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Auto-NarrativaseComplexidade-DulciBoetcher,GiseleMariaSeveroeSandraTorissianDjamb

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Auto-Narrativas e Complexidade

Ms. Dulci Boetcher

Professora do Departamento de Letras da UNISC.

dulci@unisc.br

Gisele Maria Severo

Psicóloga.

gisellemariasevero@yahoo.com.br)

Drª Sandra Torissian Djamb

Psicóloga e Professora Universitária – Unisinos/RS.

RESUMO

Partindo de uma perspectiva de complexidade onde o sujeito do conhecimento é

inseparável do mundo que observa e constrói, utilizamos para esse trabalho, um quadro

teórico construído a partir de ciências que constituem o movimento de

auto-organização, focalizando principalmente as teorias biológico/cognitivas da Biologia do

Conhecer de H. Maturana e F. Varela e outros. Pretendemos apresentar um relato de

uma pesquisa em andamento sobre sujeitos toxicômanos, e para tanto, consideramos a

importância das autonarrativas desses sujeitos como situações de aprendizagem que nos

permitiram visualizar a construção do conhecimento/subjetividade, ou seja, o processo

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Palavras-chave: complexidade, autonarrativas, construção de conhecimento.

ABSTRACT

From a perspective of complexity where the subject of knowledge is inseparable from the world that builds and creates, we used for this work, a theoretical framework built from science that constitutes the movement of self-organization, focusing mainly the biological theories / Biology of Cognition of H. Maturana and F. Varela and others. We want to present a report of a reseach in progress on drug addict subjects, and therefore we consider the importance of self-narratives of those subjects as situations of learning that enabled us to view the construction of knowledge / subjectivity, or the process as autopoiético possibility of emergency of senses and meanings.

Key-words: complexity, selfnarratives, construction of knowledge.

1. Introdução

Segundo Morin 1995, o pensamento simplificador está baseado na certeza da lógica para estabelecer as verdades. René Descartes no século XVII ordena a separação do objeto do meio, da ordem da desordem, das disciplinas das ciências, da ciência da filosofia. Estas foram as bases conceituais da teoria cartesiana que norteou por muito tempo a ciência e a filosofia ocidental, e o reconhecimento de que o ser humano é um sistema aberto e está sujeito a influências externas levam a necessidade de pesquisas transdisciplinares sobre o funcionamento dos seres vivos.

Hoje os cientistas se deparam com o paradigma da complexidade, que para Morin (1995) é uma forma de compreender o mundo, tendo a capacidade de integrar no real as relações que sustentam a co-existência entre os seres no universo, possibilitando o reconhecimento da ordem e da desordem, do uno e do diverso, da estabilidade e da mudança. As idéias de ordem, desordem e organização necessitam ser pensadas em conjunto e surgem de diferentes pontos de vista. Os sistemas complexos não são lineares, envolvem muitos componentes, apresentam uma dinâmica de interação entre eles, dando origem a um número de níveis ou escalas que exibem comportamentos comuns, apresentando processos de emergência e auto-organização.

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Ainda, neste trabalho, devido a nossa preocupação com a questão da autoria, fazemos referencia a Francisco Varela F. Varela e J. Sheer (1999). Esses estudos têm na experiência subjetiva um componente ativo e explícito, e buscam afirmar metodologias de primeira pessoa ao propor a validação intersubjetiva no campo da investigação científica. Em outras palavras, a proposta de metodologias de primeira pessoa apresentada por Francisco Varela diz respeito ao lado introspectivo, como relato nas experiências humanas de domínio subjetivo, em que pesam o processo de autoconhecimento.

É importante explicitar aqui o modo como Varela concebe a cognição. Ao contrário da hipótese cognitivista, a qual baseia a cognição no tratamento da informação através da manipulação de símbolos  em que o pensamento seria apenas um processamento simbólico representado na mente , para Varela a cognição é corporal e não intelectual. Conhecemos com o corpo inteiro e não apenas com a mente. Com o conceito de enação, Varela estabelece a importância dos baixos níveis do perceber (estruturas sensório-motoras) para que se desenvolvam os níveis cognitivos ditos superiores.

