• Nenhum resultado encontrado

MODELOS DE LEITURA DO DIÁLOGO ENTRE RELIGIÃO E LITERATURA

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "MODELOS DE LEITURA DO DIÁLOGO ENTRE RELIGIÃO E LITERATURA"

Copied!
8
0
0

Texto

(1)

Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST0107

MODELOS DE LEITURA

DO DIÁLOGO ENTRE RELIGIÃO E LITERATURA

Antonio Geraldo Cantarela Doutor (Letras) Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais agcantarela@yahoo.com.br FIP (PUC Minas) e CNPQ (14/2014) ST 01 – DIÁLOGO ENTRE RELIGIÃO, ARTE E LITERATURA

Resumo: A leitura de obras literárias realizada sob o foco da Teologia produziu, nas últimas

três ou quatro décadas, no Brasil, grande número de estudos acadêmicos. Mais recentemente, o interesse pelas correlações entre arte/literatura e o campo religioso, em geral, faz-se cada vez mais presente também entre pesquisadores dos programas de Ciências da Religião. Isso se confirma, particularmente, pelas dissertações e teses sobre o assunto. De 1990 até 2013, cerca de 100 pesquisadores produziram quase 700 textos sobre o assunto, dentre artigos, livros, capítulos de livros, textos em anais de eventos, dissertações e teses. Para além dos dados numéricos que comprovam tal interesse, levantados através de pesquisa em andamento, a comunicação propõe-se a caracterizar e discutir alguns “modelos” de leitura que subjazem a essa produção. Destacam-se quatro “modelos” de leitura, parcialmente imbricados: i) modelo da compreensão teológica da literatura, na esteira da teologia da cultura de Romano Guardini e Paul Tillich; ii) modelo dialógico da literatura comparada, em que temas e textos de obras religiosas clássicas ou canônicas, da Bíblia por exemplo, são destacados na sua intertextualidade com obras literárias; iii) modelo dialógico teorizado, em que se busca fundamentação teórica para a construção do diálogo entre teologia/religião e literatura; iv) modelo dialógico temático, em que temas variados do âmbito da religião e da espiritualidade, como mística, teologia apofática, céu, inferno, Deus, Diabo, bem, mal et alii, são buscados e discutidos a partir do texto literário. Para além dessa tipologia, à guisa de conclusão, destaca-se uma questão específica: a da correlação entre literatura e “realidade histórica” e, em correlação a isso, o modo como a literatura “encena” o fato religioso.

Palavras-chave: Teopoética. Literatura comparada. Modelos de leitura. Anais do V Congresso da ANPTECRE

“Religião, Direitos Humanos e Laicidade”

ISSN:2175-9685 Licenciado sob uma Licença

(2)

Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST0107

Introdução

A presente comunicação propõe-se a caracterizar e colocar em discussão alguns “modelos de leitura” que subjazem à produção acadêmica no campo de conhecimento há algumas décadas cunhado de Teopoética. Adota-se esse termo, em seu sentido mais genérico e originário, para falar da relação entre Teologia e Literatura; mais exatamente, da leitura de obras literárias realizada sob o foco da Teologia. O interesse pelas correlações entre arte, em particular a literatura, e o campo religioso em geral faz-se cada vez mais prefaz-sente no rol das disciplinas que formam o espectro das ciências que estudam o fato religioso, em sua variadíssima gama de expressões. Comprova tal interesse o fato de, no Brasil, mais de uma centena de pesquisadores ter escrito algum texto sobre o assunto. Em pouco mais de duas décadas, de 1990 a 2013, cerca de 700 textos publicados em diferentes programas acadêmicos versaram sobre algum tema ou questão, cuja abordagem permite, sem maiores dúvidas, incluir aquelas produções no

campo da Teopoética.1

Para além desses dados numéricos, que atestam por si mesmos o interesse acadêmico pelo debate, impõem-se cada vez mais, na cena da discussão, as perguntas que colocam em cheque sua “validade acadêmica”. Isso parece ocorrer particularmente depois que cientistas da religião, alguns deles “migrantes” da teologia, engrossaram o número de pesquisadores do tema. (Pode ser que a hipótese não passe de uma falácia post hoc propter hoc).

Em vista do que se propõe, esta explanação organiza-se em dois momentos: No primeiro, destacará algumas questões que se colocam como “fundadoras” do debate, particularmente quando se pretende identificar “modelos interpretativos” que subjazem à produção na área, atendendo a pressupostos teóricos e metodológicos das Ciências da Religião. Depois, apresentará uma proposta de “modelos interpretativos” das produções em Teopoética que, no atual estágio desenvolvido por nossa pesquisa, talvez não incorpore novidades e não vá além de seu interesse didático.

