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O estatuto informacional dos argumentos dos nomes deverbais

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Academic year: 2021

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O estatuto informacional dos argumentos

dos nomes deverbais

Liliane Santana

Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas – Universidade Estadual Paulista Rua Cristóvão Colombo, 2265, CEP 15054-000- São José do Rio Preto, SP.

lilianesantana@uol.com.br

Abstract. This paper discusses the information status of deverbal noun arguments in spoken language aiming at verifying whether either filling or not filling the argument structure is determined by distribution of given and new information in the text.

Keywords. Nominalization;argument structure; information status.

Resumo. Este trabalho discute o estatuto informacional dos argumentos dos nomes deverbais na língua falada com o objetivo de verificar se o preenchimento ou não da estrutura argumental é determinada pela distribuição de informação nova ou dada no texto.

Palavras-chave. Nominalização; estrutura argumental; estatuto informacional.

1. Introdução

Como este trabalho verifica o uso dos nomes deverbais no discurso, o ponto de vista teórico que se pretende projetar é o da Gramática Funcional (GF), que concebe a linguagem, nos termos de Dik (1989), acima de tudo como um instrumento de interação social entre seres humanos, usada com o objetivo primário de estabelecer relações comunicativas entre os interlocutores. Sob essa perspectiva, a interação verbal, isto é, a interação social por meio da linguagem, é uma forma de atividade cooperativa estruturada. Os instrumentos empregados nessa atividade, as expressões lingüísticas que se manifestam sob a forma de enunciados, são eles próprios estruturados, isto é, governados por regras. São as regras e as expressões lingüísticas que, juntas, constituem o sistema lingüístico.

A nominalização, como um predicado derivado, é tratada por Dik (1985, 1997). Uma propriedade distintiva, prevista pelo do modelo da GF, é a de que a estrutura argumental do verbo ajusta-se ao modelo de um nome prototípico. O ajuste formal mais saliente concerne ao ajuste de argumentos à expressão de sintagmas de possuidor. Para Dik, é a forma de expressão do possuidor (genitivos ou pronomes possessivos) que constitui o modelo para a expressão de argumentos nas nominalizações (cf. Camacho & Santana, 2004).

Os argumentos ajustados são tipicamente os centrais, entendendo-se por centrais o primeiro e o segundo argumento de uma predicação, tendo este último função temática típica de Meta. Há, além disso, certa dose de competição entre os argumentos centrais para ocupar a posição de possuidor. No caso de predicados de um lugar, o

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ajustamento é automático, sendo expresso como possuidor o argumento central único da predicação encaixada. Já no caso de argumentos de dois lugares, os nucleares concorrem por uma única posição disponível de possuidor.

Como é comum que tópicos informacionalmente dados podem não manifestar-se fonologicamente, é relevante verificar se o preenchimento ou a falta de preenchimento da estrutura argumental dos nomes deverbais tem relação direta com o estatuto informacional dos termos envolvidos. A hipótese a ser confirmada ou rejeitada é a de que a preservação de argumentos é o resultado de um estatuto novo, enquanto a ausência de argumentos é o resultado de um estatuto dado.

Os dados utilizados para a análise foram retirados de um corpus de língua falada restrito aos inquéritos de São Paulo do Projeto NURC EF 377 (Castilho & Preti, 1986), D2 360 (Preti &Urbano, 1988) e DID 234 (Castilho & Preti, 1987) e o método de processamento dos dados é eletrônico, mediante o uso do pacote estatístico VARBRUL.

2. Convergência entre estatuto informacional e estrutura argumental

Para tratar da noção de estatuto informacional, estabeleceu-se como ponto de partida a taxonomia dado/novo de Prince (1981). A autora estabelece três categorias para as noções dado e novo: entidade nova, inferível e evocada. Como se sabe, informação nova é a que o falante introduz pela primeira vez no discurso. Para a autora, entretanto, essas entidades podem ser de dois tipos: completamente-nova, quando o ouvinte tem de criar uma nova entidade, e não-usada, em que o falante presume a entidade correspondente no modelo discursivo do interlocutor. As entidades

completamente-novas, por seu lado, subdividem-se em dois tipos: ancoradas e não-ancoradas; no primeiro caso, o SN representado liga-se a uma outra entidade discursiva

por meio de um outro SN e, no segundo caso, ocorre justamente o contrário.

