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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE EDUCAÇÃO SEMA 2º SEMESTRE 2009 (Prof. NILSON JOSÉ MACHADO)

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE EDUCAÇÃO – SEMA – 2º SEMESTRE 2009

(Prof. NILSON JOSÉ MACHADO)

Sobre O Mundo ou Tratado da Luz, de René Descartes:

(Por CRISTIAN VASCONCELLOS)

Redigido pelo autor em 1632, O Mundo ou Tratado da Luz é uma obra fantástica de René Descartes (1596-1640). Ela é o primeiro passo do autor em direção à realização dos sonhos que teve na noite de 10 para 11 de Novembro de 1919, onde vislumbra novos “fundamentos de uma ciência admirável”. Foi censurado, porém, pelo próprio autor quando, em 1633, soube que Galileu fora condenado pela Inquisição.

Embora as obras mais prestigiadas deste incrível pensador francês sejam aquelas em que estão suas idéias revolucionárias para a Filosofia e para a Matemática, O Mundo não deve ser ignorado: ele representa sua Física, cuja importância para o avanço da Ciência Moderna é enorme.

O Filósofo certamente marcou a história da Ciência por ser o primeiro a romper radicalmente com uma concepção medieval de mundo, herdada do tempo de Aristóteles, o que faz dele o principal iniciador do pensamento moderno. Além de O Mundo, obras posteriores, tais como o Discurso sobre o Método e

Meditações Metafísicas, inauguram juntas um novo paradigma

científico-filosófico, segundo o qual o homem - enquanto sujeito pensante - é capaz de chegar a um conhecimento certo e preciso da realidade, desde que faça bom uso de sua razão (tal como alguém que maneja uma ferramenta da forma correta). Isso fica evidente numa passagem do célebre início do Discurso do Método: “(...) Pois não basta ter o espírito [racionalidade] bom, mas o principal é aplicá-lo

bem.” (grifo meu). Assim, O Mundo deu uma grande contribuição para uma

nova leitura da realidade física no século XVII.

Todavia, infelizmente, esta obra geralmente não ganha o devido destaque e reconhecimento na história da Ciência. A superação da Física cartesiana pela Física newtoniana fez da comparação entre ambas um debate “fora de moda” no meio acadêmico. Por isso, busco aqui refletir sobre o papel da Física cartesiana para o desenvolvimento da compreensão e explicação dos fenômenos naturais.

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Contexto Histórico:

Descartes viveu em um momento crítico da história do conhecimento e da humanidade. Após séculos de Idade Média, a influência dos pensadores clássicos – como Platão e Aristóteles – ainda era predominante, inclusive permeando o pensamento de grandes representantes medievais, como S. Agostinho e S. Tomás de Aquino. A explicação “naturalista” dos fenômenos e a crença de que a Terra era o centro do Universo eram como “dogmas científicos”, promovidos pela Igreja Romana e resguardados sobre a “autoridade” aristotélica. Apesar do rigor argumentativo requerido nos debates filosóficos da época, existiam lacunas ou falhas metodológicas visíveis nos processos científicos medievais.

Por isso, uma nova maneira de se pensar e fazer ciência se fazia necessária. Surgem, então, nomes como Nicolau Copérnico (1473-1543),

Giordano Bruno (1548-1600), Galileu Galilei (1564-1642) e, mais tarde, Johannes Kepler (1571-1630) e Isaac Newton (1642-1727), cujas observações

astronômicas e questionamentos sobre a verdade científica iniciam uma espécie de movimento de ruptura com o pensamento medieval. Porém, o movimento intelectual de tais pensadores acabou por “incomodar” os líderes da Igreja Romana (que, na época, controlavam e até censuravam as publicações que os desagradassem).

Descartes participou desse movimento por acreditar ser necessário repensar o conhecimento científico. Questionava: Por que se costuma ter tanta certeza daquilo que se afirma ser verdade? E: Como proceder para que a Natureza seja compreendida segundo verdades evidentes? Sua meta era construir um saber certo, e não apoiado na autoridade e tradição. Assim, fica justificada a importância dada por Descartes à metodologia para a virtude da Ciência humana. Sua maneira de compreender a Natureza acabou contribuindo para o desenvolvimento da Física Moderna.

