ATA DA 583ª SESSÃO DA CONGREGAÇÃO, SOLENE, REALIZADA SOB A PRESIDÊNCIA DA DIRETORA, PROF. DOUTORA SONIA CRISTINA REIS, DIA 12 DE FEVEREIRO DE 2021, ÀS 14:09 HORAS, POR VIDEOCONFERÊNCIA, NA PLATAFORMA GOOGLE MEET.
Participaram da sessão remota os seguintes Conselheiros: Professor Doutor Humberto Soares da 1
Silva, Professor Associado, Substituto Eventual da Diretora e Diretor Adjunto de Ensino de 2
Graduação; Professora Doutora Bianca Graziela Souza Gomes da Silva, Professor Associado, 3
Diretora Adjunta de Apoio Acadêmico e Assistência Estudantil; Professora Doutora Sonia Branco 4
Soares, Professor Adjunto, Chefe do Departamento de Letras Orientais e Eslavas; Professora 5
Doutora Ana Paula Victoriano Belchor, Professor Adjunto, Chefe do Departamento de Letras 6
Vernáculas; Professora Doutora Beatriz Protti Christino, Professor Associado, Substituta Eventual 7
da Chefe do Departamento de Letras Vernáculas; Professor Doutor Ricardo Pinto de Souza, 8
Professor Adjunto, Chefe do Departamento de Ciência da Literatura; Professor Doutor Andrew 9
Ira Nevins, Professor Titular-Livre, Substituto Eventual da Chefe do Departamento de Linguística 10
e Filologia; Professor Doutor Adolfo Tanzi Neto, Professor Adjunto, Chefe do Departamento de 11
Letras Anglo-Germânicas; Professor Mestre Bruno Ferreira Abrahão, Professor Assistente, Chefe 12
do Departamento de Letras-Libras; Professor Doutor Luiz Carlos Balga Rodrigues, Professor 13
Associado, Chefe do Departamento de Letras Neolatinas; Professor Doutor Fábio Frohwein de 14
Salles Moniz, Professor Adjunto, Substituto Eventual da Chefe do Departamento de Letras 15
Clássicas; Professor Doutor Luiz Barros Montez, Professor Titular, LEG; Professora Doutora 16
Annita Gullo, Professor Titular, LEN; Professora Doutora Flora De Paoli Faria, Professor Titular, 17
LEN; Professor Doutor Afrânio Gonçalves Barbosa, Professor Titular, LEV; Professor Doutor 18
Carlos da Silva Sobral, Professor Associado, LEN; Professor Doutor Alessandro Boechat de 19
Medeiros, Professor Associado, LEF; Professora Doutora Vanessa Ribeiro Teixeira, Professor 20
Adjunto, LEV; Professora Doutora Beatriz Cristina de Paoli Correia, Professor Adjunto, LEC; 21
Professor Doutor Miguel Mateo Ruiz, Professor Adjunto, LEN; representantes dos Técnicos-22
Administrativos, Daniel Lima Nascimento, Cila Vergínia da Silva Borges e Marcus Vinícius dos 23
Santos de Oliveira. Atuaram como tradutores-intérpretes de Libras: Daniel Lima Nascimento e 24
Wallace Araújo. A professora Sonia Reis iniciou a solenidade em homenagem de reconhecimento 25
e agradecimento diante das grandes perdas de professores da Faculdade de Letras, manifestando a 26
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Centro de Letras e Artes - CLA
Faculdade de Letras - FL
seguinte mensagem: “Boa tarde a todos, sejam bem-vindos à nossa Congregação extraordinária, 27
no dia 12 de fevereiro de 2021, onde nos reunimos não só com os membros natos da Congregação, 28
mas também temos muitos convidados para que a gente possa homenagear e agradecer a 29
convivência de muitos colegas; um agradecimento póstumo. Nesse momento, eu agradeço mesmo 30
o fato de ter todos aqui e vou encontrar muito do pensamento dessas pessoas em páginas de livros 31
e em referências bibliográficas no percurso da área de Letras”. Em seguida, foi apresentada pelo 32
professor Rodrigo Xavier, do Departamento de Letras Vernáculas, a canção Lean no me, do 33
compositor Bill Withers. No vídeo, o docente fez uma breve introdução da música: “Boa tarde a 34
todos e todas, eu sou o Rodrigo Xavier, e estou aqui hoje para fazer uma singela homenagem a 35
todos aqueles e aquelas que partiram vítimas da covid-19, em 2020. Foi um ano muito duro para 36
todos nós, mas eu tenho certeza que dias melhores virão e vamos enfrentar essa pandemia com 37
resiliência, fé, coragem e esperança. A música que vou cantar hoje é uma música de um compositor 38
norte-americano chamado Bill Withers e o nome dessa música é Lean no me. Essa música fala 39
sobre dos momentos de dor, tristeza, desesperança, pelos quais passamos durante na nossa vida e 40
como é importante a gente ter um amigo, como é importante ter um irmão para estender a mão 41
para a gente e nos dar aquele suporte, nos dar aquela força, aquela energia positiva para que nós 42
possamos prosseguir, seguir adiante. Então, a música é justamente sobre isso: sobre a esperança, 43
sobre a irmandade, sobre a substituição do discurso de ódio pelo discurso da amizade e do amor”. 44
A letra da música encontra-se no anexo desta ata. Após a apresentação à capela do professor 45
Rodrigo Xavier, a professora Sonia Reis agradeceu ao docente e disse que o vídeo será 46
disponibilizado no site da Faculdade de Letras. Em seguida, foi passada a palavra aos 47
Departamentos para que fizessem a homenagem de reconhecimento e agradecimento diante das 48
grandes perdas de professores da Faculdade de Letras. Departamento de Letras Anglo-49
Germânicas: Homenagem à professora Evelyn Judith Kirstein: Carta lida pela professora Sonia 50
Zyngier, elaborada em conjunto com a professora Heloisa Gonçalves Barbosa: “Boa tarde a todos. 51
Agradecemos à Direção da Faculdade de Letras o convite para prestar homenagem à nossa colega 52
Evelyn Judith Kirstein e, junto com a Profa. Heloisa Gonçalves Barbosa, gostaríamos de dizer 53
algumas palavras. A UFRJ acaba de ser eleita a melhor instituição de ensino superior do Brasil. 54
Mas não podemos esquecer de que esta posição foi conquistada pelo trabalho daqueles que deram 55
muito de si à UFRJ, e que já nos deixaram. Entre eles, Evelyn Judith Kirstein, professora icônica 56
do Departamento de Letras Anglo-Germânicas. Em 1968, aluna recém-graduada e brilhante, foi 57
convidada pela Profa. Aila Gomes a integrar o quadro de docentes do Departamento. Tive a sorte 58
de estar na sua primeira turma de metodologia de ensino, ainda na Av. Chile. Por 30 anos, formou 59
gerações de alunos e, por sua dedicação e competência, foi uma professora no sentido mais 60
completo do termo. Uniu docência e pesquisa, concluindo seu doutorado, com uma bolsa de 61
estudos do Conselho Britânico, na Universidade de Manchester. Professora exímia de metodologia 62
de ensino de língua e de literatura inglesa, escreveu livros didáticos, por exemplo, sobre Beowulf, 63
Chaucer e Sir Gawain and the Green Knight, para aproximar os alunos de obras relevantes desta 64
literatura. Escreveu também um manual de Conscientização Literária para alunos do Ensino 65
Médio. Ainda hoje seus ex-alunos utilizam, nos cursos que ministram, os materiais produzidos por 66
Evelyn. Embora sempre muito reservada em sua vida particular, Evelyn não tinha problema em 67
deixar transparecer sua paixão e entusiasmo pela literatura inglesa e por seus alunos. Deles exigia 68
o mesmo rigor e seriedade que cobrava de si mesma. Nela, os alunos reconheciam o misto de 69
humor e conhecimento com que os guiava para a vida. Suas turmas, fossem na Faculdade de Letras, 70
no Colégio Andrews, na Escola Corcovado, na Escola Estadual Eça de Queirós, jamais deixaram 71
de lhe prestar homenagens. Ex-aluno do Departamento de Letras Anglo-Germânicas, Miguel 72
Fallabela dedicou-lhe uma crônica, onde a descreve como a melhor professora de inglês que teve. 73
Verbena Alberti, ex-colega da Escola Alemã Corcovado e professora adjunta da Faculdade de 74
Educação da UERJ, menciona que foi Evelyn quem trouxe ao seu conhecimento a frase de T. S. 75
Eliot: “We had the experience but missed the meaning. An approach to the meaning restores the 76
experience in a different form.” Segundo Verbena, foi Evelyn “quem lhe ensinou a aproximar essa 77
citação do exercício da docência e a subverter um pouco a frase inicial”. A perspicácia de Evelyn 78
lhe permitia de fato subverter, questionar, e inovar. Quando se aposentou, os alunos lhe prepararam 79
uma festa surpresa. Encomendaram para a ocasião camisetas que exibiam o slogan “Evelyn the 80
Power”. Uma pessoa notável, personalidade única, sabia como ninguém o significado da palavra 81
“amizade”. Na epígrafe de sua tese, citou T.S. Eliot: “What we call the beginning is often the end. 82
And to make an end is to make a beginning. The end is where we start from”. Que sua lembrança 83
