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Prova testemunhal 2021

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Raciocínio

Probatório

Coordenação: VITOR DE PAULA RAMOS

COLEÇÃO

Prova

testemunhal

Do Subje vismo ao Obje vismo,

do Isolamento Cien fi co ao Diálogo

com a Psicologia e a Epistemologia

VITOR DE PAULA RAMOS

edição Revista e atualizada

Raciocínio

Probatório

Coordenação: VITOR DE PAULA RAMOS

COLEÇÃO

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 31

1.

PREMISSAS DO NOVO RACIOCÍNIO PROBATÓRIO: DOIS MODELOS

PARA O FUNCIONAMENTO DA PROVA ... 33

1.1. Do modelo subjetivo: a crença do juiz como cerne da prova ... 36 1.1.1. Consequências gerais de sua adoção ... 39 1.2. Do modelo objetivo: o convencimento do juiz

retira-do retira-do cerne da prova... 41 1.2.1. Consequências gerais de sua adoção ... 44 1.3. O presente livro somente tem sentido sob a premissa

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1 • PREMISSAS DO NOVO RACIOCÍNIO PROBATÓRIO…

1.

PREMISSAS DO NOVO

RACIOCÍNIO PROBATÓRIO:

DOIS MODELOS PARA

O FUNCIONAMENTO DA PROVA

A1 organização de um sistema processual pressupõe

co-erência dos meios predispostos para o atingimento de um ou de alguns fins. É bastante importante, nesse sentido, que os operadores saibam quais são os elementos centrais de um sistema probatório, pois serão eles a determinar a utilida-de ou inutilidautilida-de dos instrumentos, iutilida-deias e teorias a esse respeito.

1. Versão seminal das ideias do presente capítulo foi originalmente publi-cada na forma de artigo, em PAULA RAMOS, 2015.

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Para efeitos didáticos, nesse capítulo falarei de duas for-mas básicas de pensar e, portanto, de desenhar um sistema probatório: uma que chamarei de modelo subjetivo (no qual o procedimento probatório gira em torno da crença do juiz), e outra que chamarei de modelo objetivo (que pretende retirar a figura da crença do juiz da centralidade do procedimento de confirmação e refutação de hipóteses sobre os fatos).

O objetivo da abordagem que farei aqui não é contar a história ou o desenvolvimento do raciocínio probatório em âmbito mundial, tampouco debater sobre as questões atuais da denominada concepção racionalista da prova2, ou suas

ver-sões. Este capítulo tem um objetivo muito mais modesto: pre-tende somente argumentar que a aproximação a um modelo subjetivo de raciocínio probatório exclui por si só a utilidade deste trabalho. Afinal, como será abordado, se o objetivo da prova é exclusivamente convencer o juiz, estando “dentro” dele todo e qualquer standard de correção ou de avaliação da pro-va, sequer caberia a pergunta sobre qual seria objetivamente o nível de fiabilidade de determinada prova; seria sempre do juiz a prerrogativa de, caso a caso, convencer-se, avaliando subje-tivamente qual prova (ou, no caso do presente trabalho, qual testemunha) serviu para convencê-lo e qual não serviu.

Por outro lado, ao adotar um modelo objetivo, um sistema jurídico concreto necessita melhorar a busca dos fatos proce-dida dentro do processo, a fim de que, cada vez mais, os fatos apurados correspondam ao que efetivamente ocorreu “lá fora”;

2. Sobre o tema vide, por exemplo, (inclusive para bibliografia pertinente sobre o tema), FERRER BELTRÁN, 2005: especialmente 79 e ss. e, mais

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1 • PREMISSAS DO NOVO RACIOCÍNIO PROBATÓRIO…

algo que implica considerar os avanços da ciência, a fim de alterar os procedimentos conforme conhecimentos atuais da epistemologia, da psicologia etc.

