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Os Banhos (Vladímir Maiakóvski): do teatro de atmosfera ao teatro de espetáculo 1

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Academic year: 2021

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Os Banhos (Vladímir Maiakóvski)

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do teatro de atmosfera ao teatro de espetáculo

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Sonia Regina Martins Gonçalves2

Resumo: O Teatro de Arte de Moscou, surgido no final do século XIX,

consagrou-se pela força de sua representação naturalista, fiel à ideia de emoção autêntica formulada por Stanislávski e Dántchenko. Porém, a corrente vanguardista no teatro levou à Rússia as últimas tendências do Ocidente. Meyerhold viria a se tornar o maior porta-voz dessas tendências. Maiakóvski, por sua vez, é parte fundamental desse teatro de vanguarda. Pretende-se, neste trabalho, por meio de sua peça Os Banhos, apresentar um breve panorama dos caminhos percorridos pelo teatro num momento tão crucial da história russa.

Palavras-chave: Teatro russo. Vanguarda. Antirrealismo.

1. Introdução

Antes de nos concentrarmos na tarefa de analisar a peça em questão, seria interessante estabelecer um panorama da situação das artes e particularmente do teatro na Rússia a partir do século XX. Desde o seu início, no final do século XIX, até o início da Revolução de 1917, o Teatro de Arte de Moscou esteve em plena atividade, tendo se consagrado pela força de sua representação naturalista, passando pelos caminhos do drama histórico realista, do realismo psicológico de Tchékhov e mais tarde pelo drama sócio-político de Górki. Em todos esses caminhos, sempre foi fiel à ideia básica formulada por Stanislávski e Dántchenko: a do teatro de emoção autêntica, baseada na verdade psicológica dos gestos, palavras e atitudes do ator, opondo-se, portanto, ao “teatro de espetáculo”, que dá ênfase aos recursos externos, visuais e auditivos. Para Magaldi (1989, p. 30), “ninguém foi mais longe do que Stanislávski na pesquisa da verdade íntima, no trabalho de interiorização, (...) cujo ideal é a inteira entrega do ator à personagem”.

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Literatura / A palavra do Seminário Internacional de Tecnologia, Educação e Sociedade, realizado pela Faculdade

Tecnológica [Fatec] de Itaquaquecetuba, SP, no período de 27 a 30 de março de 2019.

2 Docente da FATEC Itaquaquecetuba. Mestre em Teoria Literária e Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo. E-mail: soniamart@ig.com.br.

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Meyerhold, ator da companhia de Stanislávski, viria a seguir outros caminhos, sendo responsável, durante o primeiro quarto do século XX, pela corrente vanguardista no teatro da época, aproveitando o clima de surgimento de uma nova estética que começava a florescer na Europa. O lançamento, por Serguéi Diáguilev (1872–1929) da revista O Mundo da Arte, em 1898, teria contribuído para o início do estabelecimento desse clima, levando à Rússia as últimas tendências do Ocidente e desafiando o naturalismo, na medida em que apresentava o cubismo francês e o expressionismo alemão, entre outros movimentos.

Como lembra Bornheim (1992, p. 29), “o fundamental no teatro de vanguarda não consiste tão-só em recusar (...) preceitos tradicionais; o que o inspira é a convicção da impossibilidade de segui-los porque o seu pressuposto último perdeu a vigência.” Esse “pressuposto último é o próprio sentido da realidade.

Slonin (1965) comenta que, nesse sentido, o teatro de Meyerhold diferia do de Stanislávski basicamente por conta da seguinte questão: para ele, o espectador não deveria esquecer-se nem por um segundo de que está no teatro, tendo plena consciência de que o ator está representando um papel. Ora, a esse respeito Stanislávski propunha que o espectador assistisse ao espetáculo como se “olhasse pelo buraco da fechadura”, transformando-o assim numa “fatia da vida”, em que a emoção era mais importante que a estética. As novas tendências nas artes destacavam justamente os valores puramente formais, valorizando a beleza, utilizando recursos da estilização e classificando o teatro que simplesmente representava a realidade como limitado, convencional e pouco criativo.

