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Violência contra as mulheres e a lei Maria da Penha: uma análise dos indicadores de violência e concessões de medidas protetivas pelo poder judiciário na comarca de Crissiumal/RS

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Academic year: 2021

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GRANDE DO SUL

ANA LUIZA SCHERNER

VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES E A LEI MARIA DA PENHA: UMA ANÁLISE DOS INDICADORES DE VIOLÊNCIA E CONCESSÕES DE MEDIDAS PROTETIVAS PELO PODER JUDICIÁRIO NA COMARCA DE CRISSIUMAL/RS

Três Passos (RS) 2020

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ANA LUIZA SCHERNER

VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES E A LEI MARIA DA PENHA: UMA ANÁLISE DOS INDICADORES DE VIOLÊNCIA E CONCESSÕES DE MEDIDAS PROTETIVAS PELO PODER JUDICIÁRIO NA COMARCA DE CRISSIUMAL/RS

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso - TCC.

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS- Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: Dra. Joice Graciele Nielsson

Três Passos (RS) 2020

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Dedico este trabalho aos meus pais, Adir e Adriana, em agradecimento à oportunidade de ensino que me proporcionaram. Serei eternamente grata pelo esforço de vocês. E a você, Marcus, pelo apoio e incentivo alcançado desde o primeiro dia de graduação.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Adir e Adriana, pelo incentivo e apoio incondicional, e por me proporcionar a oportunidade de estar cursando Direito. Muito obrigada de coração.

Ao meu namorado, Marcus, pelo apoio, ajuda e compreensão que me conferiu durante toda a minha jornada acadêmica.

A minha orientadora, Dra. Joice Graciele Nielsson, pois além de ser um exemplo na busca por um futuro mais igualitário para as mulheres, demonstrou-se sempre disposta a me ajudar, dando suporte, correções e incentivos.

A todos que colaboraram de uma maneira ou de outra durante a trajetória de construção deste trabalho, e estiveram me auxiliando durante toda a minha graduação, muito obrigada.

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“Maria da Penha não é pedido de pena, mas guerra declarada a quem tira a paz” – Maria Berenice Dias.

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O presente trabalho de conclusão de curso faz uma análise e reflexão acerca da violência contra as mulheres na história e a evolução da figura feminina na sociedade brasileira até a conquista de diretos e a desvinculação do poder patriarcal. Após, será feita uma averiguação mais detida dos motivos que ensejaram a criação da Lei Maria da Penha, as contribuições no enfrentamento da violência doméstica e familiar contra as mulheres, a sua efetividade e as mudanças legislativas inseridas em seu texto legal. Da mesma forma, buscou-se evidenciar um dos mecanismos de proteção mais importantes da Lei Maria da Penha, as medidas protetivas de urgência e a recente Lei 13.641 de 2018, que criou o crime de Descumprimento de Medidas Protetivas de Urgência para auxiliar na superação da violência doméstica e familiar contra as mulheres. Além disso, busca demonstrar os índices de violência doméstica, a partir dos registros realizados por mulheres no período de 2017 até abril de 2020 e os deferimentos de medidas protetivas dos anos de 2017 a 2019 na Comarca de Crissiumal/RS. Outrossim, para a concretização do presente trabalho de monografia foram efetuadas pesquisas bibliográficas, leituras de artigos, doutrinas e jurisprudência dos Tribunais, bem como houve a coleta de dados realizada junto aos sites da Secretaria da Segurança Pública e do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, cuja coleta foi tabulada em forma de tabelas e figuras, e discutidos a partir de referenciais teóricos que analisam a problemática. Pois bem, nota-se que no decorrer dos anos houve um aumento nos números de registros na Comarca de Crissiumal, em especial no que diz respeito ao delito de Ameaça, como também no quantitativo de medidas protetivas deferidas pelo Poder Judiciário. Verifica-se, ainda, que com o passar dos anos as mulheres acabaram denunciando mais as situações de violência que estavam vivendo, bem como os seus agressores, no entanto, denota-se também que os índices de violência doméstica e familiar não param de aumentar. A realidade transmitida por esses dados demonstra que a superação da violência doméstica será lenta, mas que poderá ser erradicada a partir da conscientização e educação da população brasileira.

Palavras-Chave: Lei Maria da Penha. Violência doméstica. Medidas protetivas de urgência. Mulheres. Descumprimento de medidas protetivas de urgência.

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The present graduation work analyzes and reflects on the violence against women in history and the evolution of the female figure in Brazilian society until the conquest of rights and the untying of patriarchal power. Afterwards, a more detailed investigation will be made of the reasons that led to the creation of the Maria da Penha Law, the contributions to confront domestic and family violence against women, its effectiveness and the legislative changes inserted in its legal text. Likewise, we sought to highlight one of the most important protection mechanisms of the Maria da Penha Law, the urgent protective measures and the recent Law 13.641 of 2018, which created the crime of Noncompliance with Urgent Protective Measures to help overcome the domestic and family violence against women. In addition, it seeks to demonstrate the rates of domestic violence, based on the records made by women in the period from 2017 to April 2020 and the granting of protective measures from the years 2017 to 2019 in the District of Crissiumal / RS. Furthermore, to carry out the present monograph work, bibliographical searches, readings of articles, doctrines and jurisprudence of the Courts were carried out, as well as data collection carried out on the websites of the Secretariat of Public Security and the Court of Justice of the State of Rio Grande do Sul, whose collection was tabulated in the form of tables and figures, and discussed from theoretical references that analyze the problem. Well, it is noted that over the years there has been an increase in the numbers of records in the Judicial District of Crissiumal, especially with regard to the crime of Threat, as well as in the number of protective measures granted by the Judiciary. It is also noted that, over the years, women ended up reporting more of the situations of violence they were experiencing, as well as their aggressors, however, it is also noted that the rates of domestic and family violence continue to increase. The reality transmitted by these data shows that the overcoming of domestic violence will be slow, but that it can be eradicated from the awareness and education of the Brazilian population.

Keywords: Maria da Penha Law. Domestic violence. Emergency protective measures. Women. Failure to comply with emergency protective measures.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1-Comparativo entre os números totais de registros de cada delito na Comarca de Crissiumal. ... 58 Figura 2- Gráfico do número total de registros efetuados em cada ano findado, na Comarca de Crissiumal. ... 59 Figura 3 – Gráfico de medidas protetivas concedidas. ... 60 Figura 4 – Comparativo de Medidas Protetivas concedidas pelo Poder Judiciário entre os semestres de cada ano ... 61

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Registros realizados referentes ao crime de Ameaça contra a mulher no município de Crissiumal/RS. ... 56 Tabela 2- Registros realizados referentes ao crime de Ameaça contra a mulher no município de Humaitá/RS ... 56 Tabela 3 - Registros realizados referentes ao crime de Lesão Corporal contra a mulher no município de Crissiumal/RS. ... 57 Tabela 4 - Registros realizados referentes ao crime de Lesão Corporal contra a mulher no município de Humaitá/RS ... 57 Tabela 5 – Quantitativo de Medidas Protetivas Concedidas pelo Poder Judiciário na Comarca de Crissiumal/RS nos anos de 2017 a 2019 ... 59

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INTRODUÇÃO ... 10

1 A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES E A LEI MARIA DA PENHA. ... 13

1.1 Compreendendo a violência contra as mulheres na história ... 14

1.2 A Lei Maria da Penha ... 20

1.3 A efetividade da Lei Maria da Penha, 13 anos depois de sua criação ... 27

2 AS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA E A LEI 13.641/2018 ... 36

2.1 As medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha e sua implantação ... 36

2.2 A Lei 13.641/2018 e a busca de alternativas para a superação da violência doméstica 46 2.3 Os registros indicadores de violência contra a mulher e a concessão de medidas protetivas de urgência na Comarca de Crissiumal/RS ... 54

CONCLUSÃO ... 63

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho apresenta um estudo acerca da Violência Doméstica contra as Mulheres e seu tratamento a partir da Lei Maria da Penha. Nesse sentido, busca analisar a efetividade de uma das maiores contribuições da Lei, as medidas protetivas de urgência e a recente Lei 13.641/2018, que cria o crime de Descumprimento de Medida Protetiva. Para tanto, a pesquisa exibe dados referentes aos números de registros realizados pelas vítimas de violência doméstica na Comarca de Crissiumal, nos anos de 2017, 2018, 2019 até abril de 2020, bem como os dados atinentes as medidas protetivas deferidas pelo Poder Judiciário, dos anos de 2017, 2018 e 2019, realizando uma análise comparativa entre os mesmos.