Vale a pena salientar que se trata de modelos ideais3, não

necessariamente existentes em concreto, que servirão, portanto,

3. Existem duas formas básicas de trabalhar com modelos jurídicos. A pri-meira é descrita por MARTINS-COSTA (2014:28) da forma que segue: “[S]ua

configuração [de um modelo] não está de uma vez por todas pronta e acabada: ao contrário, os modelos legislativos, jurisprudenciais, costu-meiros e negociais são tecidos em um processo que interliga experiên-cia soexperiên-cial e os esquemas teóricos pelos quais é aquela captada e objeti-vada em estruturas cognoscitivas”. Para utilizar esse primeiro modelo, portanto, é imprescindível percorrer a histórica e o desenvolvimento de uma determinada concepção, em uma conjugação “entre retropespec-tividade (…) e prospecretropespec-tividade” (MARTINS-COSTA 2014:30), com a finalidade

de vincular (no caso de modelos doutrinários) “tradição e antecipação”. Se fosse esse o objetivo do presente capítulo, para descrever o modelo da tradição racionalista, por exemplo, seria necessário fazer uma análi-se intensa sobre a tradição, sua história, análi-seus principais autores e, prin-cipalmente, sobre seu desenvolvimento no tempo (essa foi a sugestão, por exemplo, da Profa. Dra. Carmen VÁZQUEZ, que me brindou com

gen-til, atenta e muito importante revisão crítica deste trabalho). A segunda forma de trabalhar com modelos (utilizada, por exemplo, por TARUFFO,

1991:11 e MITIDIERO, 2015: 13 e ss.) é a forma de organizar uma

determi-nada matéria em modelos ideais; nessa forma de trabalhar, o autor de-senha modelos macro, descrevendo determinados pressupostos e fins que entende estarem presentes em cada modelo, para tentar explicar teoricamente o funcionamento de uma determinada instituição jurídica e as razões pela quais, em sua opinião, essa instituição funciona dessa forma. TARUFFO (1991:11), por exemplo, fala de dois modelos de Cortes

de Vértice, o modelo de Corte Suprema (“dotada de uma função de con-trole de legitimidade em estado puro, ou seja, de interpretação da lei em geral”) e o modelo de Corte de Terceira Instância (“que é Suprema porque se encontra no vértice do sistema recursal”), para explicar que, dependendo da finalidade designada a uma Corte de Vértice concreta (ou seja, se a Corte concreta, aquela que existe em determinado lugar do mundo, está mais próxima ao modelo de Corte Suprema ou de Corte de Terceira Instância), dever-se-ão esperar, segundo o autor, funciona-mentos e resultados de um tipo ou de outro. Esse modo de trabalhar com modelos, portanto, quando utilizado de um modo macro, pode

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somente para fins didáticos, como norte para a avaliação de sistemas concretos e reais de prova testemunhal. Assim, mos-trar-se-á, nesse sentido, que, partindo-se de um modelo obje-tivo de raciocínio probatório, em relação à prova testemunhal deverão ser feitas muitas críticas e adaptações no procedimen-to, que estejam de acordo com os conhecimentos mais atuais da epistemologia e da psicologia.

1.1.  DO MODELO SUBJETIVO: A CRENÇA DO JUIZ COMO CERNE DA PROVA

O modelo subjetivo gira em torno da ideia de que aquilo que se tem como provado se vincula à crença ou convicção do juiz acerca dos fatos. Na processualística clássica, há autores que fizeram referência à convicção, afirmando que, median-te a prova, o juiz chegaria “a um resultado que se traduz em uma convicção sobre os elementos que foram objeto da prova [...] É o que se pretende com a prova: alcançar a convicção, chegar a ela”4; que “a finalidade processual da prova é

conven-cer o juiz”5, ou mesmo “formar no espírito do juiz um

esta-do de convencimento acerca da existência e inexistência das

acabar por eliminar características finas e micro dos sistemas ou das ideias. Neste capítulo trabalharei com essa segunda forma de modelos, o que, sem dúvidas, significará que farei um desenho macro que, por vezes, poderá resultar em um desenho feito com um lápis grosso (como bem destacado pela Profa. Dra. Carmen VÁZQUEZ).

4. SENTIS MELENDO, 1979: 40. No mesmo sentido, GOLDSCHMIDT, 1936: 255-256.

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2 • A PROVA TESTEMUNHAL E SEU ESTADO DA ARTE NA DOUTRINA …

2.

A PROVA TESTEMUNHAL E SEU

ESTADO DA ARTE NA DOUTRINA

E NA JURISPRUDÊNCIA

A prova testemunhal, na história do Direito, passou por inúmeros “altos e baixos”. Houve civilizações em que a palavra de uma pessoa de moral socialmente reconhecida era a melhor forma de provar uma hipótese fática. Hoje em dia, há muita confusão e poucas certezas sobre o tema.

