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Ver e ser visto: implicações das relações contemporâneovirtuais no laço social

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Academic year: 2021

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SUL - UNIJUÍ

MARIA CRISTINA BRENDLER UHDE

VER E SER VISTO: IMPLICAÇÕES DAS RELAÇÕES CONTEMPORÂNEO-VIRTUAIS NO LAÇO SOCIAL

IJUÍ 2017

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VER E SER VISTO: IMPLICAÇÕES DAS RELAÇÕES CONTEMPORÂNEO-VIRTUAIS NO LAÇO SOCIAL

Monografia apresentada ao curso de

Psicologia, Departamento de

Humanidades e Educação (DHE), da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ), como requisito parcial para obtenção do grau de Psicólogo.

Orientador: Prof. Me. Daniel Ruwer

IJUÍ 2017

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Dedico esse texto à minha mãe, que me inspirou a ver o que não pode ser visto e a escutar o que não pode ser dito.

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A construção de um Trabalho de Conclusão de Curso não se dá em um semestre, mas culmina na graduação de um curso. Por esse motivo meu agradecimento se destina àqueles que foram essenciais em todo meu percurso.

Ao meu pai, o qual me incentiva a buscar a excelência sempre, e entendeu e me amou mesmo quando eu quis voar sozinha.

À minha mãe (na memória e no coração) que me ensinou a ser verdadeira, e principalmente pela pureza do amor, que é a essência.

À Oma, pelo apoio, amor e suplência à função materna no momento da perda.

Aos meus quatro irmãos, meus queridos cunhados e meus amados sobrinhos, dos quais tenho muito orgulho por superarmos tudo juntos, por serem meus parceiros ao infinito e além e colorirem minha vida.

Às Tanças, Calcinhas, Madrugadeiras e aos Diferentões, pois esse trabalho tem suas marcas e traços.

Ao Professor Daniel, que sensivelmente entendeu a singularidade da minha escrita, me respeitando e orientando em todo esse processo.

Ao Professor Nilson por gentilmente aceitar a se dedicar à leitura desse texto e me prestigiar com suas ricas contribuições, como sempre.

E finalmente, a ele, Igor: sem você não chegaria a descobrir meu desejo e não teria coragem de assumi-lo. Obrigada por ser meu “trevo de quatro folhas”.

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O presente estudo é uma pesquisa bibliográfica que tem por objetivo a discussão, pelo viés psicanalítico, sobre os efeitos das relações contemporâneo-virtuais para a formação do laço social. Para tanto, analisa a relação da virtualidade com a especularidade constitutiva do sujeito, bem como as mudanças na sociedade contemporânea, devido à virtualização da vida. A discussão ressalta, sobretudo, os efeitos da primazia contemporânea da imagem sob a formação do laço social e a relação da virtualidade com o mal-estar inerente das relações humanas. Como aporte teórico, faz-se uso de estudos de Freud (2006), Lacan (1985, 1996, 1998), Quinet (2002), Debord (2016), Castells (1999). As redes sociais como ponto focal do estudo, nos faz refletir como a sociedade do espetáculo, em que a imagem se sobrepõe ao ser, faz emergir sujeitos narcisistas e individualistas que transformam a vida privada em pública. Paradoxalmente, a ferramenta que tem a finalidade de aproximação tem produzido laços sociais superficiais.

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This work is a bibliographical research with the objective of conducting a discussion on the psychoanalytic position about the effects of contemporary-virtual relations, and their implications for the formation of social bond. For that, it analyzes the relation between virtuality and the constitutive specularity of the subject, as well as the changes in the contemporary society due to the virtualization of life. The discussion emphasizes, above all, the effects of the contemporary primacy of the image under the formation of social bond, and the relation of virtuality with the inherent malaise of human relations. As a theoretical contribution, studies by Freud (2006), Lacan (1985, 1996, 1998), Quinet (2002), Debord (2016), Castells (1999), and others are used. Social media, as the focal point of the study, makes us reflect on how the society of the spectacle, in which the image overlaps the being, produces the emergency of narcissistic and individualistic individuals that transform the private life into public. Paradoxically, the tool that has the purpose of connection has produced superficial social ties.

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INTRODUÇÃO ... 7

1 A CONSTITUIÇÃO PSÍQUICA DO SUJEITO E O LAÇO SOCIAL ... 10

1.1 A CONSTITUIÇÃO PSÍQUICA EM FUNÇÃO DO OUTRO ... 10

1.2 O LAÇO SOCIAL E O MAL-ESTAR ... 15

2 A VIRTUALIDADE E O LAÇO SOCIAL CONTEMPORÂNEO ... 21

2.1 A ORIGEM DA VIRTUALIDADE ... 22

2.2 RELAÇÕES CONTEMPORÂNEO-VIRTUAIS E O LAÇO SOCIAL ... 25

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 33

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INTRODUÇÃO

A contemporaneidade, pós-moderna, traz as marcas da evolução tecnológica. São muitas as modificações revolucionárias que impactam a relação dos indivíduos de uma era. Desde a máquina à vapor, que marca a produção industrial da era moderna, até os equipamentos eletroeletrônicos, visualizamos que os sujeitos estão atrelados aos produtos da tecnologia e do consumo proposto pelo capitalismo

A passagem para a modernidade colocou o indivíduo e suas necessidades no centro da cena. Do imperativo social do ser, passamos ao ter e atualmente, com o discurso capitalista, somos incitados a aparecer e gozar. O valor do indivíduo está no que aparenta ter. Situamos dessa forma a internet/ciberespaço, a grande inovação tecnológica dos últimos anos, como produtora de efeitos significativos sobre os sujeitos e sociedade. A maneira como se faz (ou não se faz) laço social atualmente tem profunda relação com essa inovação, que é um produto do capitalismo globalizado.

Utilizando o termo empregado por Guy Debord “a sociedade do espetáculo”, fazemos uma alusão com aquilo que hoje se tornou a midiatização da vida cotidiana: as redes sociais. A espetacularização de imagens banais na busca de popularidade e aprovação remonta, de certa forma a relação primeira constitutiva da identidade, atrelados ao retorno do Outro.

Dessa forma nota-se que as relações se compõem cada vez mais de forma imagética, e menos pautadas no simbólico, na medida em que as pessoas estão se tornando cada vez mais públicas e as relações pessoais privadas estão se reduzindo. Perguntamos: quais os efeitos dessa teia de relação contemporâneo-virtual para o laço social? Face ao exposto, o presente trabalho objetiva estudar a dinâmica das relações virtuais na contemporaneidade e os efeitos para a formação de laço social a partir dos novos modos de representação do eu. As relações virtuais, objeto de estudo dessa pesquisa, são abordadas como aquelas que se restringem ao campo do virtual, sem o encontro presencial entre os participantes.

Um dos princípios fundamentais que norteiam o código de ética da profissão do psicólogo é: “O psicólogo atuará com responsabilidade social, analisando crítica e historicamente a realidade política, econômica, social e cultural.” (CFP, 2005, p. 7). Portanto, cabe a esses profissionais responsabilizar-se pela atuação crítica de acordo com o conhecimento e estudo da conformação social atual, fundamentação

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teórica e a consciência do social, para que possa organizar suas intervenções. Essa pesquisa se destina a possibilitar acesso ao conhecimento da realidade atual nos diversos aspectos, e também a levantar a discussão desse tema para dar sustentação à uma práxis condizente com as necessidades do sujeito contemporâneo.

Da perspectiva de que a condição do sujeito se faz afetada por diversas mudanças no meio em que está inserido e considerando a internet como o campo de articulações do sujeito em questão, se faz necessário observá-lo em sua singularidade e identificações. A forma como o este sujeito se vale dessa questão nos dará pistas de como ele estabelece laço social na atualidade. Sabedores da importância da linguagem para estruturação do sujeito e formação do laço social urge fazer críticas à organização social atual que apela às imagens como modo único de representação.

