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A Caixa Preta de Darwin Michael J. Behe

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Academic year: 2021

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Escaneado por Haroldo Murilo. Sem correção _________ Michael J. Behe A CAIXA PRETA DE DARWIN O desafio da bioquímica à teoria da evolução Tradução: Ruy Jungmann Consultoria: Rui Cerqueira

Professor-titular de ecologia, UFRJ Jorge Zahar Editor

Rio de Janeiro Título original: Darwin 's Black Box

(The Biochemical Challenge to Evolution)

Tradução autorizada da primeira edição norte-americana publicada em 1996 por The Free Press, de Nova York, EUA Copyright ©1996 Michael J. Bebe

Copyright © 1997 da edição em língua portuguesa: Jorge Zahar Editor Ltda.

rua México 31 sobreloja 20031-144 Rio de Janeiro, RJ

tel.: (21) 2240-0226fax: (21) 2262-5123 e-mail: jze@zahar.com.br

site: www.zahar.com.br

Todos os direitos reservados.

A reprodução não-autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação do copyright. (Lei 9.610) Capa: Carol Sá

Ilustração: Marcelo Torrico CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte

Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. B365c Behe, Michael J.

A caixa preta de Darwin: o desafio da bioquímica à teoria da evoluçãoMichael J. Behe; tradução, Ruy Jungmann; con-sultoria, Rui Cerqueira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997

(Ciência & Cultura)

Tradução de: Darwin's black box: the biochemical chal-lenge to evolution

Inclui apêndices ISBN 85-7110-412-3

l. Bioquímica. 2. Evolução (Biologia). I. Título. II. Série. CDD574.192

97-1004 CDU 577. l SUMÁRIO

Prefácio ... 7

PARTE I: A caixa É ABERTA 1. Biologia liliputiana ... 13

2. Parafusos e porcas... 35

PARTE U: examinando O conteúdo DA caixa 3. Remar, remar, remar sem parar ... 59

4. Rube Goldberg no sangue ... 81

5. Daqui para lá ... 105

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7. Morte na estrada ... 145

PARTE III: O QUE NOS DIZ A caixa? 8. Publique ou pereça ... 169

9. Planejamento inteligente ... 190

10. Objeções ao planejamento... 211

11. Ciência, filosofia e religião ... 234

Apêndice ... 255 Notas ... 277 Agradecimentos ... 288 índice Remissivo ... 289 Para Celeste PREFÁCIO UM FENÓMENO MOLECULAR

É lugar-comum, quase banal, dizer que a ciência deu grandes passos na compreensão da natureza. As leis da física são agora tão bem conhecidas que sondas espaciais voam com precisão absoluta para fotografar mundos situados a bilhões de quilómetros da Terra. Computadores, telefones, luzes elétricas e incontáveis outros exemplos confirmam o domínio da ciência e da tecnologia sobre as forças da natureza. Vacinas e culturas agrícolas de alto rendimento venceram os antigos inimigos da humanidade, a doença e a fome pelo menos em algumas partes do mundo. Quase todas as

semanas, anúncios de descobertas na área da biologia molecular reforçam a esperança pela cura de doenças genéticas e de outras origens.

Ainda assim, compreender de que forma alguma coisa funciona não é a mesma coisa que compreender como ela surgiu. Os movimentos dos

planetas no sistema solar, por exemplo, podem ser previstos com espantosa exatidão. A origem do sistema solar (saber como o Sol, os planetas e suas luas se formaram), contudo, ainda é controversa.' A ciência provavelmente acabará por solucionar esse enigma. Ainda assim, permanece a questão de que compreender a origem de alguma coisa é diferente de entender como ela funciona no dia-a-dia.

O domínio da natureza pela ciência levou várias pessoas a supor que ela pode na verdade, deve explicar também a origem da natureza e

da vida. Asugestão de Darwin, de que a vida pode ser explicada pela ação da seleção natural sobre a variação, tem sido aceita esmagadoramente há mais de um século nos círculos cultos, apesar dos mecanismos básicos da vida terem permanecido um completo mistério até poucas décadas atrás.

A ciência moderna aprendeu que, em última análise, a vida é um

fenómeno molecular: todos os organismos são feitos de moléculas, que funcionam como porcas e parafusos, engrenagens e polias dos sistemas biológicos. Sem dúvida, há sistemas biológicos complexos (como a circu-lação sanguínea, por exemplo) que surgem em níveis mais altos; os detalhes comezinhos da vida, porém, constituem a função das biomoléculas. Por isso mesmo, a ciência da bioquímica, que as estuda, tem por missão a inves-tigação dos próprios alicerces da vida.

Desde meados da década de 1950, a bioquímica tem elucidado laborio-samente o funcionamento da vida no nível molecular. Darwin desconhecia o motivo pelo qual ocorria a variação em uma espécie (um dos requisitos de sua teoria), mas a bioquímica identificou a base molecular do processo. A ciência do século xix não podia sequer arriscar um palpite sobre os mecanismos da visão, da imunidade ou do movimento, ao passo que a

! bioquímica identificou as moléculas responsáveis por essas e por outras ' funções.

No passado pensava-se que a base da vida era extraordinariamente

simples. Essa ideia foi demolida. Verificou-se que a visão, os movimentos e outras funções biológicas não são menos sofisticados do que câmeras de televisão e automóveis. Embora a ciência tenha feito enormes progressos na compreensão de como funciona a química da vida, a sofisticação e a complexidade dos sistemas biológicos no nível molecular paralisaram suas tentativas de explicar as origens dos mesmos. Não houve virtualmente

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tentativa alguma da ciência de explicar a origem de sistemas biomoleculares específicos, complexos, e muito menos qualquer progresso nesse sentido. Muitos cientistas afirmaram corajosamente que já têm tais explicações, ou que as terão mais cedo ou mais tarde, mas nenhum apoio para essas

alegações pode ser encontrado na literatura científica. Mais importante ainda, há razões irresistíveis baseadas na própria estrutura dos sistemas

para se pensar que uma explicação darwiniana dos mecanismos da vida será para sempre enganosa.

Evolução é uma palavra versátil.2 Pode ser usada por uma pessoa para explicar algo tão simples quanto uma mudança ao longo do tempo, e por

outra para indicar a descendência de todas as formas de vida a partir de um ancestral comum, sem especificar o mecanismo de mudança. Em seu

sentido mais conhecido, biológico, evolução significa um processo por

meio do qual a vida surgiu de matéria não-viva e, mais tarde, desenvolveu-se inteiramente por meios naturais. Esse é o sentido que Darwin deu à palavra, e o mesmo que conserva na comunidade científica. E é a acepção em que

usamos a palavra evolução em todo este livro. PREFACIO 9

Há vários anos, Papai Noel deu um velocípede de plástico ao meu filho mais velho. Infelizmente, ocupado como é, Papai Noel não teve tempo de

tirá-lo da caixa e montá-lo antes de ir embora: essa tarefa coube a este pai aqui. Tirei as peças da caixa, abri o folheto com as instruções de montagem e soltei um suspiro. Encontrei seis páginas de instruções detalhadas: alinhe os oito diferentes tipos de parafuso, introduza dois parafusos de quatro centímetros através do guidom até a coluna, enfie a coluna através do

orifício quadrado no corpo do velocípede, e assim por diante. Eu não queria nem mesmo ler as instruções, pois sabia que não poderia fazê-lo apenas com um passar de olhos como se faz com um jornal toda a finalidade

está nos detalhes. Arregacei as mangas, abri uma lata de cerveja e comecei a trabalhar. Após várias horas, montei o velocípede. Nesse processo, eu havia lido várias vezes cada instrução do folheto (para fixá-las na mente) e realizado todas as ações exatas requeridas.

A aversão que sinto por instruções parece ser bastante comum. Embora quase todos os lares possuam um aparelho de videocassete, a maioria das pessoas não consegue programá-los. Essas maravilhas tecnológicas vêm com instruções de operação completas, mas só de pensar em estudar cada frase do manual faz com que a maioria das pessoas delegue o trabalho ao garoto de dez anos que estiver mais próximo.

Lamentavelmente, grande parte da bioquímica é como um manual de

instruções, no sentido em que a importância está nos detalhes. Um estudante que ler apenas superficialmente um livro didático de bioquímica pode estar certo de que passará grande parte do exame seguinte olhando para o teto, enquanto gotas de suor se formam em sua testa. Passar os olhos pelo texto não prepara o estudante para perguntas como "Descreva em detalhe o

mecanismo de hidrólise de uma ligação peptídica pela tripsina, dando especial atenção ao papel da energia de ligação no estágio de transição". Embora haja princípios gerais de bioquímica que ajudam um simples mortal a compreender o quadro geral da química da vida, princípios amplos só podem levar o indivíduo até certo ponto. Um diploma em engenharia não substitui o manual de instruções de um velocípede, nem nos ajuda a programar o videocassete.