A violência doméstica e familiar contra a mulher, além de ser um problema histórico no Brasil é, também, assunto de debate nas últimas décadas. A Lei Maria da Penha foi uma grande conquista para as vítimas de violência doméstica e familiar, mas ainda há muito o que ser feito. A partir da análise da coleta de dados dos registros efetuados por mulheres e deferimentos de medidas protetivas na Comarca de Crissiumal/RS, os problemas que focam o presente trabalho podem ser assim resumidos: Após todos os aperfeiçoamentos na legislação protetiva para a mulher que se encontra em situação de violência doméstica, é possível constatar, a partir da coleta de dados, que a mulher está denunciando mais o seu agressor na Comarca de Crissiumal/RS? Houve um aumento no deferimento de Medidas Protetivas de Urgência nos últimos anos na Comarca de Crissiumal/RS? A criação do Crime de Descumprimento de Medida Protetiva de Urgência pode auxiliar a mulher a denunciar o seu agressor?

A hipótese central do presente trabalho reside na compreensão dos meios de proteção contidos na Lei Maria da Penha, especialmente as Medidas Protetivas de Urgência, as quais

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resguardam os direitos fundamentais das mulheres, evitando que a agressão e as condições que a favorecem se prolonguem por mais tempo.

No ano de 2018, foi introduzida na Lei Maria da Penha o tipo penal de Descumprimento de Medidas Protetivas de Urgência, tipificado no artigo 24-A e parágrafos. A criação de tal delito trouxe maior efetividade para a Lei Maria da Penha, sanando as controvérsias existentes em relação à punição do indivíduo que descumpre a decisão judicial que defere Medidas Protetivas de urgência, além de possuir caráter pedagógico, desestimulando a ação do agressor.

Nesse sentido, a presente pesquisa possui como objetivo geral analisar as contribuições da Lei Maria da Penha no enfrentamento da violência doméstica e familiar contra as mulheres, a implantação das Medidas Protetivas de Urgência e a recente Lei 13.641/2018, que criou o crime de Descumprimento de Medidas Protetivas de Urgência para auxiliar na superação da violência doméstica e familiar contra as mulheres, bem como buscar demonstrar os índices de violência doméstica e os deferimentos de medidas protetivas na Comarca de Crissiumal/RS.

Em relação aos objetivos específicos, busca-se: a) compreender o processo histórico de constituição da violência de gênero e a relevância da Lei Maria da Penha para seu enfrentamento; b) analisar os dispositivos jurídicos que estabelecem as medidas protetivas de Urgência e da recente Lei 13.641/18 que criou o crime de Descumprimento de Medida Protetiva de Urgência. Bem como verificar, a partir da análise de dados, a existência de aumento ou diminuição de registros referentes à delitos praticados contra mulheres entre o período de 2017 a abril de 2020 e sua relação com os deferimentos de medidas protetivas do período de 2017 a 2019, na Comarca de Crissiumal/RS.

Destarte, em sua organização, o presente trabalho está dividido em dois capítulos, sendo que no primeiro será analisada a origem histórica do patriarcado brasileiro, bem como buscar-se-á evidenciar a evolução da figura feminina na sociedade e suas conquistas. Da mesma maneira, será averiguada a trágica história da Sra. Maria da Penha Maia Fernandes, e a luta que se procedeu até criação da Lei 11.340 de 07 de agosto de 2006, o âmbito de incidência desta, a sua implementação e eficácia para coibir a violência doméstica e familiar

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contra a mulher. Ao final do capítulo, será analisada a efetividade da Lei Maria da Penha treze anos após a sua criação e as mudanças legislativas que foram inseridas em seu texto.

Por seu turno, o segundo capítulo abarcará as medidas protetivas previstas no texto da Lei Maria da Penha, assim como se examinará a Lei 13.641 de 3 de abril de 2018 que inseriu na Lei Maria da penha a tipificação do crime de Descumprimento de Medidas Protetivas de Urgência. Ao final, serão coletados dados públicos nos sites da Secretaria da Segurança Pública e do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul referentes aos registros efetivados pelas vítimas de violência doméstica e quais são os delitos mais praticados pelos agressores contra as mulheres na Comarca de Crissiumal, nos anos de 2017, 2018, 2019 até abril de 2020, bem como os dados relativos as Medidas Protetivas Deferidas pelo Poder Judiciário, dos anos de 2017, 2018 e 2019.

Para a concretização do presente trabalho de monografia foram efetuadas pesquisas bibliográficas, leituras de artigos, doutrinas e jurisprudência dos Tribunais, bem como houve a coleta de dados públicos, realizada junto aos sites da Secretaria da Segurança Pública nos anos de 2017, 2018, 2019 até abril de 2020 e do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, dos anos de 2017, 2018 e 2019, onde tais dados coletados foram tabulados em forma de tabelas e figuras, e discutidos a partir de referenciais teóricos que analisam a problemática.

A principal justificativa para o presente tema consiste na reflexão da eficácia dos mecanismos de proteção existentes na Lei 11.340/06, em especial no que tange as Medidas Protetivas de Urgência e o novo tipo penal, que comina pena de detenção de três meses a dois anos para o indivíduo que descumprir a decisão judicial que defere Medidas Protetivas de Urgência. A partir da realidade transmitida pelos dados coletados na Comarca de Crissiumal/RS, buscará se demonstrar o número de registros realizados por mulheres que sofreram algum tipo de violência, qual o delito mais praticado pelos agressores nas Cidades de Crissiumal/RS e Humaitá/RS, bem como quantas medidas protetivas são deferidas pelo poder judiciário, a fim de constatar se os números estão aumentando ou diminuindo de ano para ano.

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1 A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES E A LEI MARIA DA PENHA

Durante grande parte da história, os papéis de homens e mulheres eram extremamente delimitados e legitimados nos valores associados a separação entre as esferas pública e privada. Ao homem coube desempenhar o espaço público, provendo a família. Já a mulher deveria se ater aos afazeres domésticos e a criação dos filhos. Ao macho era outorgada a função paternalista, em contrapartida, da fêmea era exigida uma postura de submissão.

Não obstante algumas conquistas sociais femininas, apenas no século 20 o feminismo começa a mostrar perspectiva de um futuro melhor. Devido ao grande avanço tecnológico e científico, as duas guerras mundiais e a carência de mão de obra barata, a mulher sai do espaço privado e passa a se inserir no espaço público, assume o lugar de assalariada e provedora do lar e passa a conquistar paulatinamente direitos e garantias, afim de firmar a igualdade entre os gêneros.