esteja sempre presente em todos aqueles que a conheceram, para quem foi mestra, amiga e irmã, 84
e que seja sempre um começo e uma inspiração. A Faculdade de Letras e seus colegas e amigos 85
só têm a agradecer por terem tido a felicidade de conviver com Evelyn Judith Kirstein. Jamais será 86
esquecida.” / Homenagem à professora Maria Hilda Xavier Gouveia de Oliveira: Carta lida 87
pela professora Aurora Neiva: “Boa tarde, senhora Diretora, demais membros desta egrégia 88
Congregação, colegas, amigos, amigas e familiares de nossos queridos e queridas docentes que 89
hoje não mais estão entre nós e a quem homenageamos nesta solene sessão. Em particular, venho 90
aqui para dizer algumas palavras, em meu nome e no de Glória Sydenstricker, sobre nossa amiga 91
e admirada Profa Dra Maria Hilda Xavier Gouveia de Oliveira, colega do Setor de Inglês, que se 92
aposentou em 1991, mas que jamais deixou de produzir como crítica literária e ficcionista até as 93
vésperas de sua internação por covid e posterior falecimento em janeiro passado. É uma enorme 94
honra poder prestar esta homenagem à nossa Hilda, embora o coração e alma estejam por demais 95
doloridos com a perda do convívio com essa pessoa maravilhosa, dona de uma cultura vastíssima 96
como hoje em dia é difícil de se encontrar, escritora da mais alta estirpe, e pesquisadora exemplar. 97
Hilda engrandece o nome da Faculdade de Letras por tudo que fez e pela obra que nos legou. 98
Conheci a Hilda em sala de aula, no meu quinto período da graduação, em agosto de 1976. Foi um 99
dia marcante para mim, pois algo de muito especial e inusitado ocorreu nesse dia que selou minha 100
relação pessoal com ela, relação esta que, com o passar dos anos, apenas se fortaleceu e se 101
transfigurou em uma amizade amorosa. Ao começar a ler a lista de chamada, Hilda notou meu 102
sobrenome e perguntou: “Aurora Neiva? Você é filha do Eduardo Neiva?” Respondi que sim, um 103
tanto encabulada pela revelação em público. “Conheço seu pai; meu marido, funcionário como ele 104
do Banco do Brasil, tem pelo Neiva uma enorme admiração por sua inteligência e cultura 105
invejáveis.” Apesar do encabulamento por estar no meio de meus colegas de turma, aquelas 106
palavras me encheram de orgulho, pois, sim, meu pai, um homem dos números, era, 107
essencialmente, um apaixonado por línguas e literatura, ávido leitor dos clássicos, como 108
Shakespeare e Goethe. Ser filha do Neiva era e é um de meus maiores orgulhos. E, certamente, 109
estava eu ali, na Faculdade de Letras da Av. Chile, cursando Português-Inglês, muito em função 110
da influência que tive de meu pai, um piauiense modesto, autodidata, e de uma generosidade 111
intelectual e pessoal imensa. Com o tempo, após conhecer mais quem era Hilda, sua produção 112
como pesquisadora de Literatura Inglesa, profunda conhecedora da obra da escritora Virginia 113
Woolf, e, acima de tudo, como romancista das mais respeitadas por seus pares, aquele elogio, que 114
ela sempre repetia em várias ocasiões em que estávamos juntas, cristalizou-se como um verdadeiro 115
prêmio que ostento em meu peito. Mas quem era Hilda Gouveia? Creio que devo traçar, para as 116
novas gerações de alunos e profissionais de nossa Faculdade que não tiveram o privilégio de 117
conhecê-la, um singelo quadro dessa discreta, doce, e grandiosa mestra: baixinha na estatura física, 118
mas uma gigante como mulher e intelectual. Hilda nasceu em Granja, Ceará, há 91 anos atrás. Era 119
a mais velha dos doze filhos de Guilherme e Hilda Gouveia, de quem teve todo o apoio e incentivo 120
para desenvolver suas aptidões linguísticas e literárias desde a mais tenra idade. Podemos dizer 121
que foi uma criança prodígio, pois aprendeu a ler muito cedo, e, aos 5 anos, já estudava francês 122
com a tia Lybia. A influência de sua mãe Hilda também ajudou a moldar seu perfil intelectual, 123
pois aprendeu com ela a apreciar a literatura francesa e os escritores ingleses do século XIX, como 124
as irmãs Brontë, Charles Dickens e os poetas românticos. Ao pai, ela própria creditava sua vocação 125
literária, pois ele, filho do Vice-Cônsul português no Ceará, era um estudioso da língua e literatura 126
portuguesas. Aos 17 anos aconteceu o grande encontro literário de Hilda com a escritora inglesa 127
que se tornou sua paixão vida afora: Virginia Woolf. Vejam, como, mesmo longe do chamado 128
circuito cultural brasileiro (Rio e São Paulo), aquela jovem cearense já tinha intimidade com os 129
maiores escritores ocidentais, inclusive com os mais complexos, como é o caso dessa escritora 130
inglesa, cuja obra a fascinou desde que leu o romance Orlando por indicação de um tio. Casou-se 131
cedo com o grande amor de sua vida, Francisco Delmiro Xavier de Oliveira, de cuja união teve 132
duas filhas e de quem tinha enorme orgulho, Evangelina e Adriana. Adriana lhe deu um genro 133
norte-americano muito querido, Jeff, que a chamava carinhosamente de Mãe, em português. Sua 134
formação universitária foi essencialmente aqui na Faculdade de Letras, onde pôde estudar com 135
nomes de quem tinha o maior orgulho de ter sido aluna, tais como Alceu Amoroso Lima, Amélia 136
Pontes Vieira, Inês Pontes Vieira, Afrânio Coutinho, além de Cleonice Berardinelli e, como não 137
poderia deixar de ser, de minha também mestra Aïla Olveira Gomes. Obteve o Mestrado em 138
Literatura Inglesa, sob a orientação da Profa Aïla Gomes, e o Doutorado em Teoria Literária, 139
orientada por Eduardo Portella. Sua produção acadêmica e literária foi, como disse, extensa e 140
ininterrupta, tendo obtido o reconhecimento de diversas formas. Foi premiada com a Primeira 141
Menção Honrosa no Concurso Nacional WALMAP para romances, em 1971, pelo livro Os Sete 142
Tempos. Também obteve o prêmio Sílvio Romero da Academia Brasileira de Letras em 2007, pelo 143
ensaio crítico Imagens e Criatividade no Lirismo de Virginia Woolf. Muitos são os prefácios e 144
depoimentos de escritores de renome nacional, como, por exemplo, Rachel de Queiroz e Alceu de 145
Amoroso Lima, o qual, em uma entrevista concedida à Profa Heloisa Buarque de Holanda disse: 146
‘Acabei de ler ontem um romance magnífico, da Maria Hilda Gouveia de Oliveira chamado Os 147
Distraídos, sobre a situação da nova geração. É um romance sobre aquilo que chamo a geração 148
frustrada. Um romance bastante ousado, trágico, terrivelmente pessimista. É o romance do 149
desencanto da nova geração de cujas conclusões pessimistas eu não participo. Mas é 150
admiravelmente bem escrito, bem observado.’ Hilda nos deixa 9 obras ficcionais. Além disso, seu 151
trabalho como especialista em Virginia Woolf está eternizado em dois livros fundamentais sobre 152
a escritora que deveriam constar da bibliografia de todos os cursos de Literatura Inglesa do século 153
XX no Brasil: Mrs Dalloway: uma unidade estrutural de 1979 (Rio de Janeiro, Ed, Cátedra), e o 154
premiado Imagens e Criatividade no Lirismo de Virginia Woolf (São Paulo, Ed. Scortecci) de 155
2007. Como se vê, a idade não a impediu de criar e contribuir para a cultura nacional. Em nossa 156
última conversa ao telefone, no dia 1º de janeiro deste ano, queixou-se da dificuldade que estava 157
tendo de ler e escrever por conta da vista debilitada, mas que, apesar de tudo, não a impedia, com 158
muito sofrimento, de tocar seus dois últimos projetos, os quais, infelizmente, ficaram inacabados: 159
um novo romance e uma obra de fôlego sobre teoria literária, começando por Aristóteles e indo 160
até os dias atuais. Mas desta conversa, além do carinho com que me tratava, jamais esquecerei do 161
tom alegre, jovial e maroto de seu mais novo encontro literário: conversas com o poeta 162
moçambicano Mia Couto, que conhecia sua obra e sobre ela teceu enormes elogios. Hilda se foi 163
em um dia muito significativo, 25 de janeiro, data em que se comemora o nascimento de sua 164
escritora favorita. Obra do acaso, ou não, Virginia Woolf deve ter aberto as portas de sua morada 165
eterna para recebê-la de abraços abertos. Seus colegas de Setor e Departamento que a conheciam 166
muito bem teriam muitas estórias a recordar sobre a Hilda. Mas finalizarei com um breve e 167
