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A atuação do ministério público na resolução dos conflitos – alternativas penais e processuais à crise de prestação jurisdicional penal

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Academic year: 2021

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GRANDE DO SUL

PATRICIA ARTUS

A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS – ALTERNATIVAS PENAIS E PROCESSUAIS À CRISE DE PRESTAÇÃO

JURISDICIONAL PENAL

Santa Rosa (RS) 2019

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PATRICIA ARTUS

A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS – ALTERNATIVAS PENAIS E PROCESSUAIS À CRISE DE PRESTAÇÃO

JURISDICIONAL PENAL

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso - TC.

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DEJ- Departamento de Estudos Jurídicos.

Orientador: Dr. André Leonardo Copetti

Santa Rosa (RS) 2019

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Dedico este trabalho a toda minha família, pela paciência, compreensão, apoio e, principalmente, por me lembrarem de que sempre devemos ser mais fortes do que nossas adversidades.

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AGRADECIMENTOS

Sou grata, incialmente, à minha família, principalmente à minha mãe Maria e ao meu pai Orlando, pelo fato de que, desde criança, me incentivaram a estudar, deixando claro que esta seria a única forma de crescer e evoluir na vida, apesar de todas as dificuldades.

E nessa linha, devo agradecer ao Ministério da Educação, pela criação do Programa Universidade para Todos (PROUNI), por meio do qual ingressei na universidade, tornando concreto o meu sonho e o sonho dos meus pais.

Ao meu orientador, com quem eu tive o privilégio de contar com sua dedicação e disponibilidade, me guiando pelos caminhos do conhecimento.

Aos meus colegas de trabalho do Ministério Público e do Fórum de Campina das Missões, que colaboraram com sua enorme bagagem de conhecimento, enriquecendo o meu aprendizado.

Agradeço ao meu namorado, por dedicar-se com tanto amor ao nosso relacionamento e sempre que possível, por lembrar de tudo que já conquistamos e do quanto que somos capazes.

E, por fim, a todos aqueles que de alguma forma, tiveram contribuição para a elaboração deste estudo.

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“o direito deve ser um ativo promotor de mudança social tanto no domínio material como no da cultura e das mentalidades.” Boaventura de Sousa Santos.

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É notório que, desde os primórdios da civilização, existem conflitos em uma sociedade. Assim, ante a impossibilidade de algumas controvérsias serem resolvidas de forma autônoma entre as partes, fez-se necessário levar a lide para conhecimento de um terceiro interveniente. Os terceiros intervenientes, ao longo dos tempos, assumiram posições e funções diferentes e, pode-se citar o Poder Judiciário como meio ao qual grande parcela dos litigantes procura solução de seus casos. Assim, considerando a carga desumana de processos que se acumulam no Poder Judiciário, aliado ao desperdício de recursos, o que causa prejuízo e atraso na garantia ao acesso à Justiça aos cidadãos que, eventualmente, estão envolvidos em fatos criminais, o presente estudo pretende verificar a viabilidade da oferta de alternativas penais à crise de prestação jurisdicional penal, em observância aos princípios constitucionais, aliado à análise das prerrogativas atribuídas ao Ministério Público. Ressalta-se que as alternativas a serem abordadas se resumem àquelas que podem ser ofertadas antes do ajuizamento da ação penal evitando-se, desta forma, a instrução processual e posterior aplicação de pena restritiva de liberdade.

Palavras-Chave: Crise da justiça penal. Alternativas. Ministério Público e sua função. Princípios do sistema acusatório.

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It is notorious that, since the dawn of civilization, there have been conflicts in a society. Thus, since it is impossible for some controversies to be resolved autonomously between the parties, it was necessary to bring the matter to the attention of a third party. The intervening third parties, over time, have assumed different positions and functions, and we can cite the Judiciary as a means to which a large number of litigants seek a solution of their cases. Thus, considering the inhuman burden of processes that accumulate in the Judiciary, combined with the waste of resources, which causes damage and delay in guaranteeing access to justice to citizens who are eventually involved in criminal events, this study intends to verify the feasibility of providing penal alternatives to the crisis of judicial jurisdictional provision, in compliance with constitutional principles, together with the analysis of prerogatives attributed to the Public Prosecution Service. It should be emphasized that the alternatives to be addressed are summarized to those that can be offered before the filing of the criminal action avoiding, in this way, the procedural instruction and, later, the application of a restrictive sentence of freedom.

Keywords: Crisis of criminal justice. Alternatives. Public Prosecutor's Office and its function. Principles of the accusatory system.

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INTRODUÇÃO ... 8

1 A PENA DE PRISÃO E SUA MITOLÓGICA FUNÇÃO RESSOCIALIZADORA .... 10

1.1 início e fim de um mito ... 10

1.2 A ineficácia da pena de prisão no Brasil ... 11

1.3 Sobre a necessidade de instituição de alternativas penais e processuais que evitem o processo penal e a pena de prisão...16

2 O SISTEMA ACUSATÓRIO E A SOLUÇÃO DE CONFLITOS NA MODERNIDADE...18

2.1 O Sistema Acusatório ... .18

2.2 Princípios Regentes do Sistema Acusatório no Brasil ... 22

2.3 A Crise da Justiça Penal e a Relativização do Princípio da Indisponibilidade da Ação...27

2.4 A Disponibilidade da Ação Penal na Constituição Federal de 1988 ... ..29

3 ALTERNATIVAS PENAIS E PROCESSUAIS À CRISE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL PENAL...32

3.1 A transação penal...32

3.2 A suspensão condicional do processo...35

3.3 O acordo de não persecução penal...36

CONSIDERAÇÕES FINAIS... ... 44

REFERÊNCIAS ... 46

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho apresenta um estudo acerca das alternativas à crise da justiça penal, considerando que há uma crescente demanda de processos, os quais se acumulam no Poder Judiciário, desperdiçando recursos, causando prejuízo e atraso na garantia do acesso à Justiça aos cidadãos eventualmente envolvidos em fatos criminais.

Nesse contexto, a temática da presente monografia possui especial relevância quando dimensionada a partir da necessidade e exigência de soluções alternativas no Processo Penal, a fim de proporcionar celeridade na resolução dos casos menos graves, priorizando recursos financeiros e humanos do Ministério Público e do Poder Judiciário para processamento e julgamento dos casos mais graves, nos termos do art. 130-A, § 2º, I, da Constituição Federal.

Inicialmente, no primeiro capítulo, é feita uma abordagem da pena de prisão e sua mitológica função ressocializadora. Elenca-se o início e o fim de um mito, de modo a trazer argumentos que compravam que de fato, no Brasil, a pena de prisão é ineficaz. Por tal razão, explica-se a necessidade da instituição de alternativas penais que evitem o processo penal e a pena de prisão.

Já segundo capítulo, analisa-se os sistemas penais processuais, mais especificadamente o sistema acusatório, levando em consideração que a Constituição Federal de 1988 previu, de forma expressa, que cabe ao Ministério Público a prerrogativa de ajuizar ações penais públicas. Assim, discorre-se acerca do conceito do sistema acusatório, de modo a mencionar os princípios norteadores, bem como as características basilares. Ainda, em se tratando de princípios, é elencada a existência da relativização da indisponibilidade da ação penal, bem como as situações em que se aplica o princípio da disponibilidade da ação penal, sob a óptica constitucional.

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Por fim, no terceiro capítulo, é feita uma abordagem acerca das alternativas previstas para minimizar os efeitos da crise da justiça penal. Desde já, salienta-se que o objetivo deste último capítulo é mencionar apenas as formas alternativas que evitam o ajuizamento da ação penal pelo Ministério Público e a consequente necessidade de instruir o feito criminal, evitando-se, assim, que o magistrado tenha que proferir uma sentença e, em sendo condenatória, privar a liberdade do réu. Outrossim, conforme se verá, não se defende a ideia de impunidade, apenas a utilização de métodos competentes e eficazes tanto para as vítimas, quanto para os investigados, de modo a apostar na justiça negociada para a garantir da ordem.