No entanto, após décadas de lutas, infelizmente, ainda hoje existe uma cultura de subjugação da mulher, através da violência, quer física, psicológica, patrimonial, sexual e moral, de forma extremamente injusta e inadmissível, demonstrando que a ideologia paternalista e patriarcal ainda subsiste.

No Brasil, até o ano de 2006, não havia nenhuma legislação específica para o enfrentamento da violência contra a mulher. Aplicava-se a Lei 9.099 de 1995, a qual estabeleceu os Juizados Especiais Criminais (JECrim) que abordavam as infrações penais de menor potencial ofensivo. No entanto, o emprego da Lei 9.099 aos casos de violência doméstica e familiar se mostrou completamente insatisfatória, eis que tratava de graves violações de direitos humanos como sendo uma “infração penal de menor potencial ofensivo”.

Por meio da publicação da Lei Maria da Penha foi possível romper com a omissão do Estado brasileiro frente aos casos de violência contra a mulher. A Lei 11.340 de 2006, em seus 46 artigos, criou mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica contra a mulher, além de implantar medidas protetivas e amparo jurídico à ofendida.

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Isso posto, no presente capítulo, serão analisados os aspectos históricos da violência contra as mulheres e a origem do patriarcado brasileiro, bem como, analisar-se-á a conquista de direitos tanto no plano nacional, como também, no contexto internacional, por meio das convenções e tratados que foram ratificados pelo Estado brasileiro.

Da mesma forma, será analisada a constituição de uma das melhores Leis do mundo, a Lei Maria da Penha, os principais episódios por trás de seu aparecimento, desde a origem do seu nome até a iniciativa do projeto de lei que a antecedeu.

Ao final do capítulo, será averiguada a implementação da Lei 11.340 de 2006, os desafios e obstáculos enfrentados, bem como as várias alterações legislativas que já ocorreram, desde a sua publicação, cujo objetivo principal é desestimular a ação do agressor e assegurar mais efetividade ao combate à violência doméstica e familiar.

1.1 Compreendendo a violência contra as mulheres na história

Quando do descobrimento do Brasil, os portugueses não manifestaram interesse em fixar residência aqui, mas apenas explorar a terra recém-descoberta. Após algum tempo, a cana de açúcar começou a ser valorizada na Europa, despertando o interesse dos portugueses na criação de lavouras de grande porte e latifúndios, em território nacional. A partir dessa necessidade, surgiram os primeiros engenhos, com a fixação de portugueses em território brasileiro, iniciando-se, neste período, a sociedade patriarcal no Brasil.

Juntamente com a vinda dos homens portugueses vieram as suas esposas, trazendo consigo toda tradição e cultura europeia, promovendo, assim, a fixação dessa cultura no Brasil. As mulheres inseridas nas famílias da época, sejam estas urbanas ou rurais, possuíam uma rígida hierarquização, elas estavam delimitadas ao poder patriarcal e deveriam reconhecer seu próprio lugar e função social. Além do mais, o local determinado e obrigatório para as mulheres da época era dentro de casa, cuidando e gerenciando o lar e limitando-se às ordens de seu esposo, o qual era o único possuidor pleno de direitos e liberdades (ESSY, 2017).

Quando os portugueses aqui aportaram, estava em curso na Europa Moderna a denominada “cristianização”. Nesse sentido, pregava-se a ideia de que era preciso incentivar a

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multiplicação das famílias, o que foi um mecanismo de difusão dos ideais da Igreja Católica. E por outro lado, povoar a colônia vazia com brancos católicos, para garantir a posse da terra por parte da metrópole portuguesa (DEL PRIORE, 2003).

O comportamento exemplar de cada membro da família corresponderia à firmação dos ditames da Santa Madre Igreja. Eis que neste contexto, viu-se a necessidade de criar a representação de uma mulher ideal para casar. Os elogios dispendidos às qualidades femininas era a melhor maneira de aprisionar as mulheres dentro de um modelo único no qual ela devia ser casta, pura e obediente ao homem (DEL PRIORE, 2003).

Na época Colonial, era palpável a submissão da mulher perante o homem, assim como a violência que esta sofria se deixasse de seguir o padrão que lhe empunhavam. Os homens desfrutavam de total liberdade para trair as suas esposas, no entanto, a mulher não dispunha de tal benesse, arriscava-se muito ao cometer adultério. Arriscava, aliás, a vida, porquanto a própria Lei permitia que o homem casado, encontrando a sua esposa cometendo adultério, poderia licitamente matá-la, como também poderia matar o adúltero (ARAÚJO, 2009).

A partir do ponto de vista histórico brasileiro, conclui-se que a violência contra a mulher deriva de uma cultura que se construiu a partir do modelo colonizador que se instalou em nosso país. Lourdes Maria Bandeira (2014, p. 458) diz que “o registro do patriarcado é demarcado na carne e não é sutil, porém, mais forte é a demarcação simbólica, que quando quebrada, responde com a morte, uma vez que não podemos romper como reprodutoras da ordem social e biológica que nos foi imposta”.

Desta forma, constata-se que a desigualdade entre homens e mulheres está enraizada na cultura do povo brasileiro, já que a mulher “sempre foi discriminada, desprezada, humilhada, monetarizada” (WELTER, 2007, p. 168).

Nesse sentido, verifica-se que a “evolução familiar no Brasil vem dotado de imensa carga conservadora ao longo dos anos, com extrema dificuldade de mudança devido a uma sociedade machista, oriunda dessa forma inicial de contexto familiar, que foi implantada pelos portugueses, com grande imposição religiosa” (VIEGAS; SOARES, 2017, p. 4).

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[...] a violência de que as mulheres são vítimas no reduto doméstico, nunca mereceu a devida atenção da sociedade. A ideia sacralizada da família e a inviolabilidade do domicílio sempre serviram de justificativa para barrar qualquer tentativa de coibir o que acontecia entre quatro paredes. Como eram situações que ocorriam no interior do “lar, doce lar”, ninguém interferia. Afinal, “em briga de marido e mulher, ninguém bota a colher!”.

No entanto, não se olvida a existência de determinados direitos que foram sendo conquistados pelas mulheres, como, por exemplo, “no plano nacional, o voto feminino no Brasil somente passou a ser aceito a partir do decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro de 1932 (Código Eleitoral Brasileiro)” (OLIVEIRA; LAZARI, 2017, p. 290).

Nessa sequência, no ano de 1934 “a Constituição Federal consagrou finalmente a igualdade entre os sexos. Em 1970 foi criado o movimento feminino pela Anistia e em 1975 foi instituído pela ONU o Ano Internacional da Mulher. Em 1977 foi promulgada a lei do divórcio em nosso ordenamento jurídico” (ESSY, 2017), o que garantiu na prática a liberdade feminina, eis que a mulher pôde pedir o divórcio e dar um fim na sociedade conjugal nos casos de violência doméstica e familiar.

Com a evolução da medicina, no que diz respeito à descoberta de métodos contraceptivos, bem como com as lutas emancipatórias promovidas pelo movimento feminista brasileiro, levou-se a concepção de um novo modelo ideal de família. Além disso, a mudança ocorreu à medida que a mulher, ao entrar no mercado de trabalho, passou a ser também provedora do lar, impondo ao homem a obrigação de assumir responsabilidades domésticas e de cuidado com a prole (DIAS, 2019).