Em relação à Psicanálise, esta implica numa epistemologia subjacente que visa o estudo do inconsciente, que é por excelência um objeto complexo. Nesse sentido, segundo Birman (1997) a pesquisa seria a melhor maneira de abordar este objeto complexo já corresponde a abordar a complexidade. Tratar da pesquisa em Psicanálise é situar-se num campo minado, já que é buscar outras possibilidades de investigação diferenciadas do modelo tradicional das Ciências Humanas, cujo grau de cientificidade depende da proximidade delas com a Física moderna, ou seja, como a possibilidade de acesso à verdade pelo fato de o objeto teórico ser construído pelo sujeito e ter o mesmo estatuto do objeto real. O campo das Ciências Humanas vem se tornando, menos determinado por dualismos, embora estes ainda sejam fortes o bastante para estabelecer relações lineares entre os fenômenos sociais e individuais. Exemplo deste processo é o uso de metodologias, como histórias de vida, com o objetivo de transformação da posição do sujeito frente ao social, pela diminuição de sua alienação através de reconstituição de sua vida frente a um outro pesquisador.

A problemática que nos perseguia durante o processo de pesquisa consistiu em observar o processo de construção dos sujeitos e sua possível mudança de subjetividade, pois sempre lembrávamos Maturana (1990) que afirma que o sistema autopoiético é

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aquele que sofre mudanças estruturais continuas ao mesmo tempo em que conserva seu padrão de organização em teia. Os componentes da teia continuamente produzem e transformam uns aos outros, e os fazem de maneiras distintas.

Outros objetivos desse trabalho foram:

A) analisar os textos escritos por sujeitos toxicômanos durante seu processo de tratamento, sendo que este objetivo foi atingido ao analisar os textos produzidos por sujeitos durante seu processo de um ano de tratamento, bem como realizar estudo relativo ao tema da leitura e escrita, situando especialmente a temática do sujeito, e do leitor enquanto outro.

B) realizar estudo relativo ao tema da leitura e escrita, situando especialmente a temática do sujeito, e do leitor enquanto outro.

C) Investigar os processos de alteridade nos textos escritos, situando nos diferentes momentos a relação do sujeito com o leitor e com as vozes que atravessam o texto. O processo de historização da vida subjetiva do sujeito autor bem como a construção da alteridade foi analisada a partir dos escritos. Para isso, tomamos textos dos momentos iniciais, intermediário e final do tratamento.

D) Trabalhar de forma inter e transdisciplinar tomando nesse diálogo a Educação, a Psicanálise e a Complexidade.

2. Pressupostos teóricos:

A fundamentação teórica presente no estudo marca o início da investigação da temática que se abordou. Sistematizamos a pesquisa procurando autores dedicados às questões de leitura e escrita, especialmente em relação ao sujeito e ao leitor. Os autores inicialmente pesquisados foram Michael Foucault, Roland Barthes, pois buscou-se compreender as temáticas relativas à autoria, mas na medida que fomos nos apropriando do tema, sentimos necessidade de buscar entendimento sobre autonarrativas e sua relação com a subjetividade, uma vez que temos como eixo para nossa pesquisa a questão da complexidade, com os sujeitos se transformando cognitivamente, a partir de mudanças subjetivas, de forma recursividade, que é uma das características presentes no paradigma da complexidade.

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Foucault (1992), salienta que o nome de autor não está situado no estado civil dos homens nem na ficção da obra, mas sim na ruptura que instaura num certo grupo de discursos e o seu modo de ser singular. Podemos dizer que numa civilização como a nossa, uma quantidade de discursos é provida da função “autor”, ao passo que outros são dela desprovidos. Um texto anônimo que se lê numa parede da rua terá um redator, mas não um autor. A função autor é, assim, característica do modo de existência, de circulação e de funcionamento de alguns discursos no interior de uma sociedade. Com isso, passamos a questionar como se caracteriza um discurso portador da função autor?