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1 A PENA DE PRISÃO E SUA MITOLÓGICA FUNÇÃO RESSOCIALIZADORA 1.1 Início e fim de um mito

É de ser revelado que, ao decorrer dos anos, aliado à consequente formação, desenvolvimento e evolução do meio social, intentou-se, nas palavras de Roberta Alessandra Pantoni (2018), “atribuir à pena finalidades que pudessem legitimar a sua existência e aplicação”, haja vista que, uma vez violado determinado preceito jurídico, deverá ser aplicada a respectiva sanção, como forma de resposta. Nessa linha, complementa Muñoz Conde (1975, p. 33) que “sem a pena não seria possível a convivência na sociedade de nossos dias”.

Nesse contexto, a pena privativa de liberdade se tornou a principal resposta à infringência de determinada norma jurídica. Explica Cezar Roberto Bittencourt (2011, p. 154):

Quando a prisão converteu-se na principal resposta penológica, especialmente a partir do século XIX, acreditou-se que poderia ser um meio adequado para conseguir a reforma do delinquente. Durante muitos anos imperou um ambiente otimista, predominando a firme convicção de que a prisão poderia ser meio idôneo para realizar todas as finalidades da pena e que, dentro de certas condições, seria possível reabilitar o delinquente. Esse otimismo inicial desapareceu e atualmente predomina certa atitude pessimista, que já não tem muitas esperanças sobre os resultados que se possam conseguir com a prisão tradicional. A crítica tem sido tão persistente que se pode afirmar, sem exageros, que a prisão está em crise. Essa crise abrange também o objetivo ressocializador da pena privativa de liberdade, visto que grande parte das críticas e questionamentos que faz a prisão refere-se à impossibilidade – absoluta ou relativa – de obter algum efeito positivo sobre o apenado.

Dessa forma, reforça-se a ideia de que é nítida a existência de uma crise dos sistemas penais contemporâneos, visto que, historicamente, intentaram encontrar soluções aplicáveis aos conflitos sociais, sob a ótica da retribuição e da punição, contudo, sem êxito. Assim, tecem-se questionamentos acerca dos efeitos e estigmas que a prisão causa e deixa nos apenados, aliado à sua mitológica função ressocializadora.

Ou seja, conforme argumentos elencados pela União Internacional de Direito Penal, mais precisamente, no Congresso de Bruxelas de 1889, é inviável o exercício de um influxo de forma educativa sobre o condenado, ante a ineficácia intimidativa diante do delinquente, sendo que seu afastamento do meio social, e a obrigação de abandonar os seus familiares, reforça os valores negativos do recluso.

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Tais argumentos, atualmente, ainda possuem credibilidade, haja vista que, em que pese o fato de que a pena é vista como um mal necessário para a garantia da ordem social,

o Estado, quando faz valer o seu ius puniendi, deve preservar as condições mínimas de dignidade da pessoa humana. O erro cometido pelo cidadão ao praticar um delito não permite que o Estado cometa outro, muito mais grave, de tratá-lo como um animal. Se uma das funções da pena é a ressocialização do condenado, certamente num regime cruel e desumano isso não acontecerá. As leis surgem e desaparecem com a mesma facilidade. Direitos são outorgados, mas não são cumpridos. O Estado faz de conta que cumpre a lei, mas o preso, que sofre as consequências pela má pela administração, pela corrupção dos poderes públicos, pela ignorância da sociedade, sente-se cada vez mais revoltado, e a única coisa que pensa dentro daquele ambiente imundo, fétido, promíscuo, enfim, desumano, é em fugir e voltar a delinquir, já que a sociedade jamais o receberá com o fim de ajudá-lo (GRECO, 2009, p. 517).

Desta forma, a pena de prisão e sua função ressocializadora, assim como o Direito Processual, gerou a criação de um mito, oriundo da obsessão de todos os ramos do Direito em alcançar a necessária segurança jurídica que traga paz social. Conforme será explanado a seguir, a pena de prisão no Brasil é ineficaz.

1.2 A ineficácia da pena de prisão no Brasil

Pode-se afirmar que a pena possui uma dupla função, envolvendo a fase da advertência, na qual há formação da culpa pelo autor do fato e há a prolação da sentença pelo magistrado, bem como a fase da execução da pena.

Consoante se depreende da leitura do Código Penal (BRASIL, 1940), bem como demais leis penais afins, verifica-se que a primeira fase tem por escopo dar uma espécie de advertência à sociedade acerca das práticas ilícitas. Nessa linha, é necessário que todos os cidadãos tenham um conhecimento mínimo acerca da legislação vigente, em observância ao disposto no artigo 21, caput, do referido diploma legal, o qual fala acerca do erro sobre a ilicitude do fato, prevendo que é inescusável desconhecimento da lei (BRASIL, 1940).

Prosseguindo, caso haja a prática de um delito, a autoridade policial, por meio de portaria, instaurará o competente procedimento investigatório, haja vista que quando há inobservância de determinada norma jurídica, “o Estado tem o dever de acionar prontamente os seus mecanismos legais para a efetiva imposição da sanção penal a transgressão no caso

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concreto, revelando a coletividade o valor que dedica ao interesse violado” (CAPEZ, 2015, p. 14).

Assim, uma vez realizadas as diligências imprescindíveis para a elucidação do fato e estando presente a justa causa para a ação penal, que constitui “condição da ação penal, prevista de forma expressa no Código de Processo Penal e consubstancia-se no lastro probatório mínimo e firme, indicativo da autoria e da materialidade da infração penal (LIMA, 2016, p. 253)”, o feito será concluído, com indiciamento, remetendo-o ao Poder Judiciário, para análise.

Posteriormente, dada vista dos autos ao Ministério Público, será ofertada a denúncia em face do autor do fato, ou seja, este será processado, uma vez que

no Brasil, quanto a ação penal pública, vigora o princípio da legalidade, ou obrigatoriedade, impondo ao órgão do Ministério Público, dada a natureza indisponível do objeto da relação jurídica material, a sua propositura, sempre que a hipótese preencher os requisitos mínimos exigidos (LIMA, 2016, p. 253).

Contudo, não havendo justa causa, será formulado pedido de arquivamento judicial. Em seguida, o procedimento passa para a análise do magistrado, o qual poderá receber a denúncia, ocasião na qual o autor do fato passa a figurar como réu do processo judicial. Em tal momento processual, serão assegurados os direitos da ampla defesa e contraditório, apregoados pela Constituição Federal de 1988, por meio do artigo 5ᵒ, inciso LV. Assim, será feita a instrução processual.

Ou seja, acompanhado de seu defensor, o réu terá a oportunidade de apresentar a sua versão acerca dos fatos lhe imputados, bem como poderá provar sua inocência, ou confessar o crime ou atenuar o fato delituoso. Uma vez encerrada a instrução, o juiz prolata sentença que sendo condenatória, após transitar em julgado, o réu será recolhido ao sistema prisional, para dar início ao cumprimento da pena ora aplicada, nos caso em que for inviável a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direto. Assim, mediante as supracitadas considerações, encerra-se a primeira função da pena.

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Conforme prevê a segunda etapa, em momento pretérito, a pena possuía um caráter meramente punitivo, sendo que, atualmente, seu caráter engloba a função ressocializadora, visando a recuperar os condenados.

Oportuno se torna dizer que tal mudança do caráter da pena teve origem na escola positivista, a qual “é determinista e defensivista, encarando o crime como fenômeno social e a pena como meio de defesa da sociedade e da recuperação do indivíduo” (LYRA, 1977, p. 24-25). Tal entendimento serviu de alicerce para a lei penal brasileira.

Assim, a ideia se resume no sentido de que a ressocialização do infrator não se dá mediante a punição, mas sim, por meio de trabalhos. Contudo, é nítido que na segunda etapa da função da pena, o infrator está diante de uma realidade distinta, cujo cumprimento de pena lhe imposto é iniciado no sistema carcerário, ambiente no qual o condenado foi subjugado e submetido a condições totalmente desfavoráveis à sua recuperação social, razão pela qual acaba reincidindo na vida do crime.

