LOPES, Baltasar. Chiquinho, Ed. Alac. 7ª ed., Lousã, 1993. 299p 1. Biografia do autor
Baltasar Lopes da Silva, de pseudónimo, Osvaldo Alcântara, nasceu em Ribeira Brava na Ilha de São Nicolau, Cabo Verde, 1907 e morre em Mindelo, 1989. Fez os primeiros estudos em Cabo Verde, licenciou-se em Direito e em Filologia Românica pela Universidade de Lisboa. Retorna ao arquipélago, onde vem fixar-se na cidade do Mindelo, na Ilha de São Vicente, ali exerceu a advocacia e foi professor e reitor do Liceu Gil Eanes. Romancista, contista, poeta, ensaísta e precursor do posterior movimento cultural cabo-verdiano. Após a independência do seu país, foi membro do Conselho de Justiça da República de Cabo Verde, doutor honores-causa pela Universidade de Lisboa, para cuja Faculdade de Letras. Membro fundador da revista Claridade em1936 que operou uma viragem na literatura cabo-verdiana. Publicou, para além de Chiquinho (1947), o ensaio O Dialecto Crioulo de Cabo Verde (1957), a colectânea de poemas Cântico da Manhã Futura (1986) e contos Os trabalhos e os dias (1987.
2. Resumo da obra
2.1. Apresentação das personagens relevantes do enredo
Chiquinho (Francisco António Soares) protagonista do romance e personagem colectiva símbolo do cabo-verdiano com os seus desafios e aventuras; Nha Rosa Calita, velha semelhante a Camões por lhe faltar um olho. A contadora de histórias e símbolo de sabedoria das tradições orais; Nuniha: o primeiro amor de Chiquinho conhecido em São Vicente; Parafuso, pseudónimo de Manuel amigo do liceu de Chiquinho de quem descobre a miséria. Andrezinho, “erudito”, líder do grémio e director do jornal em que eram redactores Chiquinho, Nonó e Humberto. 2.2. Enredo
Chiquinho nasce em São Nicolau, de que se recorda nostalgicamente nela lembra-se da sua infância, o processo de construção da casa da família em Caleijão, a história da família como a partida do pai para a América motivada pela seca de 1915 em busca das melhores condições de vida para a família, para além da morte da irmã. As responsabilidades da mãe na criação dos filhos, a doença da avó, suas aventuras com as irmãs. Lembra-se ainda da influência do pai na comunidade do Caleijão, apesar de não possuir qualquer formação académica. Lembra-se da escola do Caleijão e do liceu-seminário da Vila de São Nicolau e as brincadeiras com os irmãos.
Lembra-se ainda das histórias morais para os meninos de Nha Rosa Calita depois da ceia. De Pitra Marguida que na ausência do padrinho tornava-se homem da casa, mas que abandona a casa quando a madrinha descobre que engravidara Zepinha. Recorda-se de Nhô Chic´Ana, amigo da família Chiquinho que com sua avó recordam-se dos tempos antigos de marinheiro e os contrapõe arrependido com os da vida de agricultor. Lembra-se ainda de Toi Mulato, pelas histórias de Nhõ João Joana sobre epidemias de Ventona e Cólera, que assolaram a ilha provocando muitos mortos e fuga da população para outras regiões. As histórias de escravatura que explicam o período da chegada de negros à ilha, que com a lei de alforria muitos recebem a liberdade que se converte para alguns em miséria e morte. As histórias dos piratas da boca de mamãe-velha. Lembra-se Tio Joca que embora criticado por ser beberrão com muitos filhos era para Chiquinho exemplo de intelectual exigente que influenciou os seus estudos no seminário, lugar onde sente-se iniciado para a vida ultrapassado o mudo da Nha Rosa Calita.
