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EDERSON NASCIMENTO GEOPROCESSAMENTO APLICADO AO MAPEAMENTO E ANÁLISE DAS ÁREAS DE USO E OCUPAÇÃO IRREGULAR DA TERRA URBANA EM PONTA GROSSA (PR)

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EDERSON NASCIMENTO

GEOPROCESSAMENTO APLICADO AO MAPEAMENTO E ANÁLISE DAS ÁREAS DE USO E OCUPAÇÃO IRREGULAR DA TERRA URBANA EM PONTA GROSSA (PR)

PONTA GROSSA

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EDERSON NASCIMENTO

GEOPROCESSAMENTO APLICADO AO MAPEAMENTO E ANÁLISE DAS ÁREAS DE USO E OCUPAÇÃO IRREGULAR DA TERRA URBANA EM PONTA GROSSA (PR)

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado para obtenção do título de bacharel em Geografia, na Universidade Estadual de Ponta Grossa, Setor de Ciências Exatas e Naturais, Departamento de Geociências.

Orientador: Prof. Dr. Lindon Fonseca Matias

PONTA GROSSA 2005

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EDERSON NASCIMENTO

GEOPROCESSAMENTO APLICADO AO MAPEAMENTO E ANÁLISE DAS ÁREAS DE USO E OCUPAÇÃO IRREGULAR DA TERRA URBANA EM PONTA GROSSA (PR)

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado para obtenção do título de bacharel em Geografia, na Universidade Estadual de Ponta Grossa, Setor de Ciências Exatas e Naturais, Departamento de Geociências.

Ponta Grossa, 1º de dezembro de 2005.

Prof. Dr. Lindon Fonseca Matias – Orientador Doutor em Geografia Humana Universidade Estadual de Campinas

Profª. Drª. Cicilian Luiza Löwen Sahr Pós-doutora em Geografia Universidade Estadual de Ponta Grossa

Profª. Msc. Sandra Maria Scheffer Mestre em Ciências Sociais Aplicadas Universidade Estadual de Ponta Grossa

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Àqueles que indicaram a direção, iluminaram o caminho, e me possibilitaram chegar até aqui:

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AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Lindon Fonseca Matias, pela maneira atenciosa, segura e rigorosa com que orientou a realização deste trabalho e, sobretudo, pelos ensinamentos efetuados ao longo de toda a trajetória de pesquisa, os quais contribuíram significativamente para minha formação acadêmica.

À Flávia, companheira e incentivadora, que com sua dedicação e atenção, foi minha cúmplice na realização da pesquisa, participando ativamente de todos os momentos da mesma.

À Luana, irmã de sangue e de coração, pela companhia às visitas às áreas irregulares, momento cuja contribuição foi de inestimável valia na realização da pesquisa.

À Ana Seres Leite e Marcelo José Gonçalves, profissionais da Prefeitura Municipal de Ponta Grossa, pelas informações fornecidas, imprescindíveis para a conclusão deste estudo, bem como pela forma atenciosa e prestativa que sempre me atenderam.

À amiga Rubiane, pelas discussões frutíferas e pelas trocas de informações, de textos e de idéias, que muito auxiliaram na concretização deste trabalho.

E a todos aqueles que, direta ou indiretamente, sabendo ou não, construíram comigo esta pesquisa.

(6)

“Para entender a cidade, não basta apenas observá-la ou viver nela. É preciso verificar a sua dinâmica, a sua geografia e a sua história.”

(7)

RESUMO

O geoprocessamento constitui importante instrumento para realização do mapeamento da ocupação e uso da terra em áreas urbanas. Permite a coleta, o armazenamento, o tratamento e a análise dos dados de forma georreferenciada. Essa tecnologia foi empregada na elaboração do mapeamento das áreas de uso e ocupação irregular da terra existentes na cidade de Ponta Grossa (PR) no ano de 2004. A realização do trabalho resume-se nas seguintes etapas: levantamento e revisão bibliográfica; levantamento da legislação que regula o uso e a ocupação da terra urbana; elaboração de uma base cartográfica; análise de correlações entre mapas para a obtenção das áreas em condição irregular quanto à propriedade da terra, à declividade de terreno e às faixas de domínio das ferrovias, dos cursos d’água e das redes de alta tensão elétrica, e; elaboração de visitas em campo, bem como de entrevistas com profissionais do poder público e com moradores de áreas irregulares, a fim de caracterizar a sua organização espacial e entender melhor o seu processo de surgimento e evolução. Entre os principais resultados obtidos, constatou-se um grande número de usos e ocupações irregulares localizados nas faixas de drenagem dos cursos d’água; a ocorrência de vários usos irregulares tipicamente rurais, como áreas de cultivo e de chácaras, e, sobretudo, um predomínio dos usos residenciais entre as ocupações irregulares, em especial das áreas faveladas, fato que revela a dificuldade de acesso à moradia vigente em Ponta Grossa, bem como a precarização das condições de vida de parcela significativa da população urbana.