Sobre este aspecto, acrescenta-se que:

é possível que alguém se torne agressivo, justamente ao ser colocado em uma cela insalubre, tomada pela violência e pela disputa de espaço, de modo que sua personalidade é afetada, para pior, no decorrer do cumprimento da pena, algo que se pode constatar verificando o disposto nos vários e sucessivos exames de classificação ou criminológicos a que seja submetido. Em outras circunstâncias, o sujeito agressivo, recebendo tratamento adequado por parte do Estado, apoio familiar, assistencial e psicológico, pode transformar-se em pessoa mais calma e equilibrada, o que denota a alteração positiva da sua personalidade (NUCCI, 2011, p. 1008).

No entanto, conforme entendimento de Rogério Greco (2008, p. 492) “o objetivo principal da ressocialização, qual seja, a de recuperar o condenado para preparar seu retorno ao convívio social não parece passar de uma realidade bem distante”.

Nas palavras de Julio Fabbrini Mirabete (2005, p. 252):

apesar de ter contribuído decisivamente para eliminar as penas aflitivas, os castigos corporais, as mutilações, etc.; não tem a pena de prisão correspondido às esperanças de cumprimento com as finalidades de recuperação do delinquente. O sistema de pena privativa de liberdade e seu fim constituem verdadeira contradição.

Explica-se que tal contradição consiste na retirada do condenado da sociedade e sua posterior inclusão na população criminosa, com o intento possibilitar a sua ressocialização.

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Conforme entendimento de Michel Foucalt (1987, p. 222): “a prisão serve apenas para melhorar a organização de delinquentes, aprontando-os para cumplicidades futuras”.

Assim, verifica-se que as penitenciárias podem ser conceituadas como verdadeiras escolas do crime. Consoante se depreende do levantamento nacional de informações penitenciárias realizado pelo Departamento Penitenciário Nacional - Ministério da Justiça e Segurança Pública, pela primeira vez na história, “em junho de 2016, a população prisional brasileira ultrapassou, a marca de 700 mil pessoas privadas de liberdade, o que representa um aumento da ordem de 707% em relação ao total registrado no início da década de 90” (INFOPEN , 2016, p. 9).

O sistema carcerário apresenta diversas problemáticas, as quais confirmam a ideia de que a pena de prisão é ineficaz. Podem ser citadas:

superpopulação carcerária, déficit no número de vagas, condições carcerárias deploráveis, desrespeito aos direitos da pessoa do preso, demora no julgamento dos processos, corrupção de agentes penitenciários, rebeliões entre outras situações lamentáveis (GOMES, 2018).

Tais fatos reforçam a ideia de que não é possível a transformação do delinquente em um cidadão ressocializado por meio da privação de sua liberdade, ou seja, afastando-o do convívio social. E, por tal razão, é de opinião unívoca que há uma ineficácia da pena de prisão no Brasil. Especificando, Bittencourt (2018) afirma que “aqui, como em outros países [a prisão], avilta, desmoraliza, denigre, e embrutece a pessoa do apenado”. Ainda, o referido autor elenca premissas de modo a reforçar e tornar ainda mais evidente que a pena privativa de liberdade é ineficaz. Ou seja, ele menciona que o ambiente carcerário é um meio artificial, antinatural, não tornando possível a realização de nenhum tipo de trabalho com o apenado, bem como, destaca que as condições materiais e humanas configuram um impeditivo para o alcance do objetivo ressocializador (2019).

Ainda, por meio da pesquisa realizada pelo INFOPEN (2014, p. 15-16), verificou-se que há uma crescente taxa de homicídios praticados no Brasil, sendo que a cifra chega ao redor de 60.000 ao ano, enquanto a população carcerária, cresce em cifras alarmantes nos últimos 20 anos, chegando à casa de 607.731 presos, numa média de 299,7 presos por 100.00 habitantes.

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Posteriormente, no levantamento de dados realizados em 2016, constatou-se que “entre 2000 e 2016, a taxa de aprisionamento aumentou em 157% no Brasil. Em 2000 existiam 137 pessoas presas para cada grupo de 100 mil habitantes. Em Junho de 2016, eram 352,6 pessoas presas para cada 100 mil habitantes” (INFOPEN, 2016, p. 12).

Tal encarceramento massivo está diretamente ligado com as prisões oriundas da prática de crimes que significam distribuição forçada de renda, tais como tráfico de drogas, roubo, furto, latrocínio receptação e quadrilha ou bando. Os dados do INFOPEN (2016, p. 43) são ilustrativos e esclarecedores a respeito desse tema. Considerando a população carcerária, em questões de gênero, os dados são ainda mais indicativos. Entre os homens o percentual de aprisionados que cometeu crimes para obtenção de renda é de 72% (26% tráfico, 26% roubo, 12% furto, 3% receptação, 3% latrocínio, 2% quadrilha ou bando); já entre as mulheres a situação é ainda mais grave, tendo-se em conta que 86% das encarceradas cometeram crimes com tal fim (62% tráfico, 11% roubo, 9% furto, 1% receptação, 1% latrocínio, 2% quadrilha ou bando).

Apenas a título argumentativo, cabe destacar que tais dados foram coletados quando o crime de quadrilha e bando ainda se encontrava vigente. Contudo, atualmente, houve uma mudança na nomenclatura do delito, o qual não deixou de ser considerado fato típico e punível, de modo que passou a ser denominado de associação ou organização criminosa.

O supracitado fenômeno do encarceramento massivo de grupos definidos da população, conforme ensinamento de André Leonardo Copetti Santos e João Martins Bertaso (2017, p. 16):

num espaço de tempo delimitado e curto, coloca uma grande interrogação sobre o caráter democrático da nossa sociedade, do nosso Estado e, inevitavelmente, do nosso Direito, pois é bastante questionável, para dizer o mínimo, associar virtudes da cidadania - como a vocação à liberdade e à autonomia - a arranjos sociopolíticos e jurídicos que tenham na prisão uma de suas instituições mais efetivas para garantir o funcionamento normal do sistema econômico ou a estrutura desigualitária de uma sociedade. Mais do que isso: emerge uma imensa dificuldade em qualificar como democrática e cidadã uma organização social, política e jurídica que deposita na prisão alguns de seus mais relevantes momentos de “racionalidade” institucional.

Por tais razões, uma vez demostrada a pena da prisão possui uma mitológica função ressocializadora e que, em decorrência de tal fato pode ser considerada ineficaz, faz-se

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necessária a instituição de alternativas penais e processuais à crise da justiça penal, conforme se verá a seguir.

1.3 Sobre a necessidade de instituição de alternativas penais e processuais que evitem o processo penal e a pena de prisão

Tal ineficácia e consequente crise da prestação jurisdicional impulsionou o surgimento de alternativas penais e processuais que evitam o processo penal e a pena de prisão. Bittencourt (2018) salienta que “os chamados substitutivos penais constituem alternativas mais ou menos eficazes na tentativa de desprisionalizar, além de outras medidas humanizadoras dessa forma arcaica de controle social, que é o Direito Penal”.

Nas palavras de Mirabete (2006, p. 271):

diante da já comentada falência da pena privativa de liberdade, que não atende aos anseios de ressocialização, a tendência moderna é procurar substitutivos penais para essa sanção, aos menos como o que se relacione com os crimes menos graves e aos criminosos cujo encarceramento não é aconselhável.

Scheerer (2010, p. 968-9), ao tratar sobre o mito da universalidade da pena, ressalta que estudos antropológicos demonstraram que o controle nas sociedades livres de domínio não era exercido a partir da repressão, mas dirigido à reinserção social do sujeito.