Muitas pessoas, infelizmente, estão bastante conscientes da minuciosi-dade da bioquímica. Pessoas que padecem de anemia falciforme, sofrendo muita dor em suas curtas vidas, conhecem a importância do pequeno detalhe que mudou um dos 146 resíduos de aminoácidos de uma em cada dezena

de milhares de proteínas de seu corpo. Pais de crianças que morrem da 10 A CAIXA PRETA DE DARWIN

doença de Tay-Sachs, ou fibrose cística, ou que sofrem de diabetes o-hemofilia sabem mais do que gostariam sobre a importância de detalhe bioquímicos.

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De modo que, como escritor que deseja que as pessoas leiam este livro enfrento um dilema: as pessoas odeiam ler detalhes, embora a história dr impacto da bioquímica na teoria da evolução dependa inteiramente d

detalhes. Tenho, por conseguinte, de escrever o tipo de livro que as pessoa; não gostam de ler a fim de convencê-las das ideias que me levaram

escrevê-lo. Não obstante, a complexidade precisa ser experimentada par ser apreciada. Assim, generoso leitor, imploro sua paciência: há um bocadc de detalhes neste livro.

Ele é dividido em três partes. A Parte i fornece algumas ideias básicas t mostra por que a evolução agora tem de ser discutida no nível molecular o domínio da ciência da bioquímica. Essa parte é quase livre de detalhes técnicos, embora alguns se insinuem no quadro durante a discussão do olho A Parte n contém os "capítulos de exemplos", e nela se encontra a maiol complexidade. A Parte m encerra uma discussão não-técnica das impli-cações das descobertas da bioquímica.

Portanto, o material difícil está limitado principalmente à Parte II. Nesse seção, contudo, faço muitas analogias a objetos conhecidos, de uso diário, para transmitir ideias e, mesmo nessa parte, as descrições detalhadas de sistemas bioquímicos são minimizadas. Os parágrafos que contêm as doses mais pesadas de detalhes repletos de termos técnicos que parecem assustadores são separados do texto regular com o sinal Q, a fim de preparar o leitor. Alguns leitores podem preferir percorrer laboriosamente a Parte li. Outros, contudo, talvez desejem ler a seção de forma superficial ou mesmo saltar trechos, e, em seguida, voltar aos mesmos quando

es-tiverem prontos para absorver mais informações. Para os que desejam uma compreensão mais profunda da bioquímica, incluí um apêndice descreven-do alguns princípios bioquímicos gerais. Encorajo os que querem conhecei todos os detalhes a que tomem emprestado um texto introdutório de

bioquímica na biblioteca pública mais próxima. PARTE l

A CAIXA É ABERTA

BIOLOGIA LILIPUTIANA

Este livro é sobre uma ideia a evolução, de Darwin que está sendo levada até seus últimos limites por descobertas na bioquímica. A bioquími-ca é o estudo da própria base da vida: as moléculas que formam células e tecidos, que catalisam as reações químicas de digestão, fotossíntese, imu-nidade, entre muitas outras coisas.' O espantoso progresso realizado pela bioquímica desde meados da década de 1950 constitui um tributo monu-mental ao poder da ciência de compreender o mundo. Trouxe inúmeros

benefícios práticos à medicina e à agricultura. No entanto, talvez tenhamos de pagar um preço por esse conhecimento. Quando escavamos alicerces,

as estruturas que neles repousam são abaladas e, às vezes, desmoronam. Quando ciências como a física finalmente expuseram suas fundações, velhas maneiras de compreender o mundo tiveram que ser jogadas fora, revistas por completo, ou restringidas a uma parte limitada da natureza. Ocorrerá a mesma coisa com a teoria da evolução pela seleção natural? Como acontece com muitas grandes ideias, a de Darwin é elegantemente simples. Ele observou que ocorrem variações em todas as espécies: alguns membros são maiores, outros menores, uns mais rápidos, outros de cor mais clara, e assim por diante. Uma vez que suprimentos limitados de alimentos não conseguem sustentar todos os organismos que nascem, Darwin

con-cluiu que aqueles cuja variação, ocorrida ao acaso, lhes conferia uma vantagem na luta pela vida tenderiam a sobreviver e a reproduzir-se, vencendo na competição os menos favorecidos. Se a variação fosse herda-da, as características da espécie mudariam ao longo do tempo. No decorrer de grandes períodos, grandes mudanças poderiam ocorrer.

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mente todas as formas de vida, ou pelo menos todas as suas característica mais interessantes, resultaram de seleção natural, funcionando através c variação aleatória. A ideia de Darwin tem sido usada para explicar o bio do tentilhão, os cascos de cavalos, a coloração das mariposas e dos inseto operários, e a distribuição da vida em todo o globo e ao longo das era. A teoria foi ampliada por alguns cientistas para interpretar até mesmo comportamento humano: por que pessoas em desespero cometem suic

dio, por que adolescentes têm filhos fora do casamento, por que algun grupos se saem melhor em testes de inteligência do que outros, por qu missionários religiosos renunciam ao casamento e a filhos. Nada há ne nhum órgão ou ideia, nenhum sentido ou pensamento, que não tenha sid objeto de elucubrações evolutivas.

Quase um século e meio após Darwin ter apresentado sua teoria,

biologia evolutiva tem obtido muito sucesso na explicação dos padrões t vida que vemos ao nosso redor. Para muitos, seu triunfo é completo. A

verdadeira obra da vida, porém, não acontece no nível do animal ou do orgãc completos. As partes mais importantes dos seres vivos são pequenas demais para serem vistas. A vida é vivida nos detalhes, e cabe às moléculas se encarregarem desses detalhes. A ideia de Darwin pode explicar cascos de cavalos, mas poderá explicar os alicerces da vida?

Pouco depois de 1950, a ciência avançou até um ponto em que podia

identificar as formas e propriedades de algumas moléculas que constituem os organismos vivos. Devagar, com muito trabalho, as estruturas de um nú-mero cada vez maior de moléculas biológicas foram elucidadas e, com o auxílio de incontáveis experimentos, inferida a maneira como funcionavam Os resultados acumulados mostram com grande clareza que a vida se baseia em máquinas máquinas compostas de moléculas! As máquinas molecu

lares transportam carga de um lugar na célula para outro, ao longo de "es iradas" constituídas por outras moléculas, enquanto outras ainda agem co mo cabos, cordas e polias que mantêm a forma da célula. Máquinas ligam e desligam comutadores celulares às vezes matando a célula, ou fazendo com que cresça. Máquinas a energia solar captam a energia dos fótons e a armazenam em elementos químicos. Máquinas elétricas permitem que a corrente flua pêlos nervos. Máquinas-ferramenta constróem outras máqui nas moleculares, bem como outras iguais a si mesmas. Células nadam usan-do máquinas, copiam a si mesmas usanusan-do maquinaria, e com ela ingerem alimentos. Em suma, máquinas moleculares altamente sofisticadas contro-lam todos os processos celulares. Assim, os detalhes da vida são finamente calibrados e, a maquinaria da vida, de uma enorme complexidade.

Todas as formas de vida poderiam ser encaixadas na teoria da evolução de Darwin? Uma vez que a mídia gosta de publicar matérias sensacionalis-tas, e desde que alguns cientistas adoram especular sobre até que ponto podem levar suas descobertas, tem sido difícil para o público separar fato de conjectura. Se queremos encontrar evidências autênticas, temos de

mergulhar nos livros e revistas publicados pela própria comunidade cientí-fica. A literatura científica divulga os experimentos em primeira mão, e esses relatórios, em geral, estão livres dos voos de fantasia que acabam por aparecer em suas repercussões. Mas, como deixaremos claro mais tarde, se pesquisamos a literatura científica sobre evolução, e se concentramos a pesquisa na questão de como surgiram as máquinas moleculares a base da vida descobrimos que paira um silêncio total e misterioso em tomo do assunto. A complexidade dos alicerces da vida paralisou as tentativas da ciência de explicá-la; as máquinas moleculares como que erguem uma

barreira ainda impenetrável ao alcance universal do darwinismo. Com o objetivo de descobrir o porquê disso, analisaremos neste livro várias máquinas moleculares fascinantes e, em seguida, questionaremos se é possível que elas sejam explicadas por mutação aleatóriaseleção natural. A evolução é um tópico polémico, o que toma necessário esclarecer

algumas questões básicas já no início do livro. Muitas pessoas pensam que questionar a evolução darwiniana significa defender o criacionismo. Da

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forma habitualmente entendida, o criacionismo implica a crença em que a Terra foi formada há apenas dez mil anos, uma interpretação da Bíblia ainda muito popular. Desejo deixar claro que não tenho motivos para duvidar que o universo tem os bilhões de anos de idade que os físicos alegam. Acho a ideia de ascendência comum (que todos os organismos tiveram um mesmo ancestral) muito convincente e não tenho nenhuma razão particular para pô-la em dúvida. Respeito muito o trabalho de meus colegas que estudam o desenvolvimento e o comportamento de organismos dentro do arcabouço evolucionário, e acho que biólogos que assim pensam deram enormes contribuições ao nosso conhecimento do mundo. Embora o mecanismo de Darwin a ação da seleção natural sobre a variação possa explicar muitas coisas, não acredito que explique a vida molecular. Tampouco acho motivo de espanto que a nova ciência do muito pequeno possa mudar a maneira como vemos o menos pequeno.