Nesse sentido, expõe a Câmara dos Deputados (BRASIL, 2011, p. 16-17) houve

Transformações profundas na sociedade brasileira ao longo do século XX, em especial na sua segunda metade, como o desenvolvimento urbano, a industrialização e o ingresso da mulher no mundo do trabalho, o aumento do acesso à educação, o crescimento dos meios de informação e o contato com a realidade de outros países, foram criando as condições para promover um salto na luta das mulheres em meados da década de 1970. [...] Como mostram estudos sobre o tema, um movimento feminista propriamente dito, com demanda de igualdade entre os sexos e denúncia da opressão do sistema patriarcal, só viria a ganhar corpo nos anos 70 do século XX.

“Desde meados da década de 1970, as feministas brasileiras organizaram-se em torno de propostas específicas de luta contra todas as formas de discriminação e de violência”. Não

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obstante, foi só no decorrer da década de 1980 que a militância feminista ganhou força no Brasil, pois “a esperança na renovação do Estado brasileiro e o envolvimento na luta pela redemocratização levaram grupos de mulheres a se organizarem em torno de propostas específicas de enfrentamento da violência” principalmente ao demandar políticas públicas ao combate à violência contra as mulheres, dado que os casos de homicídios praticados por maridos, namorados ou ex-parceiros ganharam visibilidade midiática e das autoridades (BASTERD, 2011, p. 18).

Durante o processo de democratização, no ano de 1985, foi criada a Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam), com a finalidade de estimular a mulher vítima de violência a denunciar o agressor, e como preceitua Bandeira (2014, p. 452-453):

A característica marcante que ancora a existência da Deam é a construção de um ordenamento de valores diferenciados, que possibilitem a escuta e o olhar distintos em relação ao parâmetro masculino de compreensão sobre a violência. Ou seja, estas delegacias devem ter seus quadros funcionais compostos por delegadas e agentes policiais mulheres capacitadas em relação às especificidades que caracterizam a violência contra a mulher, assim como a mais ampla compreensão do(s) contexto(s) em que ocorre. Do mesmo modo, o atendimento nas Deam’s deve favorecer as denúncias, contrapondo-se às delegacias comuns. Estas, em geral, levavam as mulheres agredidas a constrangimentos, humilhações e revitimização, o que ocasionava a ausência do registro da queixa em boletim de ocorrência (BO), sobretudo quando a solicitante ia à polícia repetidas vezes. O descaso, o desinteresse e o despreparo dos agentes geravam desestímulo a novas denúncias. Em muitas situações, predominava a ideia no imaginário policial de que eram as mulheres as responsáveis por provocar a agressão. Com a prerrogativa de que estas situações eram assunto da esfera privada e que as mulheres eram deflagradoras dos conflitos conjugais, a intervenção do Estado era mínima, assim como também o era a proteção daquelas agredidas em situação de risco. Os agressores usufruíam da impunidade e encontravam no policial, muitas vezes, um aliado.

No ano de 1988, é publicada a Constituição Federal, a qual “de modo enfático consagra o princípio da igualdade, e explicitamente ressalta a igualdade entre homens e mulheres” (DIAS, 2019, p. 29). Neste sentido, também, impôs-se ao Estado o dever de criar mecanismos para coibição da violência no âmbito das relações familiares, conforme preceitua o artigo 226, §§ 5º e 8º da Constituição Federal, transcrito in verbis:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...]

§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

[...]

§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações (BRASIL, 2019).

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Uma das primeiras manifestações legislativas para coibir a violência contra as mulheres foi a criação, no ano de 1995, dos Juizados Especiais Criminais (JECRIM’S), através da Lei n. º 9.099, por determinação da Constituição Federal (art. 98, inciso I1), cuja

competência se direciona para os crimes de menor potencial ofensivo. Tal Lei revolucionou o sistema processual penal brasileiro, tendo em vista que proporcionou “a criação de medidas despenalizadoras, a adoção de um rito sumaríssimo, a possibilidade de aplicação da pena mesmo antes do oferecimento da acusação e sem discussão da culpabilidade” (DIAS, 2007, p. 21).

Contudo, ao classificar os crimes de violência contra a mulher como de menor potencial ofensivo, esqueceu-se o legislador de que a violência doméstica e familiar contra a mulher merece tratamento diferenciado, já que, apesar da igualdade estar presente no texto da nossa Carta Magna, é notória, durante séculos, a discriminação e subordinação da mulher perante o homem. “Os aplicadores da lei tinham pouco alcance para perceber que o conflito doméstico apresenta uma potencialidade lesiva capaz de perpetuar-se durante anos e ultrapassar a definição de menor potencial ofensivo, estendendo-se ao direito das mulheres a uma vida sem violência” (BANDEIRA, 2014, p. 462).

Neste sentido, a celeridade concedida pela Lei nº 9.099 limitou a autoridade policial a lavrar Termo Circunstanciado e direcioná-lo ao Juizado Especial Criminal, onde, de modo geral, “ao agressor era aplicada multa ou pena restritiva de direitos, como o pagamento de uma cesta básica. Portanto, era barato bater na mulher” (DIAS, 2019, p. 32).

Acerca da aplicação da Lei 9.099/95 aos casos envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher, dissertam Myllena Calazans e Iáris Cortes (2011, p. 42):

No balanço dos efeitos da aplicação da Lei 9.099/1995 sobre as mulheres, diversos grupos feministas e instituições que atuavam no atendimento a vítimas de violência doméstica constataram uma impunidade que favorecia os agressores. Cerca de 70% dos casos que chegavam aos juizados especiais tinham como autoras mulheres vítimas de violência doméstica. Além disso, 90% desses casos terminavam em

1 Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I - juizados especiais, providos

por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo , permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau; (BRASIL, 2019)

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arquivamento nas audiências de conciliação sem que as mulheres encontrassem uma resposta efetiva do poder público à violência sofrida. Nos poucos casos em que ocorria a punição do agressor, este era geralmente condenado a entregar uma cesta básica a alguma instituição filantrópica.

Pois bem, durante o período disposto acima, o Estado brasileiro assinou e ratificou diversos tratados e convenções internacionais de direitos humanos, sendo que os movimentos feministas brasileiros não estiveram alheios aos debates internacionais, dos quais, destaca-se, como bem reflete Wânia Pasinato (2015, p. 408):

[...] duas importantes convenções internacionais de direitos das mulheres: a Conferência para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres – CEDAW (1979) e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará (1994). Além das Conferências Internacionais de Direitos Humanos (Viena, 1993), População (Cairo, 1994), Mulheres (Beijing, 1995) que colocaram em relevo os direitos das mulheres como direitos humanos e as estratégias para seu reconhecimento e promoção.

Nessa conjuntura, importante destacar os comentários de Virgínia Feix (2011, p. 203, grifo nosso):

O principal marco histórico para promoção do paradigma feminista em relação aos Direitos Humanos foi a Conferência Mundial de Direitos Humanos, em Viena, 1993; onde se afirma pela primeira vez que violência contra a mulher é violação de direitos humanos. Contudo a mais importante conquista ocorre em 1994, com a primeira convenção especificamente voltada para o combate à violência de gênero, em nível regional, no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA). Conhecida como Convenção de Belém do Pará, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher estabelece mecanismos para concreta proteção das mulheres perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Não é por outra razão que a Lei Maria da Penha tem sua história e texto diretamente vinculados à referida Convenção, o que fica estabelecido na ementa e artigo primeiro da lei.

Conforme dissertam Lourdes Maria Bandeira e Tânia Mara Campos de Almeida (2015), a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará) foi promulgada em 09 de junho de 1994 e entrou em vigor em 05 de março de 1995, tornou-se mundialmente uma referência ao enfrentamento à violência contra a mulher. Aprovada pelo Brasil mediante o Decreto Legislativo nº 107, de 1º de setembro de 1995, foi em nosso solo ratificada em 27 de novembro de 1995.