É necessário um novo modelo de justiça que propõe respostas alternativas ao problema da criminalidade face à crise das respostas punitivas tradicionais. Sobre este aspecto, convém ressaltar a importância da instituição do Ministério Público, na busca de referido modelo de justiça, uma vez que a instituição detém o poder de negociar e mediar. Dessa forma, pode-se afirmar que há um papel de extrema relevância na promoção do acesso à justiça e na efetivação dos direitos.

Nessa linha, conforme ensina o Secretário da Reforma do Judiciário, Flávio Crocce Caetane (2014, p. 12):

É fundamental que o Ministério Público esteja conectado às transformações pelas quais passa a sociedade – e, por consequência, o Direito – neste século XXI, dentre elas o incremento da participação dos interessados na construção das soluções jurídicas que lhes afetam diretamente e a crescente aposta em alternativas ao processo judicial para resolução de controvérsias, alternativas que sejam mais céleres, informais e implementáveis. É nesse

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contexto que vem ganhando crescente destaque os chamados métodos autocompositivos de solução de controvérsias, em especial a negociação, a mediação e conciliação, que estão no cerne do estágio atual de evolução do movimento do acesso à justiça. Protagonista desse movimento desde o processo de abertura democrática, o Ministério Público brasileiro, com sua diferenciada configuração constitucional, tem muito a contribuir para o aprimoramento da utilização desses métodos na prática jurídica brasileira.

Salienta-se as eventuais alternativas à crise da justiça penal, deverão ser aplicadas em observância aos princípios constitucionais que compõem o ordenamento jurídico penal. De acordo com Capez (2015, p. 25), os princípios constitucionais e as garantias individuais devem “atuar como balizas para a correta interpretação e a justa aplicação das normas penais, não se podendo cogitar uma aplicação meramente robotizada dos princípios incriminadores”.

Nesse passo, vale ratificar a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello (1994, p. 451):

Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um especifica mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do principio atingido, porque representa ingerência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.

Em se tratando de princípios, pertinente, neste momento destacar a importância do princípio da indisponibilidade da ação penal pública. Significa dizer que o agente signatário do Ministério Público não poderá desistir da ação penal nem do recurso interposto, consoante de depreende do artigo 42 do Código de Processo Penal.

Conforme entendimento de Miguel Reale Junior (1983, p. 121) instaura-se, desta forma

um realismo humanista, que vê a pena como reprimenda; que busca humanizar o Direito Penal recorrendo a novas medidas que não o encarceramento; que pretende fazer da execução da pena a oportunidade de sugerir e suscitar valores, facilitando a resolução de conflitos pessoas do condenado, mas sem a presunção de transformar cientificamente a sua personalidade.

Assim, os defensores das penas e medidas alternativas sustentam que suas maiores virtudes residiriam no seguinte:

a) evitar o encarceramento e, em consequência, todo contato nefasto do presídio, que é fator dessocializador; b) procurar estimular o senso de responsabilidade no infrator; c) almejar sua ressocialização por vias alternativas, fora da prisão (GOMES, 2018).

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Podem ser mencionadas como formas alternativas penais e processuais já existentes em nosso ordenamento jurídico a transação penal, a suspensão condicional do processo, a suspenção condicional da pena e o recente acordo de não persecução penal, os quais constituem saídas pertinentes e plausíveis para a minimização dos efeitos decorrentes da crise da prestação jurisdicional.

2 O SISTEMA ACUSATÓRIO E A SOLUÇÃO DE CONFLITOS NA MODERNIDADE

2.1 O Sistema Acusatório

A Constituição Federal de 1988 elenca os fundamentos do direito penal e processual penal, por conter princípios e normas que devem ser observados quando da criação, interpretação e aplicação da lei penal. De acordo com o professor André Franco Montoro (1997, p. 54):

não se pode conceber uma sociedade humana em que não haja ordem jurídica, mesmo em se tratando de um estado rudimentar. Isto se exprime em latim pelo adágio conhecido Ubi soccietates, ibi jus (Onde há sociedade, há direito).

Nessa linha, considerando que para cada sociedade haverá um regramento jurídico e normativo determinado, e que quando o assunto se refere ao direito processual penal de cada Estado, devem ser levadas em consideração quais são as características que irão servir de base para formular o conceito de cada sistema.

Salienta-se que há variação dos sistemas processuais de um país para outro, os quais, na grande maioria dos casos, refletem na conjuntura político social adotada. Tal entendimento é adotado por Paulo Rangel (2010, p. 49), o qual complementa com a temática afirmando que

nos Estados totalitários a moldura da legalidade se estende, aumentando o espaço para a discricionariedade e para o campo de atuação do Estado-juiz. Já nos Estados democráticos, a atuação do juiz é mais restrita, encontrando seu limite nos direitos individuais e que em um Estado Democrático de Direito, o sistema acusatório é a garantia do cidadão contra qualquer arbítrio do Estado.

Como adverte Norberto Bobbio, a proteção do cidadão no âmbito dos processos estatais é justamente o que diferencia um regime democrático daquele de índole totalitária. Em sua convicção:

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a diferença fundamental entre as duas formas antitéticas de regime político, entre a democracia e a ditadura, está no fato de que somente num regime democrático as relações de mera força que subsistem, e não podem deixar de subsistir onde não existe Estado ou existe um Estado despótico fundado sobre o direito do mais forte, são transformadas em relações de direito, ou seja, em relações reguladas por normas gerais, certas e constantes, e, o que mais conta, preestabelecidas, de tal forma que não podem valer nunca retroativamente. A consequência principal dessa transformação é que nas relações entre cidadãos e Estado, ou entre cidadãos entre si, o direito de guerra fundado sobre a autotutela e sobre a máxima „Tem razão quem vence‟ é substituído pelo direito de paz fundado sobre a heterotutela e sobre a máxima „Vence quem tem razão‟; e o direito público externo, que se rege pela supremacia da força, é substituído pelo direito público interno, inspirado no princípio da „supremacia da lei‟ (rule of law) (1999, p. 96-97)

Em prosseguimento, considerando o meio social no qual estamos inseridos, afirma-se que é necessária a compreensão acerca da diferença basilar entre o sistema processual penal e o processo penal em si. Nas palavras de Mauro Fonseca Andrade (2008, p. 28)

seja qual for o sistema adotado por um país, seu processo sempre exercerá a função de promover a paz social [...] não se pode confundir a função exercida pelo processo penal com a função atribuída aos sistemas processuais penais. Enquanto ao processo cabe promover a paz social, os sistemas processuais atuam como um instrumento fundamental do auxílio ao legislador, à hora de estabelecer a política criminal, em âmbito processual que vigorará em seu país. [...] eles são responsáveis por determinar o grau de eficiência da repressão criminal, o grau de imparcialidade do juiz e o grau de tecnicidade da persecução penal.

Na mesma linha de raciocínio, Aury Lopes Júnior (2013, p. 106-107) entende que “os sistemas processuais penais são reflexos da resposta do processo penal frente às exigências do Direito Penal e do Estado da época”. Ainda, complementa Paulo Rangel que o sistema processual penal pode ser definido como sendo “o conjunto de princípios e regras constitucionais, de acordo com o momento político de cada Estado, que estabelece as diretrizes a serem seguidas à aplicação do direito penal a cada caso concreto (2010, p. 49).”

Outrossim, cabe destacar que há uma dificuldade, principalmente, por parte da doutrina, para mencionar quais são os elementos que compõem um sistema processual penal que se vincule ao rótulo acusatório. Contudo, segundo ensinamento de Marcos Alexandre Coelho Zilli (2003, p. 38) há um consenso entre os processualistas no sentido de que no sistema acusatório

a separação equilibrada dos poderes exercidos ao logo da persecução penal é o traço fundamental desse sistema. Porquanto há equilíbrio e divisão de poderes no processo, o órgão acusador não coincide com o julgador – fator considerado essencial para distinguir o sistema acusatório do inquisitório.

