá-la para tal movimento. Dessa forma, o pleno desenvolvimento da pessoa, em Mounier, é um processo que depende, sobretudo, da própria pessoa. Tal protagonismo evidencia que a educação, para o personalismo é, na verdade, autoeducação.

O terceiro capítulo retoma as interpretações anteriores num dos contextos da prática da educação – sobretudo a da educação escolar –, marcado e pautado pela recorrente inquirição do “para que serve?”. Trata-se do fato de muitos educandos questionarem e/ou se autoquestionarem a respeito da utilidade prática de conteúdos e disciplinas, sobretudo para o mundo do trabalho. Essa cobrança do útil, em sala de aula, evidencia certa hipertrofia da dimensão do trabalhador em prejuízo da pessoa.

A finalidade desse capítulo é refletir sobre a possiblidade de uma educação para o pleno desenvolvimento da pessoa, à luz do personalismo de Mounier, nesse quadro do “para que serve?”. Não se trata de pesquisa de campo nem de estudo de caso, mas, antes, de tentar o diagnóstico de uma situação que se verifica em sala de

(13)

aula, investigada e analisada por meio da leitura de textos jornalísticos, artigos científicos e de relatos publicados por educadores. A proposta de trazer à luz tal quadro também não tem como foco uma análise aprofundada da sociedade capitalista.

Conclui-se que uma educação para o pleno desenvolvimento da pessoa, à luz do personalismo de Mounier, é possível nesse contexto porque o desenvolvimento da pessoa envolve a liberdade, que possibilita ao homem, justamente, desenvolver-se como pessoa. Trata-desenvolver-se, portanto, de uma escolha. Cada homem pode ou não desenvolver-se desenvolver como pessoa, à medida que realiza a escolha de determinados valores.

(14)

CAPÍTULO I

PESSOAEEDUCAÇÃONACONSTITUIÇÃO DAREPÚBLICAFEDERATIVADOBRASILDE1988

Este capítulo se divide em dois momentos: o primeiro é uma leitura interpretativa dos significados de educação e de pessoa no Art. 205 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, por um viés jurídico-constitucional. Num segundo momento, considerando tais interpretações, refletiremos sobre os significados da educação para “o pleno desenvolvimento da pessoa”, na Constituição e na legislação complementar e subsidiária (LDB nº 9.394/96), à luz da Psicologia do Desenvolvimento. Para tanto, a pesquisa traz contribuições, de modo específico, de um dos teóricos da Psicologia do Desenvolvimento que enfatiza o desenvolvimento cognitivo, a saber – Jean Piaget.

1.EDUCAÇÃO E PESSOA

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 trata da educação em seu Art. 205, que dispõe:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Entre vírgulas que marcam o aposto, o artigo faz uma pausa, intercalando na ordem direta da frase elementos que evidenciam as características da educação a que se refere – “direito de todos” e “dever do Estado e da família”. Compõe a organização desses elementos na frase a conjunção coordenativa aditiva “e”. Ao usar essa conjunção, o dispositivo explicita que a educação é direito e é também dever, ou seja, a educação de que trata é a justaposição de direito mais dever. Nessa justaposição é que a educação encontra-se determinada, o que justifica, inclusive, o uso do artigo definido “a” abrindo o enunciado, especificando que a educação a que se refere situa-se no universo (constitucionalmente assegurado) dos direitos e

(15)

deveres. Desse modo, a preocupação primeira do dispositivo constitucional não é definir em que consiste a educação, mas evidenciar a educação em seu caráter normativo, dispondo-a como direito e dever.

Que direito e que dever? O direito a que se refere o artigo pode ser compreendido, a priori, à luz dos direitos sociais, que, em linhas gerais, remetem aos direitos fundamentais e garantias básicas assegurados pela Constituição Federal de 1988, a serem compartilhados sem discriminações de raça, cor, sexo, religião, classe social etc. No Art. 6º da Constituição Federal de 19882, a educação aparece abrindo

o rol dos direitos sociais, seguida da saúde, da alimentação, do trabalho, do transporte, do lazer, da segurança etc. Pode-se tomar como direito fundamental o acesso gratuito à educação escolar, que se traduz em obrigatoriedade no que se refere à frequência escolar, sinalizando e reforçando o significado da educação como, simultaneamente, direito e dever3.

Por outro lado, o Art. 206 traz alguns princípios a serem seguidos pelo ensino que podem se caracterizar como direitos da pessoa à educação, a saber:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;

[...]

IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; [...]

VII - garantia de padrão de qualidade.

Pode-se considerar que, para o constituinte, a obrigatoriedade pressupõe o oferecimento de condições para o seu cumprimento, de tal modo que, se ela não é cumprida, reste a hipótese de falha daquele que a deve cumprir. Assim, se o direito

2 “Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o

transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” (Artigo com redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015).

3 Horta (1998, p. 10): “O direito à educação não se reveste exatamente da mesma dimensão que,

por exemplo, o direito à assistência médica gratuita, à alimentação mínima, à habitação decente ou ao socorro em caso de catástrofe natural. Estes são serviços que a sociedade proporciona àqueles que os solicitam. Em geral, os cidadãos podem escolher entre utilizá-los ou prescindir deles e inclusive, adaptá-los, via de regra, a seus interesses individuais. A educação, ao contrário, é, via de regra, obrigatória, e as crianças não se encontram em condições de negociar as formas segundo as quais a receberão. Paradoxalmente, encontramo-nos assim diante de um direito que é, ao mesmo tempo, uma obrigação. O direito a ser dispensado da educação, se esta fosse a preferência de uma criança ou de seus pais, não existe. Assim, ao direito de educar por parte do Estado corresponde a obrigatoriedade escolar para determinada camada da população infanto-juvenil”.