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A Convenção de “Belém do Pará” elenca um importante catálogo de direitos a serem assegurados às mulheres, para que tenham uma vida livre de violência, tanto na esfera pública, como na esfera privada. Consagra ainda a Convenção deveres aos Estados partes, para que adotem políticas destinadas a prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher. É o primeiro tratado internacional de proteção dos direitos humanos a reconhecer, de forma enfática, a violência contra as mulheres como um fenômeno generalizado, que alcança, sem distinção de raça, classe, religião, idade ou qualquer outra condição, um elevado número de mulheres.

No entanto, apesar de ratificar e assinar diversos tratados e convenções internacionais que visavam a proteção das mulheres em situação de violência doméstica e familiar, como a Convenção do Belém do Pará, o Estado brasileiro se manteve inerte e omissivo em relação a este tema, conforme evidencia Mila Landin Dumaresq (2016, p. 4):

O Estado também adotava uma postura omissiva: o tema da violência doméstica estava ausente da agenda política. No meio jurídico, as teses da “legítima defesa da honra” e da “passionalidade” do crime cometido contra a mulher costumavam ser bastante utilizadas, com sucesso, na defesa processual de acusados por homicídios de mulheres. O homem era praticamente considerado uma vítima de seus instintos e do amor e da paixão que sentia pela mulher, os quais o levavam a cometer atos extremos em um momento de desatino. Por isso, recebia a compaixão da sociedade. Já a mulher era vista como um agente provocador da fúria do homem e, pois, responsável por seu destino.

No Brasil, portanto, o cumprimento à uma legislação específica e própria para a proteção das mulheres vítimas de violência doméstica, ancorada na Convenção de Belém do Pará, somente ocorreu após a condenação do país pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA, no caso de Maria da Penha Maia Fernandes. “Foi a primeira vez que a OEA acatou uma denúncia pela prática de violência doméstica” (DIAS, 2019, p. 16). É com este tema que se ocupa o tópico a seguir.

1.2 A Lei Maria da Penha

“Lei Maria da Penha” é o nome dado à Lei 11.340 de 2006. Tal nome advém da trágica história de Maria da Penha Maia Fernandes, “uma farmacêutica casada com um professor universitário e economista. Eles viviam em Fortaleza (CE), e tiveram três filhas. Além das inúmeras agressões de que foi vítima, em duas oportunidades o marido tentou matá-la” (DIAS, 2019, p. 15).

Com efeito, a primeira tentativa ocorreu na data de 29 de maio de 1983, quando o, até então, marido de Maria da Penha, simulou um assalto, fazendo uso de espingarda, atirou em

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suas costas enquanto dormia. Em decorrência dessa agressão, Maria da Penha ficou paraplégica aos 38 anos, além de sofrer outros traumas físicos e psicológicos.

Já a segunda tentativa aconteceu poucos dias após Maria da Penha retornar do hospital, por meio de uma descarga elétrica enquanto tomava banho. “Nesse instante entendeu o motivo pelo qual, há algum tempo, o marido utilizava o banheiro das filhas para banhar-se, restando evidente ter sido ele também o mentor dessa segunda agressão” (CUNHA; PINTO, 2019, p. 22).

Nesta perspectiva disserta Piovesan (2014, p. 28):

O caso Maria da Penha é elucidativo de uma forma de violência que atinge principalmente a mulher: a violência doméstica. Aos 38 anos, Maria da Penha era vítima, pela segunda vez, de tentativa de homicídio. Essa violência revelou, todavia, duas peculiaridades: o agente do crime, que deixou Maria da Penha irreversivelmente paraplégica, não era um desconhecido, mas seu próprio marido; e as marcas físicas e psicológicas derivadas da violência foram agravadas por um segundo fator, a impunidade.

As investigações do caso de Maria da Penha iniciaram-se no ano de 1983, sendo oferecida denúncia pelo Ministério Público apenas em 1984. Nesse sentido disserta Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto (2019, p. 22):

Embora negasse a autoria do primeiro ataque, pretendendo simular a ocorrência de um assalto à casa onde moravam, as provas obtidas no inquérito policial o incriminavam e se revelaram suficientes para embasar a denúncia, ofertada pelo Ministério Público, no dia 28 de setembro de 1984, perante a 1.ª Vara Criminal de Fortaleza. [...] O réu foi então pronunciado em 31 de outubro de 1986, sendo levado a júri em 4 de maio de 1991, quando foi condenado.

Apesar de condenado pelo Tribunal do Júri, o réu fez uso de sucessivos recursos, permanecendo em liberdade, “e somente 19 anos e seis meses após os fatos é que foi preso, em 2002, e posto em liberdade em 2004, depois de cumprir apenas dois anos de prisão”. (DIAS, 2019, p. 15).

Outrossim, a impunidade do agressor e a ineficiência do sistema judicial brasileiro frente a violência doméstica contra as mulheres ensejou, em 20 de agosto de 1998, a apresentação do caso de Maria da Penha à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA), por meio de denúncia enviada por Maria da Penha Maia Fernandes juntamente com o

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Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e pelo Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM). Tal denúncia

[...] alegava a situação de extrema tolerância do Brasil com a violência cometida contra Maria da Penha pelo seu ex-esposo, que culminou com a tentativa de assassinato. [...] A comissão acusava o país de ter descumprido dois tratados internacionais, dos quais é signatário: a Convenção Americana de Direitos Humanos e a referida Convenção de Belém do Pará. Os dois acordos garantem às mulheres vítimas de violência doméstica amplo direito de defesa, enquanto os acusados de cometerem o delito devem ser alvo de investigação policial e judicial rigorosa, o que não ocorreu (BANDEIRA; ALMEIDA, 2015, p. 506).

Cumpre asseverar que por quatro vezes a Comissão solicitou ao Estado brasileiro informações acerca do caso, mas nunca recebeu nenhuma resposta. Diante disso, acatando as normas das Convenções Internacionais de Direitos Humanos, a Comissão entendeu como verdadeira a denúncia realizada e “em 2001, em decisão inédita, a Comissão Interamericana condenou o Estado brasileiro por negligência e omissão em relação à violência doméstica” (PIOVESAN, 2014, p. 29).

Nesse sentido disserta Leila Linhares Basterd (2011, p. 16) “o caso Maria de Penha Fernandes foi exemplo da capacidade de organizações de direitos humanos e feministas de levarem para a alçada internacional da OEA a denúncia de violação de direitos humanos”. Da mesma forma, afirma a autora, os Relatórios-Sombra, elaborados pelas feministas para o Comitê CEDAW, “contribuíram de forma decisiva para que esse Comitê apresentasse suas recomendações ao Estado Brasileiro voltadas para a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres, incluindo a eliminação da violência de gênero e a produção legislativa específica a esse respeito”.

Ao condenar o Estado brasileiro, a Comissão impôs a este o dever “de indenizar a vítima, monetária e simbolicamente. Ademais, a Comissão recomendou que o Brasil adotasse várias medidas de combate à violência contra a mulher, entre elas, a elaboração de uma lei específica para este fim” (CALAZANS; CORTES, 2011, p. 56).

A partir da condenação, o Brasil se viu obrigado a dar cumprimento ao disposto no artigo 226, §8º da nossa Carta Magna e aos tratados e convenções dos quais era signatário. À vista disso, começou a ser elaborada uma legislação específica para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, dando-se a ela o nome de Lei Maria da Penha “que se

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destina unicamente a cuidar da mulher contra a violência daqueles que com ela convivem e compartilham em seu asilo familiar” (WELTER, 2007, p. 162).