Ao abordar a sistemática do funcionamento do sistema acusatório, faz-se imprescindível tecer algumas considerações. Por meio da Constituição Federal de 1988, é que

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houve o devido reconhecimento do referido sistema, pois houve previsão para a criação do Ministério Público, o qual, por sua vez, possui a função privativa da promover a ação penal, ou seja, significa dizer que possui o poder de acusação, tornando visível a separação dos sujeitos processuais e a divisão de poderes no processo, conforme mencionado anteriormente por Zilli.

Nessa linha de raciocínio, complementa Lopes Jr (2007, p. 58):

Com origem que remonta ao Direito grego, o sistema acusatório é adotado no Brasil, de acordo com o modelo plasmado na Constituição Federal de 1988. Com efeito, ao estabelecer como função privativa do Ministério Público a promoção da ação penal (art. 129, I, CF/88), a Carta Magna deixou nítida a preferência por esse modelo que tem como características fundamentais a separação entre as funções de acusar, defender e julgar, conferidas a personagens distintos. (grifo nosso).

Segundo Ferrajoli (2006, p. 518), “são características do sistema acusatório a separação rígida entre o juiz e acusação, a paridade entre acusação e defesa, e a publicidade e a oralidade do julgamento”.

Em suma, colaciona-se o resumo das principais características do sistema acusatório em menção, elaborado por Marcos Zilli (2003, p. 38):

A jurisdição penal é exercida, essencialmente, por tribunais populares, posicionando-se o julgador como um árbitro imparcial e entre acusador e acusado; A persecução penal é exercida por uma pessoa física e não possui qualquer vínculo com os órgãos oficiais da persecução;

O acusado é considerado como um sujeito de direitos, estando, pois, em posição de igualdade frente ao acusador;

O procedimento desenvolve-se mediante um debate politico, oral, contínuo e contraditório.

Ainda, de acordo com Tourinho Filho (1980, p. 63), as principais características do sistema acusatório são:

a) o contraditório, como garantia político-jurídica do cidadão; b) as partes acusadora e acusada, em decorrência do contraditório, encontram-se no mesmo pé de igualdade; c) o processo é público, fiscalizável pelo olho do povo; excepcionalmente permite-se uma publicidade restrita ou especial; d) as funções de acusar, defender e julgar são atribuídas a pessoas distintas e, logicamente, não é dado ao juiz iniciar o processo (ne procedat judex ex officio); e) o processo pode ser oral ou escrito; f) existe, em decorrência do contraditório, igualdade de direitos e obrigações entre as partes, pois non debet licere actori, quod reo non permittitur; g) a iniciativa do processo cabe à parte acusadora, que poderá ser o ofendido ou seu representante legal, qualquer cidadão do povo ou um órgão do Estado.

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Pelos motivos explanados, verifica-se que o sistema acusatório foi acolhido pela Constituição Federal de 1988 (CF, art. 129, inciso I), que tornou privativa do Ministério Público a propositura da ação penal pública.

Por consequência, a relação processual, conforme brilhante ensinamento de Távora e Alencar (2015, p. 37):

somente tem início mediante a provocação de pessoa encarregada de deduzir a pretensão punitiva e, conquanto não retire do juiz o poder de gerenciar o processo mediante o exercício do poder de impulso processual, impede que o magistrado tome iniciativas que não se alinham com a equidistância que ele deve tomar quanto ao interesse das partes. Deve o magistrado, portanto, abster-se de promover atos de ofício na fase investigatória, atribuição esta que deve ficar a cargo das autoridades policiais e do Ministério Público.

O sistema acusatório caracteriza-se, portanto, conforme explica Renato Brasileiro de Lima (2019, p. 41-42) “por gerar um processo de partes, em que autor e réu constroem através do confronto a solução justa do caso penal”, sendo que há o reconhecimento dos direitos fundamentais ao acusado, visto que este passa a ser sujeito de direitos, e também há igualdade de condições entre as partes. Ou seja, o processo se torna democrático, ante a inclusão argumentativa, que propõe a importantíssima igualdade de oportunidade de discurso, possibilitando, assim, que por meio de construção dialética, haja a solução da controvérsia.

Destarte, quando há formação de um processo entre as partes, de acordo com a citação anterior, para que haja a respectiva igualdade de condições, faz-se necessário que o próprio “Estado-juiz se submeta às limitações e não goze de um poder absoluto de produção das provas que amparariam seu próprio juízo” (FEITOZA, 2008, p. 39). Conforme aduz o autor:

O juiz brasileiro deve ter a coragem, a força moral e o senso crítico necessário para assumir sua missão, implementando a Constituição com observância do princípio da supremacia constitucional, que lhe impõe e possibilita o reconhecimento da inconstitucionalidade das normas infraconstitucionais que sejam incompatíveis com o princípio acusatório constitucional (FEITOZA, 2008, p. 39).

Na visão de Paulo Rangel, esta é precisamente a característica de um processo penal democrático:

em um processo penal democrático, banhado pelo sistema acusatório, o juiz deve ser afastado da colheita de provas, deixando tal tarefa às partes. Se o sistema é o todo e não uma parte, não pode o processo ter momentos em que seus atos serão à luz da estrutura acusatória e outros a luz de uma estrutura inquisitória. Isso não é sistema (2009, p. 505).

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Pelos motivos elencados, resta nítido que para a atual situação e estrutura da sociedade brasileira, o sistema adequado a ser adotado é o acusatório, inclusive previsto pela Constituição Federal, quando ficou estabelecido que é prerrogativa do Ministério Público prover a ação penal. Desse forma, a pena a ser aplicada ao caso concreto deverá corresponder com a gravidade do delito praticado. Eduardo Ribeiro Moreira e Margarida Lacombe Camargo (2016, p. 04) afirmam que “a pena só pode ser aplicada ou negada por meio do processo. E só com o Sistema Acusatório que o Processo é indiscutivelmente confiável e justo e atende aos princípios constitucionais”.

2.2 Princípios Regentes do Sistema Acusatório no Brasil

Quando se refere à temática do sistema acusatório no Brasil, deve-se levar em consideração que, assim como em todas as áreas do direito, há existência de princípios que servem tanto para dar suporte originário, bem justificar o motivo da adoção do referido sistema processual na época vigente no país.

Princípios estes que condizem com a estrutura da atual conjuntura brasileira, que remete ao Estado Democrático de Direto, sendo que deverão respeitar normas internacionais das quais o país é signatário.

Observe-se que a persecução penal rege-se por padrões normativos que traduzem limitações ao poder do Estado. Edson Luís Saldan (2019) esclarece que o cidadão é protegido do arbítrio judicial e da coerção estatal, sendo sua liberdade individual será salvaguardada e somente poderá ser restringida se o órgão acusador conseguir comprovar, mediante elementos de certeza produzidos sob a égide do contraditório e da ampla defesa, a culpabilidade do réu.

Assim, percebe-se que o processo penal está regido por inúmeros princípios norteadores. Aliás, a Constituição Federal consagrou regramentos e os mais importantes princípios e garantias fundamentais dos cidadãos. Nessa linha, por meio do artigo 5°, inciso LIV, conceituou-se o princípio da presunção da inocência, de modo a dispor que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". Ou seja, é assegurado o direito do indivíduo de não ser privado de sua liberdade ou da propriedade de seus bens sem que haja a instauração e tramitação de um devido processo legal.

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Quando se fala do princípio da presunção da inocência, frisa-se que no ordenamento pátrio, até a entrada em vigor da Constituição de 1988, esse princípio somente existia de forma implícita, como decorrência da cláusula do devido processo legal.

Conforme ensinamento de Luiz Flávio Gomes (1998, p. 102):

a Convenção sobre Direitos Humanos, assinada na Conferência de San José, Costa Rica, em 1969 ("Pacto de San José de Costa Rica"), subscrita por nosso país, assegurou a Presunção de Inocência, em seu art. 8°, ao afirmar que "(...) toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não se comprove legalmente sua culpa.