Na prática forense, é corriqueiro e, quiçá, até instintivo que um advogado peça “provas mais robustas” a um cliente que pretenda provar suas alegações “somente” com provas testemunhais. Isso porque é de conhecimento comum ser a prova testemunhal mais “adaptável”40 do que, por exemplo,

40. CARNELUTTI (1947: 140-143), que, entretanto, cita tal adaptabilidade como

uma vantagem, pois a prova testemunhal poderia se adaptar às exigên-cias de quem está investigando os fatos, por exemplo, o juiz.

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um documento. Por outro lado, é também comum na prática forense (inclusive em contextos criminais, como será demons-trado a seguir) que os tribunais decidam somente com base na palavra de uma testemunha, considerando não ser essa prova “menos sólida” do que outras.

Antigamente se afirmava, nesse sentido, que “em um aci-dente de trânsito [...] não há documento possível”41, mas,

atu-almente, é bastante comum que processos sobre responsabi-lidade no trânsito venham instruídos com fotografias, croquis ou até mesmo filmagens (em um mundo em que quase todos possuem um celular no bolso com câmera fotográfica); há quem diga, de resto, que isso ocorreria porque “à medida que [...] se multiplicam as relações entre os homens, a necessidade do documento se impõe cada vez mais intensamente”42.

A verdade, portanto, é que é bastante comum verificar na doutrina e na jurisprudência posições ambivalentes e, por ve-zes, diametralmente opostas a respeito do tema.

O objetivo do presente capítulo, portanto, é conhecer o cenário jurisprudencial e doutrinário em relação à prova tes-temunhal: quais são as crenças preponderantes sobre essa? Antes de responder tal questionamento, vale a pena dizer que não pretendo oferecer um panorama ilimitado, tomando-se por base especialmente ordenamentos da tradição de civil law, similares ao brasileiro, bem como doutrina de tais países; e só de forma exemplificativa serão feitas menções (dessa mesma forma) à situação de outros países.

41. COUTURE, 1942: 217.

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2 • A PROVA TESTEMUNHAL E SEU ESTADO DA ARTE NA DOUTRINA …

A ideia, por óbvio, não é esgotar o tema, mas ter um pa-norama geral que será, nos capítulos seguintes, submetido ao crivo da epistemologia do testemunho (a fim de que se veri-fique se, sem ulteriores confirmações probatórias, é possível presumir que o testemunho seja verdadeiro) e ao da psico-logia do testemunho (a fim de que se verifique se a ciência experimental confirma ou não as ideias que os operadores do Direito têm da testemunha).

2.1.  NOÇÕES PRELIMINARES

Em primeiro lugar, inclusive para que se saiba do que se está falando, é preciso destacar alguns aspectos da prova teste-munhal que a processualística reconhece como características desse tipo de prova.

Costuma-se definir a prova testemunhal como uma pro-va oral, produzida diante de uma “corte de justiça ou de uma comissão de inquérito”43 mediante a qual alguém que não é

parte no processo faz uma declaração que tem por objeto a “reconstrução histórica ou a representação narrada de fatos re-levantes para o julgamento, ocorridos anteriormente e sabidos [avvertiti] pela testemunha ou percebidos com seus próprios sentidos”44.

Vale a pena ressaltar alguns elementos dessa definição: via de regra, a prova é produzida perante uma corte de justiça ou

43. COADY, 1992: 27.

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equivalente, a testemunha é um terceiro pretensamente impar-cial e seu testemunho deve se referir, pelo menos em tese, a fatos relevantes para a causa45, alegadamente presenciados pela

testemunha46.

Tradicionalmente, aponta-se que o testemunho, ao con-trário do documento, não é um objeto, mas, sim, um ato47. Isso

porque em uma fotografia, por exemplo, fixam-se na super-fície do papel linhas que se reproduzem sozinhas, sem qual-quer necessidade de intervenção ulterior do homem48. No caso

do testemunho, por outro lado, é o homem que “reproduz”, ele próprio, “com a voz ou com o gesto, as linhas [...] depois de tê-las percebido, sem qualquer intervenção exterior na reprodução”49.

Justamente por isso, diz-se que, enquanto o documento é

vox mortua, o testemunho é vox viva: a testemunha, ao

con-trário do documento, não é imediatamente representativa, ou mesmo permanente, sendo mais flexível e, por isso, estando mais sujeita a influências50.

45. No mesmo sentido, MARINONIE ARENHART, 2015: 788: “[...] por meio da

pro-va testemunhal obtém-se, através das declarações de alguém estranho à relação processual, determinada versão de como se passaram certos fatos importantes para a definição do litígio”.

