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Historiador, Jornalista e Cronista: Jota Efegê e a construção da história e da memória da música popular brasileira.

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Academic year: 2021

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Historiador, Jornalista e Cronista: Jota Efegê e a construção da história e da memória da música popular brasileira.

CAMILA MEDINA ZANÃO*1

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2 Historiador, Jornalista e Cronista: Jota Efegê e a construção da história e da memória da música popular brasileira.

Resumo:

O presente trabalho tem como principal objetivo investigar a construção da história da música popular brasileira, excepcionalmente aquela que se originou no âmbito da chamada primeira geração de historiadores interessados no tema2. A partir da análise das crônicas derivadas da prática jornalística, memorialista do carioca nascido no início do século XIX, João Ferreira Gomes, mais conhecido como Jota Efegê, buscar-se-á compreender como o universo citadino e boêmio do Rio de Janeiro, o samba, os sambistas e o carnaval eram representados nesses seus escritos e como essas representações atuaram na construção dessa história da música popular brasileira que se constituía temporalmente e era constituída discursivamente nesse momento singular.

Palavras-chave: Identidade – crônica – memória – cultura.

2 Segundo expressão citada por Moraes, J.G.V. de. “História e historiadores da música popular no Brasil” in: Latin American Music Review, vol. 28, 2. Austin-Texas, EUA, 2007; pp.271-299.

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3 No final do século XIX e início do século XX, um grupo de jornalistas, e, sobretudo, amantes da música popular brasileira deu início a uma produção sobre o tema. Esses se tornaram, naquele momento, os únicos historiadores interessados na música popular urbana que acabava de nascer, pois, os intelectuais do período, estavam preocupados com a difusão da cultura nacional, para qual essa música, segundo esses, não tinha a menor relevância.3 Para Mário de Andrade, ilustre personalidade de nossa meio intelectual, por exemplo, a busca pelas tradições folclóricas é que permitiria o acesso à verdadeira música popular. Para o célebre autor de Macunaíma, portanto, a música urbana era “popularesca”, ou seja, sem brasilidade, meramente comercial.4

Com o objetivo de fazer uma “história da música popular” a partir de diferentes abordagens, esses jornalistas buscaram, de maneira inovadora, compreender a importância da música popular na formação das identidades da população urbana - isso feito em um período marcado intensamente pelas preocupações em torno da busca ou mesmo invenção de uma identidade nacional. Eles criaram paradigmas que seriam utilizados posteriormente.5 Entre nomes como Vagalume, Orestes Barbosa, Mariza Lira, Edigar Alencar, Almirante, Lúcio Rangel e Ary Vasconcelos, o mulato, carioca e torcedor do Madureira – talvez o único, segundo o amigo Carlos Drummond de Andrade – Jota Efegê compilou, registrou, recortou, problematizou e, sobretudo, vivenciou fatos que fazem parte da memória desse universo musical. Através de suas crônicas, publicadas em jornais de grande circulação na cidade do Rio de Janeiro - como o Globo, Correio da Manhã, O Jornal, e também na Revista de Música Popular, publicação voltada a um leitor interessado – Jota Efegê atuou de maneira peculiar e não menos inovadora como agente no processo de institucionalização da música popular. Na tentativa de compreender o universo cultural da cidade em que viveu e que tanto amou e no relacionamento desta com a música, criou ainda paradigmas investigativos próprios –

3 Em Música e ideologia no Brasil, Contier, A., explicita como a ideologia nacionalista colabora para formar uma escola musical que se opõe a determinados gêneros musicais. Ver in Contier, A. Música e Ideologia no Brasil. São Paulo. Novas Metas, 1985.

4 Andrade, M. Aspectos da Música Brasileira. São Paulo/Brasília: Martins Fontes/MEC, 1975.

5 Sobre a invenção das tradições nacionais ver in Hobsbawn. E. A invenção das tradições. Rio de Janeiro. Paz e Terra. 1997.

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4 pretensiosamente científicos – e contribuiu com relevância à historiografia da música insurgente em sua época.