De acordo com Foucault (1992) no século XVII ou no XVIII produziu-se um quiasma, começou-se a receber os estudos científicos no anonimato de uma verdade estabelecida ou constantemente demonstrável. Assim sendo, apaga-se a função autor, ou seja, o nome do inventor apenas terá alguma função para designar uma propriedade, um teorema, algo do tipo. Mas os discursos “literários” deveriam ser dotados da função autor. Já num romance que se apresenta como uma narrativa de um narrador o pronome de primeira pessoa, o presente do indicativo, os signos de localização nunca reenviam exatamente para o escritor, nem para o momento em que ele escreve, nem para o gesto da sua escrita; mas para um “alter-ego” cuja distância relativamente ao escritor pode ser maior ou menor e variar ao longo da própria obra. Seria tão falso procurar o autor no escritor real como no locutor fictício; a função autor efetua-se na própria cisão, ou seja, nesta divisão e nessa distância. Assim sendo, todos os discursos que são providos da função autor comportam esta pluralidade de “eus”.

Foucault, no texto “L‟écriture de Soi” (1983, pp.415-430), constrói o percurso do modo de falar de si em textos que tiveram origem na cultura greco-romana e que revelam a escrita já concebida como exercício do eu, contextualizando as anotações monásticas como escritas do eu que vão desembocar, após um longo percurso, na noção de indivíduo. Assim sendo uma noção de si que já se começa a se delinear, não como uma “descrição de si”, mas com o de reunir o já dito, de agrupar o que foi ouvido e lido, e tudo isto com o objetivo que nada mais é do que a constituição de si.

Na ordem do discurso se pode ser autor de mais do que um livro, de uma teoria, de uma tradição, de uma disciplina, no interior das quais outros livros e outros autores vão poder, por sua vez, tomar lugar.

A marca do autor é a singularidade de sua ausência, o autor nada mais é do que uma palavra colada a um texto, um nome, nome próprio, mas feito de pura letra. Aquele que escreve precisa se

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preparar para suportar tal metarmofose, pois no momento em que autorizou seu escrito a percorrer o mundo, a perda será praticamente total. (Gonçalves, 2000 p.73)

Podemos pensar que na medida que o escrito tornar a público, ele poderá ser criticado, assim podendo engendrar outros escritos, permitindo deste modo, que se separe da pessoa que o produziu. E isto implica um desprendimento, um aceitar perder o controle sobre a própria produção. Para exercer a autoria é preciso, também, abdicar da ilusão de que o leitor conseguirá captar a intenção que o escritor acredita ter expressado no texto.

Segundo Barthes (1974), para que nasça um autor, o escritor, enquanto pessoa, precisa desaparecer, “morrer”, isto é, ele precisa retira-se do cenário e dos palcos. O escritor e o autor precisam separar-se porque este último apenas é um nome. O autor é feito de letra e nada mais.

Pelo fato de os escritos estarem ao nosso alcance, podemos nos apropriar da autoria de tais escritos e a partir disso fazer a nossa compreensão. Mas isso nos desacomodou de um certo âmbito, pois na medida que passamos da função leitor para de autor, buscamos explicações do que vêm a ser tais relatos, se são realmente simplesmente relatos, e que contexto, e de quem? Portanto, tais relatos falam de um ser real, que viveu e experienciou todas aquelas linhas escritas, ou seja, aquelas linhas escritas são a vida daquele sujeito. E qual a relação do autor com o leitor? Podemos nos apropriar de sentimentos descritos?

Esses questionamentos levaram-nos a pesquisar o tema da autonarrativas e sua relação com a subjetividade. As “narrativas de vida” escritas nos textos analisados nos levaram a problematizar a história de vida. Assim sendo, a história de vida passa a ser a nossa fonte de pesquisa.

Segundo (Freud 1976), os estudos sobre relato de vida apontam para a possibilidade do sujeito construir uma auto-imagem, uma identidade, através da reconstituição de sua história. Ou seja, as possibilidades de diálogo com o próprio “eu” abrem espaços de experienciação social e privada. Os pensamentos, os devaneios, as fantasias e as ações são,agora, problematizados, tendo como referência um “mergulho” em si mesmo. O espaço do subjetivo abarca o homem moderno, invade-o, não podendo dele escapar. É esse espaço que o marca como singular, que o constitui, apesar de semelhante, como diverso demais.