emocionado depoimento de nossa querida Glória Sydenstricker, aposentada como eu, que passo 168
agora a ler para vocês: ‘Falar de Maria Hilda Xavier Gouveia de Oliveira... Falar de Hilda? Dizer 169
que ela é um luminar em nossa literatura, romancista de rara densidade, um orgulho de nossas 170
letras? Isso já o fizeram Drummond, Amoroso Lima, Josué Montello, Raquel de Queiroz e tantos 171
outros. A mim cabe falar dessa pessoa profundamente humana, compassiva, generosa que tive a 172
sorte de conhecer em 1979 quando entrei no Departamento de Letras Anglo-germânicas, ocasião 173
em que ela me recebeu com muito carinho. Sua afetividade, seu exemplo de vida, sua compaixão 174
e amor para com todos os que a rodeavam fez com que sua amizade fraterna marcasse muito a 175
minha vida - pelo que sou profundamente grata. Compartilhei com Hilda todos os momentos 176
felizes, como também os não tão felizes nestes quarenta anos de sincera e profunda amizade... 177
sempre recebendo seu apoio, sua infinita compreensão e incentivo. Conhecê-la e caminhar com 178
ela nesta longa jornada foi uma benção de Deus para comigo. Hilda querida, sua presença sempre 179
ficará em nós, sempre continuará a brilhar em nossas saudades.’ Obrigada!” Departamento de 180
Ciência da Literatura: Homenagem à professora Nelly Valladares: O professor Ricardo Pinto 181
enviou a seguinte mensagem: “Boa tarde a todos os colegas, aos familiares, aos representantes dos 182
Departamentos e à Direção da Faculdade. Eu falo aqui agora de uma maneira, com sentimentos 183
divididos e talvez a minha fala seja menos emocionada e muito menos bonita do que as que me 184
antecederam, mas ela tenta atualizar o nosso lamento nesse sentido. A professora Nelly Gonçalves 185
Valladares é a professora que homenageio, uma das mortas entre as centenas de milhares de mortes 186
evitáveis que essa doença trouxe para a gente, e mais importante para aquilo que a gente está 187
reunido aqui hoje, ela foi uma professora da Faculdade de Letras da UFRJ. Nelly está há muito 188
tempo distante do Departamento e não consegui falar com amigos próximos dela e então o que 189
vou fazer é uma lembrança, ou talvez uma tentativa de manter ainda imagem dela viva, através de 190
alguma coisa que eu vivi com ela, ou de poucas experiências que vivi com ela. Por coincidência, 191
Nelly foi a minha primeira professora de Literatura na Faculdade de Letras. Eu entrei em mil e 192
novecentos e noventa ‘alguma coisa’, a essa altura as datas ficam um pouco em revoadas, mas ela 193
foi a primeira experiência que tive com a Literatura nessa Faculdade e ela deu Teoria Literária I 194
para mim. Engraçado como vinte e poucos anos depois, eu consigo lembrar de uma maneira muito 195
clara, talvez porque ela tenha sido a primeira professora, talvez porque tenha sido a primeira 196
experiência, ou talvez porque fosse um traço dela, uma certa intensidade que ela tinha, que era o 197
quanto o olhar dela era curioso em relação a nós alunos, as pessoas que se sentavam ali do meu 198
lado naquela sala. Engraçado que isso é uma coisa que eu levei para depois uma espécie de ter essa 199
curiosidade pelos outros, uma espécie de pontos de interrogação, esses desconhecidos que 200
encaravam ela e que me pareceu um traço invejável em qualquer professor. Eu lembro, também, 201
um pouquinho mais tarde quando fui professor substituto e que ela ainda atuava no Departamento, 202
um pouquinho antes de se aposentar, o quanto a gente tinha liberdade de falar com ela e o quanto 203
ela ajudava no trabalho. O meu Departamento sempre foi marcado, talvez, historicamente por 204
muitas vaidades, pessoas muito boas, mas pessoas muito vaidosas também. Nelly era 205
absolutamente essencial para que tudo funcionasse bem, ela tinha esse toque humano de ouvir, de 206
harmonizar e de pacificar problemas. Outro traço talvez da grandeza que a gente perdeu com a 207
morte dela. Ela sabia muito bem organizar o trabalho, foi chefe de Departamento por muito tempo, 208
além de professora, obviamente, e provavelmente sem ela ali, as coisas teriam corrido muito pior 209
do que correram ao longo dos anos, e acho que ela foi fundamental para estrutura do Departamento. 210
Eu só posso pensar o quanto pode ser dolorido para aqueles que a amaram, todos que perderam 211
alguém durante esse período. Entendo perfeitamente essa sensação de perder alguém, que foi antes 212
e que não deveria ter ido. Mas acho que um dos poucos consolos nesses tempos difíceis que a 213
gente vive, difícil politicamente, difícil existencialmente em que primeira praga, em não sei 214
quantas décadas, mais de cem anos... Ainda lembrar de determinada dignidade, de determinado 215
brilho, determinada beleza que essas pessoas trouxeram para as nossas vidas, mesmo nas relações 216
mais breves, mesmo nas relações mais mediadas e mais distantes. Essa intensidade que lembro da 217
Nelly, eu que nunca tive absolutamente nenhuma intimidade com ela, conheci muito pouco da vida 218
dela e, no entanto, lembro-me claramente disso, esse resto que o ser humano deixa, da beleza que 219
ele deixa depois que passa. Ele, o ser humano, ela, a Nelly, todos que morreram durante este 220
período merecem a nossa lembrança, merecem a nossa homenagem. Eu queria agradecer à Sonia 221
e também à Direção, esse é um luto necessário, importantíssimo isso que foi pensado, fundamental 222
para que em algum momento a gente possa tentar ter de volta a normalidade, mas o primeiro passo 223
é sempre esse, recuperar um pouco da dignidade, da beleza e da intensidade das pessoas que se 224
foram. Eu acabo aqui a minha homenagem. Obrigado de novo e um abraço para todos”. 225
Departamento de Letras Clássicas: Homenagem ao professor João Soares de Lima: Texto lido 226
pela professora Katia Teonia Costa de Azevedo: “Por décadas, o professor João Soares lecionou 227
com entusiasmo ímpar a língua latina e sua literatura, deixando uma marca indelével em seus 228
inúmeros alunos, dos quais alguns compõem hoje o nosso atual quadro docente. Seu legado e 229
memória hão de sobreviver para muito além de sua passagem entre nós. Vai fazer falta, professor! 230
Mas é como você mesmo disse: é hora de abrir um novo ciclo. Todo o carinho expresso aqui por 231
alunos, amigos e colegas de trabalho atestam o maior legado do querido professor João: não passou 232
em branco pela vida, ofereceu conhecimento, conquistou a admiração, deu e recebeu afeto, marcou 233
as pessoas. Acho que nada pode ser mais digno e bonito. Obrigado por tudo, querido professor 234
João, mas principalmente por sempre acreditar na educação como uma maneira de emancipação e 235
nunca ter desistido dela e da gente! Descanse em paz, mas tenha certeza de que uma parte sua 236
brilha em cada um de nós seus eternos alunos! Dizia ele que um professor só pode ser feliz ao lado 237
de seus alunos. Todos temos a certeza de que ele está hoje e estará para sempre não só ao lado, 238
mas no coração de todos os seus alunos, amigos e colegas, que hão de carregar consigo as boas 239
lembranças e os ensinamentos dele recebidos. E por fim, nas palavras de Drummond, em seu 240
poema Tarde de Maio E resta, perdida no ar, por que melhor se conserve, uma particular tristeza, 241
a imprimir seu selo nas nuvens”. Departamento de Letras-Libras: Homenagem ao aluno Alan do 242
Patrocínio Venâncio: O professor Bruno Abrahão, interpretado pelo servidor Daniel Nascimento, 243
prestou a seguinte homenagem: “Boa tarde a todos e a todas presentes na Congregação. Eu venho, 244
em nome do Departamento de Letras-Libras, trazer as minhas homenagens a um ex-aluno nosso, 245
o Alan, que foi vítima da covid-19, e que era aluno do bacharelado de Letras-Libras. Ele faleceu 246
no mês de abril do ano passado, era tradutor-intérprete, trabalhava pela Prefeitura do Rio e era 247
muito ativo, proativo e ajudava as pessoas. Fazia os trabalhos de tradução ou de interpretação e 248
não parava, era sempre mencionado no Departamento de Letras-Libras. Era um aluno exemplar, 249
super inteligente e compartilhava dos sentimentos. Nós nos sentimos muito tristes com essa perda, 250
porque esse aluno era super conceituado, todos gostavam dele e o Departamento sentiu esta perda. 251