(8)

ASBTRACT

The geoprocessing constitutes an important instrument for accomplishment of mapping of the land use and occupation in urban areas. It allows the collection, the storage, the treatment and analysis of the data in georreferenced form. That technology was used in the elaboration of mapping of the areas with irregular use and occupation of the land existents in the urban space of Ponta Grossa (PR) in 2004. In general words, the study was accomplished in the following stages: research and bibliographical revision; research of the legislation that regulates the use and the occupation of the urban land; construction of a cartographic base; analysis of correlations among maps to obtain the areas in irregular condition as for the land property, to the land steepness and the domain strip of railroads, rivers and streams and also high electric tension nets, and; elaboration of visits in the places, as well as of interviews with professionals of public administration and with residents of irregular areas, in order to characterize the space organization and to understand the appearance process and evolution of those areas better. Among the obtained results, it was verified a great number of irregular uses and occupations located in the strips of drainage of the rivers; the occurrence of several irregular uses typically rural, as cultivation areas and of small farms, and, above all, a prevalence of the residential uses among the irregular occupations, especially of the slum dwellers areas, fact that reveals the access difficulty to the home that is in force in Ponta Grossa, as well as the worsening of the conditions of life of great part of the urban population. Keywords: Mapping. Urban space. Irregular use and occupation. Ponta Grossa.

(9)

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Mapa 1 - Tipo de ocupação da terra na área urbanizada de Ponta Grossa, em

1960... 70 Mapa 2 - Tipo de ocupação da terra na área urbanizada de Ponta Grossa, em

1980... 72 Mapa 3 - Tipo de ocupação da terra na área urbanizada de Ponta Grossa, em

2004... 73 Figura 1 - Representação do universo do geoprocessamento... 80 Figura 2 - Organograma de representação das principais áreas de aplicação dos

Sistemas de Informações Geográficas... 82 Figura 3 - Fotografia aérea do loteamento irregular Ouro Verde, registrada em

2001... 86 Figura 4 - Imagem de satélite IKONOS, passagem de 2004, exibindo o loteamento

irregular Ouro Verde... 86 Figura 5 - Cálculo da faixa de drenagem do arroio do Padre, no software ArcView

GIS, utilizando a função buffer... 88 Mapa 4 - Localização e área total (em hectares) das bacias hidrográficas

existentes na área urbana de Ponta Grossa... 89 Mapa 5 - Largura das faixas de drenagem adotadas para cada bacia hidrográfica.... 90 Figura 6 - Modelo digital de elevação (MDE) com as declividades das vertentes

do arroio Lajeado Grande e afluentes... 92 Figura 7 - Residência com propriedade jurídica fundiária regular, localizada ao

lado do arroio Pilão de Pedra... 96 Mapa 6 - Ocupação, em 1960, das áreas correspondentes às atuais faixas de

drenagem... 97 Mapa 7 - Ocupação, em 1980, das áreas correspondentes às atuais faixas de

drenagem... 98 Mapa 8 - Condição da propriedade da terra nas áreas de uso e ocupação irregular

em faixas de drenagem – 2004... 101 Mapa 9 - Áreas irregulares predominantemente residenciais – 2004... 107 Figura 8 - Vistas de uso misto (residencial e comercial), localizado às margens

(10)

Figura 9 - Imagem da favela da vila Senador Flávio Carvalho Guimarães... 114 Figura 10 - Favela em encosta com acentuada declividade, localizada na vila Nossa

Senhora das Graças... 114 Figura 11 - Ocupações irregulares na faixa de domínio de uma rede de alta tensão

elétrica, na vila Santa Mônica... 115 Figura 12 - Posto de saúde em área de várzea, localizado na vila Princesa dos

Campos... 117 Figura 13 - Detalhe da poluição do arroio Lajeadinho... 118 Figura 14 - Vista do Jardim Jundiaí, loteamento irregular com vários lotes

desocupados... 118 Mapa 10 - Áreas irregulares com predominância de chácaras e usos industrial e

agrícola - 2004... 120 Figura 15 - Área de cultivo em faixa de drenagem, localizada nas proximidades da

vila 31 de Março... 121 Figura 16 - Detalhe em imagem de satélite, de uma chácara em condição irregular

(11)

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Áreas de bacias hidrográficas e faixas não edificáveis correspondentes,

conforme a lei municipal n° 4.842/1992... 45 Tabela 2 - População urbana, rural e total, em número absoluto, crescimento

relativo e taxa de urbanização para o município de Ponta Grossa, no

período de 1940 a 2000... 63 Tabela 3 - Participação percentual dos principais tipos de ocupação da terra na