Teixeira (2003) elabora o prefixo auto como referente à identidade, ao eu consciente de si próprio, ao sujeito complexo, elaborado em uma existência singular e autônoma; e o prefixo bio, no que se refere ao percurso vital, à continuidade desta identidade singular, ao desenvolvimento prático de uma existência, entre o eu e sua

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inserção no cotidiano e na realidade. A grafia do autor e do bio, marca, portanto, uma separação entre o eu-escritor e o eu-escrito, representado, a partir da retomada da própria existência, como objeto problematizável. É uma reconstrução, uma reconquista de si, representa um renascimento, pelo lugar distinto que o sujeito-escritor ocupa frente a sua vida, de modo crítico e reflexivo.

O sujeito, feito autor, pode ir percorrendo o caminho traçado por seu escrito, ora achando que dita as regras do jogo, ora considerando-se diluído em um jogo cujas regras lhe escapam. Tomando a segunda posição, a escrita da história do sujeito é entrecruzada pela interminável história de sua escrita, já que o sujeito reconstrói-se continuadamente a partir das questões subjetivas que o afligem.

O objetivo da análise é quebrar a ilusão de um único, de uma unicidade do indivíduo, é questionar os modelos identificadores pelo quais o sujeito organiza a sua vida, a sua história. Por mais que a escrita de uma história de sua vida vise a organizar o eu, a tentar fechar a Gestalt de quem se é, ela esbarra na impossibilidade de um fechamento, de uma completude, de uma determinação clara do sentido último das ações, das escolhas, dos pensamentos, dos desejos. Enfim, os percursos do sujeito surpreendem, questionam a ilusão narcísica do dar-conta -de -si.

Mas, pelos novos estudos realizados e levando em conta novas pesquisas cientificas, outros olhares se fizeram perceber e como intenção lançar um olhar complexo a partir de um banco de dados, a teoria da complexidade nos permite dizer que não é possível mais explicar os fenômenos biológicos a luz simplista da física e da bioquímica sem levar em consideração a dinâmica não-linear dos sistemas complexos.

Baseamo - nos, principalmente, em Humberto Maturana e Francisco Varela que entendem o processo autopoiético como possibilidade de emergência de sentidos e significados. Consideramos as autonarrativas dos toxicômanos como situações de

aprendizagem que nos permitiram visualizar a construção do conhecimento/subjetividade.

Maturana (1990), ao mesmo tempo em que questiona o modo de como ocorre o conhecimento e qual a dinâmica existente na construção de novos significados, responde tratar-se de processo de auto-organização do sujeito, isto é, ele se realiza pela e nas relações que o sujeito constrói com o seu entorno. A busca da autonomia no esforço de construir o conhecimento entende a elaboração e as conexões que se realizam no interior de seu próprio pensamento. Nas palavras de Maturana e Varela:

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se uma célula interage com uma molécula X, incorporando-a a seus processos, o que ocorre como conseqüência dessa interação é determinado não pelas propriedades da molécula X, mas pelo modo com que essa molécula é „vista‟ou tomada pela célula quando esta a incorpora em sua dinâmica autopoiética. As mudanças que ocorrem nela como conseqüência dessa interação serão determinadas por sua própria estrutura como unidade celular. Portanto, na medida em que a organização autopoiética determina a fenomenologia biológica ao conceber os seres vivos como unidades autônomas, um fenômeno biológico será qualquer fenômeno que envolva a autopoiése de pelo menos um ser vivo (Maturana e Varela, 1995, p.92).

Por tratarem dessas questões, trazemos Maraschin e Axt (1999, p. 21), que defendem a idéia de que o existir (aprender, pensar, trabalhar, interagir, sentir, educar) constituem-se objetos de análise, de modo que precisamos, a partir desses novos modos de pensar a subjetividade, considerar os temas universais, de forma complexa, transversal.

a invenção da escrita transformou a subjetividade humana e a própria oralidade. A escrita inaugura uma situação prática de comunicação e interação radicalmente nova: os discursos podem ser separados das circunstâncias particulares em que foram produzidos. O que cria condições de agenciamentos não mais sincronizados no espaço e no tempo ( MARASCHIN E AXT 1999, p.21-42). Essas autoras propõem que as narrativas auto-avaliativas podem ser consideradas operadores de ordem autopoiética, comprometidos com os processos de auto-organização dos sistemas cognitivo-explicativos tanto individuais como coletivos. (MARASCHIN E AXT 1999, p. 24), concluindo-se, portanto, que as narrativas podem ser operadores cruciais para a emergência da autopoiese, através da expressão criativa de subjetividade.