Meus sentimentos, também, aos familiares e a todos os presentes quer perderam alguém. Na 252
Faculdade de Letras diversas pessoas tiveram perdas devido à pandemia e nós lamentamos por 253
isso, pois ainda passamos por momentos de muitas dificuldades. Agradeço ao companheirismo de 254
todos e é um momento em que devemos estar unidos. Em nome do Departamento de Letras-Libras, 255
quero trazer aqui o meu profundo pesar e agradecer à Congregação pelo carinho e a oportunidade 256
de trazer à memória pessoas queridas. Obrigado.” Departamento de Linguística e Filologia: 257
Homenagem à professora Miriam Lemle: Apresentação do professor Alessandro Boechat: “O 258
dia em que a colenda Congregação da Faculdade de Letras se reúne em sessão solene em memória 259
dos mortos desta Unidade é também a data em que completa um ano a morte de Miriam Lemle, 260
Prof. Emérita do Departamento de Linguística e Filologia. O Departamento de Linguística e 261
Filologia não poderia se furtar a prestar sua homenagem à Prof. Miriam Lemle. Não vamos 262
rememorar uma longa obra construída ao longo de décadas na Linguística, porque já fizemos isso 263
quando pedimos ao CONSUNI que a ela fosse concedida a dignidade acadêmica de Professora 264
Emérita; novamente em 2018, quando da Festschrift pelos 80 anos; e, com tristeza, em 12 de 265
fevereiro de 2020, como obituário. Hoje queremos a lembrança do sorriso com que olhava os dados 266
e as línguas em análise, com que falava de Linguística; da vitalidade, da criatividade, do 267
entusiasmo e do vigor que nunca esmoreceram com o tempo e que eram tão saudavelmente 268
contagiosos; lembrar da perplexidade com que nos perguntava como tantas décadas de ensino de 269
Linguística pareciam não ter agido sobre o preconceito linguístico. É isso. Abraços”. 270
Departamento de Letras Neolatinas: Homenagem ao professor Edson Rosa da Silva: Carta lida 271
pelo professor Luiz Carlos Balga: “Boa tarde a todos. Gostaria, primeiramente, em nome do 272
Departamento de Letras Neolatinas, de agradecer à Profª Sonia e a todos aqueles que sugeriram a 273
realização desta Congregação tão especial para homenagearmos todos aqueles que não estão mais 274
fisicamente presentes entre nós, mas que sempre farão parte da história da nossa Faculdade de 275
Letras. De nossa parte, homenageamos hoje nosso querido colega Edson Rosa da Silva, professor 276
ímpar, não somente pela excelência dos seus ensinamentos, mas pela referência que foi na 277
formação de tantos professores de francês do Rio de Janeiro. Gostaria de ler um pequeno texto que 278
chegou às minhas mãos através do Prof. Marcelo Jacques, texto este que foi escrito pela Profª 279
Beatriz Resende. Como ela não estará presente, o Prof. Marcelo pediu então que, como chefe do 280
Departamento, eu o lesse. Eis o texto: "Faculdade de Letras da UFRJ. 12/02/2021. Saudações, / 281
Agradeço aos colegas de Neolatinas por levarem essa minha saudade à reunião de Congregação 282
tão solidariamente convocada pela Diretoria da nossa Faculdade de Letras da UFRJ. Edson Rosa 283
da Silva, safra de 1971, uma posterior à minha, à do Jorge da Silveira. Meu colega e meu amigo. 284
Um casal companheiro e solidário, ele e Teresa Cerdeira, cada um atuando em sua área, envolvidos 285
sempre na vida da faculdade, das pesquisas, de eventos literários. Na Letras bem menor de outros 286
tempos, ainda sem as saudáveis ampliações do número de alunos e professores, nos esbarrávamos 287
agradavelmente o tempo todo. Melhor agora, mas tinha seu gosto. Em congressos no exterior 288
estreitamos a cumplicidade, mas também em comemorações que nos deixaram boas lembranças, 289
como réveillon em Copacabana junto a amigos. Alguns já se foram. Se estivéssemos nesse 290
momento andando pela faculdade, sentiria especial saudade dos encontros na hora do almoço, onde 291
falávamos do CNPQ, da política universitária. Fico com o souvenir das trocas de ideias sobre 292
Malraux, sobre passagens de Paris, dos conselhos para minha conferência de titular falando em 293
Paul Valéry, Édson corrigindo qualquer desvio de sotaque. Vida que segue. Obrigada à 294
Congregação pela homenagem fraterna num momento em que estamos tão carentes de afeto. 295
Beatriz Resende". Em seguida, o professor Marcelo Jacques leu a seguinte carta também em 296
homenagem ao professor Edson Rosa: “Bom dia, queridos e queridas colegas, / Eu gostaria de 297
estar hoje aqui, junto à nossa Congregação, defendendo o pedido de concessão de título de 298
Professor Emérito da Faculdade de Letras da UFRJ ao Professor Titular de Língua e Literatura 299
Francesa Edson Rosa da Silva. Já havia conversado a respeito no ano passado com nossa diretora 300
Sonia Reis e com o chefe de Departamento de Letras Neolatinas Luiz Carlos Balga, e combinamos 301
que aguardaríamos sua recuperação dos problemas de saúde que teve no segundo semestre para 302
dar sequência ao processo formal. Infelizmente isso não foi possível, e resta-nos agora, nesta 303
homenagem, celebrar sua memória. Para começar, vou resumir brevemente sua trajetória, apenas 304
pontuando alguns momentos de uma vida intelectual e institucional extremamente prolífica e rica. 305
Edson atuou como professor de Língua e Literatura Francesa desta Faculdade durante 45 anos. 306
Começou em 1975, depois de um mestrado na França, na Universidade de Toulouse, onde 307
desenvolveu um trabalho sobre André Malraux, escritor de cuja extensa e complexa obra, 308
romanesca e ensaística, ele se tornaria com os anos notório especialista. De retorno ao Brasil, 309
paralelamente às aulas ministradas na Graduação da Faculdade (onde se graduara em 1971), Edson 310
fez um novo mestrado e um doutorado em Letras Neolatinas, concluído em 1984. Começou a atuar 311
como docente na Pós-Graduação já em 1985 e ocupou nos anos seguintes diversos cargos 312
acadêmicos relevantes na Faculdade de Letras da UFRJ: foi, entre outros, Coordenador do 313
Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas, que ajudou a construir. Tornou-se professor 314
titular em 1998. Afastou-se duas ou três vezes por problemas de saúde na última década, mas 315
sempre voltou e atuou na graduação e na pós até se aposentar definitivamente, no final de 2019. 316
Como pesquisador, seu trabalho se projetou para muito além dos muros da UFRJ. No plano 317
nacional, teve significativa atuação nas áreas de Literatura Francesa e de Literatura Comparada, 318
com atuação relevante em associações científicas, tendo participado ativamente das direções da 319
ANPOLL e da ABRALIC, nos anos 1990 e 2000. Bolsista de produtividade do CNPq desde o final 320
dos anos 1980, foi membro do Comitê de Assessoramento da agência nos anos 2000. E 321
especialmente a partir de seu trabalho com a obra de Malraux, construiu sólida reputação 322
internacional, participando de colóquios e de publicações dedicados ao escritor em diversos países 323
ao longo de mais de três décadas. Fez estágios de pós-doutorado em Konstanz e em Freiburg na 324
Alemanha, nos anos 1990, onde começou a desenvolver uma articulação extremamente original 325
entre o pensamento estético de Malraux e o de Walter Benjamin, que resultaria em vários ensaios 326
publicados no Brasil e no exterior. E fez ainda um estágio de pós-doutorado em Paris 7, em 2008, 327
onde começou uma pesquisa visando à tradução do sofisticado diálogo de Malraux com Picasso 328
intitulado A Cabeça de Obsidiana. Foram, até 2019, 3 livros, quase uma centena de artigos em 329
revistas e livros, sendo pelo menos um quarto deles em publicações internacionais, e incontáveis 330
participações em eventos no Brasil e no exterior. Notem-se, como balizas importantes de sua 331
trajetória, o livro As (não-) fronteiras espaciotemporais em L’Espoir de Andre Malraux, publicado 332
em 1978, a organização e tradução, em 1998, dos discursos proferidos por Malraux no Brasil em 333
1959, e, em 2015, a redação de vários verbetes do Dictionnaire André Malraux publicado pela 334
coleção Classiques das edições Garnier. Edson também organizou diversos eventos nacionais e 335
internacionais, entre os quais um importante colóquio na UFRJ em homenagem a Malraux pelos 336
20 anos de sua morte, em 1996, com a presença dos grandes especialistas franceses, e um colóquio 337