Nas lições de Dias (2019, p. 17):

O projeto, que teve início em 2002, foi elaborado por cinco organizações não governamentais – ONGs que trabalhavam com a violência doméstica. O Grupo de Trabalho Interministerial, criado pelo Decreto 5.030/04, sob a coordenação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, elaborou o projeto que, em novembro de 2004, foi enviado ao Congresso Nacional. O Projeto de Lei 4.559/04 ficou sob a relatoria da Deputada Federal Jandira Feghali, a qual realizou audiências públicas em vários Estados e apresentou um substitutivo. Novas alterações foram levadas a efeito pelo Senado Federal, como PLC 37/06.

E assim, finalmente, em 07 de agosto de 2006, o então presidente em exercício no Brasil Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou a tão esperada e almejada Lei 11.340, que trouxe importante evolução para o meio jurídico e social. Em seus artigos, a Lei Maria da Penha cria não só assistência à mulher em situação de violência, mas também introduz medidas protetivas e de amparo jurídico, visando uma maior proteção à vida da mulher (VIEGAS; SOARES, 2017).

Nessa perspectiva, Basterd (2011, p. 17) afirma que a “elaboração da Lei Maria da Penha envolveu um amplo estudo e levantamento da legislação e dos instrumentos internacionais de direitos humanos, o conhecimento do ordenamento jurídico nacional, a busca de articulações no campo jurídico e político”, o que demandou a interlocução com os poderes legislativo e executivo. “Buscou-se, como norte dessa legislação, a Convenção de Belém do Pará e importantes documentos internacionais que consideram a violência contra as mulheres uma violação dos direitos humanos e expressam a responsabilidade do Estado para prevenir, punir e eliminar a violência de gênero”.

Após a publicação da Lei Maria da Penha, ocorreram várias transformações e novidades que foram inseridas ao contexto jurídico brasileiro, e, segundo Pasinato (2015, p. 414-415) a mudança

[...] mais emblemática é o reconhecimento da violência baseada no gênero como violação de direitos humanos (art. 6º). A incorporação dessa definição não é apenas um recurso linguístico de alinhamento com o discurso internacional de proteção de direitos das mulheres, mas representa a adoção de um novo paradigma para orientar as respostas que o Estado deve dar para esse problema social. [...] De forma coerente com essa mudança, a lei é inserida num sistema de proteção e promoção dos direitos

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das mulheres baseado numa política integral de enfrentamento à violência contra as mulheres que contempla também políticas de assistência que contribuam para o fortalecimento das mulheres e a igualdade de gênero. [...] A legislação também introduziu mudanças na intervenção que deve ser realizada pelas instituições de segurança e justiça, com novas atribuições para a polícia, alterações na organização judiciária para o funcionamento dos juizados especializados e na esfera de atuação da Defensoria Pública e do Ministério Público. Grande parte das atribuições previstas na lei não chega a se caracterizar como novidade, pois se referem às atividades de polícia judiciária. Mas a Polícia Civil também passa a ser responsável pelo registro das medidas protetivas de urgência e atender a necessidades urgentes de deslocamento das mulheres principalmente para garantir sua integridade física nos casos em que a residência ainda é compartilhada com o agressor.

Em seu artigo 1º, a Lei 11.340 de 2006 traça a finalidade de sua criação, como se pode constatar abaixo:

Art. 1º Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar (BRASIL, 2020).

Já em seu artigo 5º, a Lei Maria da Penha traz o reconhecimento das formas de violência doméstica e familiar contra a mulher. Nesse sentido, “essas definições são um avanço do ponto de vista conceitual e da tentativa de sensibilizar os operadores do direito para o contexto em que a violência baseada no gênero ocorre” (PASINATO, 2015, p. 420).

Da mesma forma, estabeleceu, em seus incisos, onde estará configurada a violência doméstica e familiar contra a mulher, como também, em seu parágrafo único, deixou claro que as relações pessoais independem de orientação sexual, “não sendo limitada a lei ao gênero do agressor, mas, sim, ao da vítima, em razão de sua vulnerabilidade” (VIEGAS; SOARES, 2017, p. 18), conforme se depreende do artigo abaixo colacionado:

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

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Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual (BRASIL, 2020).

Nas lições de Cunha e Pinto (2019), o dispositivo em epígrafe é uma notável inovação, uma vez que prevê que a proteção à mulher que se encontre em situação de violência doméstica e familiar, independentemente da orientação sexual dos envolvidos. Da mesma forma, ressalta-se que a mulher homossexual, quando vítima de ataques perpetrados por sua parceira, no âmbito familiar, encontra-se sob a proteção do diploma legal em estudo.

Destaca-se, também, que a Lei Maria da Penha empresta proteção para a mulher em situação de violência praticada em qualquer relação íntima de “afeto” (art. 5º, III), com a qual o agressor conviva ou tenha convivido com a vítima, independentemente de coabitação. Ou seja, mesmo que agressor e ofendida não convivam sob o mesmo teto, havendo alguma situação de violência, merece a mulher a proteção da Lei Maria da Penha. Nesse sentido, refere Fabiane Simioni e Rúbia Abs da Cruz (2011, p. 189-190):

O inciso III não deixa dúvidas de que as relações afetivo-sexuais momentâneas, duradouras ou situacionais estão incluídas na competência da Lei Maria da Penha, já que fala ‘em qualquer relação íntima de afeto’. A lei não refere qualquer critério para a caracterização deste tipo de relacionamento. Tampouco exige a comprovação de um tempo mínimo para proteger a mulher submetida a um tratamento violento.

Nesse sentido é o teor da súmula n. 600 do Superior Tribunal de Justiça, que assim dispõe: “para a configuração da violência doméstica e familiar prevista no artigo 5º da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) não se exige a coabitação entre autor e vítima” (BRASIL, 2020).

Temos no artigo 7º da Lei Maria da Penha as definições das formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, o qual está transcrito in verbis:

Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

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III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria (BRASIL, 2020).

Nesse sentido, segundo Feix (2011, p. 201, 203) o artigo 7º da Lei Maria da Penha, em conjunto os artigos 5º e 6º, constituem o núcleo conceitual e estruturante da Lei 11.340, “porque justifica sua existência e finalidades, delimitando o escopo de sua aplicação. A estrutura do artigo 7º, ao apresentar elementos conceituais e descritivos sobre os diferentes tipos de violência, tem o objetivo de facilitar, didaticamente, a aplicação do Direito”. Importante frisar que “ao estabelecer a expressão “entre outras”, o caput do artigo 7º deixa clara a intenção de não exaurir as hipóteses ou prever todas as possíveis situações, já que o Direito não pode pretender compreender a vida ou ser tão amplo quanto ela”. A enumeração exemplificativa, exposta no artigo 7º é subdivida em seus incisos, em cinco dimensões: a física, a psicológica, a sexual, a patrimonial e a moral. “Fica, pois, em aberto o catálogo de situações que poderão ser assim denominadas, presentes os requisitos dos artigos 5º (baseado nas desigualdades de gênero) e 6º (violação de direitos humanos) ”.

Ressalta-se, ainda, que com a criação da Lei Maria da Penha afastou-se, por definitivo, a aplicação da Lei 9.099 de 1995, a qual possui competência sobre as infrações penais de menor potencial ofensivo. A vedação legal vem expressa no artigo 41 da Lei 11.340 de 2006, que assim dispõe: “Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995” (BRASIL, 2020).