(16)

envolve o dever, o princípio a ser seguido para a cobrança da obrigatoriedade é o oferecimento de condições de acesso à escola e de permanência nela. Se o Estado oferece as condições para o devido cumprimento da obrigatoriedade, ele pode cobrar sua efetivação; caso contrário, não. Força-se o Estado a, de fato, oferecê-las; não há como o Estado fugir desse seu dever.

Além de caracterizar a educação como direito, a Constituição Federal de 1988, no mesmo Art. 205, explicita que ela é “direito de todos”. Não se trata, portanto, de direito restrito a alguns ou a grupos específicos. O termo “todos” remete ao autor da Constituição de 1988, ou seja, o próprio povo brasileiro, representado pelos membros da Assembleia Nacional Constituinte, eleitos e reunidos exclusiva e especificamente “para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais [...]” (grifo meu).

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, nesse sentido, é a expressão da vontade do povo brasileiro, que exerce o poder através daqueles que o representam4. O “todos” do Art. 205, por esse viés, faz referência ao conjunto

dos brasileiros5, o que, logicamente, inclui a pessoa de que trata o Art. 205, uma vez

que a pessoa compõe o “todos” a que se refere a norma. Se a educação se caracteriza por ser direito e se a pessoa, no Art. 205, tem direito à educação,

pode-4 “Art. 1º, parágrafo único: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes

eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

5 A Constituição Federal de 1988 define quem são brasileiros:

“Art. 12. São brasileiros: I - natos:

a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;

b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;

c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira; (Alínea com redação dada pela Emenda Constitucional nº 54, de 2007).

II - naturalizados:

a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral;

b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira. (Alínea com redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994). § 1º Aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor dos brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta Constituição”. (Parágrafo com redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994).

§ 2º A lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição”.

(17)

se afirmar que, nesse sentido, “pessoa” significa sujeito de direito, de modo especial, do direito à educação.

O sujeito de direito, por seu turno, é aquele a quem a lei, de modo amplo, atribui direitos e obrigações. Da perspectiva jurídica, são considerados sujeitos de direito tanto a pessoa física ou natural, quanto a pessoa jurídica (entidade criada e composta por pessoa física que, fora de sua natureza abstrata, é também sujeito de direito). No entanto, a palavra “pessoa”, no Art. 205, parece remeter apenas à pessoa física ou natural, não à pessoa jurídica, a qual não caberia na expressão “pleno desenvolvimento da pessoa”.

Quanto ao dever, na medida em que deriva de uma lei – no caso, a Lei Maior –, significa obrigação legal. Portanto, ao estabelecer que a educação é dever do Estado e da família, o Art. 205 a atribui, a priori e explicitamente, como obrigação, a essas instituições. Ao mesmo tempo, evidencia-se que Estado e família são instituições compostas por pessoas; pode-se dizer que a pessoa mencionada no Art. 205 “está” no Estado e na família.

A norma não aclara se tal pessoa é a criança, o jovem, o adulto, o cidadão etc., mas dá margem para a interpretação de que “pessoa”, dessa perspectiva, abrange todas essas categorias. Não se trata de dizer que tais categorias têm o mesmo significado, mas de dizer que a pessoa é o fundamento (base, alicerce) dessas categorias. Estando a pessoa no Estado, como cidadão, e na família – como pai, mãe ou filho(a) – e, sendo a educação dever dessas instituições, ela é também, no fim das contas, dever da pessoa.

Dessa forma, se a pessoa, de acordo com o Art. 205, é sujeito de direitos e deveres, o que faz dela alguém que se relaciona juridicamente com o Estado (é dotada de capacidade jurídica e de participação nos polos ativo e passivo das relações jurídicas) e se, ao mesmo tempo, compõe a noção de “todos” (que, nesse contexto, significa o povo brasileiro e esse, através da soberania popular, exerce o poder de estabelecer a educação como direito), a pessoa também está sujeita a obrigações. Em suma, se a norma dispõe que a educação é obrigação legal do Estado e da família, e a pessoa faz parte do Estado e da família, a educação é obrigação legal da pessoa.

Sendo a educação dever da pessoa, entende-se que ela também é agente da educação, não comparecendo apenas como um sujeito passivo no dispositivo constitucional. Em outras palavras, pode-se considerar que a pessoa, tal como

(18)

caracterizada no Art. 205, também deve responder pelo processo de educar: estando tanto na família quanto no Estado, tem deveres para com a educação – a própria e a(s) alheia(s). Ainda que não constitua o todo desses organismos, mas seja somente parte deles, é, de toda a forma, tanto sujeito passivo quanto agente da educação.

A esta altura, coloca-se a questão: em que consiste o dever dos agentes da educação: o Estado, a família e, por conseguinte, a pessoa? O uso da conjunção coordenativa “e”, somando Estado e família, aponta para um mesmo patamar em termos de obrigação. Nem Estado nem família podem se eximir de tal obrigação, pois ambos são colocados no mesmo nível; o trecho não estabelece uma hierarquia, mas formula de modo a demonstrar a relevância de ambas as categorias no que se refere à educação.