A metodologia desta investigação é uma pesquisa bibliográfica. Enquanto aspecto da psicologia, da psicanálise, da sociologia e da comunicação social o tema será consultado em artigos e obras recentes tomando como base os autores que têm se dedicado a compreender tais acontecimentos na contemporaneidade, bem como em obras clássicas, que embora sua escrita seja mais antiga, são extremamente atuais.

A discussão inicia no primeiro capítulo com a retomada do processo de constituição do sujeito psíquico através do conceito de alienação imagética ao Outro, com intuito de elucidar o fundamento das relações contemporâneo-virtuais, que está intimamente articulado ao retorno do outro para a imagem publicada, ou, dada-a-ver pelo indivíduo. Para isso abordamos os textos de Sigmund Freud (2006a) e Jacques Lacan (1985, 1986, 1998a, 1998b, 1999), com o auxílio da leitura lacaniana de Joël Dor (1992). Ainda no mesmo capítulo é trabalhado o conceito de discurso como laço social fundamentalmente nos textos de Lacan (1992, 1998c), bem como a origem do laço social em Freud (2006b, 2006c, 2006d), com o subsídio dos comentários de Antônio Quinet (2012).

Já no segundo capítulo abordamos a virtualidade e suas origens com Manuel Castells (1999) e após entramos na especificidade das mudanças ocorridas no cenário histórico-mundial pelo processo da globalização e seus efeitos nas relações sociais modernas e pós-modernas. Para isso recorremos aos argumentos de Ziygmunt Bauman (2005), Anthony Giddens (1991), Jorge Forbes (2005) e Guy

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Debord (2016). Para embasar a discussão a respeito da constituição virtual como promotora da espetacularização do eu através da imagem e da relação em redes sociais digitais serão abordadas, também no segundo capítulo, os pressupostos dos autores Pierre Lévy (1996, 1999) Raquel Recuero (2009), Paula Sibilia (2011), Antonio Quinet (2012) e Sherry Turkle (2011), que teorizam a respeito da instabilidade das relações e o empobrecimento de laços afetivos.

Após essa revisão de literatura obteremos subsídios necessários para a análise do laço social em função da intensificação atual da virtualidade, que tem como expoente as redes sociais digitais.

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1 A CONSTITUIÇÃO PSÍQUICA DO SUJEITO E O LAÇO SOCIAL

A sociedade contemporânea está imersa nos efeitos da revolução da tecnologia e principalmente da virtualidade. As redes sociais digitais aparecem como produtos desse processo, as quais fazem um chamamento à imagem virtual.

Essa imagem virtual é característica importante das novas formas de relacionamento. Para compreensão de tal aspecto é necessário o exame da relação primeira do bebê com seu semelhante a partir da imagem, pois a demanda pelo olhar do outro não aparece apenas como uma fase específica do desenvolvimento libidinal do bebê, de modo modelar, mas se perpetua na vida adulta.

Os parágrafos que sucedem objetivam a elucidação da importância do ver e ser visto na constituição do sujeito, bem como do laço social e a produção do mal-estar inerente das relações.

1.1 A CONSTITUIÇÃO PSÍQUICA EM FUNÇÃO DO OUTRO

A respeito da constituição psíquica do sujeito, a teoria psicanalítica, principalmente com Freud e Lacan, dá alta relevância à relação com o outro. O bebê, ao nascer, está desamparado e precisa de assistência devido a sua condição de dependência biológica, e ao passo que na relação de cuidados se dá o desenvolvimento, concomitantemente se constituirá um sujeito, que é antecipado pelo desejo parental.

O infans1, prematuro e dependente, não possui traço psíquico inscrito geneticamente, apenas reflexos. É a partir desses reflexos, como chorar e sugar, que o outro lhe dará amparo biológico e ao mesmo tempo psíquico, pois nomeia as sensações e expressões da criança. Isso significa que é no campo do Outro (ocupado inicialmente pela função materna) que o sujeito se constitui, efeito da ação da linguagem sobre o infans.

Esse Outro tem fundamental importância na teoria psicanalítica, pois “(...) designa um lugar simbólico - o significante, a lei, a linguagem, o inconsciente, ou, ainda, Deus - que determina o sujeito, ora de maneira externa a ele, ora de maneira

1 Infans é a posição lógica que corresponde ao tempo de ser bebê, que etimologicamente denomina

aquele que ainda não fala, e, portanto é incapaz de contar sua própria história. Não se tem inscritas as coordenadas psíquicas que fazem possível a enunciação de seu desejo (JERUSALINSKY, 2002, p. 258-259).

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intersubjetiva em sua relação com o desejo” (ROUDINESCO; PLON, 1998, p. 559). Para Lacan (1996) esse conceito trata-se da descoberta da aproximação entre inconsciente e linguagem e define-o como um lugar simbólico, da palavra, que não é o outro semelhante (pequeno outro). Lugar esse de onde se recebe a própria mensagem (sonhos, chistes, atos falhos) de maneira invertida, ou seja, o inconsciente como linguagem, como uma alteridade que nos determina.

Segundo Roudinesco e Plon (1998) Lacan “cunhou uma terminologia específica (Outro/outro) para distinguir o que é da alçada do lugar terceiro, isto é, da determinação pelo inconsciente freudiano (Outro), do que é do campo da pura dualidade (outro) no sentido da psicologia”. (p. 559)

No processo de constituição do sujeito é necessária certa alienação ao Outro, que é representado num primeiro momento pela função materna, que inaugura o

infans na linguagem. O sujeito nasce, portanto, numa relação de dependência

significante com o lugar do Outro, pois sempre que um significante representa um sujeito para outro significante, a alienação se produz. Do percurso desde a relação mãe-bebê, compreendemos que o desejo do Outro permite que o sujeito passe a existir, pois este “se constitui, não ‘nasce’ e não se ‘desenvolve’”. (ELIA, 2010, p. 36). Em seu Seminário 11, Lacan (1998b) propõe duas operações constitutivas do sujeito: Alienação e Separação. O surgimento do significante no campo do Outro é a marca que inaugura a constituição do sujeito no período da alienação, que é fundamental para a constituição da subjetividade. Vem a ser a alienação do indivíduo no Outro pela linguagem. A separação se produz em um tempo posterior e conforme Lacan (1998b) é importante para que emerja um sujeito, pois inaugura uma falta entre o bebê e o Outro. Assim, haverá a inscrição simbólica do sujeito, barrado pela falta, e, portanto, desejante. Essas duas operações acontecem durante os processos de estruturação psíquica Estádio do Espelho e Complexo de Édipo

Na relação dual há uma “ilusão de completude” uma célula narcísica se forma entre mãe e bebê. Este se valerá do narcisismo da mãe para produzir sua própria estrutura narcísica, pois esta dará a criança consistência para ser e desejar. Freud afirma:

Estamos destinados a supor que uma unidade comparável ao ego não pode existir no indivíduo desde o começo; o ego tem de ser desenvolvido. Os instintos auto eróticos, contudo, ali se encontram desde o início, sendo, portanto, necessário que algo seja adicionado ao autoerotismo - uma nova ação psíquica - a fim de provocar o narcisismo. (2006a, p. 84).

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Ainda para Freud (2006a), a relação com os pais é importante, pois atribuem à “Sua Majestade o Bebê” um ideal de perfeição e de realização. O eu deve ser adequadamente “narcisizado” pelos pais para que possa constituir-se. Da aposta narcísica que fazem ao indivíduo que chega ao mundo este constituirá o próprio eu.

O autor introduz o conceito de narcisismo aos seus textos inicialmente descrevendo-o através da perversão, do ponto de vista patológico. No entanto, posteriormente explica que este faz parte do período do desenvolvimento sexual da libido, a saber, o narcisismo primário, em que a criança toma a si mesma como objeto de amor antes de se dirigir a objetos externos (FREUD, 2006a).