A “escuta ideológica” 6 presente na obra desse jornalista, permite uma aproximação com essa linha constituinte da nossa tradição musical popular, principalmente urbana, que para NAPOLITANO (2007, p.06) “foi fundamental para a formação da auto-imagem musical do brasileiro e para a afirmação desse gênero como fenômeno cultural amplo e complexo”. A música popular brasileira, portanto, não foi apenas um fenômeno cultural, social e histórico, mas também aconteceu como discursos/narrativas que se perpetuaram pela memória de Efegê. O decorrer da carreira de Efegê, na verdade João Ferreira Gomes, nascido no início dos anos 19007, está intimamente relacionado à formação e popularização do conceito de música popular, à ascensão do samba a símbolo da identidade nacional e às mudanças ocorridas no carnaval, sendo estes temas interessantes ao jornalista. Efegê fez parte do grupo de cronistas carnavalescos que praticamente inaugurou o gênero, servindo de ponte entre a sociedade letrada e os protagonistas dos festejos populares no processo de sedimentação do carnaval como símbolo de nossa nacionalidade.

Na trajetória desse pesquisador incansável de coisas ligadas à cidade e ao povo carioca é interessante perceber sua atuação em diferentes meios de comunicação. Inicialmente, escreveu em publicações de grande circulação, ou seja, que atingiam o “público leigo”. A esse público levou informações sobre música em forma de crônicas, contribuindo, portanto, para a formação do gosto musical de seus leitores. 8 O caráter crítico de seus escritos em relação à música contemporânea é ponto fundamental para entender seu pensamento e as ideias que repassava ao seu público leitor.

Com a criação da Rádio Nacional em 1936, a música popular alcança seu espaço na cultura brasileira. O rádio nesse momento assume para Efegê uma via de mão dupla, pois ao mesmo tempo em que divulga essas canções popularescas, essa indústria também ajudou na sobreposição do samba, expressão genérica da música popular, sobre as modinhas, lundus e tanguinhos. 9 NAPOLITANO (2007, p.09) reafirma essa postura crítica de Efegê, pois,

6 O conceito de “escuta ideológica” foi retirado de Contier, A. Música e ideologia no Brasil. São Paulo. Novas Metas, 1985.

7 Há imprecisão quanto a sua data de nascimento. Seus amigos e mesmo seus biógrafos, apresentam essa questão e apresentam algumas possíveis datas: 1902, 1898 ou ainda 1904.

8 Contier, A. Música e ideologia no Brasil. São Paulo. Novas Metas, 1985. 9 Idem, ibidem, p. 54.

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5 segundo ele, “esses novos críticos marcados pelo nacionalismo folclorizante, desvalorizavam a cena musical contemporânea, idealizando um tempo instituinte do samba, situado entre os anos 1920 e 30, a “época de ouro””.

Os textos escritos na Revista de Música Popular constituem um elemento interessante na carreira de Efegê. Essa inovadora publicação, organizada por Lucio Rangel e Pérsio de Moraes, circulou entre 1954 e 1956 e objetivava atingir um público interessado. Portanto, nesse período o autor contribuiu para a formação de alguns conceitos de música popular junto a outro tipo de público, mais intelectualizado.

Em 1931 publicou O Cabrocha, livro de crônicas e reportagens sobre as gafieiras cariocas. Voltou como colaborador do Jornal do Brasil (1964-1967) e depois em O Globo. Foi a partir 1960 que Efegê preocupou-se em resguardar a memória de nossa música popular, publicando os livros: Ameno Resedá, o rancho que foi escola, Rio de Janeiro, 1965; Maxixe — a dança excomungada, Rio de Janeiro, 1974; Figuras e coisas da música popular brasileira — vol. 1, Rio de Janeiro, 1978, e vol. 2, Rio de Janeiro, 1980; Figuras e coisas do carnaval carioca, Rio de Janeiro, 1982; e Meninos, eu vi, Rio de Janeiro, 1985.10 “Meninos, eu vi”, “Figuras e coisas do carnaval” e os dois volumes de “Figuras e coisas da música popular brasileira” reúnem 525 crônicas veiculadas entre 1920 e 1980 nos diversos meios de comunicação para os quais o autor escreveu.

Outro aspecto pertinente é a questão da cientificidade e da memória na narrativa da personagem em questão. Os títulos de suas colunas e obras já pressupõem esse caráter memorialista, mas, paralelamente, Efegê sempre cita as fontes de onde retira suas informações, bem como os nomes de batismo daqueles que são mais conhecidos por seus apelidos na busca de legitimar o caráter científico de suas investigações. Para encontrar tais informações, o autor utilizou-se de descobertas, muitas vezes garimpadas em velhos jornais na Biblioteca Nacional. Nessas micro-abordagens à margem da grande História, o cronista nos traz personagens singularíssimos.