Quando as coisas correm suavemente em nossas vidas, a maioria de nós tende a pensar que a sociedade em que vivemos é "natural", e que nossas ideias sobre o mundo são axiomaticamente verdadeiras. E difícil imaginai como outras pessoas, em outros tempos e lugares, viveram do modo como viveram ou por que acreditaram em certas coisas. Durante períodos de sublevação social, contudo, quando verdades aparentemente sólidas são questionadas, pode parecer que nada no mundo faz sentido. Nesses tempos, a história pode nos lembrar que a busca de conhecimento confiável é um processo longo e difícil e que ainda não chegou ao fim. Com o objetivo de construir uma perspectiva da qual possamos analisar a ideia da evolução darwiniana, traçaremos nas poucas páginas seguintes um esboço muito

breve da história da biologia. De certa maneira, essa história tem sido uma sucessão de caixas pretas; quando uma é aberta, outra se revela.

Caixa preta é um termo curioso para um dispositivo que faz alguma coisa, mas cujo funcionamento interno continua misterioso às vezes porque seu funcionamento não pode ser visto, às vezes porque simples-mente não é compreensível. Computadores são bons exemplos de caixas pretas. A maioria de nós usa essas máquinas maravilhosas sem a mais vaga ideia de como funcionam, processando palavras, traçando gráficos, diver-tindo-nos com videogames, em uma feliz ignorância do que acontece dentro do gabinete. Mesmo que tirássemos a tampa, poucos de nós poderiam atinar com a confusão de peças que há ali dentro. Não há uma conexão simples observável, entre as partes do computador e as coisas que ele faz. Imaginemos que um computador, acionado por uma bateria de longa

duração, fosse transportado de volta no tempo cerca de mil anos à corte do rei Arthur. De que maneira as pessoas daquela época reagiriam a um

computador em ação? A maioria se sentiria tomada de reverência, mas, com sorte, alguém poderia compreender a coisa. Uma pessoa poderia notar que letras apareciam na tela quando ela tocava nas teclas; que algumas combi-nações de letras correspondentes a comandos para o computador

faziam com que a tela mudasse. Após algum tempo, muitos comandos seriam compreendidos. Esses ingleses dos tempos medievais poderiam acreditar que haviam desvendado os segredos do computador. No entanto alguém acabaria retirando a tampa do gabinete e olharia para dentro. De repente, a teoria de "como funciona o computador" se revelaria profun damente ingénua. A caixa preta que pouco a pouco havia sido decodificada teria exposto outra caixa preta.

Nos tempos antigos, toda a biologia era uma caixa preta, porque ninguém compreendia, mesmo no nível mais superficial, como as coisas vivas funcionavam. Os antigos que olhavam boquiabertos para um animal ou

planta, e se perguntavam como as coisas funcionavam, estavam na presença de uma tecnologia insondável. Encontravam-se, realmente, na escuridão. As mais antigas pesquisas biológicas começaram da única maneira que

então era possível a olho nu.2 Vários livros, datados de cerca de 400 a.C. (atribuídos a Hipócrates, o "pai da medicina"), descrevem sintomas de

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causas físicas, e não à obra dos deuses. Embora esses escritos constituíssem um começo, os antigos ainda continuavam perdidos quando o assunto era

a composição das coisas vivas. Acreditavam que toda matéria era composta de quatro elementos: terra, ar, fogo e água. Pensavam que os corpos vivos eram constituídos de quatro "humores" sangue, bile amarela, bile preta e flegma e que todas as doenças, supostamente, tinham origem no

excesso de um desses humores.

O maior biólogo da Grécia foi também seu maior filósofo, Aristóteles. Nascido ao tempo em que Hipócrates ainda vivia, Aristóteles compreendeu (ao contrário de quase todos antes dele) que o conhecimento da natureza requeria observação sistemática. Mediante exame cuidadoso, ele reco-nheceu um volume espantoso de ordem no mundo vivo, o que constituiu um primeiro passo de importância crucial. Aristóteles agrupou os animais em duas categorias gerais de sangue e sem sangue que correspondem bem de perto às classificações modernas de vertebrados e invertebrados. Entre os vertebrados, reconheceu as categorias mamíferos, aves e peixes. Colocou a maior parte dos anfíbios e répteis em um único grupo e as serpentes em uma classe separada. Mesmo não contando com instrumentos em suas observações, grande parte do raciocínio de Aristóteles permanece válido, a despeito dos conhecimentos acumulados nos milhares de anos transcorridos desde sua morte.

Foram poucos os investigadores biológicos importantes no milénio que se seguiu a Aristóteles. Um deles, Galeno, um médico de Roma, viveu no século II d.C. O trabalho de Galeno mostrou que a observação cuidadosa das partes externa e interna (com dissecção) de plantas e animais, embora necessária, não era suficiente para compreender a biologia. Galeno se esforçou, por exemplo, para compreender a função dos órgãos dos ani-mais. Embora soubesse que o coração bombeava sangue, ele não podia descobrir, apenas pela observação, que o sangue circulava e voltava ao coração. Erroneamente, Galeno supôs que o sangue era bombeado para

"irrigar" os tecidos, e que novo sangue era produzido de forma ininterrupta para reabastecer o coração. Essa ideia foi ensinada por quase mil e qui-nhentos anos.

Foi somente no século xvn que um inglês, William Harvey, apresentou

a teoria de que o sangue flui sem cessar em uma direção, fazendo um circuito completo, e que volta ao coração. Harvey calculou que se o coração

bombeia apenas sessenta gramas de sangue por batida, a 72 batidas pó: minuto, em uma única hora ele teria bombeado 240 quilos de sangue 01 seja, três vezes o peso de um homem! Uma vez que fabricar tanto sangui assim em tempo tão curto era claramente impossível, o sangue tinha qu

ser reutilizado. O raciocínio lógico de Harvey (auxiliado pêlos ainda novo; algarismos arábicos, que facilitavam os cálculos) em apoio a uma atividadí não-observável não tinha precedentes; ele montou o cenário para o modemc pensamento biológico.

Na Idade Média, o ritmo da investigação científica se acelerou. C exemplo dado por Aristóteles foi seguido por números crescentes d( naturalistas. Muitas plantas foram descritas pêlos primeiros botânicos como Brunfeis, Bock, Fuchs e Valerius Cordus. A ilustração científic. surgiu quando Rondelet desenhou animais em detalhes. Os enciclopedistas como Conrad Gesner, publicaram grandes volumes, sumariando todo c

conhecimento biológico. Lineu ampliou consideravelmente o trabalho d( classificação de Aristóteles, inventando as categorias de classe, ordem género e espécie. Estudos de biologia comparativa indicaram numerosa; semelhanças entre ramos diferentes de vida e a ideia de uma origem comun passou a ser discutida.

Abiologia progrediu rapidamente nos séculos xvn e xvm, à medida qu os cientistas fundiam os exemplos dados por Aristóteles e Harvey, d

observação atenta e raciocínio inteligente. Ainda assim, até a atenção mais rigorosa e o raciocínio mais brilhante podem levar o observador somentt até certo ponto se partes importantes de um sistema forem invisíveis

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Embora o olho humano possa distinguir objetos tão pequenos quanto un décimo de milímetro, muito da ação na vida ocorre em um micronível, en uma escala liliputiana. Assim, a biologia estacionou em um platô: uma caix; preta a estrutura bruta dos organismos foi aberta, mas apenas pari revelar a caixa preta de níveis mais finos de vida. Afim de progredir mais a biologia precisava de uma série de grandes progressos tecnológicos. C primeiro foi o microscópio.

As lentes já eram conhecidas nos tempos antigos e, por volta do século xv o uso de óculos nada tinha de incomum. Mas só no século xvn é que lente; convexas e côncavas foram reunidas em um tubo formando um primein

tosco microscópio. Usando um dos primeiros instrumentos desse tipo Galileu descobriu, espantado, que os insetos tinham olhos complexos

Stelluti examinou os olhos, a língua, as antenas e outras partes de abelh"' e gorgulhos. Malpighi confirmou a circulação do sangue pêlos capilares e descreveu o início do desenvolvimento do coração de um embrião de pinto. Nehemiah Grew estudou plantas; Swammerdam dissecou uma efeméride;

Leeuwenhoek foi o primeiro a ver uma célula bacteriana; e Robert Hooke descreveu células de cortiça e folhas (embora não tenha reconhecido sua importância).

Começava assim a descoberta de um inesperado mundo liliputiano,

derrubando ideias tradicionais sobre o que são os seres vivos. Charles Singer, o historiador da ciência, observou que "a complexidade infinita dos seres vivos assim revelada era filosoficamente tão perturbadora quanto a majestade organizada do mundo astronómico, que Galileu desvelara na geração anterior, embora demorasse muito mais para que suas implicações mergulhassem na mente do homem". Em outras palavras, às vezes as novas caixas exigem que revisemos todas as nossas teorias. Nesses casos, pode surgir uma grande má vontade.