Entre 1908 e 1917, Meyerhold surgiu como um dos mais importantes diretores russos. E, apaixonando-se pela causa da revolução, passa das propostas estéticas às extravagâncias dos futuristas, acreditando num teatro que fosse porta-voz das ideias do comunismo.

Esse teatro de vanguarda, do qual Maiakóvski é parte fundamental, nasce das invenções dos pintores que sentiam a necessidade de refletir em suas telas os processos mecânicos da indústria e as conquistas da técnica,

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inaugurando, assim, o construtivismo. Tal fato se reflete de maneira flagrante nos cenários com elementos geométricos, nas roupas e na atuação dos atores, que com os movimentos exatos da “biomecânica” criada por Meyerhold, faziam do corpo um signo a mais em favor da expressão, transformando o palco quase num galpão de fábrica, reforçando a proposta da arte como produto da civilização industrial.

Para Maiakóvski, por sua vez, segundo o que ele revela no texto “Debate sobre Os Banhos”, realizado na Casa da Imprensa, em Moscou, “o teatro é uma arena, e em segundo lugar, é um empreendimento de espetáculo, isto é, uma alegre arena publicística.” (SCHNAIDERMAN, 1984, p. 258). Foi dentro dessa proposta que ele escreveu, em 1929, a peça Os Banhos, posta em cena no ano seguinte e sobre a qual se falará mais detalhadamente a seguir.

2. Os Banhos

A peça Os Banhos: “drama em seis atos com circo e fogos de artifício” constituiu-se da última obra de Maiakóvski, que viria a se suicidar cerca de um mês após sua estreia, ocorrida em março de 1930, no teatro de Meyerhold. São recorrentes, na obra de Maiakóvski, temas e imagens que nos remetem ao mundo do circo. Segundo Ripellino (1986, p. 213), o amor dos intelectuais de esquerda pelo circo “era, no fundo, um aspecto daquela alegria futurística que se exprimia (...) na decoração extravagante dos cafés literários, nos espetáculos ao ar livre”. Recebida com frieza pela crítica, a peça ataca a burocracia soviética por meio da história de um inventor (Tchudakóv) que cria uma máquina do tempo capaz de transportar as pessoas do presente para o futuro e vice-versa.

Necessitando de verba para prosseguir com suas pesquisas, Tchudakóv e seu amigo Velocipiédkin vão até os burocratas, representados por Pobiedonóssikov e seu secretário Optimístenko, que com sua estupidez, que é a própria estupidez da burocracia, criam uma série de obstáculos às pretensões do inventor. Nesse meio tempo, chega através da máquina, vinda do ano 2030, a Mulher Fosforescente, disposta a levar com ela quem quiser

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viajar até o futuro. Os burocratas desejam ir, e, nessa situação, o arrogante Pobiedanóssikov curva-se diante do estranho ser, tornando-se tão humilde quanto os que diariamente esperavam horas na fila para serem atendidos por ele na repartição que chefiava. Os burocratas, enfim, acabam embarcando na máquina do tempo, mas logo são rejeitados por ela: gente como eles não pertencem ao futuro.

Para compor os personagens, Maiakóvski começa por atribuir-lhes o que A.M. Ripellino chama de “nomes falantes”, processo que já havia sido utilizado por Gógol no século XIX. Por meio desse processo, os personagens são batizados conforme o que lhes diga respeito mais de perto em relação a suas características, como se pode observar na sequência:

-- Pobiedonóssikov (Chefe Supremo da Direção para a Coordenação): junta a palavra “pobiéda” (vitória) ao afetuoso “nóssik” (narizinho), recordando ao mesmo tempo o sobrenome do retrógrado Pobiedonóstzev, inspirador da política de Alexandre III. Arrogante e narcisista, encarna a adulação, o conformismo, a vulgaridade, a ignorância; é teimosos e autoritário. Despreza o povo, mas se curva diante dos poderosos, chegando a difamar as outras pessoas para obter benefícios em causa própria. Nesse sentido, lembra muito o prefeito de O inspetor geral, de Gógol, que procura obter vantagens junto ao impostor. Aliás, a peça Os Banhos está permeada de elementos intertextuais, fato que será discutido mais adiante.