Igualmente, o Art. 205 não especifica o dever de cada qual, limitando-se a mencionar que ele existe. O termo comparece no texto como substantivo sem artigo definido, ou seja, não é determinado: o dispositivo é categórico e direto, não deixa espaço para dúvidas a respeito de quem é a obrigação com relação à educação. É no Art. 208 da Constituição Federal de 1988 que tal dever é especificado no que diz respeito ao papel do Estado:

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; (Inciso com redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009) II - progressiva universalização do ensino médio gratuito; (Inciso com redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996)

III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;

IV – educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; (Inciso com redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;

VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;

VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. (Inciso com redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009)

§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.

(19)

§ 2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.

§ 3º Compete ao poder público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola.

Essencialmente, o Art. 205 trata do que a educação deve visar: se a educação é dever do Estado e da família, a obrigação de ambos é quanto ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o (mundo do) trabalho. Esse é, portanto, o dever específico do Estado e da família no Art. 205 – fazer com que se cumpra o que visa a educação no dispositivo. O Estado, de maneira mais específica, de acordo com o Art. 208, deve garantir acesso e permanência na educação escolar formal – oferecendo vagas, transporte e condições outras.

Por sua vez, à família (considerada pelo Art. 226 da Constituição Federal de 1988 como base da sociedade) o Art. 227 confere o poder de fazer valer o direito da pessoa à educação (fiscalizando e cobrando, por exemplo)6. Na LDB nº 9.394/96,

a família é mencionada antes do Estado, na parte que trata dos objetivos da educação:

Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

O Art. 205 da Constituição de 1988 dispõe ainda que a educação “será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade”. O termo “será”, nesse contexto, está para além de verbo conjugado no futuro do presente simples: não determina uma ação futura, mas configura-se por seu caráter impositivo. Trata-se de uma ordem, de um mandado, de uma regra que deve ser cumprida; o dispositivo

6 “O dever da família deve ser entendido como um dever jurídico, fundamentado na exigência que

a Constituição faz aos pais de educar seus filhos, conforme se depreende dos arts. 205, 208, § 3º, 227 e 229 da Constituição. Essa discussão coloca em análise os chamados ‘deveres fundamentais’, que Canotilho, ao tratar do dever dos pais de educar os filhos, constante do art. 36, 3 e 5, da Constituição Portuguesa, classifica-o como dever diretamente exigível. Os deveres fundamentais diretamente exigíveis são exceções, pois, em geral, ‘as normas consagradoras de deveres fundamentais reconduzem-se [...] à categoria de normas desprovidas de determinabilidade jurídico-Constitucional e, por isso, carecem de mediação legislativa’”. (MALISKA, 2018, p. 3594).

(20)

constitucional ordena, manda que a educação seja promovida e incentivada, reforçando a ideia de dever.

Contudo, o Art. 205 não explicita de quem é esse dever. O dispositivo diz que a educação será promovida e incentivada, mas não diz claramente por quem. O texto segue formulando que esse dever se cumpra com a colaboração da sociedade e não pela sociedade, de modo direto. Assim, não se pode atribuir à sociedade, de forma exclusiva, o cumprimento dessa ordem, pois a sociedade aí comparece como colaboradora de um agente que, pressupõe-se, já exista. Se a norma ordena, é porque existe aquele que fará com que a ordem se cumpra. Os agentes da educação explicitados anteriormente pelo Art. 205 são o Estado e a família. O dispositivo coloca que a educação é dever dessas instituições. Desse modo, pode-se interpretar que o agente da passiva está subentendido no enunciado do artigo e, na verdade, são agentes – o Estado e a família. Se a norma impõe, ordena (“será”), a noção da educação a ser promovida e incentivada está implícita na noção do dever que cabe ao Estado e à família.

Os termos “promovida” e “incentivada” são flexões dos verbos “promover” e “incentivar”, respectivamente. Promover é “dar impulso a; fazer avançar. Fazer promoção de”7. Por sua vez, incentivar tem o significado de estimular, dar estímulo –

definido como “aquilo que ativa a ação orgânica no homem, no animal e na planta, que o(s) incita à ação”8. Em termos de análise morfológica, poder-se-ia objetar

afirmando que esses termos são adjetivos. Contudo, seu significado nesse contexto normativo aponta para o resultado do ato de promover e do ato de incentivar, ou seja, não indica apenas um estado (o que os caracterizaria como adjetivo), mas também os frutos de uma ação.

Pode-se afirmar que o Estado promove a educação quando, por meio dos órgãos responsáveis (Ministério da Educação, Secretarias estaduais e municipais, entre outros), investe recursos financeiros com os objetivos de melhorar a qualidade da educação, preparar profissionais que atuam na educação, dar infraestrutura às escolas etc. Ele incentiva à medida que cria mecanismos que contribuam, por exemplo, para que a pessoa permaneça na escola9. Se esses exemplos compõem a

obrigação legal do Estado, não deixam de se configurar como mecanismos de

7 Dicionário Aurélio (2008, p. 659). 8 Dicionário Aurélio (2008, p. 378).

(21)

promoção e incentivo, por sua prática e seus resultados. Assim, o dispositivo constitucional aponta para a promoção e o incentivo, pelo Estado, de uma educação consentânea com os princípios de gratuidade e qualidade10, havendo a expectativa

de que se cumpram efetivamente, considerando o caráter imperativo do “será”. A Educação de Jovens e Adultos (EJA), por exemplo, prevista no Art. 208 como uma obrigação do Estado para com aqueles que não tiveram acesso à escola na idade própria, pode se configurar como medida de promoção e incentivo à educação, tendo em vista que proporciona a essas pessoas a oportunidade de frequentarem a escola e de entrarem no rol dos alfabetizados.