Com a Constituição Federal de 1988, o princípio da presunção de não culpabilidade passou a constar expressamente do inciso LVII do art. 5º, assim redigido: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Em síntese, pode ser definido como o direito de não ser declarado culpado senão após o término do devido processo legal, durante o qual o acusado tenha se utilizado de todos os meios de prova pertinentes para a sua defesa (ampla defesa) e para a destruição da credibilidade das provas apresentadas pela acusação (contraditório).

Como bem aponta Nucci (2011, p. 264):

O estado de inocência é indisponível e irrenunciável, constituindo parte integrante da natureza humana, merecedor de absoluto respeito, em homenagem ao princípio constitucional regente da dignidade da pessoa humana. (...) Noutros termos, a inocência é a regra; a culpa, a exceção. Portanto, a busca pelo estado excepcional do ser humano é ônus do Estado, jamais do indivíduo. Por isso, caso o réu assuma a autoria do fato típico, mas invoque a ocorrência de excludente de ilicitude ou culpabilidade, permanece o ônus probatório da acusação em demonstrar ao magistrado a fragilidade da excludente e, portanto, a consistência da prática do crime.

Sendo assim, presume-se o réu inocente, até a condenação final. Isto porque restou consagrado no art. 5º, LXIII, da CF/88 que ninguém é obrigado a fazer prova contra si, prevendo, portanto, o direito ao silêncio e a não autoincriminação.

Referido princípio possui dois principais desdobramentos, como explica Nestor Távora (2015, p. 63)

o primeiro, de tratamento, e, por esta razão, o réu não pode ser tratado como culpado, enquanto não advir o trânsito em julgado da condenação. Por isto, não é possível a execução provisória da pena, salvo para a concessão de benefícios penais (Súmula nº 716 do STF). O segundo desdobramento é de cunho probatório, vale dizer que, por força deste princípio, deve recair sobre a acusação o ônus de provar a culpabilidade do réu.

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Além do princípio da presunção da inocência, há também o princípio do contraditório, o qual constituiu uma garantia fundamental da justiça, igualmente previsto na Constituição Federal de 1988. Consoante se depreende do artigo 5°, inciso LV, "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

Quando se o aborda o princípio do contraditório oportuno transcrever o entendimento de Baldan (2019), no sentido de que ao réu possui o

direito de conhecer a acusação a ele imputada e de contrariá-la, evitando que venha a ser condenado sem ser ouvido. Trata-se da exteriorização da ampla defesa, impondo uma condução dialética do processo, pois a todo ato produzido caberá igual direito da outra parte de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que lhe convenha, ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor.

Significa dizer que o princípio do contraditório conceitua-se como uma garantia constitucional, assegurando-se ao acusado que este possa exercer a ampla defesa, ou seja, será proporcionado a este o exercício pleno de seu direito de defesa. Acerca da temática, J. Canuto Mendes de Almeida (1973, p. 86) ensina:

a verdade atingida pela justiça pública não pode e não deve valer em juízo sem que haja oportunidade de defesa do indiciado. É preciso que seja o julgamento precedido de atos inequívocos de comunicação ao réu: de que vai acusado; dos termos precisos dessa acusação; e de seus fundamentos de fato (provas) e de direito. Necessário também é que essa comunicação seja feita a tempo de possibilitar a contrariedade: nisso está o prazo para conhecimento exato dos fundamentos probatórios e legais da imputação e para oposição da contrariedade e seus fundamentos de fato (provas) e de direito.

Na mesma linha, deve-se frisar a importância do direito à ampla defesa, o qual está expressamente previsto na Constituição Federal, por meio do artigo supracitado. Com precisão conceitual que lhe caracteriza, Vicente Greco Filho (2002, p. 247) ensina que

a ampla defesa é constituída a partir dos seguintes fundamentos: a) ter conhecimento claro da imputação; b) poder apresentar alegações contra a acusação; c) poder acompanhar a prova produzida e fazer contraprova; d) ter defesa técnica por advogado, cuja função, aliás, agora, é essencial à Administração da Justiça (art. 133 [CF/88]); e e) poder recorrer da decisão desfavorável.

Salienta-se que o processo penal deve respeitar os princípios e garantias fundamentais, e que deverá haver uma busca pelo ponto de equilíbrio existente entre a exigência de assegurar ao investigado e ao acusado a aplicação do devido processo legal e a necessidade de uma maior efetividade do sistema persecutório a fim de garantir a segurança da coletividade, conforme ensina Renato Brasileiro de Lima (2019, p. 40).

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Em prosseguimento, levando em consideração que a sociedade é composta por normas de convivência, caso haja violação de um bem juridicamente protegido, conforme explica Lopes Jr. (2018, p. 82) “deverá ser invocada a devida tutela jurisdicional, a fim de apurar eventual existência do delito, com todas as garantias constitucionalmente estabelecidas para ao acusado”. O autor, em sua obra crítica, continua explicando que

impõe-se a necessária utilização da estrutura preestabelecida pelo Estado – o processo penal -, em que mediante atuação de um terceiro parcial, cuja designação não corresponde a vontade das partes e resulta da imposição da estrutura institucional será apurada a existência do delito e sancionado o autor. O processo, como instituição estatal, é a única estrutura que se reconhece como legítima para a imposição da pena. [...] A pena depende da existência de um delito e da existência efetiva e total do processo penal, posto que, se o processo termina antes de desenvolver-se completamente (arquivamento, suspensão condicional etc.) ou se não se desenvolve de forma válida (nulidade) não pode ser imposta uma pena. Existe uma ínfima e imprescindível relação entre delito, pena e processo, de modo que são complementares. Não existe delito sem pena, nem pena sem delito e processo, nem processo penal senão para determinar o delito e impor uma pena. Assim, fica estabelecido o caráter instrumental do processo penal com relação ao direito penal e à pena, pois o processo penal é o caminho necessário para a pena (2018, p. 86-87).

No processo penal, o órgão acusador tem o ônus de provar a responsabilidade do acusado, sendo seu o encargo eliminar a dúvida. Desse modo, conforme ensina Paulo Rangel (2010, p. 49) “em um Estado Democrático de Direito, o sistema acusatório é a garantia do cidadão contra qualquer arbítrio do Estado.” E, para evitar arbítrio do Estado, deve-se trabalhar a teoria do ônus da prova. Na visão de Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró (2003, p 168 e 241)

o termo ônus é comumente associado a uma obrigação, um dever, um peso, uma carga etc. No aspecto jurídico, o ônus é um imperativo do próprio interesse, uma espécie de faculdade. Trata-se de uma posição jurídica ativa, onde não há posição contrária (contraposta) e sequer sanção em caso de descumprimento. [...] É um encargo a ser desincumbido pelo próprio sujeito ativo (e em seu proveito). O Código de Processo Civil, em seu artigo 333, dispõe sobre o ônus da prova de modo expresso. Cabe, destarte, ao autor provar o(s) fato(s) constitutivo(s) de seu direito e, ao réu, eventuais fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que o autor alega possuir. É o que se convencionou denominar de aspecto subjetivo do ônus da prova.

Na verdade, a doutrina explica que o ônus da prova deve ser entendido como encargo, uma vez que se trata da responsabilidade de provar a materialidade e a autoria delitiva. Antônio Milton de Barros (2001, p. 6-7) esclarece que não se trata de uma obrigação ou um dever. Assevera que se trata de um ônus, um encargo, o qual propicia uma

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alternativa ao titular, podendo esta atendê-la ou não, sendo a prova conceituada como um ônus processual.

Nesse mesmo sentido, ensina com maestria Guilherme de Souza Nucci (2011, p. 26): “Deve-se compreender o ônus da prova como a responsabilidade da parte, que possui o interesse em vencer a demanda, na demonstração da verdade dos fatos alegados [...]”. A referida afirmação reforça a ideia de o direito à prova se enquadra nas modalidades de garantias de garantias do devido processo legal, principio constitucional que está elencado no art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal de 1988.