O autor Jacques Lacan (1998a) faz uma releitura da obra freudiana, e nesse processo trabalha o conceito de narcisismo e elabora a teoria do Estádio do Espelho, designado como:

(...) uma identificação, no sentido pleno que a análise atribui a esse termo, ou seja, a transformação produzida no sujeito quando ele assume uma imagem (...). A assunção jubilatória de sua imagem especular, por esse ser ainda mergulhado na impotência motora e na dependência da amamentação que é o filhote do homem no estágio de infans, parecer-nos-á, pois, manifestar, numa situação exemplar, a matriz simbólica em que o eu [je] se precipita numa forma primordial, antes de se objetivar na dialética da identificação com o outro e antes que a linguagem lhe restitua, no universal, sua função de sujeito (...)(LACAN, 1998a, p.97).

(...) o Estádio do Espelho é um drama cujo impulso interno precipita-se da insuficiência para a antecipação - e que fabrica para o sujeito, apanhado no engodo da identificação espacial, as fantasias que se sucedem desde uma imagem despedaçada do corpo até uma forma de sua totalidade que chamaremos de ortopédica - e para a armadura enfim assumida de uma identidade alienante, que marcará com sua estrutura rígida todo o seu desenvolvimento mental (LACAN,1998a, p.100).

Esse momento subjetivante chamado também de fase do espelho organiza-se em torno de três tempos fundamentais. No primeiro momento há um transitivismo2 quando a criança olha para o espelho e encontra uma imagem que percebe como sendo outro. Nessa fase ela se orienta e se vivencia no outro. No segundo momento a criança se confunde com a imagem e se pergunta “estou lá ou estou aqui?”, começa a distinguir que há uma imagem. No terceiro momento já pode se reconhecer na imagem, não mais de forma dispersa, mas sim unificada (DOR, 1992, p. 79 e 80).

Segundo Lacan (1996), é no estádio do espelho que o sujeito começa a se situar a entre o que é e o que não é do Eu, ou seja, “o eu se constitui sobre o

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fundamento da relação imaginária.” (p.137) Destaca-se a importância que o Outro tem na constituição do eu da criança pela alienação da imagem e linguagem. É da palavra e do olhar do Outro Primordial que se origina o eu, conferindo uma imagem unificada e testemunhando da visibilidade do sujeito, portanto de sua existência presentificada em uma imagem.

Pode se dizer que nessa fase se conquista a identidade do sujeito pela dimensão imaginária, assumindo um lugar investido de valor, não mais reflexo do outro e nem a duplicação de si mesmo, e a imagem ganha assim valor simbólico, pois se integra ao Outro, que representa a linguagem enquanto ordenadora do simbólico e do social (DOR, 1992, p. 79 e 80) A passagem pelo imaginário antecede à entrada no simbólico pelo infans, mas Lacan (1998b) explica que o imaginário fica subordinado ao simbólico, pois para apontar a imagem é necessário estar inserido na linguagem. Uma imagem apontada no espelho deve ser feita via palavra do Outro, a criança só se assegura de que a imagem no espelho é a de seu próprio corpo, a partir do momento em que o adulto a confirma pela palavra.

O corpo, imaginariamente constituído na relação com o Outro, é o suporte para a estruturação psíquica do sujeito e de sua inserção no social. Será a partir da passagem do indivíduo pelo estádio do espelho que haverá um primeiro esboço da formação do eu, pois a criança forma uma representação imaginária de sua identidade corporal. Entretanto é no decurso do complexo de Édipo que esta entrará na ordem da cultura e acessará à ordem simbólica.

Esse momento vivido pela criança gira em torno do processo da metáfora paterna do Nome-do-Pai, o significante que organizará a trajetória edipiana. Trajetória essa marcada em três tempos, sendo que o primeiro trata da relação fusional da criança com a mãe, se “identificando especularmente com aquilo que é objeto do desejo de sua mãe” ocupando assim o lugar do falo3. A função paterna aparece aqui somente na linguagem da mãe (LACAN, 1999, p. 198).

No segundo tempo edipiano a relação mãe-criança-falo sofrerá o impacto da

privação que a intrusão paterna impõe. Essa privação diz respeito à castração que

desloca o falo da criança pela lei do incesto, criando uma falta simbólica. O significante Nome-do-pai se sobrepõe ao Desejo-da-mãe, e esse processo é a condição para que a criança tenha acesso ao simbólico e venha a ascender à

3 O falo não é o órgão sexual masculino, mas se refere à ordem simbólica como aquilo que vem

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posição de sujeito castrado. Será no terceiro tempo que ocorrerá o declínio do Édipo, pois o pai será investido falicamente pela criança como aquele que tem o que a mãe deseja. A metáfora paterna faz sua função, representando a lei simbólica pela sua intervenção. Restará a criança a simbolização, ou introjeção dessa lei e assim se dá sua entrada na cultura (DOR, 1992).

Toda essa construção converge com o que Lacan introduz como o ternário simbólico, o imaginário, o real no campo analítico durante sua conferência no ano 1953. Nesse momento o autor apresentava “a confrontação destes três registros, que se trata dos registros essenciais da realidade humana, registros bastante distintos e que se chamam: o simbolismo, o imaginário e o real” (LACAN, 2005, p.12). O termo utilizado para designar S, I e R é “registro”.

Pelo registro imaginário compreende-se aquilo que é da rodem da relação com a imagem do semelhante. Lacplanche e Pontalis (2004) fazem alusão ao estádio do espelho como a primeira referência à noção de imaginário, quando o sujeito se constitui a partir da imagem do semelhante. Essa dimensão é designada por aquilo que não tem existência própria, ou seja, “a introdução de alguma coisa fictícia que é a projeção imaginária de um sobre a tela simples em que o outro se transforma” (CHEMAMA, 1995, p. 120). É o campo das identificações egóicas.

Tomando o termo da Antropologia de Claude Lévi-Strauss e da Linguística de Ferdinand de Saussure Lacan formula sua ideia de Simbólico. Trata-se de um conjunto, ou uma ordem, em que um elemento para ter sentido deve estar reportado ao todo. Entende-se como tudo que diz respeito à atividade essencialmente humana, ligada à função da linguagem e do significante4. O inconsciente para Lacan é estruturado como linguagem, ou seja, responde às formas simbólicas. É o registro que determina as formas de laço social e as escolhas sexuais, pela sua relação com o Complexo de Édipo (CHEMAMA, 1995, p. 406).

Já o Real é definido aquilo que não se pode ser completamente simbolizado em palavras ou em escrita e que por isso não cessa de se inscrever (CHEMAMA, 1995).

É importante frisar que o conjunto desses três registros compõe o que Lacan designa como nó borromeano, onde três aros independentes se articulam e

4 O significante é de fato a própria essência da função simbólica (sua “letra”). (ROUDINESCO E

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sustentam entre si por uma amarração representando a junção dos três registros psíquicos, que só fazem sentido pela sua articulação.

Desde então nos relacionamos com o outro através da linguagem, imagem e corpo e assim formamos os laços sociais. A imbricação nesse laço é inerente a condição humana, que vai se constituindo desde o nascimento. Para tanto questionamos como se dá a articulação dos registros designadas por Lacan como se constrói esse laço na atualidade? Para responder essa questão examinaremos os conceitos de laço social e o mal-estar da civilização bem como a relação entre eles para a psicanálise.