Já quanto à família, a Constituição Federal de 1988 não explicita nem especifica seu papel na promoção e no incentivo da educação. Contudo, sendo a família a base da sociedade, conforme estabelece o Art. 226, e tendo essa instituição o dever de assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, dentre outros, o direito à educação (de acordo com o Art. 227), pode-se conjecturar que pertencem ao âmbito e à competência da família ações como:

a) acompanhamento da vida escolar do educando;

b) colaboração para que se faça cumprir o estabelecido pela escola (no que concerne a regras, atividades etc.), o que se dá conforme a família se aproxima da escola e tem conhecimento da dinâmica da instituição; c) contribuição para a socialização do educando no ambiente escolar; d) participação nas reuniões e nos programas oferecidos, justamente, para

se criar esse vínculo entre família e escola11.

Por esse viés, o direito à educação que deve ser assegurado pela família como prioridade absoluta, vai além do direito da pessoa de ter uma vaga na escola. Pode-se dizer que a família faz valer o direito da pessoa à educação na medida em que acompanha e participa da vida escolar do educando, empenhando-se para assegurar um ensino de qualidade à pessoa. De todo o modo, as palavras

10 O Art. 206, em seu inciso VII, estabelece que “o ensino será ministrado” com base, entre outros

princípios, na “garantia de padrão de qualidade”.

11 A título de exemplo, podemos citar o Programa “Escola da Família”, criado em 2003 pela

Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. O Programa proporciona a abertura de escolas da Rede Estadual de Ensino, aos finais de semana, com propósitos como os de criar uma cultura de paz, despertar potencialidades e alargar horizontes culturais. Reunindo profissionais da Educação, voluntários e universitários, o Programa oferece às comunidades paulistas atividades que possam contribuir para a inclusão social, tendo como foco o respeito à pluralidade e uma política de prevenção que concorra para a qualidade de vida (SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2018).

(22)

“promovida” e “incentivada”, tal como comparecem no Art. 205, não se referem a qualidades da educação, mas a resultados de ações efetivas praticadas pelo Estado e pela família. Por outro lado, incentivar e promover a educação não é, ainda e propriamente, educar; tais ações estão como que no vestíbulo da educação como processo, na medida em que implicam criar e fornecer condições e oportunidades para que tal processo se realize, mas não garantem por si sós – nem se confundem com – sua efetivação.

O mesmo se pode dizer a respeito da sociedade, que o Art. 205 chama a colaborar na promoção e no incentivo da educação. Colaboração pode ser definida como “trabalhar em conjunto”12, “trabalhar em comum com outrem”13; “ato ou efeito

de colaborar”14. Colaborar (co+laborar) é trabalhar junto. A sociedade, então,

comparece como agente da educação e seu dever é o de trabalhar junto com outrens – no caso, como se pode pressupor, o Estado e a família. Exemplos podem ser as Organizações Não Governamentais (ONGs) que se ocupam de ações educativas nos mais variados setores (Saúde, Meio Ambiente, Direitos Humanos, Arte, Cultura, Esporte etc.) e as igrejas quando da realização de eventos tais como a Campanha da Fraternidade (CF), uma iniciativa da Igreja Católica, através da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Desse modo, criam-se e oferecem-se oportunidades de trabalhar educativamente temas que incentivam a participação ativa da sociedade na vida política, econômica e social do país, envolvendo, além das comunidades paroquiais, espaços como escolas, postos de saúde, associações de bairro etc., numa interação com o Estado e as famílias.

Tem-se ainda a colaboração da sociedade quando empresas privadas mantêm programas voltados à educação (cursos, capacitações, visitas técnicas, concursos de redação etc.) em parceria com ONGs, sindicatos, associações e escolas. Na escola particular, pode-se dizer, vê-se a colaboração da sociedade num esforço, justamente, de oferecer educação15. Essa dinâmica, então, se configura em

um trabalho conjunto. Trata-se de colaboração mútua, pois a família está na sociedade, assim como a pessoa; portanto, se a sociedade deve colaborar com o

12 Michaelis Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa Online. 13 Dicionário Aurélio Online.

14 Dicionário Priberam da Língua Portuguesa Online.

15 “Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:

I - cumprimento das normas gerais da educação nacional; II - autorização e avaliação de qualidade pelo poder público”.

(23)

Estado e a família para promover e incentivar a educação, isso significa que cabe à própria pessoa fazer parte dessa colaboração.

2.DA EDUCAÇÃO PARA O PLENO DESENVOLVIMENTO DA PESSOA

2.1 O pleno desenvolvimento da pessoa: objetivo da educação

O Art. 205 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, como vimos, não trata especificamente de uma definição ou da natureza da educação, mas estabelece seus objetivos. O verbo que emprega é “visar”, conjugando-o no gerúndio como transitivo indireto e estabelecendo regência com a preposição “a” – visando a. Posto nesse sentido, “visar” é sinônimo de ter como objetivo, ter como finalidade16.