Caso haja inobservância de determinada norma jurídica, ou seja, se for cometida uma infração penal, sendo na fase investigativa e pré-processual colhidos elementos suficientes da prova de materialidade e indícios suficientes de autoria do cometimento de um crime, que dá suporte à justa causa para a ação penal, surge para o Ministério Público a prerrogativa de agir, ante a sua função determinada na própria Constituição Federal, conforme já explanado nos tópicos anteriores.

Afirma-se que incumbe o ônus probatório a quem alegar o fato. Nesse sentido, é de responsabilidade do órgão de acusação demonstrar a existência de provas suficientes para uma eventual condenação, demonstrando que o agente é culpado, sem pairar dúvidas nesse sentido, uma vez que é incabível exigir que o acusado demonstre que este é inocente, sob pena de ferir o principio constitucional da presunção da inocência, apregoado pela carta magna de 1988.

Logo, em caso de dúvida, esta deverá ser utilizada em favo do acusado, com base no princípio do in dubio pro reo, o qual se encontra intimamente ligado ao princípio da presunção de inocência. Acerca da temática, Alexandra Vilela (2000, p. 78) salienta que

o in dubio está diretamente ligado à questão da produção da prova e da distribuição do ônus da prova, por um lado, e que, por outro lado, uma das mais importantes consequências da presunção de inocência se revela na não necessidade do arguido provar a sua inocência para ser absolvido, concluindo-se, em consequência que ambos os princípios atuam sobre o mesmo campo, neste caso o da prova.

Esse regramento probatório deve ser utilizado nos casos em que houver dúvida sobre fato relevante para a decisão do processo. Na dicção de Badaró (2003, p. 285), para que seja prolatada uma sentença penal condenatória, devem ser eliminadas quaisquer dúvidas

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razoáveis, o contrário do que é garantido pela presunção de inocência, de modo a impor a necessidade de certeza. Significa dizer que se prevalecer alguma dúvida sobre os fatos em discussão em juízo, não havendo uma base probatória idônea, é preferível absolver o acusado, sob risco de poder estar culpando um inocente, cometendo-se uma grave injustiça.

2.3 A Crise da Justiça Penal e a Relativização do Princípio da Indisponibilidade da Ação

Conforme exposto no primeiro capítulo do presente estudo, é nítida a existência de uma crise da justiça penal. Tal fato decorre de diversos motivos, os quais já elencados anteriormente, sendo pertinente, por ora, mencionar que houve um aumento no incremento da criminalidade, em decorrência do aumento populacional. Sobre tal teoria, salienta Scarance Fernandes (2005, p. 199):

há que se admitir no plano legal certa discricionariedade de atuação do órgão acusatório, principalmente em infrações mais leves ou em determinadas situações concretas onde não há maior interesse em punir. A adoção integral do princípio da obrigatoriedade exigiria do Estado, mormente nas grandes cidades, um número infindável de juízes e promotores para que fossem julgadas todas as infrações. Na prática diária a autoridade policial tem, até com o assentimento público, oportunidade de não instaurar inquéritos policiais em várias ocasiões, em virtude da pequena gravidade dos fatos noticiados. Acaba, por isso, existindo grande discricionariedade da autoridade policial ante o inevitável fato de que o elevado número de crimes noticiados não permite que sejam todos objeto de investigação e processo.

Ainda, verifica-se que o aumento da criminalidade e o consequente aumento de pessoas aprisionadas, conforme ensinamento de André Leonardo Copetti Santos e João Martins Bertaso (2017, p. 15-16):

poderia ser explicado como uma consequência natural da ampliação da complexidade normativa constitucional e seus respectivos reflexos indutores na estrutura e no funcionamento do ordenamento jurídico-penal, pois o crescimento das taxas de encarceramento é aquecido após a promulgação da Constituição da República de 1988. Em outros termos, com o alargamento do espectro de bens tutelados constitucionalmente - em particular de bens não individuais - e seus efeitos potencializadores no catálogo de crimes, seria natural que havendo mais tipos penais positivados, uma gama maior de condutas poderia ser neles enquadrada, e, portanto, mais indivíduos seriam alvo do sistema penal formal, aumentando, assim, inevitavelmente, a população prisional. Entretanto, uma análise mais diligente à totalidade das estatísticas revela outra realidade: a atuação do sistema penal que resultou na atual situação de encarceramento massivo, não foi alargada em razão desses novos tipos penais positivados, como decorrência do aumento da lista de bens jurídicos constitucionalizados, mas, surpreendentemente, e não ao mesmo tempo, o crescimento do número de encarcerados está relacionado com a prática e o aprisionamento de indivíduos que cometeram crimes já previstos antes da promulgação da Constituição de 1988, notadamente delitos que significam distribuição forçada de renda (tráfico de drogas, roubo, furto, latrocínio receptação e

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quadrilha ou bando, este último em razão de que, na maioria esmagadora dos casos, as quadrilhas ou bandos são organizados para a prática de crimes contra o patrimônio ou para tráfico de entorpecentes).

Desse modo, torna necessário debater a relativização do princípio da indisponibilidade da ação penal. Com precisão e brilhantismo, Távora (2015, p. 75) discorre acerca da temática: trata-se do Princípio da obrigatoriedade na fase processual, ou seja, uma vez deflagrado processo pelo recebimento da ação penal (STF), o Ministério Público não poderá abandonar a relação jurídica processual penal (art. 42, CPP). Estando convencido de que não há razões para condenar o réu, deverá o membro do MP requerer a sua absolvição, mas jamais da desistência da ação penal. O recurso já interposto pelo Ministério Público não poderá ser objeto de desistência tendo em vista caracterizar-se num desdobramento do poder-dever de ação penal pública (art. 576, CPP).

Em outras palavras, significa dizer que o princípio da indisponibilidade é uma decorrência do princípio da obrigatoriedade, por meio do qual se afirma que uma vez iniciado o inquérito policial ou o processo penal, os órgãos incumbidos da persecução criminal não podem deles dispor. Com efeito, Tavora (2015, p. 59) tece comentários, explicando que o delegado não pode arquivar os autos do inquérito policial, por força do artigo 17 do Código de Processo Penal, e o promotor de justiça não pode desistir da ação interposta, nos termos do artigo 42, do mesmo diploma legal.

Ainda, o autor continua destacando que caso o representante do Ministério Público se convença de que, ao término da instrução processual o réu, deve manifestar-se, como guardião da sociedade e fiscal da justa aplicação da lei, no momento em que lhe for concedida a oportunidade para a oferta dos memoriais, deverá requerer a absolvição do imputado. Tal atitude não corresponde ou significa que houve disponibilidade do processo. Outrossim, o autor complementa que quando é interposto um recurso pelo órgão ministerial, considerando que tal fase não é regida pelo princípio da obrigatoriedade, caso o órgão ministerial tenha apresentado recurso, não poderá dele desistir (art. 576 do CPP), com base no princípio da indisponibilidade (TAVORA, 2015, p. 59).

Acerca do princípio da indisponibilidade da ação penal, o doutrinador Fauzi Hassan Choukr (2007, p. 96) relata que ele “opera-se pela impossibilidade do Ministério Público renunciar o direito material em que é fundada a ação”. Eugênio Pacelli (2009, p. 117), complementa o entendimento e afirma que:

Parece-nos, em tais hipóteses, que a apontada regra não vai além de consequência fundamental do princípio da obrigatoriedade, que estaria irremediavelmente atingido

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se se permitisse ao Ministério público, obrigado a propor a ação penal, dela desistir após a sua propositura. A única distinção que se pode observar entre obrigatoriedade e indisponibilidade seria em relação ao momento processual do respectivo exercício, sendo o primeiro aplicável antes da ação penal e o segundo a partir dela.

Ao dissertar sobre o tema, Tourinho Filho (2008, p. 139), menciona que “como a ação penal pertence ao Estado (salvo exceções), entende-se que o Ministério público, titular do exercício dessa ação, não pode dela dispor”.