área urbanizada de Ponta Grossa, nos anos de 1960, 1980 e 2004... 69 Tabela 4 - Questionamentos básicos a serem respondidos por um SIG... 83 Tabela 5 - Categorias de uso e ocupação irregular e área ocupada, segundo

diferentes critérios de irregularidade... 94 Tabela 6 - Condição da propriedade da terra e área ocupada pelas irregularidades

de uso e ocupação da terra existentes nas faixas de drenagem em 2004... 100 Tabela 7 - Classes de uso e ocupação da terra em condições de irregularidade... 103 Tabela 8 - Participação percentual das diversas classes de uso da terra em cada

categoria de irregularidade... 104 Tabela 9 - Evolução da população favelada em Ponta Grossa no período de 1960

(12)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 13

2 A REPRODUÇÃO CONTRADITÓRIA DO ESPAÇO URBANO... 16

2.1 ESPAÇO GEOGRÁFICO E ESPAÇO URBANO: PRIMEIRA APROXIMAÇÃO... 16

2.2 ESPAÇO URBANO: CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS... 19

2.3 O USO DESIGUAL DA TERRA URBANA... 22

2.3.1 A terra urbana enquanto mercadoria... 24

2.3.2 A segregação urbana e o surgimento de áreas de uso e ocupação irregular... 29

3 A EVOLUÇÃO DA IRREGULARIDADE DO USO E DA OCUPAÇÃO DA TERRA URBANA... 35

3.1 USO E OCUPAÇÃO IRREGULAR DA TERRA: DEFINIÇÃO E CAUSAS GERAIS DE SUA EXPANSÃO... 36

3.2 USO E OCUPAÇÃO IRREGULAR E DANOS SÓCIO-AMBIENTAIS... 40

3.3 PRINCIPAIS LOCALIZAÇÕES DAS IRREGULARIDADES ... 41

3.4 O MARCO JURÍDICO... 43

3.4.1 Legislação referente ao parcelamento da terra urbana... 43

3.4.2 Legislação de proteção da rede de drenagem... 44

3.4.3 Normatização da ocupação nas proximidades de linhas de transmissão elétrica... 47

3.5 TIPOS DE USO E OCUPAÇÃO IRREGULAR E PRÁTICAS SOCIAIS ASSOCIADAS... 47

3.5.1 Loteamentos irregulares... 48

3.5.2 Favelas... 51

3.5.3 Usos rurais irregulares da terra urbana... 56

3.5.4 Ocupações regulares em desacordo com leis específicas... 58

4 URBANIZAÇÃO E EVOLUÇÃO DAS IRREGULARIDADES DE OCUPAÇÃO E USO DA TERRA EM PONTA GROSSA: BREVE HISTÓRICO... 60

4.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA E PRINCIPAIS CONDICIONANTES DA URBANIZAÇÃO PONTA-GROSSENSE... 60

4.2 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS SOBRE AS IRREGULARIDADES DE PONTA GROSSA... 68

5 ELABORAÇÃO DO MAPEAMENTO DAS ÁREAS DE USO E OCUPAÇÃO IRREGULAR... 77

5.1 GEOTECNOLOGIAS: UM INSTRUMENTAL EFICIENTE PARA ANÁLISES DO ESPAÇO URBANO... 77

5.2 O PROCESSO DE LEVANTAMENTO E ANÁLISE DAS ÁREAS IRREGULARES... 83

6 ANÁLISE DOS TIPOS DE USO E OCUPAÇÃO IRREGULAR DA TERRA URBANA EM PONTA GROSSA... 93

6.1 QUANTIFICAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DAS IRREGULARIDADES... 93

6.1.1 Quanto às categorias de irregularidade... 94

(13)

6.2 LOCALIZAÇÃO, NATUREZA OCUPACIONAL E ORGANIZAÇÃO

ESPACIAL DAS IRREGULARIDADES... 105

6.2.1 Áreas irregulares residenciais: favelas, loteamentos irregulares e ocupações em desacordo com a legislação urbana... 106

6.2.2 Os terrenos amplos: áreas de uso industrial, agrícola e chácaras... 119

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 124

REFERÊNCIAS... 127

APÊNDICE A – Formulário de observação... 132

APÊNDICE B - Formulário utilizado nas entrevistas com moradores de áreas irregulares... 135

APÊNDICE C – Formulário utilizado na entrevista com o técnico da Divisão de Controle Ambiental, da prefeitura municipal... 138

APÊNDICE D – Formulário utilizado na entrevista com a assistente social do Departamento de Assuntos Comunitários, da prefeitura municipal... 140 APÊNDICE E – Mapa final de áreas de uso e ocupação irregular da terra na cidade de Ponta Grossa... 142

(14)

1 INTRODUÇÃO

O processo de produção e reprodução do espaço apresenta-se intimamente vinculado à dinâmica de (re)produção geral da sociedade, a qual se realiza dia-a-dia a partir das ações engendradas pelos grupos sociais, que viabilizam a própria sobrevivência e reproduzem as diversas classes e grupos da sociedade. Nesse contexto, o acesso à terra urbana assume importância fundamental, uma vez que esta se apresenta como condição essencial para a realização de qualquer atividade, seja ela referente à obtenção de renda monetária, seja para a simples função da moradia. Por essa razão, a terra passa a ser disputada pelos diversos atores sociais para diversos fins, como residenciais, industriais, de preservação ambiental, para especulação imobiliária, entre outros.