Por um lado, o gerúndio transmite uma noção de continuidade: “visando a” indica um movimento contínuo, traz a ideia de algo constante, que não se interrompe; a priori, a educação deve ter sempre presente o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Por outro lado, se há uma aparente sinonímia entre as palavras “finalidade” e “objetivo”, na medida em que ambas contemplam a noção de “chegar a”, não se pode dizer, a rigor, que compartilhem o mesmo significado. A propósito da expressão “objetivo pedagógico”, Olivier Reboul nota que o termo “objetivo”, aí, nomeia “resultado preciso, definível e mensurável, realizado pelo próprio aluno, a permitir, por sua vez, chegar a outros resultados”. Completa afirmando que “verbos como ‘enumerar’, ‘situar’, ‘identificar’ e outros designam excelentes objetivos” (REBOUL, 1988, p. 115; grifos meus). Dessa forma, o significado de “objetivo” remete a ações passíveis de aferições e avaliações, e, além disso, a resultados (em geral, esperados), aproximando-se da noção de meta – a qual, por sua vez, possui, entre outros, o significado de limite, chegada, termo. Nesse caso, “objetivo” tem a ver com “chegar ao termo”, e/ou envolve ações que conduzem ao “termo”.

16 Cabe comentar a natureza do Art. 205 como norma constitucional programática. De acordo

com Diniz (1998, p. 116) as normas programáticas são aquelas pelas quais “o constituinte não regula diretamente os interesses ou direitos nelas consagrados, limitando-se a traçar princípios a serem cumpridos pelos Poderes Públicos (Legislativo, Executivo e Judiciário) como programas das respectivas atividades pretendendo unicamente a consecução dos fins sociais pelo Estado”.

(24)

Já “finalidade” é o que está para além dos objetivos. Pode-se planejá-la através de objetivos, mas sem a possibilidade de resultados precisos, uma vez que ela pode trazer em si um propósito maior, implicando um sentido17: não se trata

somente de obter resultados, de “chegar ao termo” (atingir objetivos), mas também de por que e para que chegar.

Ao mencionar “o pleno desenvolvimento da pessoa” sem assinalar a finalidade e o sentido de tal desenvolvimento, o Art. 205 faz prevalecer a ideia de objetivo. Sempre cabe perguntar: para que “o pleno desenvolvimento da pessoa”? Do mesmo modo, também não se explicita a finalidade de “seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”: para que ser cidadão, para

que ser trabalhador?

A expressão “visando a”, do Art. 205, toma, portanto, o significado de “tendo como objetivo”. Analogamente, a expressão “pleno desenvolvimento da pessoa” contempla a ideia de objetivo com meta específica: a plenitude. Reforça tal interpretação o contexto da Constituição, em que a palavra “objetivo” é recorrente, como se lê no Art. 214:

Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam a: ("Caput" do artigo com redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009). I - erradicação do analfabetismo;

II - universalização do atendimento escolar; III - melhoria da qualidade do ensino; IV - formação para o trabalho;

V - promoção humanística, científica e tecnológica do País.

VI - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto. (Inciso acrescido pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009).

Também a legislação subsidiária e complementar ao Art. 205 – a LDB nº 9.394/96 – trata como objetivos o que nomeia como finalidades, pois não explicita o(s) propósito(s) e o(s) sentido(s) da educação, tendendo mais para a ideia de motivo, ou seja, daquilo que deve motivar a educação:

17 A título de exemplo, pense-se na banal e crucial questão do “sentido da vida”: “para que se

(25)

Art. 2º. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, completando a ação da família e da comunidade.

Reforçando o significado, o Art. 31 da mesma LDB regula a avaliação a que devem ser submetidos os objetivos expostos no Art. 29.

Art. 31. Na educação infantil a avaliação far-se-á mediante acompanhamento e registro do seu desenvolvimento, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental.

O “acompanhamento” supõe um processo que envolve observação, ao passo que “registro do desenvolvimento” implica traduzir o que foi observado em dados concretos: trata-se de mensurar o desenvolvimento da criança até aquela fase – os seis anos de idade – o que significa que se pode obter uma noção geral por meio de um parâmetro preestabelecido (como meta), baseado, por exemplo, no crescimento ou no comportamento que a pessoa nessa fase deve apresentar para ser considerada “desenvolvida”. Em síntese, o Art. 31 preconiza ações observáveis e mensuráveis (avaliadas mediante acompanhamento e registro) dos objetivos estabelecidos no Art. 29.

Já o Art. 32 da LDB é mais explícito quanto ao uso da palavra “objetivo”:

Art. 32. O ensino fundamental, com duração mínima de oito anos, obrigatório e gratuito na escola pública, terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante: I – o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo;

II – a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;

III – o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores;

IV – o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social”.

(26)

Mais uma vez, dá-se a conhecer o objetivo (no caso, do ensino fundamental): a “formação básica do cidadão”. Contudo, não se expõe a finalidade dessa formação, ou seja, para que ela deve realizar-se. O que se segue, nos incisos desse artigo, são os meios pelos quais tal objetivo será alcançado: objetivos subsidiários, que contribuirão para a consecução do objetivo principal.

De modo geral, a LDB nº 9.394/96 emprega de forma indiferenciada as palavras “finalidade” e “objetivo”, tomando-as praticamente como sinônimas. No entanto, o significado em que comparecem é sempre o de “objetivo”, remetendo às ideias de acompanhar, medir, registrar e chegar ao termo, como indica o Art. 35:

Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades:

I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;

III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;

IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.