Em uma crônica denominada “A aclamação de D. João VI não valeu por um carnaval” 11·, Efegê busca a origem do carnaval carioca, contestando a obra de Barreto e

10 Dicionário Cravo Albin da Mpb - http://dicionariompb.com.br, consultado em 05 de Novembro de 2009.

11 Efegê. J. Meninos, eu vi. Rio de Janeiro, Funarte, 1985, p.37 – publicada originalmente em O Globo em 27 de Janeiro de 1978.

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6 Lima “História da polícia no Rio de Janeiro”, onde os autores afirmam que esta festa teve início com a aclamação de Dom João VI em 1641. Segundo Efegê “Essa afirmativa de que o carnaval no Rio de Janeiro começou em 1641, com a aclamação de D. João VI é bem precária. Talvez os brasilianists que aí estão estudando avidamente a nossa história, procurando conhecer nossos costumes, a aceitem. O carioca, folião ou não, esse na certa vai refutar”. 12 Nessa passagem é possível perceber que para Efegê, o carioca, mesmo não praticante do carnaval, conhece sua história, pois esta é intrínseca a sua cultura. No entanto, o fator mais intrigante é que ao mesmo tempo em que recorre a uma fonte científica, ou seja, um livro de renomados historiadores, para o desenvolvimento de sua crônica, Efegê afirma que a memória – no caso, do carioca – é tão válida quanto às fontes ditas científicas.

Em sua preocupação cientificista pela busca das verdadeiras origens das “figuras e coisas do carnaval carioca” o autor cita ainda a origem do Rei Momo e da “importação” dessa figura pelo carnaval carioca, quando, por iniciativa do jornal A Noite, o personagem passou de boneco de papelão a “carne, gordura e alguns ossos”. Primeiro a encarnar o nobre balofo, o cronista de turfe Moraes Cardoso saiu pelas ruas com uma roupa emprestada pela produção da ópera O Rigoleto, em cartaz no Theatro Municipal em 1933. 13

O clima de saudosismo de seus escritos sobre o carnaval revelam muito de sua posição em relação aos rumos que a música popular tomava naquele período. As crônicas de Efegê possibilitam vislumbrar sua decepção com os rumos do carnaval, afirmando ser o progresso o responsável pela perda das tradições.14 Ao tratar da chegada do confete “como o chique da festa” carioca, ele lamenta que 70 anos depois “os arremessos que antes se faziam fartos” sejam parcos e caiam sobre os alvejados “como chuvinha miúda”. Com relação às escolas de samba, a crítica é ainda mais dura. De um texto escrito em 1964, algumas das ponderações parecem ter sido escritas hoje: “buscando cenógrafos eruditos, coreógrafos cultos, músicos e executantes que lêem nas cinco linhas de pauta, (as agremiações) truncam a essência folclórica própria e tornam-se esplendorosos ‘shows’ bem dirigidos”, observa o cronista. 15

Essa defesa da pureza e da fidelidade do samba às suas origens ecoa nos ataques à “jazzficação” da música brasileira e na saudação, em contraponto, aqueles que definia como

12 Idem.ibidem, p.37.

13 Efegê, J. Figuras e coisas do carnaval carioca. Rio de Janeiro. Funarte, 1985, p.49 14 Idem, ibidem.

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7 “sambistas na exatidão do termo”, casos de Donga e Pixinguinha. A saudade de Efegê evocava um Rio de Janeiro fiel à tradição das pastorinhas e das canções de Natal.16

O caminho traçado pelas obras de Jota Efegê é interessante, primeiramente pela sua atuação nos meios de comunicação, contribuindo na valorização da música popular urbana junto a um público letrado, fazendo uma releitura das ideias da primeira geração de folcloristas e conferindo certa legitimidade ao produto cultural dessa sociedade urbana em que vivia. 17 Um segundo ponto que confere interesse a sua obra é a relação tanto pessoal quanto profissional estabelecida entre o cronista, o carnaval e o samba, pois ao voltar sua atenção para estas manifestações, contribuiu para senão o fim, ao menos para o diminuir da marginalização a que estas estiveram relegadas por tanto tempo pela classe média branca. 18

Além dessas particularidades já citadas, é possível apreender ainda, o papel da memória e da ciência na obra desse historiador. Pesquisador rigoroso, Jota Efegê nunca se limitou, portanto, ao papel de mero memorialista, pelo contrário circulava pelas ruas cariocas. A singularidade dos textos de Efegê advém justamente dessa articulação entre a investigação teórica e a experiência prática. Afinal, o autor se transforma em personagem histórica, fazendo de sua memória, uma das fontes para o alcance da memória da música popular.