Em decorrência desse fato, aliado à carência de uma gestão urbana que garanta um maior equilíbrio na apropriação social do espaço na cidade, visando minimizar a especulação imobiliária e a seletividade no acesso à terra urbana, vários grupos sociais vêem restringido o seu acesso à terra, tendo dificultada a satisfação de suas necessidades e de seus interesses, seja por limitações de ordem jurídica, seja pela barreira imposta pela propriedade privada da terra, que vigora na sociedade capitalista. Nessas condições, surgem no espaço urbano várias áreas com formas de uso e de ocupação que confrontam as determinações estabelecidas pelo arcabouço jurídico regulador do uso e da ocupação fundiária no espaço urbano.

Em Ponta Grossa, tal realidade tem se mostrado bastante dinâmica. Verifica-se na cidade a ocorrência de várias áreas em situação irregular de uso e ocupação fundiária, localizadas em áreas ambientalmente frágeis, como em terras marginais a cursos d’água e encostas com acentuada declividade, além de outros locais que oferecem grandes riscos à ocupação humana, como sob redes de alta tensão elétrica e ao lado de ferrovias, e ainda em terras que apresentam plenas condições para a edificação e uso urbano, mas que a ocupação ou o uso praticado não possui o respaldo da propriedade jurídica da terra.

(15)

A importância assumida por tal processo na dinâmica de (re)produção do espaço urbano ponta-grossense torna imprescindível o levantamento e a caracterização de tais áreas em situação de irregularidade, com vistas à subsidiar uma melhor compreensão do processo de organização dessa parcela informal da cidade e, por essa via, possibilitar a proposição de medidas e a elaboração de estratégias de intervenção em tais áreas.

No entanto, perante a grande heterogeneidade apresentada pelas irregularidades ocorridas na cidade, bem como à dificuldade de sua identificação em campo, fruto da complexidade inerente a alguns parâmetros legais que restringem a ocupação e uso da terra – como, por exemplo, a declividade topográfica e a largura da faixa marginal de proteção de cursos d’água -, faz-se necessária a utilização de um instrumental eficiente, que permita, de forma ágil e simples, a captura e o processamento de uma ampla gama de dados espaciais. Esta tarefa é possibilitada através da aplicação de tecnologias de geoprocessamento, mais precisamente de dados cartográficos digitais, de produtos de sensoriamento remoto, dados de Sistema de Posicionamento Global (GPS) e principalmente, da utilização de Sistema de Informações Geográficas (SIG).

Nesse sentido, a pesquisa teve como objetivo principal realizar o mapeamento e análise da organização espacial das áreas de uso e ocupação irregular da terra, existentes na cidade de Ponta Grossa no ano de 2004, por meio da utilização de geotecnologias. Para tanto, em linhas gerais, efetuou-se a definição dos tipos de irregularidade de uso e ocupação da terra existentes na cidade e construiu-se uma base de dados georreferenciados, contendo mapas, imagens e dados estatísticos diversos sobre essa temática. Buscou-se ainda identificar as principais características sócio-econômicas dos grupos sociais ocupantes das áreas, bem como examinar as principais conseqüências socioambientais decorrentes dessas formas de ocupação.

(16)

O trabalho foi organizado na seguinte estrutura. No capítulo 2, realiza-se uma exposição sobre a natureza contraditória do processo de produção e reprodução do espaço urbano, enfocando a importância do acesso à terra na estruturação segregada do espaço na cidade e no advento e consolidação de áreas irregulares de uso e ocupação fundiária urbana. Em seguida, apresenta-se uma abordagem teórica geral do fenômeno da irregularidade fundiária no espaço urbano, definindo os principais tipos (com base na realidade ponta-grossense), estabelecendo suas características mais comuns quanto à distribuição espacial, discutindo os danos socioambientais mais relevantes desencadeados por tais irregularidades e, ainda, caracterizando-as perante a legislação competente.

No capítulo 4, realiza-se uma abordagem histórica sobre os principais fatores e agentes sociais que conduziram o crescimento e a estruturação do espaço urbano de Ponta Grossa. Procura-se também examinar a evolução histórica das principais irregularidades de ocupação e uso da terra, observadas no contexto de urbanização e dinamização econômica da cidade e de transformações na estrutura agrária no Estado. No capítulo seguinte efetua-se, primeiramente, uma breve exposição sobre as características do instrumental geotecnológico empregado na pesquisa e, num segundo momento, realiza-se um detalhamento das etapas cumpridas no processo de mapeamento e de análise das áreas em situação de irregularidade.

Finalmente, no capítulo 6, apresenta-se os resultados estatísticos e analíticos da pesquisa, enfocando as diferentes categorias de irregularidade fundiária, os tipos de uso e ocupação irregular identificados, bem como a natureza de sua ocupação e as principais características de sua organização espacial.