2.2 Uma perspectiva psicológica

Na medida em que se interpreta “o pleno desenvolvimento da pessoa” como objetivo da educação, tal como formulado na Constituição Federal de 1988 e na legislação educacional subsidiária e complementar (a LDB nº 9.394/96), a noção de desenvolvimento que aí cabe é a da Psicologia do Desenvolvimento18. O Art. 205

não especifica a fase da vida da pessoa a que se refere, isto é, não caracteriza a pessoa como criança, adolescente ou adulto, mas deixa margem a que se inclua na concepção de pessoa essas categorias: assim, quando menciona "o pleno desenvolvimento da pessoa", pressupõe-se que seja aquele que compreende todos

18 De acordo com Castro (1998) apud Hillesheim e Guareschi (2007, p. 82), a Psicologia do

Desenvolvimento, em sua origem, vincula-se à classificação e à mensuração de condutas, estabelecendo e consolidando as práticas escolares de classificação e ordenação das crianças conforme seus desempenhos.

(27)

os períodos e/ou ciclos da vida da pessoa – da infância à idade adulta. É no Capítulo VII que a Constituição trata “da criança, do adolescente, do jovem e do idoso”, ou seja, da pessoa em diferentes fases da vida e, nota-se, de forma gradual. A LDB, por sua vez, o faz de modo mais explícito, organizando a educação em níveis, que vão da educação infantil à educação superior.

Art. 21. A educação escolar compõe-se de:

I – a educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio;

II – educação superior.

Tanto na Constituição quanto na LDB, o desenvolvimento humano comparece sob três aspectos fundamentais: físico, cognitivo e psicossocial. De acordo com Papalia e Feldman (2013, p. 37), o aspecto físico abrange as capacidades sensoriais, as habilidades motoras e a saúde, o crescimento do corpo e do cérebro. Compõem o desenvolvimento cognitivo: aprendizagem, atenção, memória, linguagem, pensamento, raciocínio e criatividade. Já as emoções, a personalidade e as relações sociais são elementos do desenvolvimento psicossocial. Ao dispor que a família deve assegurar o direito da criança, do adolescente e do jovem à educação, o Art. 227 da Constituição de 1988 menciona aspectos e valores que dizem respeito aos desenvolvimentos físico (vida, saúde, alimentação), cognitivo (pressuposto na dinâmica da educação escolar) e psicossocial (lazer, cultura, convivência familiar e comunitária):

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (“Caput” do artigo com redação dada pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010).

Em seu inciso 3º, alínea V, o mesmo artigo cita “pessoa em desenvolvimento” para dizer do menor, ou seja, da pessoa que ainda está em formação, e que, por essa razão, quando infringe a lei, a privação da liberdade deve ser a mais breve possível:

(28)

Art. 227. [...]

V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade;

[...]

Encontra-se, de forma mais explícita, essa noção de desenvolvimento humano no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em especial nos artigos abaixo:

Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.

Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.

Art. 69. O adolescente tem direito à profissionalização e à proteção no trabalho, observados os seguintes aspectos, entre outros:

I – respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento; [...]

Art. 71. A criança e o adolescente têm direito a informação, cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos e produtos e serviços que respeitem sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

Estudiosos do Direito Constitucional interpretam o Art. 205 do mesmo ponto de vista. Bastos (1988, p. 411) sustenta que “a educação consiste num processo de desenvolvimento do indivíduo”19 e que tal desenvolvimento implica a

“boa formação física, moral e intelectual, visando ao seu crescimento integral20, para

um melhor exercício da cidadania e aptidão para o trabalho”.

19 O autor parece tomar “indivíduo” como sinônimo de “pessoa”. Martins-Costa (2008, p. 16),

citando Clavero (1997, p. 12), nota, porém, que “por largo período histórico que chega a alcançar a aurora da Modernidade, a pessoa não era indivíduo nem o indivíduo era pessoa. A noção de in-dividuus, o não-dividido, equivalia, na Idade Média, à noção de átomo, a menor unidade e indivisível – de algo que ultrapassava – uma ordem, um estamento, uma corporação ou qualquer outra entidade coletiva, essas sim os verdadeiros e· reconhecidos sujeitos sociais”.

(29)

Ao comentar o Art. 205, a propósito da educação como direito de todos, Maliska (2018, p. 3593)21 traz à baila a Psicologia do Desenvolvimento, citando

Piaget (1973, p. 35):

Além dos “fatores de hereditariedade e adaptação biológica, dos quais depende a evolução do sistema nervoso e dos mecanismos psíquicos elementares, o desenvolvimento do ser humano está subordinado a fatores de transmissão ou de interação sociais que, desde o berço, desempenham um papel de progressiva importância, durante todo o crescimento, na constituição do comportamento e da vida mental”.

De modo geral, os artigos da LDB nº 9.394/96 que tratam dos objetivos da educação, em seus diferentes níveis (da educação infantil à superior), privilegiam, como era de se esperar, o aspecto cognitivo do desenvolvimento. O Art. 29, que versa sobre a educação infantil, cita o “aspecto intelectual”22; o Art. 32, sobre a

educação fundamental, menciona o “desenvolvimento da capacidade de aprender” (ou “capacidade de aprendizagem”)23; o Art. 35, cujo objeto é o ensino médio, fala no

“desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico”24; e o Art. 43,

sobre a educação superior, cita “desenvolvimento do pensamento reflexivo”25.

Nota-se, na forma de organizar o ensino nacional, um movimento que sugere progressão ou evolução – movimento, ao que parece, contínuo: ao

completar-21 Comentário à Constituição do Brasil (2018), coordenado por Gomes Canotilho et al.