pelos 150 anos das Flores do mal de Baudelaire, em 2007, que eu e Paula Glenadel tivemos a 338
honra de organizar com ele, e que teve também enorme repercussão, com a presença de 339
especialistas do Brasil e do exterior. Não entrarei aqui em mais detalhes relativos à produção 340
intelectual de Edson ao longo de seus 50 anos na UFRJ (5 como aluno de graduação e 45 como 341
professor), creio que este breve relato permite ter uma ideia da importância de seu trabalho... Mas 342
eu gostaria especialmente de destacar que o terrível ano de 2020, o primeiro ano de Edson como 343
aposentado, que acreditaríamos ainda mais terrível para ele pela fragilidade de sua saúde, foi 344
particularmente produtivo e alegre. As circunstâncias o levaram a isolar-se na casa da família em 345
Itacoatiara com Teresa, sua mulher, suas filhas Adriana e Daniela, e sua neta Clara. Em meio a 346
tantas provas por que passou na última década, com dezenas de internações hospitalares por conta 347
de tantos problemas de saúde, seu entusiasmo com esse novo cotidiano era patente, a ponto de 348
voltar com garra a dois projetos que vinha adiando havia alguns anos: a organização de uma 349
coletânea de ensaios produzidos nos últimos 20 anos, que intitulou A reflexão da literatura, e a 350
revisão da tradução de A Cabeça de obsidiana, de Malraux, que, como eu disse, ele tinha iniciado 351
em 2008. (Trabalho que fico particularmente feliz e orgulhoso por tê-lo estimulado a concluir para 352
submeter ao edital de ensaios traduzidos que criamos na Editora UFRJ ano passado, no início de 353
minha gestão como diretor. Que ele teve tempo de ver aprovado pelo Conselho da Editora e que 354
será publicado este ano). Mas acho que a maior homenagem que posso fazer a Edson aqui é fazer 355
ouvir a sua voz, a clareza com que se expressava, a densidade e a paixão que vinham de suas 356
reflexões sobre a arte e a literatura, e que emanavam em suas aulas e nas conversas que se podia 357
ter com ele. Da coletânea, que ele concluiu mas não teve tempo de ver impressa, eu gostaria de ler 358
um trecho de um ensaio que escolho por duas razões. Primeiramente porque expõe um momento 359
que considero exemplar do pensamento e da sensibilidade de Edson sobre o que chamou de 360
reflexão da literatura... E que escolho também porque me emociona particularmente pelo fato de 361
ter estado com ele em 2001 na cidadezinha do interior da França de que ele fala aqui, aquela em 362
que o narrador de Em Busca do tempo perdido situa suas lembranças da infância e da adolescência. 363
Escreve Edson: “Como leitores de Proust, estamos afeitos à descrição literária da pequena cidade 364
de Combray, imagem de um paraíso terrestre que traz alegria à infância e que abriga as ilusões, as 365
esperanças, os sofrimentos e os amores infantis do herói de Em busca do tempo perdido. Aí lemos 366
magníficas descrições: a igreja «que resumia a cidade, que a representava, que falava dela e por 367
ela à distância […] e que, qual pastor suas ovelhas, mantinha junto a si, em pleno campo, contra o 368
vento, o dorso acinzentado de lã das casas reunidas, cercadas por um resto de muralhas da Idade 369
Média» (PROUST: 1968, p.58-59); ou as ninfeias do rio Vivonne, que formam verdadeiros jardins, 370
salpicados de flores vermelhas como morangos, de coração escarlate e bordas brancas, ou de 371
variadas tonalidades, mais pálidas, menos lisas, mais granuladas, mais dobradas e «dispostas ao 372
acaso em ornamentos espiralados tão graciosos que pareciam flutuar à deriva como após o 373
desfolhamento de uma 'festa galante', como rosas de uma guirlanda desfeita» (PROUST: 1968, 374
p.203); ou os pilriteiros em flor, descritos como obras-primas, como o ornamento de uma festa, 375
«das únicas festas verdadeiras que são as festas religiosas, pois um capricho contingente não as 376
aplica como as festas mundanas a qualquer dia que não lhes é especialmente destinado» PROUST: 377
1968, p.167). É esse quadro encantatório que o talento de Marcel Proust nos oferece ao longo de 378
sua obra, retomando cá e lá seus motivos, repensando-os, reorganizando-os, recuperando com eles 379
as formas e os sentidos das coisas perdidas no tempo da infância. É esse mesmo quadro que nos 380
faz desejar recuperar, também nós, os quadros de nossa memória e de nossa experiência literária 381
que deram forma à cidade de Combray, à casa da tia Leôncia e ao rio Vivonne. Mas qual não é 382
nossa decepção, continua Edson, uma vez o jogo desfeito, de não mais encontrar Combray e seu 383
encantamento, mas a simples cidade de Illiers, com a casa da tia Amiot, o rio Loir e sua vida 384
habitual. Onde estão os jardins floridos, o mundo da ficção? Da cidade imaginária só nos restou o 385
nome, hoje ligado por um tracinho de união à cidade real: Illiers-Combray. Seria essa junção dos 386
dois nomes uma vitória da ficção sobre a realidade? Seria uma forma precária de dizer que a 387
realidade poderia confirmar a ficção? Que o artista consiga recriar a realidade com seus meios 388
próprios, sabemos e não podemos negar. Que o poeta possa, «com sua vontade, evocar a primavera 389
em pleno inverno, tirar o sol do seu coração, e criar com seus pensamentos ardentes uma cálida 390
atmosfera», já nos ensina Baudelaire em seu poema «Paisagem» (1985, p.72). Que o pintor consiga 391
reproduzir as nuances de luz na fachada de uma catedral em diferentes momentos do dia, em trinta 392
e uma telas, Monet já no-lo provou. Entretanto, o mais surpreendente é que os homens, conscientes 393
da distância entre o real e o imaginário, procurem formas de perpetuar o jogo e de garantir a ilusão. 394
[...] Nossas cidades estão povoadas de mitos e de ficção como nossos museus e nossas bibliotecas. 395
Propõem-nos textos alheios, são jogos de citação que se escondem nos meandros de suas ruelas, 396
em caminhos recônditos, em ladeiras e descidas a que não se dá muita importância. Como se 397
quisessem nos tirar do tempo presente e nos fazer viajar na história: aqui morou fulano de tal, 398
Praça da Bastilha, Passeio Público, Alexander Platz, Praça Washington das quantas, Pedro não sei 399
que número, ou coisa que o valha. Ou nos fazer penetrar no tempo do imaginário como Illiers-400
Combray. As cidades são como o museu e a biblioteca, que guardam em seus corredores e estantes, 401
como as ruas e as casas de uma cidade, as representações imaginárias que muitas vezes as cidades 402
não podem oferecer. Assim como o leitor que percorre os labirintos do museu ou da biblioteca, o 403
viajante que vai em busca das referências literárias e artísticas é um flâneur que procura em seus 404
passeios pela cidade os elementos que falam das obras [...]. No lugar real, onde ainda existem 405
vestígios do passado de um escritor ou de um artista, e que foi o palco de muitas representações 406
imaginárias, refugia-se o visitante, deleita-se o visitante, decepciona-se o visitante. Ali cabem seus 407
sonhos, ali se alimentam e ali mesmo se desfazem. As imagens sonhadas não resistem à realidade. 408
As imagens inventadas só permitem sonhar. Deixam, no entanto, uma marca indelével, no mundo 409
real, como a do tracinho de união que une Illiers a Combray, e que oficializa, através da linguagem, 410
de forma precária, mas real, a presença do imaginário dentro dos limites do nosso mundo.” O texto 411
fala por si, e acho que não é a ocasião de comentá-lo. Mas creio que nada fazia brilhar tanto o olhar 412
de Edson quanto a possibilidade de riscar, como ele não cessava de fazer, esse tracinho de união 413
que lhe permitia sonhar e fazer sonhar o sonho e a invenção da arte e da literatura se unindo à 414
realidade. Bem, eu gostaria de concluir esta pequena homenagem com um breve depoimento 415
pessoal. Na minha trajetória, Edson participou daqueles que são, talvez, os momentos mais 416
memoráveis de uma vida acadêmica. Esteve em minha banca de Mestrado em 1992, na banca do 417
concurso em que me tornei professor da UFRJ em 1994, na de Doutorado em 1996, e presidiu 418
minha banca de promoção para titular em 2015. Curiosamente, no entanto, isso sequer me veio à 419
lembrança quando escrevi um pequeno texto no dia de sua partida... Que reproduzo aqui para 420