(17)

2 A REPRODUÇÃO CONTRADITÓRIA DO ESPAÇO URBANO

Uma sociedade não pode viver senão através de um determinado espaço. A relação entre a sociedade e a natureza se dá mediante um processo de trabalho situado dentro de um quadro mais amplo, aquele da produção de bens para atender a existência humana.1 E desse modo, “ao produzirem sua existência os homens produzem não só sua história, conhecimento, processo de humanização mas também o espaço.”2

Neste capítulo será abordada a natureza contraditória do espaço social, através do qual se dá o desenrolar da vida humana. Primeiramente serão tecidas algumas considerações gerais sobre o espaço na visão da ciência geográfica e em seguida será realizada uma análise sobre o processo de (re)produção do espaço urbano, objeto de nossa análise.

2.1 ESPAÇO GEOGRÁFICO E ESPAÇO URBANO: PRIMEIRA APROXIMAÇÃO

O espaço é, antes de qualquer coisa, um produto social, engendrado no seio das relações estabelecidas no interior da sociedade, relações tais que, conforme Castells, conferem ao espaço “uma forma, uma função, uma significação social.” O espaço, portanto, “não é uma pura ocasião de desdobramento da estrutura social, mas a expressão concreta de cada conjunto histórico, no qual uma sociedade se especifica.”3

O processo de produção e reprodução desse espaço social interessa diretamente à ciência geográfica. Tal espaço – o espaço geográfico - pode ser caracterizado, de acordo com Carlos, como sendo “o produto, num dado momento, do estado da sociedade, portanto, um produto histórico”, configurando-se como o “resultado da atividade de uma série de gerações que através de seu trabalho acumulado têm agido sobre ele, modificando-o, transformando-o,

1

CARLOS, A. F. A. A cidade. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2001. p. 31.

2

Ibid., p. 28.

3

CASTELLS, M. A questão urbana. Tradução de Arlene Caetano. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 181. 16

(18)

humanizando-o, tornando-o um produto cada vez mais distanciado do meio natural”. Por este viés, é o espaço, no dizer da autora, “um produto social em ininterrupto processo de reprodução.”4

O espaço geográfico, na acepção de Santos, compõe-se de sistemas de objetos espaciais e também de sistemas de ações sociais, sistemas estes que se entrelaçam, constituindo um conjunto solidário, inseparável e contraditório. Os diferentes sistemas se influenciam mutuamente, condicionando, num movimento único, a organização espacial e da vida social.5

Nessa perspectiva, como afirma Corrêa6, uma localização, um bairro, uma forma espacial é produto das relações sociais historicamente estabelecidas e é, simultaneamente, condição para a reprodução das relações sociais. No processo de produção – em sentido amplo - cria-se condições que permitam a sua reprodução e também das diferentes classes sociais. Assim, os objetos produzidos pelo trabalho social possibilitam que as atividades realizadas por eles perpassem no tempo. Permitem, da mesma forma, a reprodução do próprio grupo social, ligado a tal lógica produtiva.

E na atualidade, o principal local onde tais relações se dão é, sem dúvida, o espaço urbano. Este aparece como a expressão mais aguda do processo de produção da humanidade engendrado pela formação econômica e social capitalista. Como discutiremos mais à diante, as cidades, em sua maioria, crescem e se organizam a partir de diferentes lutas sociais, travadas por diferentes atores sociais concretos, com interesses distintos e, muitas vezes, antagônicos.

4

CARLOS, op. cit., p. 32.

5

SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: EDUSP, 2002. p. 63. Na mesma página, o autor nos explica melhor esse movimento único: “Sistemas de objetos e sistemas de ações interagem. De um lado, os sistemas de objetos condicionam a forma como se dão as ações e, de outro lado, o sistema de ações leva à criação de objetos novos ou se realiza sobre objetos pré-existentes. É assim que o espaço encontra a sua dinâmica e se transforma.”

6

CORRÊA, R. L. Região e organização espacial. 6. ed. São Paulo: Ática, 1998. p. 74-75.

(19)

Devido a tal fato, o espaço urbano é produzido tendo como característica principal a desigualdade social, pois esses conflitos geram “vencedores” e “vencidos”, os primeiros usufruindo de uma maneira ou de outra das benesses existentes no espaço urbano – tanto na esfera da produção de mercadorias, como no plano do consumo do espaço - e os segundos constituindo a parcela da população a quem é privado o acesso pleno à cidade, tendo muitas vezes surrupiados direitos absolutamente elementares, como por exemplo, o acesso à moradia, fato que será examinado neste trabalho.