Os sistemas autopoiéticos recompõem continuamente os seus componentes desgastados. Pode-se concluir, portanto, que um sistema autopoiético é ao mesmo tempo produtor e produto. Para Maturana, o termo "autopoiese" traduz o que ele chamou de "centro da dinâmica constitutiva dos seres vivos". As autonarrativas, na perspectiva autopoiética, são um instrumento constituinte do humano e o a ato de contar as suas vidas envolve a construção subjetiva do sujeito, que escreve, desprende-se do produzir ao deixar-se ser alvo de críticas.

Em relação a isso, entendemos que existe uma continua desapropriação de si no ato da escrita, pois nos constituímos e nos tornamos o que somos ao escrever:

A escrita patenteia que o eu não se constrói desde uma propriedade (um eu funcional), senão desde a impropriedade de constituir-se com os outros. Escrever é tornar-se quase um “lugar vago”, atravessado pelas vozes e as forças dos

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outros. A grande saúde parece ser a aceitação de que nenhuma “identidade” ou constituição do si mesmo é possível fora do modo da desidentificação de si: é porque somos, e não somos, ao mesmo tempo, nossos escritos. ( Gonçalves, 2000, p. 138).

Gonçalves (2000) traz uma releitura de alguns clássicos sobre o que é ser autor, passando por Michel Foucault e Roland Barthes entre outros. Destaca-se, em relação ao que foi dito acima, a seguinte passagem:

Preparar-se para autoria é preparar-se para perder, perder o medo, perder o poder, perder a ascendência, perder o controle, perder a supervisão do escrito que um dia parecia tão íntimo e tão completamente meu ou teu. Meus escritos, teus escritos, se soltados as amarras ao corpo do seu produtor, sobreviverão a meu tempo e ao teu. Pareciam feitos para que nos tornássemos imortais, mas eis que ganham, de repente, o direito de nos abater. Dispor-se a perder, dispor-se a morrer, eis uma exigência para quem quer fazer passagem para autoria (Gonçalves 2000 p.78).

3. Metodologia

A metodologia utilizada para esta pesquisa é a complexa, e nos propomos observar as relações estabelecidas e sua densificação. A “leitura flutuante” foi utilizada como um instrumento da proposta freudiana de “atenção flutuante”. A técnica da atenção flutuante, Freud (1912/1981) afirma:

Na realidade esta técnica é muito simples. Ela rechaça qualquer meio auxiliar, inclusive, como veremos, a mera anotação, e consiste simplesmente em não reter especialmente nada e acolher tudo com uma igual atenção flutuante. Poupamo-nos, deste modo, um esforço da atenção impossível de sustentar muitas horas no dia e evitamos o perigo inseparável da retenção voluntária, já que enquanto esforçamos, voluntariamente, a atenção com uma certa intensidade, começamos também, involuntariamente, a selecionar o material a nós oferecido, então: fixamo-nos especialmente num elemento determinado e eliminamos outro, seguindo nossas esperanças ou nossas tendências nessa seleção. Fazendo isto, corremos o

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perigo de não descobrir mais do que já sabemos. Não devemos nos esquecer que na maioria das análises escutamos do paciente coisas cuja significação só é descoberta “a posteriori” (Freud, 1912/1981 p. 1654.)

Além disso, nesta epistemologia há uma quebra de paradigma quanto ao lugar do pesquisador e do objeto pesquisado, estes não se apresentam de forma dicotômica, mas fazendo parte de um mesmo processo semântico. Assim, a subjetividade do pesquisador não fica excluída do processo de investigação e da produção de conhecimentos.