Anna Cristina Oliveira Cabral (2019), de forma sucinta, esclarece que

disponibilidade é a liberdade que as pessoas têm de exercer ou não seus direitos. No direito processual civil é quase absoluta esta disponibilidade, já que as únicas limitações decorrem da natureza indisponível de certos direitos materiais. Por razão inversa, prevalece no processo criminal o princípio da indisponibilidade ou da obrigatoriedade. O crime é uma lesão irreparável ao interesse coletivo, decorrendo daí o dever de o Estado aplicar as regras jurídico-punitivas. Desse modo, a autoridade policial não pode se recusar a proceder às investigações preliminares (CPP, art. 42) nem arquivar inquérito policial (CPP, art. 17), do mesmo modo que o Ministério Público não pode desistir da ação penal (CPP, 42) nem do recurso interposto (CPP, art. 576). É a regra da irretratabilidade. A Constituição, contudo, admite um abrandamento dessa regra, como já falado, permitindo transação em infrações penais de diminuta potencialidade lesiva (CF, art. 98, I, c/c a Lei n. 9.099/95, art. 76).

Fernando Capez (2002, p. 21) aponta outros temperamentos à regra da indisponibilidade no processo penal, quais sejam:

a) nos crimes de ação penal privada, em que o ius accusationis fica a cargo do ofendido, que poderá ou não exercê-lo como melhor lhe aprouver; b) nos crimes de ação penal pública condicionada à representação, nos quais a atividade dos órgãos oficiais fica condicionada à manifestação de vontade do ofendido; c) nos crimes de ação penal pública condicionada à requisição do ministro da justiça.

Ainda,Tourinho Filho (2008, p. 75) destaca que houve relativização do principio em estudo, por meio do instituto jurídico da suspensão condicional do processo, previsto no artigo 89 da Lei nº 9.099/1995, sendo que o referido instituto configura uma medida de justiça consensual, razão pela qual o princípio em tela deve ser reconhecido como indisponibilidade mitigada.

2.4 A Disponibilidade da Ação Penal na Constituição Federal de 1988

O princípio da disponibilidade está relacionado ao tipo de ação penal que deverá ser ajuizada. Por sua vez, o tipo de delito cometido e o titular da ação penal é que auxiliarão na identificação de quem possui legitimidade para impulsionar e dar prosseguimento a um procedimento policial e à ação penal. Em outras palavras, significa dizer que nas ações penais

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privadas poderá ser aplicado o princípio em questão, uma vez que o Ministério Público, enquanto titular da ação penal pública, não pode desistir da ação, conforme já demonstrado.

Conforme ensinamento de Edilson Mougenot Bonfim (2008, p. 179) referido princípio “dá ao titular da ação penal privada vários meios de dela dispor, assim, o ofendido pode decidir se deseja ou não que o suposto infrator da norma penal seja julgado”. Ou seja, fica a critério do ofendido se haverá o prosseguimento da ação penal.

Em suas lições Tourinho Filho (2009, p. 174) assevera:

mesmo que venha a promover a ação penal, poderá a todo instante dispor do conteúdo material do processo (lide), quer perdoando o ofensor, quer abandonando a causa, dando lugar à perempção. Perdão e perempção, nos crimes de exclusiva ação penal privada, são, também, causas de extinção da punibilidade.

Tavora (2015, p. 80-81) ainda, aponta institutos que revelam o princípio da disponibilidade:

b.1) Perdão: Ato da vítima que expressamente declara que não deseja continuar a ação penal (perdão expresso dentro ou fora dos autos), ou a prática de um comportamento incompatível com a vontade de levar adiante o processo (perdão tácito). O perdão, assim como a renúncia, acarreta a prolação de uma sentença de mérito (coisa julgada material) que declara a extinção da punibilidade em relação aos infratores (arr. 107, V, CP). O perdão é um ato bilateral, ou seja, requer a aquiescência do destinatário. O assentimento poderá ser expresso ou tácito. [...] Cumpre ressaltar que o perdão em estudo não se confunde com o perdão judicial. Este exige expressa previsão legal e independe da concordância do réu. Ocorre em situações em que a lei reconhece a existência do crime, mas dispensa a aplicação da pena, que se tornara desnecessária. É o que ocorre, por exemplo, no caso do crime de homicídio culposo, quando as consequências do crime são muito gravosas para o próprio criminoso (ex.: pessoa que mata, culposamente, ente querido).

b.2) Perempção: É a sanção processual em virtude do descaso do titular da ação penal privada em impulsioná-la, ou seja, é um efeito processual penal decorrente da desídia do autor da ação em praticar um ato necessário ao andamento regular do procedimento processual. As hipóteses de perempção foram dispostas, exemplificativamente, pelo art. 60 do Código de Processo Penal. [...] Havendo concurso de infrações, pode ocorrer perempção em face de apenas algumas delas. Já quanto à existência de vários querelantes, a perempção em razão de parte deles não prejudica os demais. A perempção ocasiona a prolação de uma sentença de mérito (coisa julgada material) que declara a extinção da punibilidade em relação aos participantes do delito (are. 107, IV, CP).

Ante ao exposto anteriormente, verifica-se que o princípio da disponibilidade, conforme entendimento de Tavora (2015, p. 80) se encontra lastreado na discricionariedade (oportunidade e conveniência). Significa dizer que, caso a vítima ajuíze a ação penal privada, poderá desistir do seu processamento até o trânsito em julgado da sentença penal (art. 106, § 2°, CP).

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3 ALTERNATIVAS PENAIS E PROCESSUAIS À CRISE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL PENAL

Conforme exposto nos capítulos anteriores, verifica-se que é nítida a existência da crise da prestação jurisdicional penal. Nesse ínterim, urge a necessidade e importância da debater acerca da aplicação de formas alternativas penais e processuais já existentes e amplamente conhecidas em nosso ordenamento jurídico, como por exemplo, a transação penal e a suspensão condicional do processo, cujos benefícios estão previstos por meio da Lei 9.099/95 (Juizados Especiais), bem como, se faz pertinente apontar o recente acordo de não persecução penal, o qual foi instituído pelo Conselho Nacional do Ministério Público.

3.1 A transação penal

Como sabido e, parafraseando Nucci (2006, p. 387), o instituto da transação penal poder ser conceituado como espécie de acordo que é feito entre o órgão acusador e o autor do fato, sendo imprescindível a participação de ambas as partes, “não podendo nenhuma delas ser alijada desse processo de convergência de vontades por quem quer que seja, especialmente pelo Magistrado”. De igual forma, o autor do fato não poderá ser obrigado a aceitar a proposta ofertada, ainda que pareça ao Juiz mais favorável a ele do que a propositura de ação penal.

A promotora de Justiça do Estado de Minas Gerais, Dra. Lucina Kéllen Santos Pereira Guedes, explica que isso se deve em razão da

regra introduzida no art. 98, inciso I, da Constituição da República e pelas Leis 9.099/95 e 10.259/2001. Nas infrações penais de menor potencial ofensivo, presentes os requisitos legais, poderá o Ministério Público propor transação penal ao autor do fato para aplicação imediata de pena restritiva de direito ou multa, a ser especificada na proposta. A possibilidade de transação penal regulamentada pelo art. 76 da Lei 9.099/95 substitui, nesses delitos, o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública pelo da discricionariedade regrada (2019).

Desse modo, observa-se a ocorrência da mitigação dos princípios da obrigatoriedade e da indisponibilidade da ação penal. Luiz Flávio Gomes (1997, p. 177) assevera que se deve reconhecer a extraordinária virtude da Lei no 9.099/95:

de já ter posto em marcha no Brasil a maior revolução do Direito Penal e Processual Penal. As vantagens do sistema de resolução dos pequenos delitos pelo „consenso‟ (omissis) são perceptíveis e, até aqui, irrefutáveis. Por mais que deixe aturdidos estupefactos os que gostariam de conservar in totum o moroso, custoso e complicado modelo tradicional de Justiça Criminal (fundado na „verdade material‟ – que no

Referências

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