É importante destacar, como nos lembra Carlos, que refletir nos dias atuais sobre a cidade no Brasil implica em pensá-la “enquanto materialização do processo de ‘urbanização dependente’” ocorrido no país, no qual “as contradições emergem de modo mais gritante, e a acumulação da riqueza [...] caminha pari passu com a miséria”. Por essa via, diferentemente do que ocorre nos países ditos desenvolvidos, “Aqui ainda se trava uma árdua luta por condições mínimas de vida, por direitos básicos já amplamente conquistados naqueles países.”7

Frente a tal situação, Santos avalia que, “Deixado ao quase exclusivo jogo de mercado, o espaço vivido consagra desigualdades e injustiças e termina por ser, em sua maior parte, um espaço sem cidadãos.” De um modo geral, segundo o autor, consultando um mapa tanto do país como do espaço urbano local, é fácil identificar-se amplas áreas sem serviços e equipamentos de uso coletivo essenciais à vida social e à vida individual. “É como se as pessoas nem lá estivessem”8, ressalta.

Nas seções seguintes serão tecidas considerações sobre o espaço urbano e o modo como este é reproduzido pelos diversos segmentos sociais e as desigualdades desencadeadas por tal reprodução, cenário a partir do qual as áreas de uso e ocupação irregular surgem e se expandem na cidade.

7

CARLOS, p. 32 e 33.

8

SANTOS, M. O espaço do cidadão. São Paulo: Nobel, 1987. p. 43.

(20)

2.2 ESPAÇO URBANO: CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

O espaço urbano capitalista apresenta-se como um importante objeto de estudo para vários cientistas sociais, sobretudo para o geógrafo. Em linhas gerais, o interesse em entender a cidade, como aponta Corrêa, justifica-se pelo fato dela concentrar uma parcela cada vez maior da população. Além disso, a cidade é também “o lugar onde os investimentos de capital são maiores, seja em atividades localizadas na cidade, seja no próprio urbano, na produção da cidade”. E, principalmente, é na cidade que os conflitos sociais ocorrem de maneira mais intensa.9 Sendo componente do espaço geográfico, esta forma de organização espacial – a cidade – é também, como todo espaço, um produto da sociedade, organizado e condicionado pela estrutura das relações sociais estabelecidas entre os diferentes grupos e classes sociais que a compõem.10

Considerada como uma construção humana, a cidade aparece, antes de tudo, como trabalho social materializado, acumulado no decorrer do processo histórico e desenvolvido por uma sucessão de gerações. “Expressão e significado da vida humana, obra e produto, processo histórico cumulativo, a cidade contém e revela ações passadas ao mesmo tempo, já que o futuro se constrói a partir das tramas do presente”.11

É no espaço urbano, ou a partir dele, que as forças produtivas alcançam o seu maior grau de desenvolvimento, permitindo que o capital se reproduza de maneira mais acelerada. Desse modo, na cidade também encontra-se concentrada uma parcela significativa da população, a qual, via produção de bens e como mercado consumidor, permite a perpetuação do processo de acumulação capitalista. Isto se deve, segundo Rolnik, ao fato de que a concentração populacional ocorrida no espaço urbano “intensifica as possibilidades de troca

9

CORRÊA, R. L. O espaço urbano. 4. ed. São Paulo: Ática, 2005. p. 5.

10

CAPEL, H. La definición de lo urbano. Scripta vetera. Disponível em: <http://www.ub.es/geocrit/sv-33.htm>. Acesso em 11 jan. 2005.

11

CARLOS, A. F. A. O espaço urbano: novos escritos sobre a cidade. São Paulo: Contexto, 2004. p. 7-8. 19

(21)

entre os homens, potencializando sua capacidade produtiva.”12 Nessa linha de análise, Silva nos lembra que “os processos de urbanização refletem a dinâmica da acumulação e concentração do capital através da intensificação das atividades econômicas no espaço urbano e reproduzem a aglomeração necessitando cada vez de mais espaço.”13

Desta forma, a cidade torna-se também o principal local onde os diversos grupos sociais vivem e se reproduzem, expondo seus valores, perseguindo seus objetivos, enfim, construindo contraditoriamente o espaço citadino e a vida urbana.

Os diferentes atores sociais concebem a cidade de maneira diferente, principalmente conforme o valor de uso que esse espaço lhe apresenta. Carlos nos explica que a visão em relação à cidade difere, sobretudo, sob a ótica dos produtores de mercadorias e dos moradores. Do ponto de vista dos primeiros, “a cidade materializa-se enquanto condição geral da produção (distribuição, circulação e troca) e nesse sentido é o locus da produção (onde se produz a mais-valia) e da circulação (onde esta é realizada).” Por outro lado, para os segundos, enquanto consumidores, “a cidade é meio de consumo coletivo (bens e serviços) para a reprodução da vida dos homens”. Fundamentalmente para esses, “É o locus da habitação e tudo o que o habitar implica na sociedade atual: escolas, assistência médica, transporte, água, luz, esgoto, telefone, atividades culturais e lazer, ócio, compras, etc.”14

Por este viés, o espaço urbano se reproduz a partir de conflitos e contradições sociais, sendo o embate principal aquele travado entre os interesses do capital e os da sociedade em geral. Em outras palavras, a contradição-motriz da organização do espaço urbano e da vida social é “aquela entre a reprodução do espaço (que tende a se concretizar sob os interesses e

12

ROLNIK, R. O que é cidade. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 25.