Para as mulheres, a Lei Maria da Penha é sinônimo de superação, de resgate de cidadania. Ela é o amparo, o refúgio, o acesso à justiça que as vítimas de violência doméstica possuem. “Por causa da Lei Maria da Penha, mais mulheres passaram a denunciar as próprias histórias de abusos sofridos, as quais provavelmente teriam um epílogo trágico não fosse a coragem de expor a público as suas dores” (DUMARESQ, 2016, p. 4).

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Nessa perspectiva disserta Piovesan (2014, p. 34, grifo nosso):

Perante a comunidade internacional o Estado Brasileiro assumiu o dever jurídico de combater a impunidade em casos de violência contra a mulher, cabendo-lhe adotar medidas e instrumentos eficazes para assegurar o acesso à justiça para as mulheres vítimas de violência. É dever do Estado atuar com a devida diligência para prevenir, investigar, processar, punir e reparar a violência contra a mulher, assegurando às mulheres recursos idôneos e efetivos.

Salienta-se que a criação de uma Lei específica para coibir a violência doméstica contra a mulher no Brasil não foi nada fácil. “Sua legitimidade decorre também do fato de que sua criação e aprovação são consequências diretas da mobilização e ação concreta do movimento de mulheres e suas organizações representativas, historicamente situadas” (FEIX, 2011, p. 211).

Nesse sentido, juntamente com a criação e publicação da Lei 11.340/06, “tivemos oportunidade de perceber um fenômeno incomum: o Direito antecipar-se à evolução de uma sociedade ainda machista, sendo, por isso, um importante veículo de transformação social” (DUMARESQ, 2016, p. 3).

Após a sua publicação, milhares de mulheres passaram a denunciar os seus agressores e a situação de vulnerabilidade e risco que estavam vivendo, ocorrendo assim, uma superação da violência doméstica e familiar contra a mulher. Cabe, agora, ao movimento de mulheres feministas e a sociedade civil organizada, que tanto lutaram, permanecerem alertas para garantir a efetividade da Lei Maria da Penha.

1.3 A efetividade da Lei Maria da Penha, 13 anos depois de sua criação

Em 2019, completou-se 13 anos desde que a Lei Maria da Penha entrou em vigor. Esta Lei impulsionou o reconhecimento da violência doméstica e familiar como sendo um problema de ordem pública e, também, trouxe importantes alterações no que tange a criação de políticas específicas para o enfrentamento da violência no âmbito doméstico, bem como auxiliou a vítima na superação da mesma, porque, até então, não havia um instrumento legislativo ágil e eficaz em âmbito nacional com este viés. Em outras palavras a Lei Maria da Penha é um “verdadeiro microssistema que visa coibir a violência doméstica trazendo importantes mudanças” (DIAS, 2019, p. 93).

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A partir da implementação da Lei Maria da Penha, segundo Bandeira e Almeida (2015, p. 511):

[...] esta tornou-se um marco importante à mitigação de casos ou situações impunes e à redução do índice de violência contra a mulher. Na sua letra, encontram-se indicações explícitas sobre uma gama articulada de decisões a serem tomadas para efetivar o enfrentamento à violência doméstica e familiar, deixando este fenômeno de ser um problema particular para se tornar um problema legítimo e de interesse público. Haja vista que se aponta para a necessidade de implantação e incremento de ações voltadas a uma complexa rede de atendimento multidisciplinar, tanto aos agressores como às mulheres agredidas ou àquelas que permanecem em situação de violência, que envolva instituições governamentais, magistratura, ministério público, defensoria pública e organizações da sociedade civil.

Nesses treze anos ocorreram muitos avanços na implantação da Lei Maria da Penha, como, por exemplo, a criação de serviços especializados, a capacitação e a formação de profissionais para atenderem as vítimas de violência doméstica e familiar. Houve, também, uma maior conscientização da sociedade em relação à gravidade da violência doméstica e familiar e como ela resulta da desigualdade de gêneros, assim como da violação de direitos humanos da mulher (PASINATO, 2016).

As mudanças trazidas pela Lei em questão são muito significativas. A exemplo disso, cita-se a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, que possuem competência cível e criminal (artigo 142 da lei 11.340/06). Nesse sentido, Pasinato

(2011, p. 134) esclarece que:

Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar são instâncias especializadas na aplicação da Lei Maria da Penha, cuja criação é uma recomendação da própria legislação visando à elaboração de condições para que as medidas de punição, proteção, assistência e prevenção possam ser aplicadas integralmente. A criação destes Juizados é atribuição dos Tribunais de Justiça Estaduais e do Distrito Federal.

Da mesma forma, urge salientar a importância do artigo 12-A da Lei 11.340/06, que determina aos Estados e ao Distrito Federal, quando da formulação de suas políticas e planos de atendimento à mulher vítima de violência doméstica e familiar, que deverão dar prioridade,

2 Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com

competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher. Parágrafo único. Os atos processuais poderão realizar-se em horário noturno, conforme dispuserem as normas de organização judiciária (BRASIL, 2020).

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no âmbito da Polícia Civil, à criação de mais Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMS), de Núcleos Investigativos de Feminicídio e de equipes especializadas para o atendimento e a investigação das violências graves contra a mulher (BRASIL, 2020).

Outro acontecimento de grande relevância para a proteção das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar foi “a Patrulha Maria da Penha, criada em 2012 pela Polícia Militar do Rio Grande do Sul. Segundo a sua idealizadora, Capitã Nádia Gerhard, consiste em um programa de pleno atendimento policial às mulheres vítimas de violência doméstica” (DIAS, 2019, p. 37).

Outrossim, em janeiro do ano de 2016, depois de dez anos de vigência da Lei Maria da Penha, em observância ao disposto em seu artigo 26, inciso III, é que o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) aprovou uma resolução que instituiu o Cadastro Nacional de Casos de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Nesse sentido, “a ideia é que esse cadastro consolide todas as informações processuais relativas a casos de violência doméstica e familiar contra as mulheres, inclusive feminicídios” (DUMARESQ, 2016, p. 9).

Nesse segmento afirma Pasinato (2016, p. 156-157) que:

Com tantas mudanças, a legislação requer que governos e instituições de justiça se adaptem para acolher as novas atribuições e competências correspondentes às medidas previstas, a partir de uma abordagem integral e articulada com a perspectiva de gênero, ou seja, deslocando as mulheres para o centro das atenções, ao reconhecê-las como sujeitos de direitos protegidos pela lei, e aplicando de forma equilibrada e de acordo com as especificidades de cada caso as medidas que responsabilizem o(a)s autore(a)s da violência e permitam às mulheres superar a situação em que se encontram, para que possam reconstruir ou constituir novas relações numa vida sem violência.

No entanto, apesar de haver muitos motivos para se comemorar, ainda existem obstáculos e desafios a serem enfrentados para que a Lei Maria da Penha seja plenamente efetivada.

Durante os seus treze anos, a Lei 11.340 de 2006 foi alvo de várias críticas, dentre elas a alegação de inconstitucionalidade, com o intuito de suspendê-la por ferir princípios constitucionais de igualdade entre os sexos. No entanto, “todos esses ataques nada mais revelam do que injustificável resistência a uma nova postura no enfrentamento da violência que tem origem em uma relação de afeto” (DIAS, 2007, p. 7).