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Uma Nova Física:

Em sua descrição feita em O Mundo, o autor nos propõe que permitamos a nosso pensamento “(...) sair por um instante desse mundo, para vir ver um outro, totalmente novo (...)” (Descrição de um Mundo novo, desta mesma obra), onde tudo é dito em termos de suposição. É como se Descartes criasse uma nova

realidade, onde as leis naturais que se quer verificar na Terra valham; e, nesse

novo mundo, as hipóteses físicas são testadas, para se assegurar que as conclusões tiradas são plausíveis em nosso mundo real. Desse modo, o Filósofo não só evita o risco da perseguição pela Inquisição, mas principalmente abre espaço para a especulação científica, que é um poderoso instrumento de verificação de hipóteses até hoje.

Diferentemente da ciência escolástica, que definia como movimento qualquer tipo de mudança – mudança da forma, do calor ou da quantidade – a ciência cartesiana coloca o mundo como um grande “espaço geométrico”, onde nada importa considerar nos corpos senão suas dimensões espaciais, sua figura e seu deslocamento (ver Das leis da Natureza, desta mesma obra). Assim, pensando que existiam corpos compostos de partes [partículas] de diferentes grossuras e que, por causa dessas diferenças, elas se moviam de formas e com velocidades diferentes, Descartes desvincula a explicação causal dos fenômenos de atribuições associadas à natureza dos corpos, e substitui-as por outras meramente mecânicas. Na obra aqui descrita, Descartes propõe que a causa de fenômenos como combustão, trocas de calor e até a diferença entre os estados físicos da matéria devem-se apenas à diferença dinâmica que as partículas de corpos diferentes podem ter.

Descartes pensava a matéria como composta dos elementos fogo, ar e

terra, ou de combinações destes três. Desde o momento da Criação, toda esta

matéria do Universo teria recebido certa quantia de movimento de Deus; e, desde então, tal matéria teria conservado-o eternamente, segundo o que chamamos hoje de “conservação da quantidade de movimento”. É curioso que, para Descartes, a forma geométrica dos corpos influi no seu comportamento dinâmico; diferente de Newton, que relacionava tão-somente força e massa dos corpos.

Para Descartes não poderia haver interação à distância entre dois corpos. Por isso, para explicar fenômenos como o movimento dos corpos celestes, ele postulou que não existiria vazio no Universo (o espaço entre os corpos era preenchido por um "éter", que seria o meio pelo qual as forças poderiam ser

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transferidas). Assim, por meio de um modelo engenhoso chamado de Teoria dos

Turbilhões, o pensador coloca que a rotação do Sol, através do éter, criaria

“ondas” ou “redemoinhos”, que movimentariam os planetas e os astros de acordo com as diferentes grossuras e velocidades que suas partes [partículas] possam ter - tal qual uma batedeira. O éter também seria o meio pelo qual a luz se propaga, atravessando-o pelo espaço, desde o Sol até nós.

Já que para Descartes a matéria do Universo tem que estar em movimento, o movimento das partículas deve resultar em diversos vórtices em torno de um “Sol”, onde cada um dos vórtices dos turbilhões faz com que os planetas flutuem e sejam arrastados em círculo em torno dele, como palhas em um redemoinho de água. Cada planeta está, por sua vez, no centro de um redemoinho secundário no qual os seus satélites são carregados em órbita, explicando, assim, os efeitos observados no sistema solar. A partir desses princípios – e somente deles – Descartes pretende explicar todos os fenômenos naturais observáveis.

Pode nos parecer estranha a rejeição extrema de Descartes à idéia de ação à distância. Isso porque já estamos fortemente acostumados com o modelo newtoniano. Mas se paramos para pensar do ponto de vista cartesiano, a idéia de que a gravidade é uma força de atração aplicada à distância, sem qualquer contato material que a “transmita” do agente para o paciente, não é nada evidente e intuitiva; faz-se, portanto, mais razoável crer no modelo cartesiano, em que são as diferenças cinéticas entre as partes da atmosfera e as dos corpos terrestres que os “empurra” para baixo.

De fato, a Física cartesiana contida em O Mundo não consiste em uma teoria física no sentido atual, em que a Natureza é “dissecada” e descrita segundo modelagens matemáticas e mantêm a mesma estrutura lógico-dedutiva para embasar as evidências experimentais; antes, é muito mais um conjunto de hipóteses e reflexões de Descartes sobre o modo como ele acha que a Natureza realmente “funciona”. O texto de O Mundo se apresenta na forma de um tratado sobre os princípios naturais e suas conseqüências, seguidos sempre de suas justificativas racionais; não encontramos, como se poderia pensar, equações modeladoras e/ou descritivas dos fenômenos. Sua contribuição para o início da Física Moderna se dá, portanto, mais por sua metodologia, visando a uma compreensão mais fiel e precisa da Natureza, do que por conter uma estruturação matemática da Natureza (tal como ocorre com a Física newtoniana).