13

SILVA, J. M. Valorização fundiária e expansão urbana recente de Guarapuava – PR. 1995, 181 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Setor de Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1995. p. 6.

14

CARLOS, A. F. A. A cidade. op. cit., p. 46.

(22)

necessidades da reprodução do capital e sobre o poder do Estado) e a reprodução da vida (que diz respeito ao conjunto da sociedade e tem como objetivo a construção do humano).”15

Notadamente a cidade aparece também, como já se disse, como local fundamental da habitação e da vivência humana em sua dimensão plena. É onde se estabelece o plano do vivido, o local onde as práticas sociais se organizam reproduzindo as condições de existência da própria sociedade, onde se dá, enfim, o desenrolar da vida cotidiana.16 Além disso, é o local onde o plano do vivido se relaciona com o plano da produção capitalista de mercadorias, revelando a reprodução das relações de produção da sociedade17, assim como das distintas classes sociais que reproduzem diariamente o espaço urbano.

Em síntese, o espaço urbano capitalista constitui-se no locus da produção e no palco principal da reprodução desigual da sociedade e sua reprodução, como afirma Carlos, “recria constantemente as condições gerais a partir das quais se realiza o processo de reprodução do capital”, bem como, da “vida humana em todas as suas dimensões.”18

Por outro lado, o modo de apropriação do espaço urbano pelos distintos segmentos sociais é expresso através do uso da terra. A maneira pela qual se dará esse uso dependerá, entretanto, dos fatores que condicionam o seu processo de produção. Ainda segundo Carlos, em linhas gerais, na sociedade capitalista essa apropriação está vinculada ao “processo de troca que se efetua no mercado, visto que o produto capitalista só pode ser realizado a partir do processo de apropriação, no caso específico, via propriedade privada.”19

Essas condicionantes dos diferentes – e muitas vezes antagônicos – modos de uso da terra urbana serão examinadas mais de perto a partir da próxima seção.

15

Id. O espaço urbano... op. cit., p. 48.

16 Ibid., p. 48-117 passim. 17 Ibid., p. 139. 18 Ibid., p. 57. 19

Id. A cidade. op. cit., p. 27.

(23)

2.3 O USO DESIGUAL DA TERRA URBANA

No espaço urbano muitas pessoas se relacionam e exercem diferentes atividades, buscando atender às suas diversas necessidades. Uma dessas necessidades é o acesso à terra urbana, o qual é condição sine qua non para a realização de toda e qualquer atividade. Afinal de contas, seja para o lazer, seja para a moradia, seja igualmente para a produção de mercadorias, é impossível fazê-lo sem se apropriar de um “pedaço de chão” na cidade, ou seja, uma determinada fração da terra urbana. Com isso, de acordo com Scheffer20, a terra passa a ser disputada pelos diferentes atores sociais para fins diversos, como residenciais, industriais, de preservação ambiental, ou mesmo para ser retida com fins especulativos.

Nesse sentido, pode-se facilmente perceber que o uso da terra urbana é inevitavelmente conflituoso, pois estão em jogo interesses distintos, muitos deles antagônicos, engendrados por atores sociais igualmente distintos. Notadamente, os principais conflitos se dão, como já se destacou, no âmbito da contradição existente entre os interesses do capital e da sociedade de um modo geral, pois enquanto aquele busca se reproduzir por meio do processo de valorização, a sociedade busca melhores condições de reprodução da vida de uma maneira ampla.

Assim, concordamos com Carlos no sentido de que “a cidade é, antes de mais nada, uma concentração de pessoas exercendo, em função da divisão social do trabalho, uma série de atividades concorrentes ou complementares, desencadeando uma disputa de usos.”21 As diversas atividades realizadas se materializarão na cidade em função de determinados fatores, notadamente referentes à sua viabilização econômica.

As atividades produtivas, por exemplo, buscarão, via de regra, locais em que seja possível a redução dos custos de produção. Já para as atividades comerciais, o acesso ao

20

SCHEFFER, S. M. Espaço urbano e política habitacional: uma análise sobre o programa de lotes urbanizados da PROLAR - Ponta Grossa. 2003, 122 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais Aplicadas) - Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, 2003. p. 11.

21

CARLOS, A. F. A. A cidade. op. cit., p. 40.