A teoria celular da vida foi finalmente formulada, em princípios do século xix, por Matthias Schieiden e Theodor Schwann. Trabalhando so-bretudo com tecidos de plantas, Schieiden defendeu a importância funda-mental de um ponto escuro o núcleo no interior das células. Schwann concentrou-se em tecido animal, no qual era mais difícil ver as células. Não obstante, ele descobriu que os animais eram semelhantes às plantas em sua estrutura celular. Concluiu que as células ou suas secreções constituem todo o corpo de animais e de plantas e que, de certa maneira, elas são unidades individuais, com uma vida própria. Escreveu que "a questão sobre o poder fundamental de corpos organizados resume-se no poder das células in-dividuais". E como acrescentou Schieiden: "A pergunta fundamental, por-tanto, é: Qual a origem deste pequeno organismo peculiar, a célula?" Schieiden e Schwann fizeram suas pesquisas em princípios e meados da década de 1800 a época das viagens de Darwin e da publicação de A origem das espécies. Para Darwin, portanto, como para todos os demais

cientistas da época, a célula era uma caixa preta. Ainda assim, ele conseguiu extrair sentido de grande parte da biologia acima do nível da célula. A ideia de que a vida evolui não era criação de Darwin, embora ele a tenha

defendido de forma muito mais sistemática, e a teoria de como a evolução funciona por seleção natural agindo sobre variações é de sua autoria. Enquanto isso, a caixa preta celular era continuamente estudada. A investigação da célula levou o microscópio aos seus limites, que são estabelecidos pelo comprimento de onda da luz. Por razões físicas, um microscópio não pode separar dois pontos que estejam mais perto do que aproximadamente metade do comprimento de onda de luz que os esteja 20 A caixa PRETA DE DARWIN

iluminando. Uma vez que o comprimento de onda da luz visível é de cerc de um décimo do diâmetro de uma célula bacteriana, numerosos detalhe pequenos e de importância fundamental de sua estrutura simplesmente nãi podem ser vistos com um microscópio óptico. A caixa preta da célula nãi poderia ser aberta sem novos avanços tecnológicos.

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Thomson descobriu o elétron; a descoberta do microscópio eletrônio ocorreu várias décadas depois. Uma vez que o comprimento de onda d

elétron é mais curto do que o da luz visível, objetos muito menores podec ser separados, se são "iluminados" por elétrons. A microscopia eletrônic enfrenta algumas dificuldades práticas, uma das quais é a tendência do feix de elétrons de "fritar" a amostra. Maneiras de contornar o problema forar descobertas, porém, e após a Segunda Guerra Mundial, a microscopi

eletrônica atingiu a maioridade. Novas estruturas subcelulares foram des-cobertas, tais como orifícios no núcleo, e membranas duplas em tomo daí mitocôndrias (as usinas de força das células). A mesma célula que havia parecido tão simples sob um microscópio óptico tinha, nesse momento aparência muito diferente. O mesmo espanto que os primeiros microscopis-tas ópticos experimentaram quando viram a estrutura detalhada de insetos foi sentido mais uma vez por cientistas do século xx, quando observaram as complexidades da célula.

Esse nível de descoberta começou a dar aos biólogos meios de s

aproximarem da maior das caixas pretas. A pergunta sobre como a vuü-funciona não era do tipo que podia ser respondida por Darwin ou seus contemporâneos. Eles sabiam que os olhos são feitos para ver mas como, exatamente, eles vêem? De que modo o sangue coagula? De que maneira o corpo combate a doença? As complexas estruturas reveladas pelo micros-cópio eletrônico eram em si mesmas constituídas de componentes menores. O que eram esses componentes? Que aspecto tinham? De que modo

funcionavam? As respostas a essas perguntas tiram-nos do reino da biologia e nos levam para o da química. Também nos trazem de volta ao século xix. A QUÍMICA DA VIDA

Como todos podem ver, seres vivos são diferentes de seres inanimados. Atuam de maneira diversa. São diferentes também ao tato: couro e cabelos podem ser distinguidos facilmente de pedras e areia. Até o século XIX, a maioria das pessoas pensava, o que era muito natural, que a vida era composta de um tipo especial de material, diferente do que entrava na composição de objetos inanimados. Em 1828, no entanto, Friedrich Wõhier aqueceu cianato de amónio e, espantado, descobriu que o produto formado era ureia, um resíduo biológico. A síntese da ureia a partir de material

; inamimado acabou com a distinção fácil entre vida e não-vida, e Justus von Liebig, especialista em química inorgânica, começou a estudar a química

da vida (ou bioquímica). Ele mostrou que o calor corporal dos animais é devido à combustão de alimentos, e não simplesmente uma propriedade

inata da vida. A partir desses sucessos, formulou a ideia do metabolismo, através do qual o corpo compõe e decompõe substâncias por meio de

ï processos químicos. Emst Hoppe-Seyler cristalizou o material vermelho ; do sangue (a hemoglobina) e demonstrou que ele se liga ao oxigénio para transportar este último por todo o corpo. Emil Fischer demonstrou que a

: grande classe de substâncias denominadas de proteínas era constituída, sem exceção, por apenas vinte tipos de blocos de armar (denominados aminoá-eidos), organizados em correntes, ou sequências.

; Com o que se parecem as proteínas? Embora Emil Fischer tivesse i. demonstrado que eram constituídas de aminoácidos, os detalhes de sua estrutura eram desconhecidos. O tamanho colocava-as abaixo até mesmo do alcance da microscopia eletrônica, embora estivesse se tomando claro f que as proteínas constituíam as máquinas fundamentais da vida, catalisando |; a química e construindo as estruturas da célula. Uma nova técnica, por conseguinte, era necessária para estudar a estrutura da proteína.

;| Na primeira metade deste século, a cristalografia de raios x era usada T para determinar as estruturas de pequenas moléculas. A cristalografia

l; implica lançar um feixe de raios x sobre o cristal de um elemento químico; I* os raios são dispersados por um processo chamado duração. Se um filme fotográfico for colocado atrás do cristal, os raios x difratados podem ser detectados por exame do filme exposto. O padrão da difração pode, após aplicação de matemática rigorosa, indicar a posição de cada um e de todos

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1, os átomos existentes na molécula. Aplicar as armas da cristalografia de l raio x às proteínas lhes revelaria a estrutura, mas havia um grande proble-!ç ma: quanto mais átomos existiam na molécula, mais difícil a matemática e mais penosa, para começar, a tarefa de cristalizar o elemento químico. Uma

vez que as proteínas têm dezenas de vezes mais átomos do que as moléculas

r costumeiramente examinadas pela cristalografia, esse fato torna o proble ma

; dezenas de vezes mais difícil. Algumas pessoas, porém, têm dezenas de : vezes mais perseverança que o resto de nós.

s Em 1958, após décadas de trabalho, J.C. Kendrew determinou a estrutura l. da proteína mioglobina, usando cristalografia de raio x. Finalmente, uma técnica mostrava a estrutura detalhada de um dos componentes básicos da

l vida. E o que foi visto? Mais uma vez, maior complexidade. Antes da 22 A CAIXA PRETA DE DARWIN

determinação da estrutura da mioglobina, pensava-se que as proteínas

acabariam por se revelar estruturas simples e regulares, como cristais de sal. Ao observar a estrutura enrolada, complicada, lembrando um intestino, da

mioglobina, Max Perutz murmurou: "Poderia a busca da verdade final tei realmente revelado um objeto tão horrendo e parecendo tanto com vísce-ras?" Desde então, porém, os bioquímicos vieram a apreciar as compli-cações da estrutura da proteína. Aperfeiçoamentos nos computadores e em outros instrumentos tomaram a cristalografia muito mais fácil hoje do que era para Kendrew, embora ainda exija muito trabalho.

Como resultado do trabalho de raio X de Kendrew sobre proteínas e do (mais famoso) trabalho de Watson e Crick sobre o adn, os bioquímicos-pela primeira vez, conheceram realmente as formas das moléculas com qui trabalhavam. O início da bioquímica moderna, que tem se desenvolvido i um ritmo alucinante desde então, pode ser datado daquela época. Progresso; na física e química, da mesma forma, transbordaram também para outros campos e criaram um forte sinergismo na pesquisa sobre a vida.

Embora, em teoria, a cristalografia de raio x possa determinar a estrutura de todas as moléculas de seres vivos, problemas práticos limitam seu uso a um número relativamente pequeno de proteínas e ácidos nucleicos. Novas técnicas, porém, foram adotadas a um ritmo estonteante para complementar e suplementar a cristalografia. Uma técnica importante para determinar estruturas é denominada de ressonância magnética nuclear (rmn). Com o emprego da rmn, uma molécula pode ser estudada enquanto em solução

não tem de ser tediosamente cristalizada. Tal como a cristalografia de raio x, a rmn encerra limitações que a tomam aplicável apenas a uma parte das proteínas conhecidas. Juntas, porém, a rmn e a cristalografia de raio x conseguiram esclarecer as estruturas das proteínas em número suficiente para dar aos cientistas uma compreensão detalhada de como elas são. Quando Leeuwenhoek usou um microscópio para ver, em uma minús-cula pulga, um ácaro ainda mais minúsculo, Jonathan Swift sentiu-se inspirado a escrever uma poesia jocosa, prevendo um processo intermi-nável de insetos cada vez menores:

E assim, observam os naturalistas que uma pulga Tem pulgas menores, que dela se alimentam; E estas as têm ainda menores, que as picam, E assim continua ad infinitum.