-- Optimístenko (Secretário de Pobiedonóssikov): É submisso ao patrão, ignorante, sempre curvando-se diante dos superiores. Seu nome é formado a partir da palavra “optimist” (otimista).

-- Belviendónski (Retratista): Reflete a figura de Isaac Isráilevitch Bródski, autor de numerosos retratos pomposos e afetados de Lênin, Stálin e outros líderes soviéticos.

-- Momentálnikov (Repórter): Tem seu nome formado a partir da palavra “momentálni”, que significa “instantâneo”. É um oportunista, como sugerem seu nome e sua profissão.

-- Mister Pont Kitsch (Estrangeiro): “Kitsch” é uma referência ao substantivo alemão que designa objetos de péssimo gosto. A estética

kitsch está relacionada aos burgueses, na condição de “novos

ricos” consumistas e acumuladores de objetos das mais variadas procedências.

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-- Velocipiédkin (Guarda-popular e cavalariano ligeiro): Seu nome deriva de “velocipiéd” (bicicleta). O personagem, sendo um dos “impuros”, exibe em seu nome a mobilidade, em oposição à estagnação dos “puros”.

-- Tchudakóv (Inventor): nome que se origina de “tchudo” (milagre, maravilha).

Pois bem: voltando à questão da intertextualidade, podemos dizer que a peça Os Banhos é toda construída com base na paródia, a começar pelo tema da “máquina do tempo”, numa referência clara ao romance homônimo de Wells. As construções paródicas continuam em vários níveis, inclusive intratextuais: segundo A. M. Ripellino, “como Prissípkin (o herói de O

Percevejo, também de Maiakóvski), o herói de Bánia tem o seu protótipo no

personagem de um roteiro cinematográfico, precisamente no protagonista de

Továritch Kopitko, ili Dolói jir! (O companheiro Kopitko, ou Abaixo a gordura!

1927, p. 28).” Tal personagem, assim como Pobiedonóssikov, num certo momento escolhe seus móveis e vai ao teatro encontrar-se com uma atriz. Quanto aos personagens Optimístenko e Ivan Ivánovith, teriam ligação com personagens de outros textos.

A estreia da peça ocorreu em 16 de março de 1930, e, na caracterização dos personagens, eles foram separados em dois grupos: o dos “impuros” (Tchudakóv e seus amigos) e o dos “puros” (os burocratas). Os primeiros andavam com passos ligeiros, e nos esquemas e diagramas de sua máquina destacavam-se as linhas geométricas, formando traçados abstratos, com círculos, semelhantes às composições construtivistas. Nesse grupo também se inseria a “Mulher Fosforescente”, com suas roupas justas e de cores metalizadas. Como lembra Ripellino (1986, p. 204), “a mulher fosforescente (...) vestia um casaquinho cinza-pérola ajustado, transpassado por uma faixa vertical de alumínio, um capuz vermelho de lona (...), calções curtos de malha (...).”

Em contrapartida, os “puros” transmitiam a ideia de peso e estagnação, usando acessórios e roupas ridículas de bufão. O palco consistia numa plataforma fixa em torno da qual rodavam círculos enormes, e slogans de Maiakóvski escritos em faixas formavam uma espécie de persiana.