terminar: Conheci Edson ao entrar para o Mestrado em Letras Neolatinas em 1988. Fui seu aluno 421
desde o primeiro semestre nas disciplinas de Literatura Francesa e logo nos aproximamos. Com 422
seu bem-humoradíssimo e sempre afiado mau humor, sua verve implicante, sua cultura imensa e 423
sua vocação professoral, estava sempre contando histórias e explicando alguma coisa. Jamais 424
perdia a oportunidade de dar uma aula, dentro ou fora da sala de aula, fosse sobre Baudelaire ou 425
Flaubert, sobre a relação entre o samba e o choro, os concertos para piano de Chopin, a arquitetura 426
barroca ou a fonética do francês. Edson foi meu primeiro parceiro na Faculdade de Letras. Foi, de 427
fato, o primeiro a me tratar como um interlocutor de igual para igual, estimulando-me a pensar 428
com autonomia e liberdade, ensinando-me a colocar sempre em primeiro plano as ideias que se 429
discutem – e não a posição de quem as discute –, o que ainda hoje me parece uma prática pouco 430
comum no cotidiano tão hierarquizado de nossa universidade. Fui com ele aos meus primeiros 431
congressos, com ele tomei gosto pela vida acadêmica, foi ele quem me fez pensar que eu poderia 432
me tornar um professor universitário. Fomos juntos a muitos lugares, dividindo quartos de hotel, 433
mesas-redondas, mesas de bar, tantas caminhadas por tantas cidades, nunca deixei de aprender 434
com ele. Compartilhamos projetos, bancas, organizamos colóquios, fizemos por vinte anos uma 435
revista juntos. Sua aposentadoria em 2019 já tinha esvaziado um pouco para mim a Faculdade de 436
Letras. Mas sempre mantivemos nossa rotina de almoços esporádicos, em Niterói, no centro do 437
Rio, nos últimos anos quase sempre no Lamas, no Flamengo, muitas vezes na companhia de nossa 438
querida amiga e colega Márcia Pietroluongo, com direito a chope, bolinho de bacalhau, filé à 439
milanesa à francesa, e que sempre terminava com uma, eventualmente duas, dosezinhas de cachaça 440
Magnífica. De que falamos em nosso último encontro, no dia 29 de dezembro, algumas horas antes 441
de sua partida. Prometi, ao despedir-me, que voltaria na semana seguinte com o bolinho de 442
bacalhau e a Magnífica, e fiquei feliz por poder tê-lo visto ainda sorrir. Não houve tempo para 443
isso, mas desde então vivo, vivemos todos que o conhecemos, esse futuro e essa saudade apenas 444
– e não é pouco – na memória.” Após, o professor Pierre Guisan disse que será menos acadêmico 445
e mais subjetivo para homenagear o professor Edson Rosa. “Boa tarde a todos e a todas, vou 446
lembrar de forma mais subjetiva o que o nosso colega Edson representou para mim, em particular. 447
Quando entrei na UFRJ, descobri, graças a ele, que entrei numa família e que ele me acolheu 448
dentro desta família. E essa pessoa foi embora assim, e eu fico sem muitas palavras para descrever 449
o que sinto. Têm essas coisas, os paradoxos da saudade e da lembrança, a saudade de um ser vivo 450
e isso, sobretudo, reage, responde, discorda e contesta. E a verdade é que são as discussões e as 451
discordâncias que tornam uma lembrança sempre viva, muito mais, a meu ver, e a visão dele 452
também, eu tenho certeza, que os momentos de relação de paz e amor. Digo isso porque, eu sei 453
bem que o nosso Edson apreciava, acima de tudo, esses momentos de intercâmbios, críticos e de 454
discussão. Então eu acho que o homenageado teria apreciado uma homenagem positiva e crítica, 455
onde os louvores são produtos desta crítica e de uma posição construtiva. Então não vou fazer o 456
relatório de tudo que consistia em nossas discussões, mas, por exemplo, como professor de 457
Francês, tínhamos bastantes conceitos diferentes no que diz respeito à Gramática Francesa, onde 458
o Edson tinha realmente uma avaliação do certo versus o errado. A gente teve grandes discussões 459
sobre o Malraux, também. Mas o que quero dizer é o que nos unia era justamente o prazer da 460
contestação da disputa da dialética, isso era muito importante. Uma coisa que gente compartilhava, 461
também, eram considerações sobre uma evolução que a gente via com certo pessimismo, o que se 462
tornava cada vez menos uma instituição do saber. Tínhamos como exemplo a Universidade de 463
Paris que, entre 1968 e 1980, se transforma numa instituição cada vez mais de formação 464
profissional. A gente via isso com uma certa incompatibilidade. Essa instituição do saber com 465
companheirismo e coleguismo e uma escola profissional com certo número de pessoas que são 466
especialistas em funcionar em competição. É o coleguismo substituído pela competição, isso é 467
uma coisa que a gente conversava e que preocupava a gente. Essa convivência se concretizou 468
durante em duas grandes viagens: no extremo oriente, na Tailândia, e no oriente próximo, na 469
Turquia. Isso é interessante, pois quando a gente viaja com uma pessoa, pode consolidar amizade 470
ou inimizade. Eu já vivi viagens onde foi uma perda definitiva de amizade. Nas viagens 471
aconteceram muitas coisas que poderiam provocar discordâncias e soluções negociadas com o 472
reforço da amizade. Por isso, as viagens podem resolver, em parte, as questões pela amizade. Um 473
outro traço de caráter que aproximava a gente, e que criava uma certa cumplicidade, era o traço da 474
ironia. As vezes ele podia soltar umas maldades e que terminavam normalmente numa gargalhada. 475
Mas, a ironia fazia parte do seu traço, o que é muito visto nos franceses. Aqui no Brasil é uma 476
figura rara e fará muita falta, como faz cada vez mais falta uma instituição crítica, de debate sem 477
acrimonia, porém, polêmica, a polêmica criadora da amizade. O verdadeiro papel de uma 478
instituição acadêmica, que como já disse, parece perder um pouco esse papel. O conceito de um 479
certo produtivismo em detrimento da crítica, que é tão construtiva e que as vezes está um tanto 480
esquecido nos dias de hoje. E o que permanecerá sempre será o seu espírito irremediavelmente 481
observador, crítico e sem papo na língua. Enfim, quero terminar com meus pensamentos para 482
Teresa, a qual realmente o acompanhou até o final da vida, e penso muito em ti, Teresa. Um 483
beijo!”. A professora Teresa Cerdeira agradeceu a todos pelo carinho e disse que o livro que seria 484
lançado pelo professor Edson Rosa acabara de chegar. A professora Sonia Reis disse que “é um 485
legado e que sempre vamos encontrar o professor Edson em nossas referências. Nas defesas de 486
teses de que vamos participar, os livros que vamos ler, e ele sempre estará ali, se mantém nas 487
obras, um legado que passa para os alunos. Depois da pandemia, este livro terá o seu lançamento 488
feito, além das outras obras póstumas desses intelectuais da nossa área de Letras. Mesmo o 489
professor tendo sido aposentado, ele produz muito, contribui muito para a nossa área. Os 490
pensamentos conflituosos, polêmicos e contraditórios, é isso o que faz da Faculdade de Letras ser 491
o que ela é hoje, essa potência, essa importância na área. Muito obrigada, professora Teresa, beijo 492
grande!” Departamento de Letras Orientais e Eslavas: Homenagem à professora substituta 493
Maria Clara Araújo Guedes: A professora Bianca Graziela da Silva, representando o 494
Departamento, tendo em vista a conexão da professora Sonia Branco estar com problemas, fez a 495
seguinte homenagem: “Boa tarde a todos, eu vou falar substituindo a professora Sonia Branco, 496
vou falar então na qualidade de professora do Departamento de Letras Orientais e Eslavas. Eu 497
quero prestar a nossa homenagem do Departamento a todas as famílias enlutadas, a todos os 498
amigos que, nessa tarde, apresentam a sua homenagem, o seu luto, a sua saudade e, em especial 499
no nosso Departamento, para a professora substituta Maria Clara Araújo Guedes, que foi 500
professora do curso de Hebraico, e faleceu de H1N1. Já tem quase dois anos, e nós queremos então 501
prestar a nossa homenagem a esta professora, que estava em exercício do seu contrato como 502
professora do Setor de Hebraico do nosso Departamento. Uma professora muito jovem, mas cheia 503
de sonhos, estava realizando o seu mestrado, queira fazer o doutorado também na UFRJ e tinha 504