Swift enganou-se. O processo não continua para sempre. Em fins deste

século, estamos na maré alta da pesquisa sobre a vida e o fim está à vista.A última caixa preta restante era a célula, que foi aberta e revelou moléculas

os alicerces da natureza. Mais baixo não podemos descer. Além do mais, o trabalho já realizado sobre enzimas, outras proteínas e ácidos nucleicos lançou luz sobre os princípios em funcionamento no nível básico da vida. Muitos detalhes ainda precisam ser fornecidos, e, sem dúvida, restam algumas surpresas. Mas, ao contrário dos antigos cientistas que obser-vavam um peixe, um coração ou uma célula e se perguntavam o que eram e o que os fazia funcionar , os cientistas modernos estão convencidos de

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que as ações das proteínas e outras moléculas são suficientes para explicar a base da vida. Desde os dias de Aristóteles até a bioquímica moderna, uma camada após outra foi retirada até que a célula a caixa preta de Darwin

foi aberta.

PEQUENOS SALTOS, GRANDES SALTOS

Vamos supor que uma vala de um metro de largura em seu quintal,

sstendendo-se até o horizonte, separa sua propriedade das terras do vizinho. Se, um dia, você o encontrasse em seu quintal e lhe perguntasse como ele Aegou lá, não haveria razão para duvidar da resposta: "Saltei por cima da vala." Se a vala tivesse dois metros de largura e ele desse a mesma resposta, yocê ficaria impressionado com a forma atlética dele. Se a vala fosse de três metros, você poderia ficar desconfiado e lhe pedir que saltasse novamente, mquanto o observa. Se ele se recusasse, alegando que torceu o joelho, você teria dúvidas, mas não certeza de que ele estava mentindo. Se a "vala" ivesse trinta metros de largura, contudo, você nem por um momento icreditaria que ele saltou de um lado para o outro.

Mas vamos supor que seu vizinho um homem inteligente refaz a

ilegação. Ele não atravessou em um único salto. Em vez disso, explica, no "Mnyon havia vários pequenos morros, a não mais de três metros de distância um do outro. Ele saltou de um para o outro até chegar ao seu lado. Olhando para o canyon, você diz ao vizinho que não está vendo nenhum morrote, ipenas um largo abismo separando seu quintal do dele. Ele concorda, mas sxplica que precisou de anos e mais anos para chegar ao seu lado. Durante ssse tempo, os morrotes surgiam no abismo e ele os cruzava à medida em que apareciam. Depois que passava, eles eram rapidamente corroídos e se desfaziam. Tudo muito duvidoso, mas sem uma maneira fácil de desmen-ti-lo, você muda a conversa para o futebol.

Essa historieta nos ensina várias lições. Em primeiro lugar, a palavra wlto pode ser oferecida como explicação de como alguém transpôs um abstáculo, mas a explicação pode variar, de inteiramente convincente a absolutamente inaceitável, dependendo dos detalhes (como, por exemple a largura do obstáculo). Em segundo, jornadas longas podem ser tomada muito mais plausíveis se explicadas como uma série de saltos menores, não um único grande salto. E, em terceiro, na falta de prova desses salto menores, é muito difícil aceitar ou refutar alguém que afirma que alpondra existiram no passado mas que desapareceram.

Claro, a alegoria de saltos por cima de valas, em contraste com canyons pode ser aplicada à evolução. A palavra evolução tem sido usada par explicar não só as mudanças minúsculas, mas também as enormes mudan cãs que ocorrem nos organismos. Nesses casos, recebe nomes separados em termos aproximados, a microevolução descreve mudanças que poden ser feitas em um ou alguns pequenos saltos, ao passo que a macroevoluçâ refere-se àquelas que, aparentemente, exigem grandes saltos.

A teoria de Darwin, de que mesmo mudanças relativamente minúscula. poderiam ocorrer na natureza, constituiu um grande avanço conceituai. A observação da realidade dessas mudanças foi uma prova muito agradáve de sua intuição. Darwin encontrou espécies semelhantes, mas não idênt cãs, de tentilhões nas ilhas Galápagos e formulou a teoria de que eles dês cendiam de um ancestral comum. Recentemente, alguns cientistas de Prin ceton observaram que o tamanho médio do bico de populações de tentilhõe mudava no curso de alguns anos.3 Anteriormente, havia sido demonstrad que os números de mariposas de cor clara e escura em uma populaça mudava à medida que o ambiente passava de fuliginoso a limpo. De form análoga, aves introduzidas na América do Norte por colonos europeu

diversificaram-se em vários grupos distintos. Em anos recentes, foi possíve reunir provas de microevolução em escala molecular. Vírus como o qu

causa a aids, por exemplo, mudam seu revestimento a fim de iludir o sistem imunológico humano. Bactérias causadoras de doenças fizeram seu reapa recimento à medida que linhagens desenvolviam a capacidade de defende se dos antibióticos. Muitos outros exemplos poderiam ser citados.

(12)

Na pequena escala, a teoria de Darwin triunfou; hoje é tão polêmic quanto a alegação de um atleta de que pode saltar por cima de uma vale de um metro de largura. Mas é no nível da macroevolução de grande saltos que a teoria provoca ceticismo. Numerosos estudiosos seguiram nas pegadas de Darwin, ao sugerir que enormes mudanças podem se

decompostas em passos pequenos, plausíveis, durante grandes períodos c tempo. Não surgiram, porém, evidências convincentes em apoio a essa tes Não obstante, como na história contada pelo vizinho sobre pequenos morros que desapareciam, era difícil avaliar se os mal-defínidos e impalpáveis pequenos passos poderiam existir... até agora.

Com o advento da bioquímica moderna podemos examinar hoje o nível

básico da vida. Podemos fazer uma avaliação fundamentada quanto a se os supostos pequenos passos necessários para gerar grandes mudanças evolu-tivas podem ser pequenos o suficiente. O leitor verá neste livro que os canyons que separam formas de vida do dia-a-dia têm suas contrapartidas nos canyons que separam sistemas biológicos na escala microscópica. Tal como um padrão de fractais em matemática, no qual um motivo é repetido mesmo quando olhamos para escalas cada vez menores, abismos intrans-poníveis abrem-se até no nível mais minúsculo de vida.

A bioquímica levou a teoria de Darwin aos seus últimos limites. Fez isso ao abrir a última caixa preta, a célula, permitindo que compreendêssemos como a vida funciona. Foi a espantosa complexidade das estruturas orgâ-nicas subcelulares que suscitou a questão: de que maneira tudo isso poderia ter evoluído? Para sentir o impacto da pergunta e para ter uma amostra do que nos espera , vejamos um exemplo tirado de um sistema bioquí-mico. A explicação da origem de uma função deve acompanhar a ciência moderna. Vejamos como a explicação da ciência para uma única função, a visão, progrediu desde o século xix e, em seguida, perguntemos como isso afeta nossa tarefa de lhe explicar a origem.

No século xix, a anatomia do olho já era conhecida em detalhe. Apupila, sabiam os cientistas, funciona como um obturador, deixando passar luz

suficiente para que se possa ver com Sol brilhante ou na escuridão da noite. As lentes do olho captam a luz e a focalizam na retina, onde ela forma uma imagem nítida. Os músculos dos olhos permitem que eles se movam

rapidamente. Diferentes cores de luz, com comprimentos de onda dife-rentes, produziriam uma imagem borrada, não fosse o fato de que as lentes dos olhos mudam de densidade em sua superfície a fim de corrigir aber-rações cromáticas. Esses métodos sofisticados deixaram espantados todos os que os conheciam. Os cientistas do século xix sabiam que, se uma pessoa carecesse de qualquer dos muitos aspectos integrados dos olhos, o resultado seria uma grave perda de visão ou cegueira completa. Concluíram que o

olho só podia funcionar se estivesse quase intacto.

Charles Darwin também estava bem informado sobre o olho. Em A

origem das espécies, refutou muitas objeções à sua teoria de evolução por meio da seleção natural. Discutiu o problema do olho em uma seção do livro, apropriadamente intitulada "Órgãos de perfeição e complicação extremas". Segundo pensava, a evolução não podia construir um órgão 26 A CAIXA PRETA DE DARWIN

complexo em uma única, ou em algumas poucas etapas; inovações radica como o olho exigiriam que gerações de organismos acumulassem lenfc mente, em um processo gradual, mudanças benéficas. Ele achava que se ei uma única geração aparecesse, de repente, um órgão tão complexo como olho, isso equivaleria a um milagre. Infelizmente, o desenvolviment gradual do olho humano afigurava-se impossível, uma vez que seus muitc aspectos sofisticados pareciam ser independentes. De alguma maneira, pá'

l que a evolução fosse aceita, ele tinha que convencer o público de que órgãc complexos poderiam ser formados através de um processo gradual.