1

Dados estatísticos sobre a produção em Teopoética, assim como alguns aspectos relacionados ao nosso interesse pelos “modelos de leitura” subjacentes a essa produção, foram apresentados em Horizonte, v. 12, n. 36, p. 1228-1251, out./dez. 2014. Dados parciais da mesma pesquisa foram publicados nos Anais do 27º Congresso Internacional da Soter, Belo Horizonte, 2014, v. único, p. 959-970.

(3)

Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST0107

1. Questões (im)pertinentes de princípio

Dentre as questões que fundamentam os debates no campo da Teopoética, uma das primeiras diz respeito aos critérios a partir dos quais se permite afirmar que determinada produção acadêmica pode ser incluída no rol daqueles debates. A pergunta se mostra aparentemente simples: Que ingredientes devem se fazer presentes no debate: uma temática pertencente ao âmbito das sacralidades? a referência a um texto reconhecido como literário? a existência de alguma intertextualidade entre as duas áreas correlacionadas? Entretanto, no bojo da questão, esbarramos de saída em categorias complexas que exigem uma delimitação prévia: que coisas pertencem ao âmbito do sagrado? o que define a qualidade do literário? que concepção de intertextualidade encontra-se no jogo?

Uma segunda questão, intimamente correlacionada à anterior, diz respeito à dinâmica que se estabelece no ato da leitura. Observe-se, na questão colocada acima, que as perguntas direcionam-se ao polo do texto, no sentido de identificar nele um conteúdo religioso, um traço literário, uma correlação possível. Entretanto, o ato da leitura configura um processo cujo polo dinamizador, em correlação ao mundo do autor e ao texto, situa-se no leitor e no seu mundo. Assim, para além do conteúdo trabalhado, brotam outras perguntas: quem é esse leitor (acadêmico, teólogo, cientista da religião, crítico de literatura)? de onde vem seu interesse em ler uma obra literária em correlação com o âmbito do sagrado? por que o faz em contexto acadêmico? que conhecimentos tem de literatura, de crítica literária, de teologia ou de ciências da religião? que valor ele mesmo e a academia atribuem a seu trabalho? Tais perguntas se tornam ainda mais prementes quando se sabe, pelo testemunho de alguns desses pesquisadores, que a tarefa da Teopoética configura, para eles, uma forma de espiritualidade.

As leituras teológicas/religiosas de obras literárias portam um traço curioso: relacionam categorias cuja compreensão se associa a um conteúdo (teológico) com categorias cujo valor se configura na forma (artística, literária). A disjunção entre forma poética e conteúdo teológico apresenta-se com relativa frequência nas produções

(4)

Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST0107 acadêmicas da Teopoética, mesmo entre grandes mestres. Ao avaliar o modelo de relação entre religião e literatura que se encontra na obra teológica do jesuíta uruguaio Juan Luis Segundo, Gross (2012, p. 105) explicita magistralmente o problema. Sintetizando o pensamento de Segundo, afirma: “A obra em si, enquanto bem cultural, é revestida de dignidade própria e pode-se considerar que as grandes obras da cultura manifestam valores existenciais inalienáveis”. Entretanto, avalia Gross, “esta dignidade está localizada primordialmente no conteúdo das obras. A ideia de que se transmitem valores parece desprivilegiar o seu aspecto formal, uma característica fundamental na arte. Nesse sentido, o modelo [de Segundo] carece de um tratamento mais aprofundado.” Na esteira dessa problemática e considerando que as produções acadêmicas na área (assim como em outras áreas) nem sempre têm a qualidade acadêmica desejável, consideramos ainda: uma boa reflexão teológica, no sentido de

que o tema abordado envolve questões de grande interesse para a

contemporaneidade, não atribui, só por essa razão, valor acadêmico ao produto.

Outra dificuldade que se põe a quem deseja realizar um ”trânsito seguro” pelo campo da Teopoética pode ser expressa, paradoxalmente, como “travessia insegura”. Em nossa pesquisa, propusemo-nos a buscar norte em discussões teóricas e de caráter metodológico presentes em várias publicações objeto de nossa pesquisa. Destacamos (e indicamos nas referências), dentre outras: Conceição, 2010; Gross, 2012; Rocha; Yunes; Carvalho, 2011; Magalhães, 2009; Sperber, 2011; Villas Boas, 2013. As discussões teóricas e metodológicas trazidas por essas obras revelam, já de começo, a riqueza de modos de construir interfaces entre religião/teologia e literatura. E indicam igualmente grande diversidade de princípios e fundamentos para o fazer teopoético.