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Muito embora esteja expressa na Lei Maria da Penha uma gama de medidas e políticas públicas a serem acatadas, cujo objetivo central é prevenir, punir e erradicar a violência doméstica e familiar, muitas mulheres ainda possuem grandes dificuldades em terem acesso a esta rede de garantias. Isso porque, ainda há um obstáculo para as vítimas que moram em locais distantes das metrópoles e para determinadas mulheres de diferentes camadas sociais, o que faz com que a superação da violência se concentre em determinadas regiões e classes sociais, excluído, muitas vezes, deste contexto as mulheres negras, ribeirinhas, indígenas, etc. Neste sentido, afirma Dias (2019, p. 244):

Ora, não basta que existam Juizados ou os serviços especializados apenas nas grandes cidades. É preciso levar atendimento a todas as vítimas de violência, em todas as localidades. Instalar e equipar serviços especializados de atendimento à mulher vítima de violência doméstica é passo inicial para diminuir as demais formas de violência, que, muitas vezes, têm sua origem dentro do lar.

A concretização dos instrumentos previstos na Lei Maria da Penha esbarra em diversos obstáculos, principalmente na dificuldade do acesso à justiça. “O acesso à justiça implica o conhecimento da lei, a possibilidade de fazer uso desse conhecimento, a existência de mecanismos ou canais que transformem o direito potencial em direito real e no tratamento igualitário, livre de preconceitos, oferecido pelo Poder Judiciário” (BASTERD, 2011, p. 30).

Segundo Carmen Hein de Campos (2015), ainda que a Lei Maria da Penha estabeleça a competência criminal e civil para os Juizados Especializados de Violência Doméstica e Familiar, a grande maioria deles atua somente na esfera criminal, o que obriga as mulheres a procurarem as varas de família para os procedimentos de natureza não criminal. Rompendo-se, assim, com a lógica explícita na Lei Maria da Penha, visto que ela foi feita para evitar que as mulheres tivessem que percorrer dois juízos diferentes, quando a origem do problema é o mesmo: a violência doméstica e familiar. Neste cenário, a autora elucida que:

A perspectiva da complexidade da violência doméstica e familiar assumida pela referida lei fez com que apostasse em tratamento integral, mas dependente de ações articuladas entre as diversas instituições públicas federais, estaduais e municipais e com as organizações da sociedade civil, isto é, da rede de atendimento. Uma das constatações, conforme diagnosticado pela CPMI e outros estudos, é o fato de que as redes são diversificadas e, e em geral, mais pessoalizadas que institucionalizadas. A sua existência é mais visível nas capitais, onde também apresentou grau maior de desarticulação ou pouca comunicação. Os serviços também sofrem com a precária estrutura física e ausência de profissionais, a exemplo das DEAMs e Centros de Referência (CAMPOS, 2015, p. 402).

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Em 2015, foi editada a Lei 13.104, a qual acrescentou ao delito de homicídio, previsto no artigo 121 do Código Penal, uma qualificadora e uma majorante. Desde então, é considerado qualificado o homicídio cometido contra a mulher em razão de ela ser de sexo feminino, cuja pena é de 12 a 30 anos de reclusão (BRASIL, 2020). Para Dias (2019, p. 100, grifo nosso):

A rigidez com que a Lei Maria da Penha tratou os crimes praticados contra a mulher não foi suficiente para - se não estancar – ao menos diminuir a morte das mulheres. Daí a necessidade de uma nova lei tratando especificamente desta trágica realidade. [...] Feminicídio era uma palavra que não existia nos dicionários e ninguém sabia do que se tratava. Agora, todo mundo sabe: é o homicídio de uma mulher pela simples razão de ela ser do gênero feminino.

À vista dos obstáculos existentes para a aplicação da Lei Maria da Penha, é que desde a sua criação já ocorreram várias alterações nela, a maior parte delas foram realizadas nos últimos três anos, com o intuito de assegurar uma maior eficácia e efetividade aos mecanismos de proteção previstos em seu texto legal.

Nesta perspectiva, em 08 novembro de 2017, foi publicada a Lei 13.505, a qual acrescentou dispositivos à Lei nº 11.340 “para dispor sobre o direito da mulher em situação de violência doméstica e familiar de ter atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado, preferencialmente, por servidores do sexo feminino” (BRASIL, 2019).

Tal Lei também estabelece que, dentre outros, é direito da mulher que está em situação de violência a garantia de que ela, os seus familiares e as testemunhas, em nenhuma hipótese, possuirão contato direto com os investigados ou suspeitos de terem cometido a violência doméstica, ou com pessoas a eles relacionadas (BRASIL, 2019).

No mês de dezembro de 2018, a Lei Maria da Penha passou por uma nova mudança, com a edição da Lei 13.772, reconhecendo-se que a violação da intimidade da mulher configura violência doméstica e familiar e, criminaliza o registro não autorizado de conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado (BRASIL, 2019).

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No ano de 2019 houve novas alterações na Lei Maria da Penha. Dentre as quais, destaca-se a Lei 13.827 de 13 de maio de 2019, a qual autoriza, em hipóteses específicas,

[...] a aplicação de medida protetiva de urgência, pela autoridade judicial ou policial, à mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou a seus dependentes, e para determinar o registro da medida protetiva de urgência em banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça (BRASIL, 2019).

Nessa perspectiva, segundo Cunha e Pinto (2019, p. 133-134):

O art. 12-C permite que outros agentes, além da judicial, concedam a medida protetiva de afastamento do lar ou da convivência com a ofendida. Não se trata, todavia, de atuação simultânea, mas sim subsidiária, como se extrai claramente do dispositivo legal. Com efeito, no caso de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da vítima, a lei estabelece que, em primeiro lugar, a autoridade judicial aplique a medida de afastamento. Caso o local não seja sede de comarca, isto é, caso se trate de um município (normalmente de pequeno porte) que não conte com varas judiciais e faça parte de comarca instalada em outro município, a medida pode ser concedida pelo delegado de polícia, que, aliás, ao receber a comunicação do crime tem mais condições de avaliar, ainda que superficialmente, as condições físicas e psicológicas da vítima e a real situação a está submetida. Finalmente, caso o município não seja sede de comarca e, por alguma circunstância, não haja delegado disponível no momento da comunicação do crime, a medida pode ser concedida pelo policial. [...] dado o caráter genérico da expressão adotada pelo legislador, e tendo em vista a situação de extrema urgência que fundamenta a concessão da medida, é razoável concluir que qualquer policial civil ou militar (ou mesmo federal, embora dificilmente ocorra) que tome conhecimento do crime poderá determinar o afastamento do lar, respeitada, evidentemente, a ordem de subsidiariedade a que já nos referimos.

Em 04 de junho de 2019, houve uma nova alteração com a sanção da Lei 13.836, que acrescenta dispositivo ao art. 12 da Lei Maria da Penha “para tornar obrigatória a informação sobre a condição de pessoa com deficiência da mulher vítima de agressão doméstica ou familiar” (BRASIL, 2019).

Destaca-se, ainda, a Lei 13.894, de 29 de outubro de 2019, a qual altera a Lei Maria da Penha:

[...] para prever a competência dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher para a ação de divórcio, separação, anulação de casamento ou dissolução de união estável nos casos de violência e para tornar obrigatória a informação às vítimas acerca da possibilidade de os serviços de assistência judiciária ajuizarem as ações mencionadas; e altera a Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), para prever a competência do foro do domicílio da vítima de violência doméstica e familiar para a ação de divórcio, separação judicial, anulação de casamento e reconhecimento da união estável a ser dissolvida, para determinar a intervenção obrigatória do Ministério Público nas ações de família em que figure como parte vítima de violência doméstica e familiar, e para estabelecer a

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