Essa atuação plural faz parte de um momento em que se busca compreender as relações entre música popular e a sociedade urbana que se formava no Brasil. É também parcela constituinte de uma nova linguagem musical, que incorpora e valoriza, principalmente, a música urbana, em detrimento do folclore. Por outro lado, a análise de sua obra revela ainda aspectos da música popular brasileira, então em processo de formação, assim como os conceitos que são formados sobre ela por esses “historiadores”. Afinal, suas crônicas são representações de uma época. Nesse sentido sua obra não se limita à atuação de um jornalista, mas permite uma investigação sobre a construção da memória e da história musical-popular brasileira.

16 Ver “O carnaval engoliu a música e o recreativo das festas de Natal” in .Efegê, J. Meninos, eu vi. Rio de Janeiro, Funarte, 1985, p.71 – publicada originalmente em O Jornal em 24 de dezembro de 1967.

17 Segundo Paiano, E. a principal conquista dessa segunda geração de folcloristas, preocupados com as temáticas referentes à música urbana “foi o amplo reconhecimento do samba como manifestação nacional, ou seja, autêntica e não-regional” Ver in Paiano, E. O berimbau e o som universal. Lutas culturais e indústria fonográfica nos anos 60. 1994, p. 68.

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8 Referências Bibliográficas

ALVARENGA, Oneyda. Música popular brasileira. São Paulo: Duas Cidades, 1982.

ANDRADE, Mário de. Aspectos da Música Brasileira. São Paulo/Brasília: Martins Fontes/MEC,1975.

___________. Ensaio sobre a música brasileira. 4a edição. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 2006.

CONTIER, Arnaldo D. Passarinhada do Brasil; canto orfeônico, educação e getulismo. Bauru, SP, EDUSC, 1998.

_______ Música e ideologia no Brasil. São Paulo. Novas Metas, 1985.

Dicionário Cravo Albin da Mpb - http://dicionariompb.com.br consultado em Dezembro de 2017.

EFEGÊ, J. Figuras e coisas do carnaval carioca. Rio de Janeiro. Funarte, 1985. _______.Meninos, eu vi. Rio de Janeiro, Funarte, 1985.

MORAES, J. G. Vinci de. “História e historiadores da música popular no Brasil”. In: Latin American Music Review, vol. 28, 2. Austin-Texas, EUA, 2007; pp.271-299.

______.História e música: canção popular e conhecimento histórico. In: Revista Brasileira de História, v.20 no39. São Paulo, 2000.

_____Metrópole em Sinfonia; história, cultura e música popular na São Paulo dos anos 30. São Paulo: Estação Liberdade/Fapesp, 2000.

NAPOLITANO, M. História e música popular: um mapa de leituras e questões. Revista de História da Universidade de São Paulo, 2007.

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9 _________ A sincope das idéias: a questão da tradição na música popular brasileira. São Paulo. Perseu Abramo, 2007.

PAIANO, E. O berimbau e o som universal. Lutas culturais e indústria fonográfica nos anos 60. 1994.

RANGEL, L. (editor). Revista da Música Popular. Rio de Janeiro, 1954-56.

VIANNA, H. O mistério do samba 2a.ed. Rio de Janeiro, Zahar/Edit da UFRJ, 1995.

Anexo: Escutas

Assim é que é – Polca composta por Pixinguinha

http://ims.uol.com.br/hs/pixinguinhanapauta/pixinguinhanapauta.html

Donga - Depoimento ao Museu da Imagem e do Som - Almirante - Pelo Telefone (Donga - Mauro de Almeida), álbum: A Musica de Donga

http://www.youtube.com/watch?v=ihwvOEmYihc

Trecho do programa "Entre Amigos", da TVE do Rio de Janeiro, exibido em 1984, com as participações de Jota Efegê, Carlos Drummond de Andrade, Nássara, Hermínio Bello de Carvalho e Álvaro Cotrim.

Referências

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