E nisso teve um brilhante sucesso. De forma perspicaz, Darwin nãi tentou descobrir a estrada real que a evolução poderia ter tomado par

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formar o olho. Em vez disso, mencionou animais modernos, dotados d

tipos diferentes de olhos (variando de simples a complexos), e sugeriu qu

l a evolução do olho humano pode ter implicado órgãos semelhantes com ; intermediários (Figura 1-1).

Vejamos a seguinte paráfrase do argumento de Darwin: embora sere humanos tenham olhos complexos como câmeras, muitos animais conse guem viver com menos que isso. Algumas criaturas minúsculas dispõen apenas de um grupo simples de células pigmentadas não mais do que un

ponto sensível à luz. Dificilmente se poderia dizer que esse arranjo simplei lhes conferiria o sentido de visão, mas tais criaturas poderiam sentir luz ( escuridão e, dessa maneira, atender às suas necessidades. O órgão sensíve à luz de algumas estrelas-do-mar é um pouco mais sofisticado. O olho s localiza em uma região rebaixada. Uma vez que a curvatura da depressão bloqueia a luz vinda de algumas direções, o animal pode reconhecer i direção de onde ela vem. O senso direcional do olho melhora se a curva s toma mais pronunciada, embora uma maior curvatura reduza também (

volume de luz que entra no olho, diminuindo sua sensitividade. Esta pod( ser aumentada pela colocação de material gelatinoso na cavidade, a fim d servir de lente. Alguns animais modernos têm olhos dotados dessas lenta grosseiras. Melhoramentos graduais nas lentes poderiam criar imagens cadi vez mais nítidas para atender aos requisitos do ambiente em que o animal vive.

Utilizando um raciocínio desse tipo, Darwin convenceu muitos de seus leitores de que um caminho evolutivo vai do mais simples ponto sensível à | luz ao sofisticado olho-câmera do homem. A questão de como a visão i começou, no entanto, continuou sem resposta. Darwin persuadiu grande | parte do mundo de que o olho moderno evoluiu aos poucos, a partir de uma

| estrutura mais simples, mas sequer tentou explicar de onde veio esse ponto

| de partida o ponto relativamente simples sensível à luz. Muito pelo A CAIXA E ABERTA 27

FIGURA 1-1

uma SÉRIE DE OLHOS. (esquerda) fragmento SIMPLES DE FOTORRECEPTORES, COMO OS QUE PODEM SER ENCONTRADOS EM MEDUSAS (ÂGUAS-VIVAS). (DIREITA) OLHO EM CONCHA, COMO OS ENCONTRADOS NAS LAPAS MARINHAS. (abaixo) olho DOTADO DE LENTE, DE CARACOL MARINHO.

pigmento visual

Extraído de McGraw-Hill Encyclopedia ofScience & Technology, 6a. ed., Nova York, McGraw-Hill, 1987. Reproduzido com permissão.

contrário, Darwin encerrou a questão da origem do olho: "O modo como um nervo se toma sensível à luz pouco mais nos interessa do que a questão de como surgiu a própria vida."4

Ele tinha um excelente motivo para declinar do trabalho de estudar a

questão; ela se situava muito além da capacidade da ciência do século xix. O modo como o olho funciona isto é, o que acontece quando um fóton

de luz atinge a retina simplesmente não podia ser explicado na época. Na verdade, nenhuma pergunta sobre os mecanismos subjacentes da vida podia ser respondida. De que maneira os músculos do animal ocasionai os movimentos? Como funciona a fotossíntese? Como a energia é extraíd dos alimentos? Como o corpo combate as infecções? Ninguém sabia. Para Darwin, a visão era uma caixa preta, mas, após o árduo trabalh( cumulativo de inúmeros bioquímicos, estamos nos aproximando agora da respostas às perguntas sobre o olho.5 Os cinco parágrafos seguintes fome cem um esboço bioquímico da operação do olho. (Nota: Esses parágrafo

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técnicos são destacados pelo símbolo |_1 no princípio e no fim.) Não se deixi. abalar pêlos nomes estranhos dos componentes. Eles são apenas rótulos,

não mais esotéricos do que carburador ou diferencial para alguém que lê pela primeira vez um manual de automóvel. Leitores que tenham apetite por detalhes encontrarão mais informações em muitos livros de bioquímica; outros podem desejar ler os parágrafos apenas superficialmente eou passar às Figuras 1-2 e 1-3 para pegar o sentido da explicação.

Q Quando a luz atinge a retina, um fóton interage com uma molécula denominada ll-cü-retinal, que se rearranja em um pico-segundo (um trilionésimo de segundo) e se transforma em trarisretinaL (Um pico-segundo é mais ou menos o tempo que a luz leva para cruzar a largura de um único cabelo humano). A mudança na forma da molécula

reti-nal força uma mudança na forma da proteína, a rodopsina, à qual a retina] está fortemente ligada. A metamorfose da proteína altera seu comporta-mento. Nesse momento denominada de metarrodopsina n, a proteína

cola-se a outra proteína, chamada transducina. Antes de transformar-se em metarrodopsina li, a transducina liga-se fortemente a uma pequena molécula chamada gdp. Mas, quando a transducina interage com a

metarrodopsina li, a gdp se desprende e uma molécula chamada gtp cola-se à transducina. (A gtp mantém uma estreita relação com a gdp, mas é muito diferente dela.)

A GTP-transducina-metarrodopsina 11 liga-se agora a uma proteína chamada fosfodiesterase, localizada na membrana interna da célula. Quando ligada à metarrodopsina n e a seu grupo, a fosfodiesterase adquire a capacidade química de "cortar" uma molécula chamada cgmp (um elemento químico aparentado a gdp e gtp). Inicialmente, há grande número de moléculas cgmp na célula, mas a fosfodiesterase reduz sua concentração da mesma maneira que a retirada da tampa do ralo baixa o nível de água em uma banheira.

A CAIXA É ABERTA 29 FIGURA 1-2

primeiro ESTÁGIO DA VISÃO. um FÓTON DE LUZ CAUSA UMA MUDANÇA NA FORMA DE UMA PEQUENA MOLÉCULA ORGÂNICA, RETINAL. ESTA AÇÂO OCASIONA UMA MUDANÇA NA FORMA DE UMA PROTEÍNA MUITO MAIOR, A RODOPSINA, À QUAL ELA SE LIGA. O DESENHO DA PROTEÍNA ABAIXO NÃO ESTÁ EM ESCALA.

Luz

Outra membrana de proteína que se liga à cgmp é denominada

de canal iônico. Ela funciona como um portão que regula o número de íons de sódio na célula. Normalmente, o canal permite que íons de sódio entrem na célula, enquanto uma proteína separada os bombeia ativamente para fora. Aação dupla do canal iônico e da bomba mantém

o nível de íons de sódio na célula dentro de uma faixa estreita. Quando o volume de cgmp é reduzido devido à divisão efetuada pela

fosfodies-terase, o canal iônico se fecha, fazendo com que seja reduzida a con-centração celular de íons de sódio positivamente carregados. Esse fa-to ocasiona um desequilíbrio de carga de um lado a outro da membrana da célula que, enfim, faz com que uma corrente seja transmitida pelo nervo óptico até o cérebro. O resultado, quando interpretado pelo cére-bro, é a visão.

Se as reações mencionadas acima fossem as únicas que ocorrem na

célula, o suprimento de 11-cü-retinal, cgmp e íons de sódio logo seria esgotado. Alguma coisa tem que desativar as proteínas que foram ligadas e fazer a célula voltar a seu estado inicial. Vários mecanismos se encarregam disso. Em primeiro lugar, no escuro, o canal iônico (além dos íons de sódio) também deixa que íons de cálcio penetrem na célula. O cálcio é bombeado para fora por uma proteína diferente, de modo a ser mantida uma concentração constante de cálcio. Quando os níveis de cgmp caem, fechando o canal iônico, decresce também a concentração

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de íons de cálcio. A enzima fosfodiesterase, que destrói a cgmp, diminui em uma concentração mais baixa de cálcio. Em segundo, uma proteína

denominada guanilato ciclase começa a ressintetizar a cgmp quando os níveis de cálcio começam a cair. Em terceiro, enquanto tudo isso acontece, a metarrodopsina li é quimicamente modificada por uma enzima chamada rodopsinacinase. Arodopsinamodificada liga-se auma proteína conhecida como arrestina, que impede que a rodopsina ative mais transducina. Acélula, portanto, contém mecanismos que limitam o sinal amplificado iniciado por um único fóton.

Atransretinal por fim desprende-se da rodopsina e precisa ser recon-vertida em 11-cu-retinal e, mais uma vez, ligada à rodopsina para voltar ao ponto de partida de outro ciclo visual. A fim de realizar isso, a (rawretinal primeiro é modificada quimicamente por uma enzima e transformada em transtetmol uma forma que contém mais dois átomos de hidrogénio. Uma segunda enzima converte, em seguida, a molécula em 11-cü-retinol. Enfim, uma terceira enzima remove os átomos de hidrogénio previamente acrescentados a fim de formar o ll-rií-retinol, e o ciclo se completa. Q

A explicação acima é apenas uma visão muito superficial do todo da bioquímica da visão. Em última análise, porém, esse é o nível de expli-cação a que a ciência biológica deve aspirar. A fim de compreender realmente uma função, temos de compreender, em detalhes, cada passo A CAIXA É ABERTA 31

FIGURA 1-3

BIOQUÍMICA DA VISÃO. RH, RODOPSINA; RHK, CINASE DA RODOPSINA; A, ARRESTINA; GC, GUANILATO CICLASE; T, TRANSDUCINA; PDE, FOSFODIESTERASE.