Uma entidade evocada é aquela que já tenha ocorrido no modelo discursivo do ouvinte. Esse tipo de entidade pode ser de dois tipos: textualmente e situacionalmente

evocada, conforme seja o texto ou a situação discursiva o suporte de identificação. Por

fim, uma entidade discursiva é inferível se o falante supõe que o ouvinte possa identificar o referente pretendido a partir de outra entidade discursiva evocada ou inferível. Esse tipo de entidade se subdivide em dois tipos: inferível contido, que se refere a entidades cuja inferência está dentro do próprio SN, e inferível não-contido.

Um ponto relevante que merece discussão é o da convergência entre os argumentos da nominalização e estatuto informacional. O tipo primário de termo, para a GF (Dik, 1997), é um SN que pode ser usado para referir a alguma entidade de primeira ordem e o modelo de expressão típico para esses termos contém constituintes como determinante, quantificador, possuidor, adjetivo, nome. Já as nominalizações, como formas de predicação encaixada, constituem um tipo secundário de termo, usado para referir a entidades de ordem superior, e seus ingredientes típicos são operadores, predicados, argumentos e satélites.

Ao contrário de satélites, que consistem em informação adicional, argumentos são termos obrigatórios, isto é, termos requeridos pela semântica do predicado. Sendo obrigatórios, os argumentos das nominalizações também deveriam vir expressos. Entretanto, não é o que ocorre: dificilmente a estrutura argumental dos nomes deverbais é preenchida em sua totalidade, o que justifica plenamente examinar se a ausência ou

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presença de argumentos tem diretamente a ver com o estatuto informacional dos nomes que os representam.

3. Análise da expressão argumental em relação ao estatuto informacional

Na análise das ocorrências, verificou-se que, do total de 220 nomes deverbais, 14% (31/220) expressam o sujeito potencial (A1) e 26% (58/220) expressam o objeto potencial (A2). Ainda, 32% (71/220) de A1 não-expressos podem ser recuperados no contexto e 54% (118/220) não podem vir expressos por se tratar de nomes genéricos; quanto ao A2, 9% (19/220) podem ser recuperados, 65% (143/220) não podem vir expressos, visto que são nomes genéricos e monovalenciais. Assim, desconsiderando-se os nomes cujos argumentos não podem vir expressos, os dados de análise constituem 102 casos de A1, dos quais 31 são expressos e 71 são recuperáveis no contexto; e 77 casos de A2, dos quais 58 são expressos e 19 recuperáveis no contexto.

Considerando os A1, observa-se que as entidades por eles referenciadas são majoritariamente evocadas: 5% (5/102) são entidades inferíveis, 11% (11/102) são entidades novas não-usadas e 84% (86/102) são evocadas (considerando-se tanto os argumentos expressos quanto os recuperáveis no contexto). Os exemplos contidos em (1-3) ilustram casos de nominalizações cujo argumento A1 é respectivamente uma entidade nova não-usada, inferível e evocada:

(1) L2: e isso::éh significa um aumento de vencimentos...e e:: além de que...da/ dentro do aumento de vencimentos haveria...uma promoção de todo o pessoal que está agora... (D2-SP-360:149)

(2) Inf.: ...mas elas::e comentam comigo a I. diz que tem assistido várias peças mas eu não tenho eu PArei um pouco de ir agora...sei lá ando muito cansada não tenho ido mais a teatro

Doc.: uhn uhn...

Inf.: nesses últimos dias

Doc qual a manifestação que a senhora nota...ah:::por parte do público...depois de uma representação teatral?... (DID-SP-234:106)

(3) Inf.: então é um grupo que estão fazendo uma promoção do Lanjal então eu vou com eles é inCRÍvel o que aparece lá os cortes que eles dão nas cenas e::música que pára artista que começa fora de de de de de::de horário que eles batem tudo então e o que aparece para nós na televisão é tudo muito::organizado não::e o teatro não né? o teatro tem que...eu acho que o trabalho deles é::é medonho...quer dizer o trabalho::em conjunto né?... (DID-SP-234:108)

Em (1), a expressão formal do argumento, representado por vencimento, está diretamente vinculada ao fato de se tratar de uma informação nova, ou seja de uma entidade nova não-usada nos termos de Prince.