22 “Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o

desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, completando a ação da família e da comunidade”.

23 “Art. 32. O ensino fundamental, com duração mínima de oito anos, obrigatório e gratuito na

escola pública, terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante:

I – o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo;

[...]

III – o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores;

[...]”.

24 “Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos,

terá como finalidades:

I – a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;

[...]

III – o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;

[...]”.

25 “Art. 43. A educação superior tem por finalidade:

I – estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo;

(30)

se o desenvolvimento em determinada fase, o mesmo segue nas fases posteriores; em outros termos, finda determinada fase, abre-se novo estágio. Trata-se de uma concepção bem próxima da trabalhada na Psicologia do Desenvolvimento, de modo específico pelo teórico Jean Piaget.

A preocupação central de Piaget (1896-1980) é o estudo dos processos de pensamento presentes desde a infância até a idade adulta. O autor procurou entender os mecanismos mentais que a pessoa usa nas diferentes etapas da vida para poder entender o mundo: considerando os estágios da vida da pessoa, estudou-os e classificou-estudou-os como fases de desenvolvimento26.

Embora nem a Constituição de 1988 nem a LDB tratem explicitamente do amadurecimento biológico, não se pode negar que tal elemento está presente na forma de organizar a educação e pensar o desenvolvimento da pessoa. Cada etapa, segundo os níveis de educação, traz objetivos coerentes com as respectivas idades da pessoa. É possível, nesse sentido, identificar algumas semelhanças entre as fases estabelecidas por Piaget e a forma como o desenvolvimento cognitivo é tratado, por exemplo, no contexto dos artigos da LDB.

Assim como Piaget, ao estudar o “período das operações concretas” (dos sete aos onze, ou doze anos de idade), mostra que nesse estágio os egocentrismos intelectual e social – ou seja, a incapacidade de se colocar no ponto de vista de outros – cede lugar à emergência da capacidade de estabelecer relações e coordenar pontos de vista diferentes (próprios e de outros) e de integrá-los de modo lógico e coerente (RAPPAPORT, 1981; grifo meu), o Art. 32 da LDB cita a “capacidade de estabelecer relações” como um dos objetivos do ensino fundamental, assim como a “compreensão do ambiente natural e social” e o “fortalecimento de vínculos”.

Já o objetivo mencionado pelo Art. 35 (“desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico”) é congruente com o estágio que Piaget caracteriza como “período das operações formais” (dos doze anos em diante), quando a pessoa, aumentando as capacidades conquistadas na fase anterior, consegue raciocinar sobre hipóteses, podendo formar esquemas (estruturas

26 Piaget considera quatro períodos no processo de desenvolvimento humano, segundo ele

caracterizados "por aquilo que o indivíduo consegue fazer melhor" ao longo do seu processo de desenvolvimento (BOCK et al, 1999). São eles:

• 1º período: Sensório-motor (de zero a dois anos de idade); • 2º período: Pré-operatório (de dois a sete anos);

• 3º período: Operações concretas (de sete a onze ou doze anos); • 4º período: Operações formais (de onze ou doze anos em diante).

(31)

cognitivas) conceituais abstratos e, através deles, executar operações mentais segundo os princípios da lógica formal. Com isso, conforme Rappaport (1981, p. 74), a criança adquire "capacidade de criticar os sistemas sociais e propor novos códigos de conduta: discute valores morais de seus pais e constrói os seus próprios”, adquirindo, portanto, autonomias intelectual e crítica. Dessa perspectiva, em cada etapa da vida, conforme amadurece biologicamente, a pessoa adquire capacidades que lhe permitem adaptar-se às condições do meio e socializar-se.

Pode-se dizer que os objetivos estabelecidos para cada nível da educação, na LDB, têm alguma correspondência com o que se espera do comportamento da pessoa em cada estágio estudado segundo tal perspectiva, o que indica que, ao menos implicitamente, a legislação leva em conta o movimento evolutivo e o fator biológico, configurando a ideia de “pessoa em desenvolvimento” como dispõe o Art. 227 (inciso 3º, alínea V).

Outro aspecto da teoria piagetiana que comparece na Constituição e na LDB é o que se refere à influência do meio social no desenvolvimento cognitivo da pessoa. Para Piaget, o desenvolvimento não é fruto apenas do meio externo e/ou das capacidades inatas do ser humano, mas também decorrência da interação homem-mundo. Desse ponto de vista, os princípios enunciados tanto pela Constituição quanto pela LDB no que diz respeito à participação da família e da sociedade no processo educativo aproximam-se dessa concepção, na medida em que apontam para o fato de que o desenvolvimento da pessoa se deve dar por seu convívio e sua interação com o meio familiar e social. Essa ideia está mais evidente no Art. 1º da LDB, que dispõe:

Art. 1º. A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. O Art. 29 da LDB indica que o desenvolvimento da criança começa nos meios familiar e comunitário, cabendo à educação escolar “completá-lo”, o que significa que a pessoa é possuidora de experiências que precedem seu ingresso na escola. Desse modo, a educação e, por consequência, seu objetivo – o pleno desenvolvimento da pessoa – não estão desvinculados do meio, mas podem ser compreendidos também como consequências e/ou resultados das relações sociais: trata-se de um processo contínuo de mudanças decorrentes das apropriações feitas

(32)

pela pessoa em seu movimento de interação com fatores e elementos de seu entorno social e familiar, o que pressupõe uma postura ativa da pessoa na seleção e na assimilação do que o meio lhe disponibiliza. Em suma, ela não recebe de forma passiva os conhecimentos.