1.2 O LAÇO SOCIAL E O MAL-ESTAR

Atravessando todos esses processos psíquicos, a criança começa a ter subsídios para desenvolver relação simbólica com o círculo social, como aponta Lacan:

Podemos supor agora que a inclinação do espelho plano é comandada pela voz do outro. Isso não existe ao nível do estádio do espelho, mas e em seguida realizado pela nossa relação com outrem no seu conjunto - a relação simbólica. Vocês podem apreender então que regulação do imaginário depende de algo que de modo transcendente, como diria o Sr. Hyppolite – o transcendente no caso não sendo aqui nada mais que a ligação simbólica entre os seres humanos. (...) Em outros termos, é a relação simbólica que define a posição do sujeito como aquele que vê. É a palavra, a função simbólica que define o maior ou menor grau de perfeição, de completude, de aproximação, do imaginário (LACAN, 1996, p. 164-165).

Os laços sociais são tecidos e estruturados pela linguagem e, portanto, são discursos de cada tempo. A respeito de liame, ou laço social Lacan o toma como “(...) discurso porque não há outro meio de designá-lo, uma vez que se percebeu que o liame social só se instaura por ancorar-se na maneira pela qual linguagem se situa sobre aquilo que formiga, isto é o ser falante” (1985, p. 74).

No Seminário 20 (1985), o autor retoma a ideia do discurso para dizer que ele deve ser considerado “como liame social, fundado sobre a linguagem”. Diz de um liame, ou seja, um laço, no sentido de apontar uma rede articulada de significantes, uma vez que: “um significante como tal não se refere a nada, a não ser que se refira a um discurso, quer dizer, a um modo de funcionamento, a uma utilização da linguagem como liame. (...) um liame entre aqueles que falam” (LACAN, 1985, p.43).

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Em “Totem e Tabu” (2006b) Freud narra a passagem da natureza à cultura que permitiu que pela linguagem se produzisse o código social que possibilita as relações humanas. Cito:

A construção de Freud acerca da origem do laço entre os homens tem seu maior desenvolvimento no ensaio Totem e tabu. A superação da horda primeva pelo totemismo representa uma mudança de paradigma que demarca um corte que origina o laço social. Na horda primeva, o pai primevo, líder da horda, concentra para si toda a satisfação sexual e agressiva, exercendo um monopólio de gozo de maneira tirânica. Único a ter acesso a todas as fêmeas da horda, interditando-o aos demais machos, coibindo com violência suas tentativas e expulsando-os à medida que estes crescem e o desafiam, o pai primevo vivencia os impulsos de modo desinibido, sem estabelecer laço com os demais membros da horda. Dessa forma, fica evidente que a possibilidade de mudança de paradigma passa, necessariamente, pela eliminação dessa figura central. Acompanhar o destino do pai primevo constitui, assim, uma interessante via para explorar a origem do laço social (MALCHER; FREIRE, 2016, p.70).

O mito freudiano manifesta que a renúncia pulsional é a condição para formar laço social, e aponta uma disparidade entre gozo e laço social. Esse mito explica a origem da sociedade, ou seja, da possibilidade do laço social pela submissão à autoridade simbólica. Cito Otero:

Ainda na teoria freudiana sobre a ligação social, Freud (2006c) em o “Mal-estar na Civilização” menciona que existe um mal-“Mal-estar inerente a qualquer tipo de vida em civilização. Para viver coletiva e civilizadamente o indivíduo tem de abdicar da sua satisfação pulsional. Isso porque temos de renunciar aos instintos agressivos e sexuais pela segurança da sociedade, inclusive a tendência de tomarmos o outro como objeto a ser consumido. Esse mal-estar existe por estarmos amarrados um ao outro nesse mundo e não podermos sair dele. Dessa forma inventamos leis e normas para viver em sociedade, como aponta o autor:

A substituição do poder do indivíduo pelo poder de uma comunidade constitui o passo decisivo da civilização. Sua essência reside no fato de os membros da comunidade se restringirem em suas possibilidades de satisfação, ao passo que o indivíduo desconhece tais restrições. A primeira exigência da civilização, portanto, é a da justiça, ou seja, a garantia de que uma lei, uma vez criada, não será violada em favor de um indivíduo (FREUD, 2006c, p. 99-100).

Fica assim impossibilitado o propósito de felicidade do homem, que é acometido por três fontes de sofrimento apontadas por Freud, a saber:

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(...) de nosso próprio corpo, condenado à decadência e à dissolução, e que nem mesmo pode dispensar o sofrimento e a ansiedade como sinais de advertência; do mundo externo, que pode voltar-se contra nós com forças de destruição esmagadoras e impiedosas; e, finalmente, de nossos relacionamentos com os outros homens. O sofrimento que provém dessa última fonte talvez nos seja mais penoso do que qualquer outro (FREUD, 2006c, p. 85).

Notamos que esse mal-estar é o mal-estar dos laços sociais, sendo assim inevitável. Isso nos leva ao desenvolvimento de paliativos frente a ele. Frente às dificuldades, decepções e exigências que a vida civilizada impõe, Freud aponta em seu texto algumas saídas que o ser humano cria para lidar com o mal-estar, para se proteger da dor de existir:

A vida, tal como a encontramos, é árdua demais para nós; proporciona-nos muitos sofrimentos, decepções e tarefas impossíveis. A fim de suportá-la, não podemos dispensar as medidas paliativas. (...) Existem talvez três medidas desse tipo: derivativos poderosos, que nos fazem extrair luz de nossa desgraça; satisfações substitutivas, que a diminuem; e substâncias tóxicas, que nos tornam insensíveis a ela. Algo desse tipo é indispensável (FREUD, 2006c, p.83).

Essas saídas são vistas como tentativas de abreviar o sofrimento advindo da vida em sociedade. Estão incluídas as substâncias psicoativas, a religião, a atividade científica, a arte, o delírio, a sublimação e o amor como forma de amenizar o mal-estar e buscar a felicidade. Sobre as substâncias inebriantes o autor situa como o método mais grosseiro, mas também mais eficaz, pois por meio de alterações químicas corporais nos tornam insensíveis às mazelas da vida. Em relação aos derivativos poderosos, Freud cita a atividade científica como aquela modalidade de vida em que o indivíduo se concentra em descobrir verdades e solucionar problemas para as desgraças da vida. Quanto às satisfações substitutivas o autor afirma que o deslocamento de libido é uma técnica para afastar o sofrimento, e nesse ponto compreendemos as sublimações que redirecionam a pulsão para fins socialmente aprovados, como a arte e as ilusões através das fantasias, que fazem contraste com a realidade. A religião também é descrita pelo autor, como um delírio de massa que cria uma proteção contra o sofrimento através de uma certeza da felicidade (FREUD, 2006c).

No que tange às relações temos duas modalidades paliativas frente ao sofrimento: uma delas é quando o amor é o centro. Freud (2006c) destaca que

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nesse caso o indivíduo coloca toda sua satisfação em amar e ser amado. Utilizando um mecanismo contrário a esse primeiro a outra tentativa de contornar o mal-estar advindo das relações humanas é apontado pelo autor como o isolamento, quando o indivíduo procura na quietude a felicidade.

A teoria freudiana do mal-estar na cultura é muito atual. Como vimos, a civilização foi construída com vistas a dar conta do desamparo experimentado diante das forças da natureza, da debilidade do corpo ou do perecimento da vida. Entretanto será a partir dessa civilização ou, dessas relações, que o desamparo nos acometerá, paradoxalmente. Não importa qual seja a era de uma sociedade os laços sociais continuam a ser obstáculo à satisfação pulsional.

Diante dessa questão recorremos à teoria dos discursos de Lacan, haja vista que inaugura uma forma de considerar o sujeito no vínculo social pela articulação dos campos da linguagem, do gozo e o saber inconsciente. Os discursos são formas de tratamento do mal-estar na cultura, pois orientam o sujeito na renúncia pulsional e numa possível recuperação do gozo que abandona em detrimento da cultura. O autor Quinet destaca a função do laço social nesse ínterim:

Nossa realidade social é enquadrada pelos laços sociais que Lacan chama de aparelhos de gozo, uma vez que esses vínculos promovem um esvaziamento de gozo ao estabelecer maneiras conviviais de relação com o outro. Sem esse enquadramento, que é cultural e, portanto, simbólico, a inclinação do homem é tratar o outro como seu objeto de gozo e nele saciar suas pulsões erótica e de morte (2012, p. 31).