muito a contribuir no curso de Hebraico, no programa de Hebraico e com o país. Tinha muitos 505
sonhos, mas partiu e nós queremos apresentar a nossa homenagem nesse momento muito nebuloso 506
dos nossos dias, lembrando da família da Maria Clara, da sua irmã, da sua mãe, pessoas com quem 507
nós pudemos estar e saber do luto e da dor. Os alunos de Hebraico, a nossa homenagem também, 508
a aqueles que foram alunos dela e estiveram com ela e sofreram tanto com o momento da sua 509
partida. O nosso Departamento também quer fazer referência a um dos nossos alunos de Japonês, 510
que não vamos compartilhar o seu nome, mas alguns de nós soubemos do falecimento de um aluno 511
de Japonês, a Direção soube e houve uma nota, e também nesta tarde queremos prestar a nossa 512
homenagem à família dele, a esse aluno que foi aluno da Faculdade de Letras, aluno do Setor de 513
Letras Japonesas, e compartilhar todo o nosso carinho, toda a nossa amizade, nesse momento tão 514
difícil. Então, nessa Congregação, nessa tarde em que nossas emoções... todo o nosso carinho, toda 515
a nossa esperança, sobretudo estejam focados nessas pessoas, nessas famílias, nos amigos dessas 516
pessoas e em cada um de nós. Passamos um ano lendo algumas notas de pesar. Passamos um ano 517
na expectativa de que muitos de nossos amigos sobrevivessem a essa doença, a essa pandemia. 518
Passamos um ano lutando com pessoas próximas na sua dor, na sua luta pela vida. E que possamos, 519
de fato, nesse dia, refletir sobre os nossos relacionamentos interpessoais, que possamos refletir de 520
uma maneira em que devemos repensar as muitas relações e buscar a harmonia, a amizade, a 521
empatia, a solidariedade e que, de fato, possamos nos unir para proporcionar dias melhores a partir 522
de hoje para todos nós. Agradeço à Sonia, agradeço à Congregação em nome do nosso 523
Departamento de Letras Orientais e Eslavas.” Departamento de Letras Vernáculas: A professora 524
Ana Paula Belchor avisou que, por falta de energia elétrica em sua residência, não poderia 525
participar da solenidade. Assim, a professora Carmen Tindó disse estar muito emocionada, e como 526
o Departamento de Vernáculas não se pronunciou, gostaria dizer algumas palavras: “Para as 527
literaturas africanas, a morte não é o fim, e eu nem participo dessas religiosidades, participo só 528
literariamente, mas quando perdi a minha mãe, isso foi muito importante, então eu queria lembrar 529
isso. Também Guimarães Rosa, quando diz que as pessoas não morrem, ficam encantadas, e eu 530
acho que isso pode ajudar a gente aceitar uma coisa que é certa para todo mundo, mas que a gente 531
não tem condições de ficar o tempo todo enfrentando essa certeza. Muita força para todos, e eu 532
estou profundamente emocionada e mando o meu abraço a todos em nome do Departamento.” A 533
professora Maria Eugênia Lammoglia também se manifestou: “Boa tarde colegas e para todos que 534
estão aqui nos assistindo. Eu vi que a Ana Paula não pôde acessar o site no momento, então eu 535
quis fazer isso imediatamente quando soube da notícia, mas não deu tempo porque a minha rede 536
caiu também. O que eu queria dizer em nome do nosso Departamento e os colegas que me 537
perdoem, mas acho que represento o sentimento deles agora. É agradecer à Faculdade de Letras 538
por essa homenagem tão bonita e dizer que eu sou apenas uma pessoa que está aqui há 27 anos e 539
foram 27 anos muito felizes, de muito aprendizado. Eu cumprimento e abraço as famílias daqueles 540
professores que foram aqui lembrados e que não tive o prazer de conhecer, com os quais não 541
convivi, mas eu tenho que, em primeiro lugar, agradecer a todos pela homenagem, ao professor 542
Edson, marido da nossa querida Teresa Cristina, uma companheira e tanto, de um marido e tanto 543
e uma mulher e tanto. Então, nós nos sentimos juntamente com vocês e nós compartilhamos com 544
vocês essa dor de todos. Eu também quero cumprimentar a todos os parentes dos nossos alunos, 545
como o nosso aluno de Libras, e como tantos outros que nós perdemos e dizer a todos que 546
esperamos que estejam em paz. E, finalmente, eu queria lembrar do nosso ‘Seu Carvalho” 547
(Sebastião Mendes de Carvalho), que foi talvez, o primeiro susto que nós levamos. Se eu me 548
lembro bem, quando do falecimento dele pela covid, que era tão gentil com todos nós de manhã 549
com os seus livros: ‘Bom dia, mestre!’ Bom dia, mestra!’ Para ele e para a família dele, que já foi 550
homenageado em inúmeras ocasiões, também o nosso abraço. E eu acho, eu tenho certeza que 551
estou falando pelo Departamento, a Ana Paula, minha chefe de Departamento, me perdoe se eu 552
não estou conseguido levar o nosso sentimento para todos. Mas eu tenho certeza de que isso fará, 553
como disse a Bianca agora, nossa ilustre chefe de Orientais e Eslavas, nossa ex-aluna de 554
Vernáculas, que muito nos orgulha, que nós temos que sair melhores de tudo isso. Pessoas mais 555
amigas, pessoas mais colaboradoras, pessoas mais empáticas, sem nunca perder o direito da 556
discussão, como lembrou o nosso querido Pierre, porque a discordância e a discussão fazem parte, 557
levantar dúvidas. Mas devemos sempre estar junto e defender e tornar a nossa Faculdade de Letras, 558
dentro da UFRJ, uma Faculdade que seja respeitada e que seja um expoente dentre os cursos de 559
Letras desse Brasil, o que já tenho certeza absoluta de que é. Então, um abraço a todos que estão 560
aqui presentes, para os que estão em casa e para os que perderam pessoas queridas nesse momento 561
tão difícil, que eu espero que passe depressa, embora a gente saiba que vai ser preciso que se tenha 562
muita paciência. Um abraço do Departamento de Letras Vernáculas para todos. Muito obrigada!”. 563
Por fim, a professora Eleonora Ziller, presidente da Adufrj, disse que “viemos aqui para viver 564
dessa emoção e para falar um pouco dela, de forma, inclusive, terapêutica, já que tem essa função 565
para todos nós nesse momento, que é quase, também, como um movimento de cura. Eu gostaria 566
de, em primeiro lugar, agradecer demais a iniciativa da Direção da Faculdade de Letras e dizer o 567
quanto nos conforta saber que esta é a nossa Faculdade, essa é a nossa casa que tem esta história 568
de acolhimento, de solidariedade, de afeto e de reconhecimento pelo seu próprio corpo de 569
professores e de funcionários que sempre foi essa a nossa história. Sonia, você tem honrado ela de 570
uma forma realmente brilhante, não só você, mas toda a equipe, o meu abraço a todos, ao Humberto 571
e a todos os diretores aqui presentes, porque de fato a nossa Faculdade está de pé, está viva e 572
honrando a sua história. E, como presidente da Adufrj, eu também gostaria de ressaltar, porque 573
são docentes que escreveram a história do nosso sindicato, que ajudaram a construir este sindicato, 574
que ajudaram não só a Universidade e que hoje estamos aqui trabalhando, mas os grandes sistemas 575
de pesquisas de produção científicas, o que representamos hoje para o país é, como acho que já foi 576
até citado aqui, iniciamos mais esta semana em mais um dos rankings em que nos coloca como a 577
melhor Universidade do país. Primeira, segunda ou terceira, enfim, seja lá qual for a posição que 578
a gente ocupe, a gente sabe que somos uma instituição de excelência e que cumpre o seu papel 579
com muita dignidade. E a dignidade que todos esses professores tiveram em suas trajetórias. Mas 580
eu também não poderia deixar de falar pessoalmente como ex-aluna da Casa, como alguém que 581
faz quase 40 anos que entrou para essa Faculdade, para fazer o curso de Português-Literaturas. 582
Aqui fiz o mestrado, o doutorado e tive também a grande honra e orgulho de dirigir a Casa por 583
oito anos. Então, para mim, também, momento muito importante de reconhecimento a todos esses 584
que se foram, não só os docentes que aqui foram homenageados, mas também os servidores que, 585
eu queria lembrar no nome dele, e homenageio a todos, o nosso querido Carlinhos (Carlos Alberto 586
Soares), que foram décadas de convivência no corredor, de encontros para discutir os nossos 587
destinos, seja como técnicos-administrativos, seja como docentes diante da iniquidade e do horror 588