46. “O direito destaca, no universo das coisas que a testemunha sabe, as coisas que ela sabe por ‘conhecimento próprio’, permitindo que ela tes-temunhe somente a respeito disso.” DUMMET, 1994: 251.

47. CARNELUTTI, 1947: 139.

48. CARNELUTTI, 1947: 139-140. 49. CARNELUTTI, 1947: 139-140. 50. CARNELUTTI, 1947: 140-143.

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2 • A PROVA TESTEMUNHAL E SEU ESTADO DA ARTE NA DOUTRINA …

O testemunho, segundo a doutrina, é uma “manifestação da ideia que a testemunha tem [ou, na minha opinião, diz ter] do próprio fato”51. Daí que se sustente que, para analisar a

pro-va testemunhal, seja necessário analisar o próprio homem: “a dificuldade de conhecer o testemunho não é outra senão a de conhecer o homem”52.

Assim como os fatos e os homens são diferentes entre si, as experiências testemunhadas também o são. Falar de teste-munho é, dessa forma, em verdade, falar de testeteste-munhos. Afi-nal, serão objeto de testemunhos desde fatos observados em um milésimo de segundo, como um acidente de carro ou um homicídio, até fatos observados ao longo de anos, como o pa-gamento sistemático de propinas ou a sonegação de impostos; desde fatos praticados de maneira “distante” da vida da teste-munha, como um acidente envolvendo terceiros, até um muito próximo, como um incidente no ambiente laboral, que poderá ter como consequência a demissão de um colega que trabalha na mesa ao lado.

Assim, o enfoque do capítulo, reitere-se, não terá preten-são de exaustividade, já que, para verificar o cenário jurispru-dencial e doutrinário (como proposto), dever-se-ão realizar, por vezes, recortes metodológicos e, em outras vezes, propor algumas generalizações.

51. CARNELUTTI, 1947: 154.

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2.2.  ADMISSIBILIDADE

2.2.1.  Exclusão por conta do objeto (fato a ser pro-vado). Hierarquias entre meios de prova?

2.2.1.1.Posição a favor da hierarquia entre meios de pro-va e necessidade de propro-va “mais segura” do que a testemunhal para a prova de determinados fatos

Um dos principais aspectos de confusão na doutrina e na jurisprudência, gerador de uma série de outros tantos, é discu-tir a confiabilidade, genérica, da prova testemunhal; isto é, sa-ber se esta vale mais, menos ou igual a outros meios de prova. Dependendo dessa (des)valorização em abstrato, a doutrina e a jurisprudência, e também os legisladores, concebem a neces-sidade de estabelecer maiores ou menores cuidados a respeito da admissibilidade da prova testemunhal. Deve-se destacar que me refiro aqui à admissão, e não a se a prova testemunhal

sozinha pode superar os standards de prova A ou B.

O principal ponto que poderia gerar certo “medo” da pro-va testemunhal seria o fato de ser essa “maleável”, “flexível” ou “adaptável”53. Afinal, o testemunho acaba passando “através do

prisma da nossa personalidade”, de modo que, um prisma dife-rente pode “colorir [a narrativa] de modo difedife-rente, dependen-do das cores que possui [...] nosso eu”54, somando-se a “falhas

naturais da memória” e à “interferência de outros elementos externos que turbam a lembrança”55.

53. CARNELUTTI, 1947: 140-143.

54. ALTAVILLA, 1955:

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2 • A PROVA TESTEMUNHAL E SEU ESTADO DA ARTE NA DOUTRINA …

As chamadas “deficiências da prova testemunhal”56,

se-gundo parte da doutrina, motivaram, ao longo do tempo, que “o legislador, cautelosamente, procura[sse] restringir o campo de incidência da prova testemunhal, atento à necessidade de segurança e certeza das relações jurídicas”57. Dessa forma, em

alguns sistemas introduziu-se, por exemplo, a proibição de prova exclusivamente testemunhal para a prova de contratos acima de determinado valor. No Brasil, por exemplo, antes do CPC de 2015, o Código Civil previa, em seu art. 227, que, sal-vo os casos expressos, a prova exclusivamente testemunhal só seria admitida nos negócios jurídicos cujo valor não ultrapas-sasse o décuplo do maior salário mínimo vigente no País58; isso

foi confirmado pelos tribunais, que estabeleceram que:

[...] é inadmissível a prova exclusivamente teste-munhal para certificar a ocorrência do pagamen-to, principalmente no caso de o valor controverso ser maior [do] que o décuplo do maior salário mí-nimo vigente no país e quando não apresentado início de prova documental da alegada transferên-cia da quantia substantransferên-cial em dinheiro59.