O que Lacan nos ensina é que os lações sociais “são tecidos pela libido e, portanto situados no campo do gozo, estruturados pela instância simbólica do Nome-do-Pai, e pela simbologia dos mitos individual (Édipo) e coletivo (o pai tirânico de Totem e Tabu) desenvolvidos pela teoria freudiana” (apud OTERO, 2013, p. 45).

Em seu Seminário, livro 17 Lacan (1998c) denomina quatro tipos: discurso do mestre, discurso do analista, discurso universitário, discurso da histérica, e mais tarde introduz um quinto, o discurso capitalista. Através dessa teoria o autor retratou os modos de estruturação do laço social. O autor afirma que é pelo discurso que se faz ligação social, visto que o inconsciente é um discurso dado pelo encadeamento dos significantes (S1 à S2), obedecendo às leis da linguagem. Lacan aponta nesse texto a maneira como o discurso articula os laços sociais.

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discursos, cabe frisar a estrutura destes. São quatro elementos distribuídos em quatro lugares diferentes que dão origem aos matemas dos discursos. Os elementos são: significante-mestre – S1, saber – S2, objeto causa de desejo – a, e sujeito-barrado – $. E os lugares são: agente, verdade, outro e produção. Da rotação dos elementos citados pelos quatro lugares originam-se os diferentes discursos supracitados.

A lógica desse processo pode ser evidenciada quando uma ação, cometida pelo agente do discurso, é exercida sobre o outro, aquele a quem se dirige a palavra e algo é produzido (produção) como efeito dessa relação enquanto se faz uso da palavra, porém nesse processo a verdade fica oculta, pois escapa àquilo que é dito. O lugar do agente é o lugar do dominante, ou seja, o elemento que faz as vezes de agente domina o laço social. Já o lugar da verdade sustenta a verdade do discurso. O lugar do outro é o lugar do dominado, e o lugar da produção refere-se ao que o outro de cada laço social deve produzir (LIMA, 2013).

O discurso que representa a civilização atual é o capitalista, o qual para Lacan é uma derivação do discurso do mestre. Discorrendo sobre os discursos o autor Antônio Quinet nos auxilia nessa leitura:

(...) o discurso do capitalismo, em que o outro não é nítido, já que, na verdade, é um discurso que não propõe o laço social do sujeito com o outro, e sim com um objeto (a) fabricado pela ciência e tecnologia (S2). Aqui o sujeito é reduzido a consumidor, e o objeto causa de seu desejo é um gadget – eis o outro do discurso capitalista. O saber é o da ciência/tecnologia; e o S1, o significante-mestre, isto é, o poder, é do capital. O discurso capitalista, efetivamente, não promove o laço social entre os seres humanos: ele propõe ao sujeito a relação com um gadget5, um objeto

de consumo curto e rápido [$ a] (2012, p. 36).

Interessa muito a essa pesquisa o entendimento desse discurso, pois é a partir dele que podemos situar as relações que os indivíduos mantêm contemporaneamente. Na lógica contemporânea de consumo, a cultura passou a ser concebida como uma simples imagem a ser consumida. Notamos assim que o que é da ordem do imaginário está se sobrepondo ao simbólico. Que efeitos tem esse fenômeno para as relações?

Nesse sentido, cito Quinet (2012), que lança mão de uma importante reflexão: “Esse discurso promove um autismo induzido e um empuxo-ao-onanismo, fazendo a

5 Objeto nomeado por Lacan como um produto que a sociedade de consumo vende como se fosse o

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economia do desejo do Outro e estimulando a ilusão de completude não mais com uma pessoa, e sim com um parceiro conectável e desconectável ao alcance da mão”. (p.37) Nesse ínterim podemos situar a relação do discurso capitalista com a virtualização contemporânea.

Face ao exposto se faz a leitura de que a ligação social é constitutiva e constituída na dupla relação. Para que o ser humano mantenha-se vivo ele precisa estar conectado com seu semelhante. O autor Eugene Enriquéz trabalha com a psicanálise a partir do ponto de vista do social e nos aponta o quão necessitamos do outro não como objeto para satisfação de nossos desejos:

A ligação social apresenta-se como uma ligação trágica: ela nos permite compreender que os outros existem, não como objetos para a satisfação dos nossos desejos, mas como sujeitos de seus desejos ou, dizendo com outras palavras, capazes de nos rejeitar e de nos amar, de nos contradizer, de apresentar perigos permanentes , não apenas a nosso narcisismo, mas também a nossa simples sobrevivência, e de ser, para nós, apesar de tudo, tão indispensáveis como o ar que respiramos (ENRIQUEZ, 1983, p. 183, apud CHANLAT, 1991, p. 152).

No texto “Psicologia das Massas e Analise do Eu”, Freud (2006d) inicia sua análise recusando a separação da Psicologia Social da Psicologia Individual. O autor faz uma construção teórica destacando que os indivíduos, quando em grupo, entram num processo chamado de “alma coletiva”, sofrendo e exercendo influência psíquica uns sobre os outros. Freud afirma que pelo fato de o ser humano estar inserido numa trama cultural e constantemente se relacionando com o outro, a Psicologia não pode tomá-lo apenas individualmente, mas analisá-lo dentro de um contexto coletivo. Nesse sentido poderão surgir fenômenos sociais como contágio, imitação, sugestão ou ainda prestígio, que interessam a essa ciência. Assim sendo, fica evidente que para a teoria psicanalítica o sujeito está sempre sendo influenciado por sua relação com os outros, desde os primórdios de sua constituição.

É importante prosseguirmos a partir dessa visão, pois a humanidade evolui tanto nas dimensões individuais quanto sociais numa dinâmica que atravessa questões culturais, políticas, econômicas e muito fortemente tecnológicas. Isso faz com que o cenário social se redefina constantemente e nos impele a discutir e refletir sobre os fatores que estejam impactando as formas de organização coletiva e as relações dos sujeitos.

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2 A VIRTUALIDADE E O LAÇO SOCIAL CONTEMPORÂNEO

Partindo do esclarecimento acerca da constituição psíquica do sujeito na relação com o outro e da construção deste enquanto ser social, se tem um arsenal teórico que pode fundamentar a compreensão do laço social contemporâneo. Entretanto, a sociedade é sempre mutável e evolutiva, o que implica num exame constante das particularidades de um tempo.

A análise da relação do sujeito com as marcas de sua era é importante nesse processo, como nos elucida a afirmação de Otero (2013):

Se o século XVIII foi marcado pela objetividade, pelo Iluminismo e pela razão, e o início do século XIX marcado pelo lirismo, pela subjetividade, pela emoção e pelo eu, o final do século XX e o início do século XXI são marcados pela globalização da economia, da informação, da comunicação e dos afetos - potencializadas, sobretudo pela revolução tecnológica digital. As marcações que o século XXI imprime no psiquismo de cada um se desvelam em sintomas como a banalização do sexo, a frouxidão dos vínculos afetivos, a insegurança, o medo do envolvimento e a depressão em última instância (p. 25).

Para o sociólogo britânico, Anthony Giddens (1991), a modernidade é um fenômeno globalizante no qual seus aspectos assumem novo caráter, já os fenômenos da pós-modernidade:

(...) dizem respeito à experiência de viver num mundo em que presença e ausência se combinam de maneiras historicamente novas. O progresso se torna esvaziado de conteúdo conforme a circularidade da modernidade se firma, e, num nível lateral, a quantidade de informação que flui diariamente para dentro, envolvida no fato de se viver em "um mundo", pode às vezes ser assoberbante. E, no entanto isto não é primordialmente uma expressão de fragmentação cultural ou da dissolução do sujeito num "mundo de signos" sem centro. Trata-se de um processo simultâneo de transformação da subjetividade e da organização social global, contra um pano de fundo perturbador de riscos de alta-conseqüência (GIDDENS, 1991, p. 155-156).