Finalmente (mas não será a última nem a de menor importância), coloca-se a questão do interesse dos debates em Teopoética para as Ciências da Religião. A questão passa pelo debate mais amplo acerca de como se estabelecem as correlações entre as vivências históricas e os registros documentais que as referem. Pergunta-se: em que medida o documento (ele mesmo um constructo histórico) documenta a história? quais são seus limites? que possibilidades oferece para a compreensão do evento histórico? A questão adquire maior realce quando se toma como testemunha do evento histórico o texto literário.

(5)

Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST0107 No nível mais específico do debate, pressupomos que as Ciências da Religião têm como objeto de estudo o fenômeno religioso, em sua singularidade histórica. No âmbito da literatura e da crítica literária, os fatos religiosos ou sacralidades, enquanto elementos da diegese, não constituem propriamente um “documento” religioso da mesma espécie daqueles que são estudados pelos cientistas da religião. No texto literário, as sacralidades fazem parte de uma estratégia de criação: pessoas consagradas e beatas são personagens; lugares sagrados são configurações de espaços narrativos; discursos sobre Deus não configuram ato de fé ou elaboração de doutrina. Que interesse poderia ter para o campo de estudo do cientista da religião a encenação literária do fato religioso?

Conforme Ricoeur, por mais inventado que seja, o discurso literário está dependente das coisas. Diz expressamente o teórico: “A possibilidade de o discurso metafórico dizer qualquer coisa sobre a realidade esbarra com a constituição aparente

do discurso poético que parece não referencial e centrado em si mesmo.” (RICOEUR,

2000, p. 13). Assim, mesmo não sendo a representação de uma realidade de mundo, mas a projeção de um mundo, a obra literária não se compreende como objeto hipostático, um mundo à parte da realidade histórica na qual foi produzida. Seria cair na “falácia do texto absoluto” – conforme expressão de Ricoeur – pensar a obra ficcional como uma entidade sem mundo. (Cf. CANTARELA, 2010, p. 131-132). Sob tal pressuposto (e obviamente sem esgotar o debate sobre o assunto), entendemos que a literatura poderá oferecer-se ao cientista da religião como interlocutora na sua busca por compreender o fenômeno religioso.

2. Modelos de leitura do diálogo entre religião e literatura

Apresentamos em seguida nossa proposta para uma “tipologia” dos modelos de leitura que subjazem à produção bibliográfica brasileira em Teopoética. Nossa proposta de classificação levou em consideração alguns pressupostos teóricos e metodológicos, relacionados a uma concepção mais ou menos ampla de teologia, à especificidade do mister literário, à sua relação com a realidade histórica e às possibilidades de diálogo

(6)

Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST0107 entre religião e literatura. A discussão desses pressupostos aparece, em maior ou menor dose, em publicações sobre Teopoética, particularmente aquelas de caráter mais teórico.

O pressuposto fundamental compreende que há uma imprecisão de limites entre o discurso literário, objeto da fruição estética e da crítica literária, e o discurso religioso, objeto da fruição religiosa e da teologia. O texto literário não se oferece como objeto de leitura apenas à crítica literária, assim como o texto de caráter religioso não se reduz a mero objeto de estudo da teologia. Assim, por exemplo, antes de ser interpretado como palavra de Deus, o texto bíblico se entende como mito, saga, lenda, canto. E, nesse sentido, pode interessar ao leitor de literatura. Da mesma forma, a literatura, ao “redescrever” o mundo com seu poder heurístico, se oferece como fértil terreno para a Teologia e como interlocutora nas buscas das Ciências da Religião.

Ressaltamos que, em nossa pesquisa, uma das principais dificuldades para construir uma taxonomia da produção acadêmica em Teopoética revelou-se, na prática, na impossibilidade de “classificar” cada livro ou artigo numa única categoria. Diante

disso, indicamos uma proposta de classificação “híbrida” da produção, onde uma

mesma publicação poderá ser localizada em diferentes classes.

Em vista da construção de um quadro didático, indicamos, em suas linhas essenciais, quatro modelos de produção em Teopoética: a) o modelo da compreensão teológica da literatura; b) o modelo dialógico da literatura comparada; c) o modelo dialógico teorizado; d) o modelo dialógico temático.

Na esteira de Tillich, Romano Guardini, Urs von Balthasar e outros teólogos, o

modelo da compreensão teológica da literatura afirma que “a teologicidade das formas

poéticas não se limita ao poder de expressar os conteúdos de nossa preocupação última. Sob o foco de uma compreensão teológica da existência, [...] as formas poéticas serão, elas mesmas, enquanto poesia, expressões do sagrado. Serão teológicas não porque falam expressamente de Deus, dos deuses ou de alguma ‘preocupação última’.