As estratégias metodológicas deste estudo consistiram em três momentos concomitantes: a pesquisa bibliográfica, a escolha do corpus de textos, a análise dos textos.

Em relação à escolha dos textos, foram tomados como material de análise e produzidos por adolescentes internados num hospital - dia em função da sua toxicomania, no período compreendido entre 1997 e 1999. O local mencionado contava com a produção de textos ao final de cada jornada. No dia seguinte, a produção de cada paciente era lida num grupo formado pelo grupo de colegas, do qual, eventualmente, participava um terapeuta. Contava-se, ainda com o dispositivo de um "Balanço", no qual os escritos eram retomados bimestralmente. Produzia-se, então, um novo texto que contempla a reflexão sobre seu percurso de tratamento e de vida desse período.

A escolha dos textos deu-se de forma aleatória, ou seja, foi escolhido um sujeito e a partir disso, separou-se os textos escritos por esse sujeito, para conseguir melhor compreensão de leitura e análise e também um melhor foco na pesquisa.

Quanto à análise de textos, a leitura analítica baseou-se numa “leitura flutuante” dos textos. Esse termo origina-se na proposta da atenção flutuante proposta por Freud em 1912. Procurou-se analisar as reconfigurações do sujeito no processo de escrita, bem como estabelecer algumas relações com o sintoma da toxicomania.

No nosso trabalho, tomamos a idéia freudiana de escutar de forma flutuante, no entanto, transferimos isso para a leitura, assim, lemos os textos de forma livre, sem preocupações com categorias determinadas “a priori”. Dessa leitura, orientada sempre por uma escolha teórica, foram emergindo as questões analíticas.

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4. Resultados e conclusões: A análise do processo do processo de complexificação.

Os resultados e conclusões desta pesquisa foram obtidos a partir da análise dos textos na forma de uma “leitura flutuante” apoiando-nos na pesquisa bibliográfica realizada. Portanto, pensamos que esta pesquisa auxilia no processo de construção da investigação do tema da subjetividade.

Passamos, a seguir, à análise dos percursos subjetivos que emergiram dos textos analisados, à luz das nossas questões de pesquisa.

A análise desse processo apontou para as seguintes questões:

1) Período Inicial do tratamento:

- Textos curtos com pouca narrativa;

- O sujeito é quase inexistente, são textos narrados de forma bastante “impessoal”, com pouca ou quase nenhuma implicação subjetiva nas ações;

- Os textos parecem mais relatos de acontecimentos cotidianos. 2) Período Intermediário do Tratamento:

- Os textos apresentam maior implicação narrativa e são mais longos; - Aparece uma maior implicação do sujeito visualizada na presença de

reflexões e críticas a si mesmo;

- Os relatos do cotidiano vão dando espaço para textos mais introspectivos e autobiográficos;

- Inicia um direcionamento ao leitor. 3)- Período Final do Tratamento:

- Os textos dão lugar à narrativa de vida, são longos e reflexivos

- Emerge a crítica e a auto-reflexão em relação a diversas ações e acontecimentos durante o período de tratamento;

- o endereçamento ao leitor aparece com mais força;

- há marcas lingüísticas que apontam para uma mudança da posição do sujeito.

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A análise dos textos aponta para a possibilidade da reconfiguração do sujeito no processo de escrita e leitura, reconfiguração essa que possibilita o trabalho com algumas questões sintomáticas das toxicomanias. Exemplo disso é a “dessubjetivação” que aparece nos período inicial dando lugar, neste percurso, a uma maior implicação subjetiva, a uma construção ou re-construção do Eu; a emergência da figura do leitor no texto, que pode ser associada à dificuldade de vinculação que os sujeitos toxicômanos apresentam e a construção de textos de cunho mais narrativo e autobiográfico, marcando a possibilidade deslocar-se do corpo como forma central de fala, para (re) introduzir possibilidades simbólicas.

Portanto, nossa intenção com este estudo foi de problematizar e socializar as questões complexas de que o ser humano perpassa. Através de muitas leituras, análises e interpretações surge o desafiador caminho que tentamos percorrer atrelado acerca do desconhecido que nos impulsionam a busca de conhecimentos e avanços na pesquisa.

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