Extraído de Chabre, M. & Deterre, P. (1989). European Journal of Biochemistry, 179 ,

p.255. Reproduzido com permissão.

relevante no processo. Os passos relevantes em processos biológicos ocorrem, em última análise, no nível molecular, de modo que a explicação satisfatória de um fenómeno biológico tal como a visão, a digestão ou a imunidade precisa incluir a explicação molecular.

Agora que a caixa preta da visão foi aberta, não é mais aceitável que uma explicação evolutiva dessa capacidade leve em conta apenas as estruturas anatómicas de olhos completos, como fez Darwin no século xix (e como continuam a fazer hoje os popularizadores da evolução). Todas as etapas e estruturas anatómicas que Darwin julgou tão simples implicam, na verdade, processos biológicos imensamente complicados que não podem ser disfar-çados por retórica. Verifica-se hoje que os saltos metafóricos de Darwin, um morrote a outro, foram muitas vezes saltos enormes entre máquin;

cuidadosamente construídas distâncias que exigiriam um helicópter para serem cruzadas em uma única viagem.

A bioquímica, portanto, lança um desafio liliputiano a Darwin. A anato mia, nos termos mais simples, é irrelevante para se descobrir se a evoluçã poderia ou não ocorrer no nível molecular. O mesmo acontece com

registro fóssil. Já não importa se há imensos vazios no registro fóssil ou s ele é tão contínuo como a lista dos presidentes norte-americanos. E se h buracos, não importa se podem ser explicados plausivelmente.6 O registo fóssil nada tem a nos dizer sobre se as interaçôes da 11-cu-retinal com rodopsina, a transducina ou a fosfodiesterase, poderiam ou não ter s desenvolvido passo a passo. Também não importam os padrões da biogeo grafia, nem os da biologia das populações; tampouco as explicações tradi cionais da teoria evolutiva sobre órgãos rudimentares ou abundância d espécies. Isso não quer dizer que a mutação aleatória seja um mito, ou qu o darwinismo nada explique (explica muito bem a microevolução), ou qu( fenómenos em grande escala, como a genética das populações, não tên importância. Têm, sim. Até recentemente, porém, os biólogos evolucionis tas podiam ignorar os detalhes moleculares da vida porque muito pouco s

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conhecia sobre eles. Agora, a caixa preta da célula foi aberta e o mundc infinitesimal que veio à tona precisa ser explicado.

CALVINISMO

Parece ser típico da mente dos seres humanos que, quando esses vêem um caixa preta em ação, imaginam que seu conteúdo é simples. Um bor

exemplo é visto na história em quadrinhos "Calvin e Haroldo" (Figura 1-4), Calvin está sempre saltando em uma caixa em companhia de seu tigre de pelúcia, Haroldo, e viajando de volta no tempo, "transformando-se" em formas animais ou usando-a como "duplicador" e fazendo clones de s: mesmo. Um menininho como Calvin pode facilmente imaginar que uma caixa consegue voar como se fosse um avião (ou alguma outra coisa), porque não sabe como os aviões funcionam.

De diversas maneiras, os cientistas adultos têm a mesma propensão ao pensamento veleitário que meninos como Calvin. Há centenas de anos, por exemplo, pensava-se que insetos e outros pequenos animais nasciam dire-lamente de alimentos estragados. Era fácil acreditar nisso, porque se pen-sava que animais pequenos eram muito simples (antes da invenção do

microscópio, os naturalistas pensavam que os insetos não possuíam órgãos Calvin e Haroldo por Bill Watterson

ACHO QUE SE CONSEGUIRMOS UM

AMiSSOlAESTAAJUSMDABW, EU TCHHO UMA ItTCUtITA. rCK OUE ",,.,-, ,,.., -, ..

140 MILHÕES DEANOÏ W 1»SSADO. A CIEMTC MÃO HM MA» JWEX BrLü.tlSSaMAS| QUE «xET l «JÀkJC klMAc-1 OUWDO RECUAMOS NO TEMrO. E W! FXECKAR DE TIRADO "D"

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LA VAMOS N0009 DESAFAtECEMOSOJA»» UM BOCADO DE 7 MATCMÂTC,

calvin and hobbes, copyright 1990 Watterson. Distribuído pelo Universal Press Syn-dicate. Reproduzido com permissão. Todos os direitos reservados.

internos). Mas, à medida que a biologia progredia e experimentos cuidado-sos demonstravam que alimentos bem conservados não geravam vida, a

teoria da geração espontânea recuou para os limites além dos quais a ciência não conseguia detectar o que estava realmente acontecendo. No século xix, isso significava a célula. Quando se deixava que cerveja, leite ou urina permanecessem por vários dias em recipientes, mesmo que fechados, eles sempre se tomavam turvos com alguma coisa que neles crescia. Os micros-cópios dos séculos xvin e xix mostraram que o crescimento era muito pequeno, aparentemente de células vivas. Parecia razoável, portanto, que organismos vivos pudessem surgir de forma espontânea em líquidos.

O importante para convencer as pessoas era a descrição das células como "simples". Um dos principais defensores da teoria da geração espontânea em meados do século xix, Emst Haeckel, foi um grande admirador de

Darwin e divulgador entusiástico de sua teoria. Com base na visão limitada das células proporcionada pêlos microscópios da época, Haeckel acreditava que a célula era um "um pedaço simples de combinação albuminosa de

carbono",7 não muito diferente de um ponto microscópico de gelatina. Por isso, parecia a Haeckel que uma vida simples como essa sem órgãos inter-nos, poderia ser gerada facilmente a partir de material inanimado. Hoje, é claro, sabemos que não é assim.

Vejamos uma analogia simples: Darwin é para nossa compreensão da origem da visão o que Haeckel é para nossa compreensão da origem da vida. Em ambos os casos, brilhantes cientistas do século xix tentaram

explicar a biologia liliputiana que a eles era oculta e ambos assim fizeram supondo que o interior da caixa preta deveria ser simples. O tempo pró' estarem errados.

Até a primeira metade do século xx, os muitos ramos da biologia: mantinham nenhuma comunicação entre si.8 Como resultado, a genétíc sistemática, a paleontologia, a anatomia comparada, a embriologia e oul áreas formularam opiniões próprias sobre o que significava evoluç

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Inevitavelmente, a teoria evolucionária começou a representar coisas d:

j rentes para as diversas disciplinas e, dessa maneira, perdia-se um a vi

coerente da evolução darwiniana. Em meados deste século, contudo, lide desses campos organizaram uma série de reuniões interdisciplinares, a vistas a fundir suas opiniões em uma teoria coerente da evolução bases em princípios darwinianos. O resultado disso recebeu o nome de "sínt( evolutiva", e a teoria foi denominada neodarwinismo. O neodarwinisi forma a base do pensamento evolutivo moderno.

j Um ramo da ciência, porém, não foi convidado para a reunião, e por i | bom motivo: não existia ainda. Os primórdios da bioquímica moder

surgiram apenas depois de oficialmente lançado o neodarwinismo.

j mesma maneira que a biologia teve de ser reinterpretada após a desc obe

| da complexidade da vida microscópica, portanto, o neodarwinismo tem ser repensado à luz dos progressos na bioquímica. As disciplinas científ ic

que faziam parte da síntese evolutiva eram todas não-moleculares. Am assim, para que fosse verdadeira, a teoria darwiniana da evolução teria q explicar a estrutura molecular da vida. O objetivo deste livro é mostrar q ela não o faz.