Ao tomar a pessoa como agente do próprio desenvolvimento, o Art. 205 sugere que ela não é uma coisa (res), não é um produto padronizado, fabricado em série numa linha de montagem. Por esse viés, o dispositivo constitucional parece ir de encontro à concepção de educação produtivista e da pessoa como mero capital humano31. Vale lembrar, todavia, que, na norma em questão, ao “pleno

desenvolvimento da pessoa” seguem-se outros dois objetivos da educação: “seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

A LDB vincula a educação básica ao “mundo do trabalho”, o qual comparece como princípio, ou seja, como regra que deve reger todo o ensino nacional:

Art. 1º [...]

§2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social.

[...]

Art. 3º. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: [...]

XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.

A educação profissional, segundo estipula o Capítulo III da LDB, tem como objetivo conduzir ao “permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva”: ao atingir plenamente as capacidades e habilidades já na fase adulta, o desenvolvimento da pessoa, com relação às aptidões, deve seguir num processo constante, para que a pessoa mantenha-se produtiva do ponto de vista econômico, vinculando seu “pleno desenvolvimento” ao desenvolvimento do país.

31 De acordo com Andrade (2010), o capital humano compreende aptidões e habilidades pessoais,

que podem ser naturais ou adquiridas pela aprendizagem, possibilitando ao indivíduo obter renda e torná-lo mais produtivo. A teoria do capital humano considera esse “fator humano” um capital, na medida em que pode ser investido na produtividade do trabalhador. Desse modo, gastos com educação e treinamento são considerados investimentos: destinados à formação educacional e profissional dos indivíduos, podem incrementar a produtividade do trabalhador e, assim, alavancar o desenvolvimento de um país.

(33)

Art. 39. A educação profissional, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, conduz ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva. Como assinala Bastos (1988, p. 411), tal concepção de educação envolve o desenvolvimento das potencialidades do ser humano, representando “investimento para o futuro, pois o progresso e a globalização exigem pessoas devidamente preparadas e qualificadas para integrar o mercado de trabalho” (grifos meus). O mesmo autor (1988, p. 423) conclui seus comentários sobre o Art. 205 da Constituição de 1988 apontando que “a política educacional está intimamente relacionada com a política de emprego”. Trata-se, portanto, de uma educação compreendida como investimento para o futuro econômico do país.

Diante do exposto, pode-se considerar que os textos legais examinados entendem o pleno desenvolvimento da pessoa como um movimento progressivo que, ao mesmo tempo em que deve evoluir para alcançar o máximo das potencialidades e/ou capacidades pessoais, encontra-se comprometido com o desenvolvimento econômico do país, na esteira das demandas e exigências do cenário contemporâneo:

A educação é elemento indispensável ao preparo profissional, quanto mais nos dias atuais, em que o preparo intelectual razoável do trabalhador é julgado como elemento indispensável até mesmo para a realização de tarefas consideradas como trabalho não intelectual. O Estado deve ofertar condições materiais mínimas para que todos possam conseguir qualificar-se para buscar um posto de trabalho. A educação como instrumento permanente de aperfeiçoamento do trabalhador é algo inerente às sociedades como a nossa, marcadas pela dinamicidade e pela inovação, que a cada dia colocam novos desafios aos trabalhadores” (MALISKA, 2018, p. 3595).

Neves (1999), citado por Camara (2018), assinala que a Constituição de 1988 tentou dar conta das profundas mudanças ocorridas em nosso país na economia, nas relações de poder e nas relações sociais globais. Não é por acaso que, conforme enuncia o texto constitucional, um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil consiste, justamente, em garantir o desenvolvimento nacional:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

(34)

II - garantir o desenvolvimento nacional; [...].

A esse objetivo maior, ao que tudo indica, encontra-se associado – ou mesmo atrelado –, igualmente na forma de objetivo, o “pleno desenvolvimento da pessoa”, tomado segundo o significado que assume numa perspectiva psicológica.

Referências

Documentos relacionados

da quem praticasse tais assaltos às igrejas e mosteiros ou outros bens da Igreja, 29 medida que foi igualmente ineficaz, como decorre das deliberações tomadas por D. João I, quan-

Fita 1 Lado A - O entrevistado faz um resumo sobre o histórico da relação entre sua família e a região na qual está localizada a Fazenda Santo Inácio; diz que a Fazenda

O objetivo do curso foi oportunizar aos participantes, um contato direto com as plantas nativas do Cerrado para identificação de espécies com potencial

esta espécie foi encontrada em borda de mata ciliar, savana graminosa, savana parque e área de transição mata ciliar e savana.. Observações: Esta espécie ocorre

O relatório encontra-se dividido em 4 secções: a introdução, onde são explicitados os objetivos gerais; o corpo de trabalho, que consiste numa descrição sumária das

Portanto, mesmo percebendo a presença da música em diferentes situações no ambiente de educação infantil, percebe-se que as atividades relacionadas ao fazer musical ainda são

Para preparar a pimenta branca, as espigas são colhidas quando os frutos apresentam a coloração amarelada ou vermelha. As espigas são colocadas em sacos de plástico trançado sem

Este estudo apresenta como tema central a análise sobre os processos de inclusão social de jovens e adultos com deficiência, alunos da APAE , assim, percorrendo