Na lógica do pensamento de Giddens (1991), tomamos as relações em redes sociais virtuais como um fenômeno tipicamente pós-moderno. Elas evidenciam o novo caráter que assumem os conceitos de tempo e espaço, sendo que as imagens tornam-se os totens contemporâneos, pois o conteúdo e o sentido das relações parecem sofrer um esvaziamento. Para entendermos esse processo examinaremos a virtualidade desde sua origem e as novas dinâmicas de relacionamento contemporâneo-virtual.

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2.1 A ORIGEM DA VIRTUALIDADE

O foco dessa pesquisa não é a técnica em si, muito embora seja necessário entendermos a dinâmica da evolução técnica para acompanhar as transformações sociais e culturais que as acompanham. A revolução tecnológica é um parâmetro importante para o estudo do sujeito contemporâneo. Recorremos a Manuel Castells, sociólogo espanhol, para essa leitura, visto que traçou um importante panorama sobre a “Sociedade em Rede”, título de seu livro. Fazendo um percurso histórico o autor esclarece que a Revolução Tecnológica da Informação é um marco histórico, pois produz impactos na economia, cultura e sociedade e se difunde rapidamente pelo mundo, levando menos de duas décadas para isso (CASTELLS, 1999).

O autor defende que nossa sociedade possui uma nova conformação e nova ordem econômica e social, cujo centro das transformações está nessa revolução concentrada nas tecnologias da informação e comunicações. Para Castells (1999), as:

Redes constituem a nova morfologia de nossas sociedades e a difusão da lógica de redes modifica de forma substancial a operação e os resultados dos processos produtivos e de experiência, poder e cultura. Embora a forma de organização social em redes tenha existido em outros tempos e espaços, o novo paradigma da tecnologia da informação fornece a base material para sua expansão penetrante em toda a estrutura social (p.497).

O autor justifica esse percurso histórico devido à penetrabilidade da tecnologia em todas as esferas da atividade humana, porém para chegar a essa inovação precedeu-se a Revolução Industrial. Primeiramente com o advento da máquina a vapor que modificou profundamente a maneira como as pessoas se transportavam e sua produção de trabalho, e posteriormente com a descoberta da eletricidade que possibilitou que a organização do trabalho se desenvolvesse em larga escala, afetando inclusive a comunicação por meio dos telégrafos elétricos. Essa energia aumentou a força do corpo humano para produzir, distribuir e comunicar, e expandiu a mente humana. Logo essas “duas Revoluções Industriais difundiram-se por todo o sistema econômico e permearem todo o tecido social” (CASTELLS, 1999, p. 75).

Logo após as duas Revoluções Industriais, Castells (1999) destaca alguns importantes passos na evolução tecnológica que conduziram o processo de

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tecnologia da informação, a saber: a invenção do primeiro transistor no ano de 1947, o microprocessador em 1971 e o microcomputador em 1975. Em suma, a trajetória inicia com os microprocessadores possibilitando a criação do microcomputador, e então os avanços das telecomunicações corroboraram para o funcionamento dos microcomputadores em rede. O sociólogo aponta que “a convergência de todas essas tecnologias eletrônicas no campo da comunicação interativa levou a criação da internet, talvez o mais revolucionário meio tecnológico da Era da Informação” (CASTELLS, 1999, p. 82).

A primeira revolução tecnológica, a digital, aconteceu nos Estados Unidos, mais precisamente na Califórnia nos anos 70. Tratava-se de um sistema de computadores em rede e levou o nome de ARPANET em homenagem ao seu patrocinador, a Agência de Projetos e Pesquisa Avançada (ARPA) do Departamento de Defesa Americano, utilizado em guerras. Utilizado apenas por esse departamento, mais tarde se estendeu à pesquisas científicas além dos fins militares. Posteriormente começou a ser chamada de INTERNET, no ano de 1980, mas ainda sob guarda da Defesa Americana. No entanto, por pressões do comércio privado que crescia em larga escala a Internet passou a ser privatizada e evoluiu de forma a ter uso irrestrito (CASTELLS, 1999).

Concomitante a esse processo o correio eletrônico, chamado de e-mail, também surgiu como uma grande inovação, permitindo que mensagens escritas fossem trocadas pela conexão em rede instantaneamente, inaugurando uma nova forma de comunicação. Para isso acontecer era necessário o uso de um computador ligado à linha telefônica através de um aparelho chamado modem, então a transferência direta de arquivos entre computadores foi possível. O uso desses aparelhos possibilitou que a internet se difundisse para aqueles que não possuíam o acesso ao sistema ARPANET (CASTELLS, 1999).

Dessa forma abriu-se caminho para que as “comunidades virtuais” começassem a surgir. A popularização da Internet se deu com o grande salto tecnológico chamado WWW (world wide web), um aplicativo inventado em 1990 na Europa pelo CERN (Centre Européen poour Recherche Nucleaire) difundido por esse centro gratuitamente pela internet. A partir dessa evolução as informações podem ser facilmente procuradas. A equipe do CERN também inovou com o HTML (hypertext markup language), formato de linguagem em hipertexto para compartilhamento na rede de computadores através do protocolo de transferência

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do HTTP (hypertext transfer protocol), ou do URL (uniform resource locator) que é um formato padronizado de endereços na rede. A Netscape Communications

Corporation, empresa americana de serviços de comunicação inventou o navegador Netscape Navigator, para pesquisas na Internet e o comercializou amplamente. Logo

surgiram outros navegadores e a teia de comunicação em rede se difundiu mundialmente e se sedimentou socialmente. Esses são fatores importantes para o processo de evolução da tecnologia, para que essa chegue a ser o que é atualmente (CASTELLS, 1999).

É importante destacar que a Internet é uma rede que agrupa outras redes, sendo a “rede das redes”, composta de computadores, pessoas mas principalmente a informação. Por isso o autor denomina de Era da Informação essa que gerou a sociedade em rede, sendo o foco na transmissão de conhecimentos. Cito:

O termo sociedade da informação enfatiza o papel da informação na sociedade. Mas afirmo que informação, em seu sentido mais amplo, por exemplo, como comunicação de conhecimentos, (...) o termo informacional indica o atributo de uma forma específica de organização social em que a geração, o processamento e a transmissão da informação tornam-se as fontes fundamentais de produtividade e poder devido às novas condições tecnológicas surgidas nesse período histórico (CASTELLS, 1999, p.64-65). Desde então a vida social é impactada pelas novas modalidades de comunicação e relacionamento, a começar pelo já citado correio eletrônico, ou

e-mail, que inicia a troca de mensagens instantâneas pelo computador, permitindo que

haja comunicação imediata entre localidades de diferentes continentes. Na linha da evolução a novidade ficou por conta dos telefones móveis, que permitiam a troca de mensagens escritas por SMS6. Atualmente a Internet não é mais utilizada apenas por computadores, mas a rede se faz presente em smartphones7 pela conexão através de dados móveis ou via WiFi8, visto que a conexão passa a dispensar cabos e modens.

A comunicação atualmente é mediada por computadores e smartphones, em redes e comunidades sociais virtuais. A internet, portanto, é a espinha dorsal dessa comunicação globalizada e tem como característica o alto poder de penetrabilidade

6 Short Message Service, tradução: Serviço de Mensagens Curtas para troca de mensagem entre

celulares.