PARAFUSOS E PORCAS

Lynn Margulis é professora emérita de biologia da Universidade de Mas-sachusetts. Muito respeitada por sua teoria, amplamente aceita, de que as mitocôndrias, as fontes de energia das células de plantas e animais, foram outrora células bacterianas independentes, Margulis diz que a história acabará por julgar o neodarwinismo uma "pequena seita religiosa do século XX, dentro da fé religiosa geral da biologia anglo-saxônica".1 Em suas

muitas palestras, ela pede a biologistas moleculares presentes na plateia que citem um único e inequívoco exemplo de formação de uma nova espécie

pelo acúmulo de mutações. Ninguém aceita o desafio. Os proponentes da teoria padrão, afirma ela, "espojam-se em sua interpretação zoológica, capitalista, competitiva, regida pelo custo-benefício da obra de Darwin tendo-o compreendido de forma errónea... O neodarwinismo que insiste (em pequenas mutações cumulativas) está completamente aterrorizado." Citações picantes, essas. E ela não está sozinha em seu desagrado. Nos últimos 130 anos, o darwinismo, embora bastante enraizado, tem

enfrenta-do uma série ininterrupta de críticas, partidas tanto de dentro quanto de fora da comunidade científica. Na década de 1940, o geneticista Richard

Gold-schmidt tomou-se tão desencantado com a explicação do darwinismo sobre as origens de novas estruturas que foi levado a propor a teoria do "monstro esperançoso". Goldschmidt pensava que, às vezes, mudanças grandes e

coordenadas poderiam ocorrer simplesmente ao acaso talvez um réptil pusesse um ovo apenas uma vez, digamos, e nele fosse chocada uma ave. A teoria do monstro esperançoso não pegou. A insatisfação com a

in-terpretação darwiniana do registro fóssil, no entanto, aflorou várias décadas depois. O paleontólogo Niles Eldredge descreve assim o problema:

Não é de se espantar que os paleontólogos tenham ignorado a evolução tanto tempo. Aparentemente, ela jamais ocorre. A coleta cuidados? material na face de penhascos mostra oscilações em ziguezague, pequ e uma acumulação muito rara de leves mudanças no decorrer de mill de anos, a uma taxa lenta demais para explicar toda a mudança prodig que ocorreu na história evolutiva. Quando vemos o aparecimento de n dades evolutivas, isso ocorre em geral com um estrondo e, não raro, nenhuma prova sólida de que os fósseis não evoluíram também em ou lugares! A evolução não pode estar ocorrendo sempre em outros luga Ainda assim, foi dessa maneira que o registro fóssil pareceu a mu desesperados paleontólogos que queriam aprender alguma coisa sob evolução.2

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ram, em princípios da década de 1970, a teoria a que denominai

"equilíbrio pontuado".3 Ela postula duas ideias: que, durante longos pé dos, a maioria das espécies passa por poucas mudanças observáveis; e ( quando isso ocorre, a mudança é rápida e concentrada em populaç

pequenas e isoladas. Se isso acontecesse, intermediários fósseis ser

difíceis de encontrar, o que combinaria com o falho registro fóssil. Tal co Goldschmidt, Eldredge e Gould acreditam em uma ascendência com

mas acham que outro mecanismo, que não a seleção natural, é necess para explicar mudanças rápidas, em grande escala.

Gould tem ocupado o primeiro plano na discussão de outro fenôm fascinante: a "explosão cambriana". Buscas cuidadosas revelaram ape raros exemplares de fósseis de criaturas multicelulares em rochas de m de seiscentos milhões de anos. Ainda assim, em rochas apenas um pó mais jovens, é encontrada uma profusão de animais fossilizados, c grande número de planos corporais muito diferentes. Recentement tempo estimado em que ocorreu a explosão foi revisado para baixo cinquenta milhões para dez milhões de anos o que equivale a um pi de olhos em termos geológicos. Essa estimativa mais curta obrigou es tores sensacionalistas a procurar novos superlativos, sendo um dos favor o "Big Bang biológico". Gould argumenta que a rápida taxa de aparecim to de novas formas de vida exige outro mecanismo para explicá-las que a seleção natural.4

Ironicamente, voltamos ao ponto de partida desde os dias de Darw Quando ele propôs sua teoria, uma das grandes dificuldades era a k estimada da terra. Os físicos do século xix pensavam que a Terra t apenas cem milhões de anos, ainda que Darwin pensasse que a seleç

natural precisaria de muito mais tempo para gerar vida. No início, provo A CAIXA E ABERTA 37

que ele tinha razão; sabe-se hoje que a Terra é muito mais antiga. Com a descoberta do Big Bang biológico, contudo, o espaço de tempo necessário para que a vida passasse de simples a complexa encurtou para muito menos do que a estimativa da idade da Terra no século xix.

Mas não são apenas paleontólogos à procura de ossos que estão desani-mados. Muitos biólogos evolucionistas que examinam organismos comple-tos também especulam como o darwinismo pode explicar suas observações. Os biólogos ingleses Mae-Wan Ho e Peter Saunders queixam-se da seguinte Passou-se aproximadamente meio século desde a formulação da síntese

neodarwiniana. Grande volume de pesquisa foi realizado dentro do paradig-ma que ela define. Ainda assim, os sucessos da teoria se limitam às minúcias da evolução, tal como a mudança adaptativa da coloração de mariposas, ao mesmo tempo que pouquíssimo tem a dizer sobre as questões que mais nos interessam, como, para começar, de que maneira surgiram as mariposas.5 O geneticista John McDonald, da Universidade da Geórgia, chama atenção para um enigma:

Os resultados dos últimos vinte anos de pesquisa sobre a base genética da adaptação levaram-nos a um grande paradoxo darwiniano.AçMees [genes] que são obviamente variáveis em populações naturais não parecem cons-tituir a base de muitas das grandes mudanças adaptativas, enquanto que aqueles [genes] que parecem constituir, de fato, afundamento de muitas, se-não da maioria, das grandes mudanças adaptativas, aparentemente se-não são variáveis em populações naturais.6 [grifo do original]

O geneticista evolucionista australiano George Miklos tenta decifrar a utilidade do darwinismo:

O que, então, essa teoria geral e abrangente de evolução prevê? Dado um punhado de postulados, tal como mudanças aleatórias e coeficientes de seleção, ela prognosticará frequências [em genes] ao longo do tempo. É assim que deve ser uma teoria geral da evolução?7

Jerry Coyne, do Departamento de Ecologia e Evolução da Universidade de Chicago, chega a um veredicto imprevisto:

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teoria neodarwiniana: seus alicerces teóricos são fracos, assim como as evidências experimentais que a apoiam.8

38 A CAIXA PRETA DE DARWIN

E o geneticista John Endier, da Universidade da Califórnia, pensa o seguinte sobre como surgem mutações benéficas:

Embora se saiba muita coisa sobre mutação, ela ainda é, na maior parte, um "caixa preta" no que diz respeito à evolução. Funções bioquímicas nova parecem ser raras na evolução, e a base de sua origem é virtualmente desco-nhecida.9

Os matemáticos, ao longo de todos esses anos, têm se queixado de que os números do darwinismo simplesmente não fazem sentido. Hubert Yo-ckey, teórico da informação, argumenta que a informação necessária para iniciar a vida não poderia ter surgido por acaso, e sugere que a vida seja considerada um dado, como a matéria ou a energia.10 Em 1966, ilustres matemáticos e biólogos evolucionistas realizaram um simpósio no Wistai Instituto, na Filadélfia, porque o organizador do evento, Martin Kaplan, entreouvira "uma discussão muito estranha entre quatro matemáticos... sobre as dúvidas matemáticas relativas à teoria de evolução darwinia-na".11 A um matemático que alegara que o tempo para o número de

mutações aparentemente necessárias para criar um olho era insuficiente, biólogos disseram que seus números deviam estar errados. Os matemá-ticos, porém, não se convenceram disso. Ou, como disse um deles:

Há uma grande lacuna na teoria neodarwiniana da evolução, e acreditamos que ela deva ser de tal natureza que não possa ser conciliada com a concepção corrente da biologia.12

Stuart Kauffman, do Santa Fe Institute, é um dos mais destacados

proponentes da "teoria da complexidade". Em curtas palavras, ela sugere que numerosos aspectos dos sistemas vivos são resultados de auto-orga-nização a tendência de sistemas complexos a se organizarem em

padrões e não de seleção natural:

Darwin e a evolução nos dominam, quaisquer que sejam as queixas dos cientistas criacionistas. Mas será correta essa tese? Melhor ainda, será adequada? Acredito que não. Não é que Darwin tenha errado, roas sim, compreendido apenas parte da verdade.13

Se até agora atraiu poucos adeptos, a teoria da complexidade não padece por falta de críticas. John Maynard Smith, orientador de Kauffman em seus estudos de pós-graduação, queixa-se de que a teoria é matemática demais e que pouca ligação tem com a química da vida real.14 Embora a queixa tenha seus méritos, Smith não oferece solução para o problema identificado por Kauflman a origem dos sistemas complexos.

Levando-se tudo isso em conta, a teoria de Darwin provocou discórdia desde que foi publicada, e não apenas por razões teológicas. Em 1871, um dos críticos de Darwin, St. George Mivart, elaborou uma lista de suas objeções à teoria, muitas das quais são surpreendentemente semelhantes às levantadas por críticos modernos.

O que caberia alegar (contra o darwinismo), poderia ser resumido da

seguinte maneira: que a "seleção natural" é incapaz de explicar os estágios incipientes de estruturas úteis. Que não se harmoniza com a coexistência de estruturas muito semelhantes, de origem diferente. Que há fundamentos

para pensar-se que diferenças específicas podem ser desenvolvidas súbita, e não gradualmente. Que ainda é sustentável a opinião de que as espécies têm limites definidos, embora muito diferentes, para sua variabilidade. Que certas formas transicionais fósseis estão ausentes, quando se poderia esperar que estivessem presentes... Que há numerosos fenómenos notáveis em

formas orgânicas sobre os quais a "seleção natural" pouco tem a dizer.15 Parece, então, que o mesmo debate tem sido repetido há mais de um século sem solução. De Mivart a Margulis, sempre houve cientistas bem informa-dos, respeitainforma-dos, que julgaram o darwinismo inadequado. Ao que parece, ou as questões levantadas inicialmente por Mivart passaram sem resposta, ou alguns indivíduos não se satisfizeram com as respostas que receberam.

Referências

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