Serão teológicas – falarão de Deus – porque são poesia. Teopoesia.” (CANTARELA,

(7)

Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST0107 O modelo dialógico da literatura comparada caracteriza-se pelo esforço em buscar traços de intertextualidade entre a Bíblia (e também outras obras canonizadas pelas tradições religiosas) e a literatura.

O modelo dialógico teorizado, no exercício de tecer interfaces entre religião e literatura, traz à tona também a discussão sobre os fundamentos teóricos desse mister. Caracteriza-se, pois, particularmente por buscar justificativas teóricas pra o diálogo entre religião e literatura. Este modelo tende a considerar a literatura em si mesma, em sua autonomia, em sua multiplicidade de realização, tomando tal pressuposto como condição indispensável para o diálogo criativo com a teologia. A obra literária terá relevância para a reflexão teológica se for respeitada em sua especificidade.

O modelo dialógico temático compreende que a interlocução entre o discurso teológico e o literário pode construir-se com elementos do mundo vivido, com foco em variados temas. Não se trata (apenas) de abordar teologicamente temas trazidos pela literatura, mas também (e talvez principalmente) de, pelo viés da leitura crítica da obra literária, destacar e assumir as ambiguidades e as contradições das vivências, das instituições e dos discursos religiosos. Assim, no modelo dialógico temático, a conversação entre teologia e literatura se faz pela livre eleição de temas presentes tanto nas obras literárias como nos discursos teológicos.

Referenciais

CANTARELA, Antonio Geraldo. O caçador de ausências: o sagrado em Mia Couto. 2010. 185 fls. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Programa de Pós-graduação em Letras, Belo Horizonte.

CONCEIÇÃO, Douglas Rodrigues da. Literatura e religião em discussão: revisitando interpretações, métodos e teorias. Cadernos da FaEL, v. 3, p. 1-23, 2010.

DE MORI, Geraldo Luiz; SANTOS, Luciano; CALDAS, Carlos. (Org.). Aragem do

sagrado: Deus na literatura brasileira contemporânea. São Paulo: Loyola, 2011.

GROSS, Eduardo. Modelos hermenêuticos para a percepção do religioso na literatura. In: HUFF, Arnaldo Érico; RODRIGUES, Elsa. (Org.) Experiências e interpretações do

(8)

Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST0107 MAGALHÃES, Antonio. Deus no espelho das palavras: teologia e literatura em diálogo. 2.ed. São Paulo: Paulinas, 2009.

MANZATTO, Antonio. Teologia e literatura: uma reflexão teológica a partir da antropologia contida nos romances de Jorge Amado. São Paulo: Loyola, 1994.

RICOEUR, Paul. A metáfora viva. Trad. de Dion Davi Macedo. São Paulo: Loyola, 2000. ROCHA, Alessandro; YUNES, Eliana; CARVALHO, Gilda. (Org.). Teologias e

literaturas: considerações metodológicas. São Paulo: Fonte Editorial, 2011.

SPERBER, Suzi Frankl. (Org.). Presença do sagrado na literatura: questões teóricas e de hermenêutica. Campinas: Publiel; Unicamp, 2011.

VILLAS BOAS, Alex. Teologia e Literatura como Teopatodiceia: em busca de um pensamento poético teológico. 2013. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade

Referências

Documentos relacionados

Vê-se a influência dos meios de comunicação de massa, da escola e da produção editorial brasileira como elementos de vital importância e impulsionadores de uma crise de leitura,

A leitura literária em sala de aula, como proposta interdisciplinar, para discutir ética por meio de uma razão sensível constitui-se como profícuo caminho para

50 A literatura infantil e juvenil indígena brasileira contemporânea: uma leitura da obra Irakisu: o menino criador, de Renê Kithãulu.. Contemporary Children’s and Juvenile’s

Sobre os modelos de PCK para o ensino de Ciências, apresentamos as propostas de Magnusson, Krajcik e Borko (1999), que segue a proposta original de Shulman, na qual o PCK surge

RESUMO Consciente da fragmentação do ensino e, da necessidade de contribuir com propostas que inter-relacionem os saberes – objetivamos apresentar e discutir uma proposta de

8 EXPERIÊNCIA DA PESQUISA 8.1 ANÁLISE DE DADOS DAS PRÁTICAS DE LEITURA– QUESTIONÁRIO Diante da proposta deste trabalho, na tentativa de obter subsídios para verificar se na