7 Smartphone é um Telefone Inteligente, tipo de celular com tecnologias avançadas.

8 Wi-Fi é a abreviatura de “wireless fidelity” utilizada para promover o acesso, em banda larga, à

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social. O acesso a esse meio interativo de comunicação já é universal, visto que alcançou o número de quase 2 bilhões de usuários no ano de 2017 em todo o território mundial, segundo o relatório sobre economia digital da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento. O Brasil ficou em quarto lugar no ranking de países com maior número de usuários de internet (UNCTAD, 2017). Logo, de que forma essa penetrabilidade digital recai sobre o laço social contemporâneo?

2.2 RELAÇÕES CONTEMPORÂNEO-VIRTUAIS E O LAÇO SOCIAL

Como vimos, a virtualidade é um produto da globalização. O psicanalista Jorge Forbes compartilha do mesmo entendimento de Castells de que há uma reorganização social em função da passagem para a modernidade. O laço social era até então vertical, com referência ao pai como autoridade, já na nova ordem o laço se horizontaliza pela igualdade entre os pares. (FORBES, 2005)

A globalização é definida, segundo Giddens, como:

(...) processo de alongamento, na medida em que as modalidades de conexão entre diferentes regiões ou contextos sociais se enredaram através da superfície da Terra como um todo. A globalização pode assim ser definida como a intensificação das relações sociais em escala mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos ocorrendo a muitas milhas de distância e vice-versa. Este é um processo dialético porque tais acontecimentos locais podem se deslocar numa direção anversa às relações muito distanciadas que os modelam. A transformação local é tanto uma parte da globalização quanto a extensão lateral das conexões sociais através do tempo e do espaço (GIDDENS,1991, p. 60).

Para Forbes (2005) a contemporaneidade, ou, em suas palavras a hipermodernidade, superou a modernidade no que tange ao individualismo, tecnicismo e o consumo. Ao passo que as possibilidades de relação se alastraram pela globalização, os sujeitos se tornam mais individualistas, que pelo imperativo social capitalista para gozar, colocam as necessidades individuais acima dos projetos coletivos. O conceito de espaço, quanto a proximidade e a distância, são revistos atualmente, assim como o conceito de tempo, quanto a lentidão e rapidez. A virtualidade aparece como uma importante marca da nossa sociedade, modificando a maneira como nos comunicamos e nos relacionamos. Como aponta Castells:

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(...) o novo sistema de comunicação transforma radicalmente o espaço e o tempo, as dimensões fundamentais da vida humana. Localidades ficam despojadas de seu sentido cultural, histórico e geográfico e reintegram-se em redes funcionais ou em colagens de imagens, ocasionando um espaço de fluxos que substitui o espaço de lugares. O tempo é apagado no novo sistema de comunicação já que passado, presente e futuro podem ser programados para interagir entre si na mesma mensagem. O espaço de fluxos e o tempo intemporal são as bases principais de uma nova cultura, que transcende e inclui a diversidade dos sistemas de representação historicamente transmitidos: a cultura da virtualidade real, onde o faz-de-conta vai se tornando realidade (1999, p. 462).

Raquel Recuero é referência na área de Ciências Humanas e Sociais e se destaca pelo amplo estudo a respeito das redes sociais. Em seu livro “Redes Sociais na Internet” a autora traz questões importantes sobre como essa modalidade de relação está impactando os processos sociais. Começa pelo conceito de rede social: “Quando uma rede de computadores conecta uma rede de pessoas e organizações, é uma rede social” (GARTON; HAYTHORNTHWAITE; WELLMAN, 1997, p. 71 apud RECUERO, 2009, p. 15).

Para Recuero (2009) o conjunto de atores e suas conexões se chama rede social. Para ela atores são as pessoas ou grupos que se conectam, ou seja, interagem ou, se enlaçam criando redes de relação. O início dessa modalidade se deu com os chats9, blogs10, que se desenvolveram nas famosas redes sociais, inauguradas pelo Orkut11, e seu sucessores Facebook12 , Twitter13, Instagram14,

Snapchat15 e Whatsapp16, e Tinder 17os mais acessados atualmente.

9 Chats são uma espécie de bate-papos em tempo real através de linguagem escrita pela internet. 10 Blogs são diários online disponíveis ao acesso da comunidade virtual.

11 Orkut é um site de relacionamento, ou rede social, que inaugura a dinâmica de relacionamentos

através de imagens e linguagem escrita na internet em que cada usuário cria um perfil próprio.

12 Facebook em português significa “livro de caras”, trata-se de uma rede social que sucede o Orkut.

Cada usuário cria um perfil e através desse pode se relacionar com milhões de usuários em todo o mundo através de amizades virtuais, pelo compartilhamento de imagens, vídeos e textos. Cada postagem nessa rede pode ser curtida, comentada ou campartilhada. É a rede social mais utilizada atualmente. Pode ser usada tanto no computador ou smartphone.

13 Twitter é uma rede social que permite ao usuário através de seu perfil acompanhar atualizações de

outros contatos em imagens ou em linguagem escrita em pequenos textos de no máximo 140 caracteres. Também pode ser usada tanto no computador ou smartphone.

14 Instagram é uma rede social em formato de aplicativo para smartphone para compartilhamento de

fotos e pequenos vídeos entre perfis de usuários que se “sigam” nessa rede. As postagens podem ser curtidas e comentadas. Atualmente conta com a ferramenta Stories em que cada usuário compartilha fotos, vídeos e transmissões ao vivo que ficam expostas por apenas 24 horas, sendo que o usuário pode verificar quem visualizou. Também permite conversas diretas com uma pessoa através da ferramenta Direct.

15 Snapchat é um aplicativo para smartphone em forma de rede social para compartilhamento de

imagens com ou sem filtro que duram apenas 24 horas, que podem ser divulgadas a todos os contatos do usuário ou somente para contato específico. Também pode ser utilizada a ferramenta Chat para conversas privadas.

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Diante da virtualização da vida, efeito das novas formas de comunicação, recorremos a Pierre Lévy, o filósofo da informação, como é conhecido, para aprofundar os conceitos de virtual e cibercultura/ciberespaço. Para esse autor o ciberespaço, também chamado de rede, é derivado da interconexão mundial dos computadores, como um novo meio de comunicação. Denota a infraestrutura material da comunicação digital bem como o universo de informações e os seres humanos que navegam nessa rede. Já cibercultura nomeia como o “conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço” (LÉVY, 1999, 16).

A respeito da tecnologia, Lévy entende que essa não é uma entidade autônoma e separada da sociedade e da cultura. O autor defende que a tecnologia está emaranhada aos humanos, como um produto de uma sociedade e uma cultura. O filósofo ainda destaca que as atividades humanas são dadas pelas interações constantes entre: “pessoas vivas e pensantes, entidades materiais naturais e artificiais, ideias e representações. É impossível separar o humano de seu ambiente material, assim como dos signos e das imagens por meio dos quais ele atribui sentido à vida e ao mundo” (LÉVY, 1999, p.19). Com isso, o autor não recusa a ideia de que, de fato, as técnicas acarretam em implicações sociais e culturais e, portanto, deve-se refletir na sua repercussão na vida dos sujeitos, já que não se pode mais como escapar dela.

Na expressão de Lévy (1996, p. 15):

A palavra virtual vem do latim medieval virtualis, derivado por sua vez de virtus, força, potência. Na filosofia escolástica, é virtual o que existe em potência e não em ato. O virtual tende a atualizar-se, sem ter passado, no entanto à concretização efetiva ou formal. A árvore está virtualmente presente na semente. Em termos rigorosamente filosóficos, o virtual não se opõe ao real, mas ao atual: virtualidade e atualidade são apenas duas maneiras de ser diferentes.

O autor está se referindo a característica do virtual como aquilo que existe apenas em potência e não em ato. O ato é o estado de realização de uma coisa para troca de mensagens de texto instantaneamente, que atualmente permite troca de vídeos, fotos e áudios através de uma conexão a internet, sem custo para o usuário.