Concluidos os estudos em São Nicolau, Chiquinho parte para Mindelo cidade de S.Vicente onde continua onde irá fazer o 6º e 7º ano. Lá inicia amizades novas e conhece a sedutora Nuninha seu primeiro amor que por um trimestre afectou o seu aproveitamento. Chiquinho e os seus colegas de escola fundam o Grémio Cultural, uma associação e Renovação – jornal irreverente da mocidade, na medida em que intentava modificar social e espiritualmente a ilha. Uma das preocupações é a crise económica que se centrava no Porto Grande. Chiquinho conhece em Parafuso a mistura da miséria e um estranho orgulho; doente e sem meios para se tratar, recusa a ajuda dos amigos, que só o conseguem pelo pai, e que nem por isso morre. A associação é também solidária para com os operários que o manifestam usando facto macaco embora com a renuncia de Zeca Araujo como condição para assegurar o novo emprego. Findo os estudos do liceu, Chiquinho volta para São Nicolau onde experimenta um forte conflito social, sente-se contrariado, não compreendido, desenquadrado, é considerado estranho e soberbo. Ganhando o concurso de professor do posto, porém, mais apaixonado por um projecto social dum ensaio sobre a vida de São Nicolau que pelo simples ganhar dinheiro. Confronta-se, por isso, com o problema da seca, que resulta na fome e mortes. Perante essa tragédia, mulheres lideradas por Chico Zepa entoando uma guisa de revoltam-se contra a policia que deu pranchada a um menino até sangrar por ter apanhado farinha na loja. A fome esgota Juloca e mata Nhô Chic’Ana amigos intimos de Chiquinho. Incitado pelo tio Joca vê-se obrigado a assumir o terrível desafio de emigrar para América, terra que conhecera em cartas que lia para sua mãe e outras pessoas vizinhas que não sabiam ler, com a esperança de continuar com os estudos e melhorar a vida.
3. Critica
Chiquinho é um romance revolucionário da literatura cabo-verdiana constituída por um itinerário que conhece três etapas: a Infância com 31 capítulos, A vida em São Vicente constituída por 25 capítulos e As-Águas constituída por 20 capítulos. Narrada na primeira pessoa, a narrativa ficciona a vida de Cabo Verde dos anos 30 apoiando-se numa temática que não era até então colocada pelos escritores do arquipélago, o recurso à personalidade cultural do povo de Cabo Verde. Chiquinho revela o abandono a que era votado o cabo-verdiano. A seca destruía as colheitas, a fome e estiagem contra uma população indefesa e desesperada. Assim, o mar é o caminho que se encontra para se sair da crise ao se chegar a América, o futuro esperado.
Estamos perante o modo narrativo, género romance cuja intriga, em marcha res, em relação a um presente narrativo, revelado pelo verbo recordar no primeiro período é basicamente uma analepse que se estende em encadeamento alternâncias de acções, para além, das cartas e histórias de Nha Rosa, Nho João Joana e o livro Sr Euclides Varanda que se desenvolvem em pretérito perfeito que só é quebrado no último parágrafo quando se introduz a prolepse marcada pelo condicional, contrapondo o momento anterior ao futuro sonhado, mas com um final aberto. O final parece uma evasão positiva do ilhéu que apenas vai em busca do melhor para a família e a para a nação. América representa a terra prometida, a solução das calamidades que assolam cabo verde e não o amor por ele nutrido.
Porque denuncia os problemas do abandono a que está sujeito o povo cabo-verdiana perante a, seca, a fome e as morte e que recebem uma solução à maneira cabo-verdiana, a obra enquadra-se no regionalismo realista claridoso no qual Chiquinho aparece como um romance fundador e que começa em 1936. As águas da chuva e do mar simbolizam, respectivamente, a fertilização natural e caminho para a busca do conhecimento que se transforma em desgraça quando ausente. O romance mostra nos como se constrói uma nação uma identidade em Chiquinho que aparece como personagem colectiva. É uma personagem plana. É um romance de formação pois incide sobre o processo de constituição e consolidação cultural, psicológica, social da personalidade do personagem, que sofre o devir desde a sua infância, adolescência até um estado de maturidade. Linguagem marcas de crioulidade são formas da valorização não só da língua mas também de afirmação da identidade cultural cabo-verdiana. Numa linguagem literária que modela o português por ritmo frásico do crioulo. Preocupa-se por uma descrição quase objectiva dos factos como próprio de uma estética realista que busca uma nova forma de ver o social.