No exemplo (2), documentador e informante falam a respeito de peças teatrais e, dentro desse contexto, o documentador quer saber a opinião da informante sobre o tipo de público dessas peças. Embora A1 precise ser especificado, é possível inferi-lo a partir das referências dadas anteriormente no discurso.

O argumento externo da nominalização trabalho, dado em (3), é expresso pelo pronome possessivo deles, o que indica que, em algum lugar do discurso precedente,

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esse argumento já terá sido expresso, sendo, posteriormente, retomado sob a forma pronominal.

A alta incidência de nomes evocados ocupando a posição de A1 é uma forte evidência de que, normalmente, o argumento externo é a informação dada, tópica. Observe-se o exemplo (4):

(4) L1: ...(uma) de no::ve...e a outra de seis...

Doc.: a senhora...procurou dar espaço de tempo entre um e OUtro... L2: aconteceram ou foram

[

Doc.: aconte/... L2 programados Doc.: (isso)...faz favor ()

[

L1 a p/ a p/ é...a programação...havia sido planejada...mas não deu certo...((risos)) (D2-SP-360:136)

O A1 do nome programação é facilmente recuperado no cotexto, não é necessário, assim, incluí-lo, já que é informação disponível – textualmente evocada nos termos de Prince (1981). Se a estrutura da frase já fornece informação sobre os argumentos do nome, não cabe sua expressão formal.

A ausência de expressão formal de A1 está assim diretamente vinculada ao estatuto informacional. Em 100% dos casos de ausência, o argumento ausente representa uma entidade evocada, ou seja, não ser formalmente expresso significa representar uma informação dada, e, portanto, passível de ser recuperada em alguma parte do discurso.

Passando, agora, ao tratamento de A2, os dados apontam para uma incidência majoritária de entidades novas não-usadas. Analisando a estrutura argumental de 77 nomes, observa-se que 65% (50/77) são entidades novas não-usadas, 26% (20/77) são evocadas (considerando-se tanto os argumentos expressos quanto os recuperáveis no contexto) e 9% (07/77) são inferíveis. (5), (6) e (7) ilustram casos de nominalizações cujo A2 é, respectivamente, uma entidade nova não-usada , evocada e inferível:

(5) L1: eu trabalhava no serviço social do Estado... L2: uhn

L1: fazendo parte da::campanha de::repressão à mendicância...do governo Carvalho Pinto

L2: ahn ahn (D2-SP-360:147)

(6) L2: houve uma série de irre/ éh::de irregularidades...nas lis/ na apresentação da lista de classificação irregularidade foi engano...no no no fazer...na confecção da lista...de de aprovados hou/ houv/ começaram a haver alguns enganos...então o pessoal que mand/ entrava com mandado... (D2-SP-360:151)

(7) L1: ah:: então não tem como [

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L1: para apenas... [

L2: porque significa L1: preencherem

[

L2: um con/ concurso bem grande...para o preenchimento de vinte vagas...(quer dizer) então enquanto não for...não houver es/ esse projeto resolvido para o pessoal ter essa promoção para poder...ser aberto mais rápido não terá concurso enquanto não houver concurso continuam trabalhando (D2-SP-360:150)

Em (5), mendicância consiste numa entidade nova, ou seja, que não ocorreu ainda no discurso e, por isso, recebe expressão formal de item lexical pleno. Já em (6), embora o argumento também seja formalmente expresso (lista), ele já havia ocorrido no discurso e, por isso, é entidade textualmente evocada; ressalta-se que a possibilidade de recuperação do argumento implica a possibilidade de omissão, traço que não caracteriza o argumento dado em (5). Em preenchimento de vaga, contido em (7), é possível inferir o A2, já que os interlocutores estão falando sobre concurso.