17 Tinder é um aplicativo para smartphones que permite que os usuários que tenham perfis com

interesses em comum, analisem as fotos e marquem um encontro, ou na linguagem dessa ferramenta, um match.

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enquanto que a potência é a capacidade que algo tem para assumir uma determinação. Nesse sentido, a palavra virtual não significa irrealidade, como se algo devesse ser real ou virtual, sendo que para a filosofia o virtual não se opõe ao real mas sim ao atual. O virtual existe, embora não pertença a um lugar físico. O atual acontece, é a resposta aqui e agora. Na sua ótica, isso não significa que o virtual seja puramente imaginário (LÉVY, 1996).

O virtual, portanto, não é a diferenciação de real, mas sim do atual, como aponta: “o real assemelha-se ao possível; em troca, o atual em nada se assemelha ao virtual: responde-lhe.” (1996, p. 17). Na atualização “acontece então algo mais que a dotação da realidade a um possível ou que uma escolha entre um conjunto predeterminado: uma produção de qualidades novas, uma transformação das ideias, um verdadeiro devir que alimenta de volta o virtual” (LEVY, 1996, p.16-17).

Para o autor, uma característica do virtual é a desterritorialização, ou seja, a não-presença, não se está preso a um lugar ou tempo. Essa não-presença típica do virtual pode ser associada à ausência do corpo físico na interação digital. Esse aspecto é muito importante visto que “para Lacan é no corpo que o laço social acontece, é no corpo que o discurso se dá” (MOREIRA, 2013, p. 13) para ser uma experiência a relação precisa envolver as dimensões do corpo. O sujeito no discurso capitalista é convocado a ser a imagem do corpo, o que leva a dizer que a contemporaneidade é a cultura do espetáculo.

A dinâmica de relação das redes sociais digitais evidencia o exposto acima, pois se dá através de identificações e conexões entre semelhantes. Os envolvidos na cena virtual compartilham imagens e significantes, porém a primazia do imaginário de certa forma deixa a dimensão simbólica e a dimensão real do outro um tanto quanto de fora da relação, tornando a questão da presença um enigma. A porosidade e a efemeridade são as características mais marcantes dessa dinâmica, pois podem se fazer e desfazer as relações rapidamente, sendo que se dão por “encontros” virtuais, na subtração da presença física (RINALDI, 2011 apud LEMOS, 2016).

Como modelo dessa exacerbação do imaginário, cito as fotografias nomeadas como o selfie. Este já é considerado um fenômeno contemporâneo praticado pela maioria dos usuários de redes sociais digitais, trata-se de um autorretrato digital que é publicado nos perfis virtuais. Quando divulgada é que se nota o fenômeno, pois imediatamente se recebe, em linguagem digital, muitos

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comentários e curtidas. O grande exemplo disso é a selfie de grupo comandada

pela famosa apresentadora norte-americana de programa televisivo Ellen

DeGeneres no evento Oscar do ano de 2014. Essa fotografia teve mais de 2,7

milhões de compartilhamentos chegando a colapsar o Twitter por alguns minutos sendo a imagem tornou-se a foto mais “retuitada” até então.

A respeito disso, questiona-se se há uma significação, ou troca, nessa dinâmica, ou é apenas uma imagem falando de questões primitivas do sujeito que anseia pelo olhar do outro e um retorno sobre sua identidade? Citamos abaixo Maria Rita Kehl que faz um apontamento importante sobre a questão da visibilidade atual como maneira única de representação:

As formações imaginárias organizam-se em torno do eu narcísico, das identificações e das demandas de amor e reconhecimento. Existir por intermédio da imagem torna insuportável qualquer forma de exclusão – se eu não sou visto, eu não sou. Diante disso, qualquer forma de alteridade se torna ameaçadora. Há quem se autorize a tirar a vida alheia, ou mesmo prefira pagar, com a própria vida, o preço dos quinze minutos de fama e de visibilidade aos quais, supostamente, todos teríamos direito, já que a “fama” vem a ser o substituto da cidadania na cultura, do narcisismo e da imagem (KEHL, 2002, p. 25).

A respeito das relações contemporâneas temos o apontamento do sociólogo Zigmunt Bauman (2005) que afirma que por estarmos expostos a contatos facilitados pela tecnologia eletrônica, podemos estar sim perdendo a habilidade de desenvolver relações espontâneas com pessoas reais. O autor faz sua crítica aos novos modelos de relação: "hoje em dia, nada nos faz falar de modo mais solene ou prazeroso do que as “redes” de “conexão” ou “relacionamentos”, só porque a “coisa concreta” — as redes firmemente entretecidas, as conexões firmes e seguras, os relacionamentos plenamente maduros — praticamente caiu por terra" (BAUMAN, 2005, p.100).

As revoluções tecnológicas abriram caminho para a nova forma de comunicação e relacionamento, a saber, as redes sociais digitais. Toda essa evolução tecnológica acompanhada da virtualização da vida através de comunidades em rede faz surgir indiretamente o individualismo em rede, marca da relação contemporânea. Conforme Castells (2005):

Contudo, existe uma enorme mudança na sociabilidade, que não é uma consequência da Internet ou das novas tecnologias de comunicação, mas uma mudança que é totalmente suportada pela lógica própria das redes de

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comunicação. É a emergência do individualismo em rede (enquanto a estrutura social e a evolução histórica induz a emergência do individualismo como cultura dominante das nossas sociedades) e as novas tecnologias de comunicação adaptam-se perfeitamente na forma de construir sociabilidades em redes de comunicação auto-selectivas, ligadas ou desligadas dependendo das necessidades ou disposições de cada indivíduo. Então, a sociedade em rede é a sociedade de indivíduos em rede (p.23).

O autor defende que a tecnologia da informação fez aumentar a sociabilidade, porém essa é fortemente marcada pela satisfação das próprias necessidades, o que não significa dizer que exista laço social. Nesse espaço denominado virtual as tecnologias se destacam e as pessoas passam a integrá-las a sua vida “ligando a realidade virtual com a virtualidade real, vivendo em várias formas tecnológicas de comunicação, articulando conforme suas necessidades” (CASTELLS, 2005, p. 23).

Sobre esse mesmo tema, Raquel Recuero expõe que o que se reconhece no ciberespaço é uma representação ou uma expressão indenitária do sujeito, a partir de uma construção de si, ou construção do eu. As redes sociais seriam então espações concebidos como lugares no ciberespaço; trata-se de uma apresentação de si, a delimitação de um espaço privado, no interior de um espaço público. O que o sujeito busca ao se representar nas redes sociais na internet é fazer parte da sociedade em rede (RECUERO, 2009, p. 28).

Guy Debord, filósofo francês, foi um intelectual que produziu uma importante crítica sobre a sociedade moderna burguesa, a que nomeou como “sociedade do espetáculo”, título de seu livro do ano de 1967. Nesse texto o autor esclarece a informação e o consumo são as características desse modelo de vida que apresenta como espetáculo. O filósofo entende que o modo de produção moderna fez emergir essa sociedade, pois “tudo o que era vivido diretamente tornou-se representação.” (DEBORD, 2016, p. 13)

O que leva a sociedade a esvaziar-se simbolicamente? Debord sugere que houve uma troca importante na modernidade, em que o parecer se sobrepõe ao ter, como podemos observar na citação que segue:

“A primeira fase da dominação da economia sobre a vida social acarretou, no modo de definir toda realização humana, uma evidente degradação do ser para o ter. A fase atual, em que a vida social está totalmente tomada pelos resultados acumulados da economia, leva a um deslizamento generalizado do ter para o parecer [...]. Quando o mundo real se transforma em simples imagens, as simples imagens tornam-se seres reais e motivações eficientes de um comportamento hipnótico. O espetáculo, como

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