56. LOPES, 1977: 293-296.

57. LOPES, 1977: 293-296.

58. Regra similar vai prevista no art. 2721 do Código Civil italiano, que, en-tretanto, como destacado pela doutrina, “sobreviveu porque a desva-lorização monetária anulou a possibilidade prática de aplicação” (PROTO

PISANI, 2006: p. 421). Isso porque, atualizada para hoje em dia, a regra

prevê que “a prova do contrato por testemunhas não é admitida quan-do o valor quan-do objeto excede € 2,58”. Na Espanha, da mesma forma, a regra do art. 51.I do Código Comercial, que, atualizada, traria o limite de € 9, já havia, segundo a doutrina, sido deixada sem conteúdo mesmo antes da LEC de 2000. Nesse sentido, CHOZAS ALONSO, 2010: 174.

59. STJ, 3ª Turma, AgRg no AREsp 564.738 – SP, rel. Ministro Moura Ribei-ro, julgado em 12.02.2015, DJe 20.02.2015. Em sentido análogo, TJSP,

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Parte da doutrina alegava que essa disposição, revogada pelo CPC de 2015, como forma de permitir a prova testemu-nhal somente em contratos de “menor importância”, sendo a prova documental, por outro lado, sempre admissível60.

De-correria daí, portanto, segundo alguns autores, que a prova documental seria superior hierarquicamente à testemunhal61.

Apesar de tal regra ter sido revogada, outras previsões le-gais nesse sentido persistem, como a impossibilidade de prova exclusivamente testemunhal para a comprovação de tempo de serviço para obtenção de benefícios previdenciários (art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91), ou para a comprovação da condição de seringueiro recrutado para recebimento de pensão mensal vi-talícia (art. 3º da Lei 7.986/89, alterada pela Lei 9.711/98). Tais disposições foram também constantemente validadas pelos tribunais, entendendo-se, por exemplo, que “a teor do disposto no § 3º do artigo 55 da Lei 8.213/91, o tempo de serviço há de ser revelado mediante início de prova documental, não sendo admitida, exceto ante motivo de força maior ou caso fortuito,

32ª Câmara de Direito Privado, Apelação 1000515-49.2015.8.26.0048, relator: Maria de Lourdes Lopez Gil, Comarca: Atibaia, julgado em: 01.06.2017, data de registro: 02.06.2017.

60. CASTIGLIONE, 1962.

61. Vide, por exemplo, CASTIGLIONE (1962), para quem: “O pensamento que

ressalta, inequivocamente, do Código Civil, mostra que, em contratos de pouca importância, é admissível a prova exclusivamente testemu-nhal, e, em contratos de maior importância, a prova exclusivamente tes-temunhal é inadmissível, ao passo que a prova por escrito é admissível em todos os contratos.

Com isso, o Código Civil estabeleceu o seguinte: a prova por escrito é superior à prova testemunhal, o que significa a consagração de uma hierarquia entre as duas provas”.

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3 • A CIÊNCIA E AS PREMISSAS DA DOUTRINA TRADICIONAL

3.

A CIÊNCIA E AS PREMISSAS

DA DOUTRINA TRADICIONAL

3.1.  A EPISTEMOLOGIA E O TESTEMUNHO (OU AS EPISTEMOLOGIAS DO TESTEMUNHO): A PRE-SUNÇÃO DE VERACIDADE DO TESTEMUNHO JURÍDICO EM XEQUE

Michele Taruffo é, sem sombra de dúvidas, um dos prin-cipais autores que chamou a atenção da processualística para o fato de que trabalhar com direito probatório envolve, necessa-riamente, busca da verdade. Não por acaso, de resto, Taruffo defende uma dimensão epistêmica do processo, que “existe e possui uma importância basilar”204 dentro desse.

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Como demonstrado no primeiro capítulo do presente tra-balho, a aproximação a um modelo objetivo do procedimento probatório – mediante o qual se sustenta a verdade por

corres-pondência como fim último e vê a prova em uma relação

tele-ológica com a verdade – faz com que seja necessário avaliar os procedimentos e as técnicas utilizados, para poder verificar se estão adequados ou não, em tese, à busca da verdade. A ideia do presente capítulo é, portanto, questionar uma premissa bá-sica “escondida” em todo o raciocínio que muitos sistemas ju-rídicos fazem a respeito da prova testemunhal: o de que o que a testemunha diz deve ser considerado verdadeiro, salvo prova em contrário.