Ocioso dizer que, normalmente, o argumento interno é a informação nova, focal. Justifica-se, assim, a predominância de A2 ocorrendo como nome novo não-usado, contrapondo-se à expressão majoritária de A1 como evocado. Sendo um nome novo, o argumento precisa ser formalmente expresso. Considere-se o exemplo (8):

(8) quanto à coleta se eles dependiam... da colheita... de frutos... raízes... que eles NÃO plantavam... (EF-SP-405:51)

O texto é uma aula sobre a arte do homem pré-histórico e, por conseguinte, são os homens pré-históricos, coletores, que dependem da colheita de frutos e raízes. A nominalização não necessita incluir o argumento externo, mas a natureza da colheita é informação nova e, como tal, deve receber a expressão de um SN. Agora note (9) abaixo:

(9) no momento em que o homem... pré-histórico mexeu nos ossos carbonizados ficou com a mão... suja preta... e encostou as mãos não parede... ele percebeu que ele era capaz de CRIAR::... criar uma imagem::... que TANta semelhança... com o objeto real... que era a mão dele... (EF-SP-405:52) ...então:: ele vai tentar usar esta criação... que ele e capaz de fazer... para garantir a caça... (EF-SP-405:53)

Em (9), os argumentos de criação são facilmente recuperáveis no cotexto: o sujeito é ele (o homem pré-histórico) e o objeto é imagem; o respeito à máxima da quantidade - “seja tão informativo quanto necessário ” – (Grice, 1975) representa um bloqueio ao licenciamento da expressão sintática dos argumentos na retomada seguinte.

4. Considerações finais

Os dados analisados comprovam a hipótese de que a expressão formal dos argumentos dos nomes deverbais está diretamente ligada ao estatuto informacional dos termos envolvidos, ou seja, a preservação do argumento é o resultado de um estatuto novo, enquanto a ausência de argumentos é resultado de um estatuto dado.

O sujeito potencial das nominalizações (argumentos expressos e recuperáveis) são predominantemente evocados, o que confirma o fato de o argumento externo ser preferencialmente a informação dada, tópica; normalmente, a informação nova aparece

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na posição de objeto, justificando-se, assim, a escolha desse argumento para ser expresso como novo não-usado.

Observar o estatuto informacional dos argumentos das nominalizações parece ser relevante para a compreensão da expressão ou não-expressão desses argumentos, e conseqüentemente, para a explicação do baixo preenchimento da estrutura argumental dos nomes derivados. Se forem novos, os argumentos precisam ser expressos; caso contrário, é informacionalmente redundante expressá-los.

Outro ponto que merece destaque é que a correspondência sintático-semântico entre predicados verbais e predicados nominais deverbais, em termos de preservação ou não da estrutura argumental, parece refletir-se também no estatuto informacional das entidades representadas pelos argumentos. Com efeito, os dados fornecem evidência de que a convergência no A1 da função sintática de sujeito e na função pragmática de tópico, comum nas sentenças simples do português, parece refletir-se também na estrutura argumental de predicações encaixadas como nominalizações, já que tanto num tipo de predicação, quanto no noutro, por ser dado, o sujeito pode receber freqüentemente a expressão de anáfora zero, enquanto A2, dado seu caráter pragmático de entidade nova, deve receber freqüentemente a expressão de item lexical pleno.

Referências

CAMACHO, R.G., SANTANA, L. A expressão argumental dos nomes deverbais.

Estudos Lingüísticos. São Paulo, v.32, 2004.

CASTILHO, A. T., PRETI, D. (orgs.) A linguagem falada culta na cidade de São

Paulo: materiais para seu estudo (Vol I: Elocuções formais). São Paulo: T. A.

Queiroz/FAPESP, 1986.

_____. A linguagem falada culta na cidade de São Paulo: Vol. II: Diálogos entre dois informantes. São Paulo: T. A. Queiroz/FAPESP, 1987.

DIK, S. C. Formal and semantic adjustment of derived constructions. In: BOLKSTEIN et al. (eds). Predicates and terms in Functional Grammar. Dordrecht/Cinnaminson: Foris, 1985, p. 1-28.

_____. The theory of Functional Grammar. (Part I: The structure of the clause). Dordrecht: Foris, 1989.

_____.The theory of Functional Grammar. (Part II: Complex and Derived Constructions). Edited by Kees Hengeveld. Berlin/New York: Mouton de Gruyter, 1997.

GRICE, H.P. Logic and conversation. In: COLE, P., MORGAN, J.L. (eds.) Syntax and

semantics 3: Speech Acts. London/New York: Academic Press, 1975, p. 41-58.

PRETI, D., URBANO, H. (orgs.) A linguagem falada culta na cidade de São Paulo: Vol.III: Entrevistas: T. A. Queiroz/FAPESP, 1988.

PRINCE, H. F. Toward a taxonomy of given-new information. In: COLE, P. (Ed.).

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