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Assim, com esse cenário, esse figurino e com a performance dos personagens no palco, podemos compreender o porquê da observação feita por Maiakóvski a respeito da peça: “drama em seis atos com circo e fogos de artifìcio”. A esse respeito, segundo Ripellino (1986, p. 201), ele comentaria: “o teatro esqueceu-se de ser espetáculo. (...). A substância do meu trabalho teatral está na tentativa de restituir ao teatro o seu valor de espetáculo, fazer do palco uma tribuna”.

No terceiro ato, o jogo intertextual permanece na forma de metateatro, já que se trata de representar uma comédia dentro da outra. A essa altura do texto, Pobiedonóssikov vai ao teatro e discute com o diretor da peça, exibindo sua insatisfação pela ridicularização de um alto funcionário, transformando-o num tipo negativo. Ora, esse tipo negativo representa, na “peça dentro da peça”, o próprio Pobiedonóssikov, que, por sua vez, é o burocrata saído da realidade russa da época. E Pobiedonóssikov, nessa ocasião, manifesta sua opinião a respeito da arte, que deveria “acariciar os olhos, e não alvoroçar”, além de ser “compreensível e acessível a mim, a Ivan Ivánovitch e às massas”. Pois bem: Pobiedonóssikov, aí, encarna os críticos de Maiakóvski, que o consideravam por demais obscuro, e sobre o que Maiakóvski escreveu, em suas “Palavras de Ordem Para o Espetáculo Os Banhos”:

Alguns dizem:

Espetáculo maravilhoso, mas ele é incompreensível

à grande massa. A arrogância senhorial

Deixem de vez: A massa

se vira

tão bem como vocês.

Com esses versos polêmicos e todos os recursos que já foram mencionados, Maiakóvski pretendeu desafiar o realismo fora de época dos

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teatros acadêmicos, além de dar um banho nas inclinações vulgares dos burocratas. Mas a crítica não cessava de afirmar insistentemente a obscuridade de sua obra, o que para alguém como Maiakóvski, que acreditava no “encargo social da arte”, acabou sendo um duro golpe, somado à decepção com a utopia soviética. Os Banhos constituiu-se na última obra de Maiakóvski, que se suicidaria com um tiro cerca depois de um mês depois da estreia da peça.

Conclusão

Por meio da análise da peça Os Banhos, podemos fazer algumas constatações. A mais efetiva delas diz respeito aos caminhos percorridos pelo teatro a partir do século XIX, dada a necessidade crescente de vencer os limites do Realismo. Dessa forma, o “teatro de atmosfera” é substituído pelo “teatro de espetáculo”, e a palavra de ordem passa a ser a “reteatralização”, valorizando as habilidades do ator. A presente peça de Maiakóvski, na qualidade de obra de vanguarda produzida num período efervescente da História, constitui-se num exemplo demasiado claro desse processo. Segundo ele próprio, Os Banhos não comporta “homens de carne e osso, mas tendências personificadas. Tornar vivas a propaganda, a educação política, a tendência, eis o sentido do teatro atual e a dificuldade que ele deve resolver.”

Assim sintetiza Maiakóvski sua poética do palco, lançando-se contra as peças de salão e os refinamentos psicológicos e tornando-se não só o poeta, mas também o dramaturgo da Revolução de Outubro.

Referências

BORNHEIN, G. O sentido e a máscara. São Paulo: Perspectiva, 1992. MAGALDI, S. O texto no teatro. São Paulo: Perspectiva, 1989.

MAIAKÓVSKI, V. Os Banhos: drama em seis atos com circo e fogos de artifício. Trad. Luiz Sampaio Zacchi e revisão de Boris Schnaiderman.

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RIPELLINO, A. M. Maiakóvski e o teatro de vanguarda. São Paulo: Perspectiva, 1986.

SCHNAIDEMAN, B. A poética de Maiakóvski. São Paulo: Perspectiva, 1984. SLONIN, M. El teatro ruso. Buenos Aires: Editorial Universitaria de Buenos Aires, 1965.

Referências

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