Os desafios, entretanto, não serão poucos, já que, para isso, recorrerei à chamada epistemologia do testemunho. E considerando que a epistemologia do testemunho (ou melhor, as epistemologias do testemunho) é um campo relativamen-te novo205, pouco há de consenso na área. Tal dificuldade não

aparece somente quanto às divergências de resultados: as pró-prias premissas, definições e nomenclaturas sobre os temas básicos da área são muito variados entre os diferentes autores e autoras.

205. Apesar dos escritos de REID, HUME e todos os demais autores anteriores,

que serão abordados oportunamente, a obra de COADY (1992) é a

pri-meira monografia dedicada inteiramente ao tema (FRICKER, 1995), sendo

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3 • A CIÊNCIA E AS PREMISSAS DA DOUTRINA TRADICIONAL

3.1.1.  Noções preliminares

3.1.1.1.  O testemunho na epistemologia e no Direito206

Para a epistemologia, o testemunho é um conceito muito mais amplo do que o correlativo do direito, uma vez que envol-ve não só prestação de informações em juízo, ou em ocasiões jurídico-formais, mas as comunicações do dia-a-dia207: o

tran-seunte que indica a outro onde fica a estação, o filho que afir-ma ter ouvido um barulho no pátio, o jornalista que narra em uma matéria o estado de determinada estrada etc. Para os efei-tos do presente trabalho, portanto, tratar-se-á o testemunho corriqueiro, “natural”, como testemunho em sentido amplo, e o testemunho prestado no direito, “formal”, como testemunho

jurídico.

Em uma visão ampla, portanto, o testemunho, para a epistemologia, diz respeito a comunicações ordinárias208,

ocorrendo mediante meios escritos ou falados com “aparen-te comunicação factual”209; ou, em outras palavras, mediante

“manifestações e inscrições que clamam passar informação e transmitir confirmação da informação passada”210. Chega-se

206. Os autores da epistemologia, em geral, usam a nomenclatura “testemu-nho formal” para referir-se ao testemu“testemu-nho no direito e “testemu“testemu-nho na-tural” para referir-se ao testemunho da epistemologia. A nomenclatura, que nos parece pouco esclarecedora, é de COADY (1992: 38).

207. “[...] it [testimony] happens whenever one person tells something to

some-one else.” GREEN, 2008.

208. Ou “ordinary tellings”. MCMYLER, 2011: 11.

209. “[P]urportedly factual communication.” FRICKER, 2006: 592.

210. “[U]tterances and inscriptions that purport to convey information and

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mesmo a afirmar que o testemunho natural diz respeito a “tan-tas obtenções de informações quan“tan-tas possível tendo por base comunicação linguística”211.

Apesar de ser fácil vislumbrar exemplos de testemunhos em sentido amplo, há divergência entre os(as) estudiosos(as) da epistemologia a respeito de quais condições seriam necessá-rias para configurá-lo. Coady oferece uma definição restritiva, segundo a qual alguém testemunha mediante uma afirmação

p se e somente se: (1) a afirmação de p for prova de que p e for

oferecida como prova de que p; (2) quem afirma tiver com-petência, autoridade ou credenciais para afirmar verdadeira-mente que p; (3) a afirmação de p for relevante para alguma questão controversa ou não resolvida, sendo dirigida àqueles que possuem a necessidade de ter provas sobre o tema212.

Tal visão parece, entretanto, muito estrita, excluindo in-devidamente situações que configuram testemunhos. Nesse sentido, em primeiro lugar, não parece necessário que a afir-mação seja realmente prova de que p, mas simplesmente que seja oferecida como tal. Como aponta Lackey, se o testemu-nho oferecido como prova não for de fato prova, isso só fará dele um testemunho ruim, não um testemunho inexistente213.

211. “as many acquisitions of information on the basis of linguistic

communica-tion as possible.” SHIEBER, 2015: 11.

212. “A speaker S testifies by making some statement p if and only if: (1) His

stat-ing that p is evidence that p and is offered as evidence that p. (2) S has the relevant competence, authority, or credentials to state truly that p. (3) S’s statement that p is relevant to some disputed or unresolved question (which may, or may not be, p?) and is directed to those who are in need of evidence

on the matter.” COADY, 1992: 42.

Referências

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