que sempre significou nesse país o projeto que nos desqualificou por muito tempo e nos obrigou a 589
muita luta pela defesa da educação pública, da universidade pública e democrática, enfim, toda a 590
nossa história de luta, de resistência e de construção desse enorme patrimônio. Também o sorriso 591
do Carvalho (Sebastião Mendes de Carvalho), ao impacto da perda do Alan, que foi um dos 592
primeiros nomes da UFRJ que nós perdemos para a covid e, principalmente, pela sensação de que 593
nós estamos diante de uma situação evitável. Evidentemente que o país sofreria muito com esta 594
pandemia e que teria muitas perdas e, dificilmente, conseguiríamos enfrentar todos os desafios que 595
ela nos coloca de forma a impedir que houvesse perdas significativas. Mas também cada um de 596
nós sabe, todos nós temos certeza que muitas, muitas, muitas poderiam ter sido evitadas e também 597
esse afastamento, esse isolamento a que estamos submetidos, poderia também está sendo mitigado 598
por uma política nacional, segura de proteção ao nosso povo, à nossa sociedade. Se tivéssemos 599
uma autoridade sanitária, do ponto de vista nacional, coordenando todas essas ações. Então, por 600
isso acho que é um momento ainda mais doloroso. Mas eu também queria deixar uma palavra de 601
carinho aos meus amados professores que se foram e aqui foram homenageados: Nelly, João, 602
Miriam Lemle e Edson, e Evelyn e Maria Hilda eu não fui aluna, mas conheci pela história da 603
Faculdade, todos que construíram em nós e em mim, e eu tenho certeza no que eu tenho de melhor. 604
Eu queria deixar um abraço, um carinho enorme e dizer aqui para aproveitar a oportunidade, 605
Teresa, para dizer que, enfim, a notícia da perda do Edson no dia 30 para mim foi um golpe muito 606
doloroso, porque era como se nós estávamos esperando que 2020 acabasse e eu estava quietinha 607
só esperando esse ano tão difícil passar e a gente cheia de esperança para poder recomeçar, e eu 608
acabei silenciando, não consegui mais falar, mesmo nos e-mails da nossa Faculdade, com tantos 609
familiares de tantos amigos e colegas que se foram, e eu já não conseguia mais expressar, enfim, 610
nenhuma palavra pelo tremendo sofrimento e pela dor mesmo, no sentido de orfandade, de solidão 611
que durante muitos dias tomou conta do meu coração. Mas nós estamos aqui exatamente para 612
elaborar esse sentimento eu queria agradecer a todos vocês por essa oportunidade, porque nós 613
saímos daqui renovados, eu tenho certeza pela história, pela grandeza da história de cada um deles, 614
pela dignidade com que construíram a sua trajetória, e eu acho que, principalmente, pela alegria 615
de estarmos aqui e podermos dizer que estamos firmes, estamos fortes. A situação não é das 616
melhores, mas que nós não vamos largar a peteca, não vamos deixar ela cair no chão. A 617
Universidade vai seguir, a universidade brasileira vai sobreviver, a universidade pública, nossa 618
querida UFRJ, e eu tenho certeza que a Faculdade Letras, embora dolorida e sentindo a perda de 619
tantas pessoas queridas, irá se apresentar com toda a sua força, com toda a sua coragem e, 620
principalmente, com a sua generosidade ensinando a UFRJ a ser uma universidade mais feliz, mais 621
inclusiva e mais democrática. Agradeço demais a lição de todos os mestres, agradeço demais a 622
lição de carinho, de reconhecimento e de generosidade de todos vocês que estão aqui, e gostaria 623
de dizer que ela é que me alimenta, ela que me faz estar de pé e acreditar ter esperança que o ano 624
vai ser difícil, 2021 não será um ano fácil, mas a gente vai estar lutando a todo minuto de forma 625
incansável para honrar a trajetória de todos eles. Um grande abraço com muito carinho a todos 626
vocês e que em breve, muito em breve, a gente possa voltar se abraçar, voltar a curar todas as 627
nossas feridas e partirmos juntos para a luta, como sempre. Abraço grande a todos!” A professora 628
Sonia Reis agradeceu a presença de todos e antes de encerrar a sessão enviou a seguinte mensagem 629
ao corpo social da Faculdade de Letras: “Um corpo social composto por um esplendoroso número 630
de pessoas, de 4300 alunos, um grupo de docentes, um quadro de quase 300 docentes, permanentes 631
e substitutos, o corpo técnico que envolve inclusive, técnicos em tradução e interpretação e em 632
administração, e que vai desde o singelo ‘bom dia’ na Administração até as especialidades da Pós-633
Graduação, das Secretarias... As perdas todas que tivemos pela covid-19 e por outras 634
intercorrências, um abraço a essas famílias, de acolhimento, de entendimento que nós tivemos o 635
prazer de ter na Faculdade de Letras essa convivência. Os nossos terceirizados, também vítimas 636
de covid-19, uma jovem moça recém casada também faleceu. Eles também que sempre limpam a 637
Casa, desde o telhado aos jardins, para que a gente tenha o conforto mínimo no prédio. São pessoas 638
que trabalham ali, esse é o corpo social da Faculdade de Letras. E tenho orgulho, atualmente, de 639
estar aqui representando todas essas pessoas. A covid-19 nos colocou em um longo 640
distanciamento, e o que nós sentimos mais falta, neste momento, é de um abraço e esse é um abraço 641
que falta para a gente, neste momento. É um momento em que ainda vai demorar um pouco a 642
passar. Até quando for possível voltar, a gente vai precisar manter distanciamento e usar máscara. 643
Pois na Faculdade de Letras não há como ter isolamento... O sozinho e a solidão não é algo que 644
existe quando estamos na Faculdade de Letras no presencial, mas agora temos que nos reeducar 645
quanto a este distanciamento. É difícil, e ninguém disse que seria fácil, ninguém imaginava que 646
teríamos uma covid-19 e que teríamos um descaso tão grande das autoridades em relação ao ser 647
humano, à floresta, a todos. Era inimaginável, mas suspeitávamos já, pelo andamento das questões. 648
Mas, ainda assim, todos nós que trabalhamos diariamente ali, que tivemos a convivência com todos 649
esses docentes, discentes, técnicos e terceirizados que nos deixaram, temos a ciência do legado 650
que essas pessoas deixaram do pouco da convivência em nossa Unidade. Os docentes 651
expressivamente com obras literárias, mesmo póstumas, que nós vamos entre uma página e outra, 652
um estudo e outro, parar e lembrar, lembrar e até sorrir, de tamanha singeleza, tamanha 653
engenhosidade do pensamento que nos permitirá abrir aspas e citar em nossas falas. Nós somos da 654
Faculdade de Letras e vamos sair sempre melhores, espero, mas não perdendo sempre o 655
contraditório e o respeito ao contraditório, que isso é fundamental. O respeito ao diferente, o 656
respeito a todos que trabalham pela Faculdade de Letras na sua especificidade, no seu 657
funcionalismo, na sua intelectualidade, na sua exclusividade, nos seus posicionamentos muitas das 658
vezes contraditórios, porque isto é a Faculdade de Letras. Tentar conciliar os contraditórios, porque 659
o que nós queremos é trabalhar e trabalhar construindo um processo, quer na formação das pessoas, 660
quer na formação do trabalhador, daquele intelectual, daquele professor que vai para a sala de aula, 661
daquele pesquisador que vai continuar pesquisando, do poeta que vai continuar poetando, e nós 662
vamos sempre escrevendo as nossas histórias. Nós temos esse momento de memória porque a 663
memória para a Faculdade de Letras, além de corpus de estudo, ela também é diária. Então não 664
somos o que somos hoje sem essas pessoas todas que atravessaram as nossas vidas, ou que nós 665
atravessamos as vidas delas. Nesse momento, a gente sente essa saudade, e essa saudade é nossa, 666
nós somos brasileiros e temos essa palavra para dizer o que é esse sentimento e a gente sabe, 667
também, da necessidade do rito da despedida, do rito do aconchego, do rito de saber que a gente 668
está junto e que, no início da nossa apresentação da canção canônica à capela, como a necessidade 669
de pegarmos o telefone e ligar para uma pessoa. E, nisso, quando a gente fala para alguém ‘estou 670
aqui’, ‘sou seu amigo’, pode ser alguém que podemos até discordar, mas isso faz parte. No trabalho 671
aonde passamos a maior parte do tempo, as pessoas passam a fazer parte da nossa família. Agora, 672