Essa preocupação de Descartes em fazer uma Física baseada em “leis naturais” tem um forte motivo histórico e epistemológico. Desde a época de Aristóteles, não se pensava a Física como um saber em que, a partir da admissão

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de algumas causas primeiras para o comportamento da Natureza (e só a partir de então), se poderia explicar os fenômenos. A Física na era Medieval era um conjunto de atribuições meramente qualitativas da Natureza, onde era a essência dos objetos que determinava o seu comportamento no mundo físico. Assim, após o movimento de ruptura iniciado por Galileu Galilei, Descartes lança os alicerces de uma nova Física, em que os objetos são regidos por causas que não estão neles, mas sim na própria Natureza; segundo a admissão de leis ou causas primeiras para o comportamento da Natureza, os fenômenos passam a ser tratados agora de forma quantitativa. Ao invés de procurar saber a essência dos objetos a serem estudados, se começa a medir suas grandezas, pois afinal, para o pensador, é isso o que realmente determina o comportamento físico dos objetos.

Apesar das deficiências presentes em O Mundo, sua proposta de interpretação da Natureza dominou na França por quase cem anos (mesmo depois que Newton mostrou que ela era impossível como um sistema dinâmico).

Conclusão: a importância de O Mundo:

Uma pergunta que pode surgir naturalmente neste ponto é: esses princípios propostos por Descartes a respeito do “funcionamento” da Natureza não foram, poucos anos depois, refutados e superados por Newton? Então, qual a importância de O Mundo para nós?

É verdade que o modelo cartesiano para a explicação da Natureza foi, há muito tempo, superado, e que ele se distancia muito daquele adotado usualmente como “válido”. (De fato, Newton, em 1687, examinou sua teoria e verificou que não apenas estava em desacordo com as leis de Kepler, mas também com as leis fundamentais da mecânica). Mas, em contrapartida, muitos dos pressupostos físicos que revolucionaram a Ciência no início da modernidade foram, ainda que de modo implícito, lançados por René Descartes nessa e em outras obras. Embora seja comum, por exemplo, atribuirmos a origem da noção de inércia tão-somente a Newton, já encontramos “traços” desse princípio físico em O Mundo, no mesmo capítulo - Das leis da Natureza, onde o autor propõe claramente uma explicação do movimento dos corpos sem a necessidade de haver uma força atuando permanentemente para que este esteja em movimento. Além disso, parece que Newton, no início de sua carreira, compartilhava de algumas idéias de Descartes sobre o éter e suas propriedades de interação com os corpos. Mais

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ainda, toda a nova maneira de olhar para a Natureza que caracteriza a Modernidade nasceu indiretamente dos princípios naturais cartesianos.

Logo, a invalidade da Física cartesiana atualmente não diminui a importância da contribuição de Descartes para a evolução dos conceitos científicos. Afinal, é muito provável que Newton se beneficiou da renovação filosófica e conceitual promovida por Descartes para a formulação de sua teoria, sem a qual, talvez, nunca teria chegado aonde chegou. O valor de O Mundo, portanto, não está no proveito que suas afirmações têm em absoluto, mas sim no “abrir de olhos” que seu autor, através dele, proporcionou a respeito do conhecimento da Natureza. Nosso hábito tão comum de só aceitar idéias

comprováveis é, em parte, a herança que recebemos desta obra magnífica e de

seu autor.

BIBLIOGRAFIA:

* http://www.arscientia.com.br/materia/ver_materia.php?id_materia=415 * http://www.cobra.pages.nom.br/fmp-descartes.html * http://nupic.incubadora.fapesp.br/portal * http://pt.wikipedia.org

* DESCARTES, René. 1632-1633. O Mundo ou Tratado da Luz. Érico Andrade (org. e trad.). São Paulo: Hedra, 2008.

* DESCARTES, René. Discurso sobre o Método (1637). * DESCARTES, René. Meditações [Metafísicas] (1641).

* CHALMERS, Alan F., 1939. A Fabricação da Ciência. Beatriz Sidou (trad.). São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1994.

* MARTINS, Roberto de Andrade. Descartes e a impossibilidade de ações à distância. In: FUKS, Saul (ed.). Descartes 400 anos: um legado científico e filosófico. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998. PP. 79-126.

* SABRA, A. I. Theories of light from Descartes to Newton. London: Cambridge University Press, 1981.

Referências

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