(24)

mercado será o principal aspecto a ser considerado. Para as atividades que dependem de circulação de mercadorias, é fundamental o acesso às vias rápidas de transporte, que permitem reduzir o tempo de percurso, reduzindo igualmente a tendência de desvalorização do capital. Os setores prestadores de serviços também buscarão localizações que otimizem economicamente a atividade ao máximo, de maneira que certos tipos tenderão a se localizar nas proximidades dos centros de negócios, outros em áreas radiais, outros ainda em certas zonas específicas. O uso residencial, por sua vez, depende da inserção social de seus ocupantes, sendo sobretudo reflexo do “papel que cada indivíduo ocupará (direta ou indiretamente) no processo de produção geral da sociedade e, conseqüentemente, o seu lugar na distribuição da riqueza gerada.”22

No que tange à organização dos usos da terra urbana, Villaça argumenta que a

localização dos objetos espaciais ocupa papel de destaque na estruturação interna da cidade.

Tanto é verdade que, na opinião do autor, “Os produtos específicos da produção do espaço intra-urbano não são os objetos em si [...] mas suas localizações. [...] A produção dos objetos urbanos só pode ser entendida e explicada se forem consideradas suas localizações.” Nesse contexto, a localização ocorre associada ao espaço urbano em sua totalidade, pois diz respeito, nas palavras do autor, “às relações entre um determinado ponto do território urbano e todos os demais.”23 Desse modo, sob sua ótica, “a força mais poderosa [...] agindo sobre a estruturação do espaço intra-urbano tem origem na luta de classes pela apropriação diferenciada das vantagens e desvantagens do espaço construído e na segregação espacial dela resultante.”24

Para Carlos, os modos de ocupação do espaço pela sociedade serão indicados pelas necessidades de reprodução do capital em geral, apoiados nos mecanismos de apropriação privada, onde o uso da terra é fruto da condição geral do processo de reprodução social,

22

Ibid., p. 46.

23

VILLAÇA, F. O espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel/FAPESP/Lincoln Institute, 1998. p. 24.

24

Ibid., p. 45.

(25)

processo este que imprime uma certa configuração ao espaço urbano. Tal conformação resulta de dois modos distintos de uso da terra: aquele “vinculado ao processo de produção e reprodução do capital” e, por outro lado, aquele “vinculado à reprodução da sociedade, tanto da força de trabalho (enquanto exército industrial de reserva), quanto da população em geral (consumidores).”25

É imprescindível lembrar, no entanto, que frente ao respaldo jurídico dado pela propriedade privada vigente na sociedade capitalista, para se ter acesso a certa parcela da terra urbana é necessário remeter uma determinada renda ao seu proprietário, referente ao seu valor. Apesar da terra – enquanto matéria – não ser produzida pelo trabalho humano, enquanto condição indispensável para a produção e para a sobrevivência, a terra, sobretudo a urbana, passa a ser valorizada, assumindo uma condição de mercadoria.

Na seqüência, examinaremos o caráter mercantil assumido pela terra na cidade - fator decisivo na localização das atividades e dos indivíduos no urbano – e suas causas fundamentais. Em seguida, será enfocada a segregação sócio-espacial que nasce em tal contexto, a qual se constitui em fator fundamental para o surgimento e ratificação da irregularidade de uso e ocupação da terra na cidade.

2.3.1 A terra urbana enquanto mercadoria

Singer ressalta que “Sendo a cidade uma imensa concentração de gente exercendo as mais diferentes atividades, é lógico que o solo urbano seja disputado por inúmeros usos.” E esta disputa é pautada “pelas regras do jogo capitalista, que se fundamenta na propriedade

25

CARLOS, A. F. A. A cidade. op. cit., p. 49.

(26)

privada do solo, a qual – por isso e só por isso – proporciona renda e, em conseqüência, é assemelhada ao capital.”26

Conforme já adiantado, só se pode ter acesso a um pedaço de terra – legalmente dizendo – pagando-se pelo mesmo, geralmente através de compra ou de aluguel. Isso se deve ao fato de que na sociedade capitalista atual, “o uso é produto das formas de apropriação (que tem na propriedade privada sua instância jurídica).”27

A importância assumida pela terra urbana enquanto condição essencial para a realização de qualquer atividade28, aliada ainda às suas propriedades intrínsecas (sobretudo amenidades físicas), confere a ela o caráter de mercadoria, assumindo assim um determinado preço a ser pago pelos indivíduos desprovidos do direito de propriedade.

Enquanto simples matéria, elemento da natureza, a terra não possui valor, pois não pode ser criada, não pode ser reproduzida pelo trabalho humano. Afinal, como nos coloca Rodrigues, “Quando alguém trabalha na terra, não é para produzir a terra, mas sim o fruto da terra, ou então as edificações sobre a terra.”29 Todavia, enquanto componente do espaço urbano, a terra transcende a condição de mera superfície, sítio das edificações, e assume, conforme Villaça, a condição de localização, como já se destacou anteriormente. É dessa maneira que esse bem natural – a terra – se articula aos demais fragmentos da cidade e, conseqüentemente, à lógica geral de produção do espaço urbano. Nesse sentido, portanto, mesmo não sendo fruto do trabalho social, a terra se valoriza, porque o espaço do qual ela faz parte é produzido socialmente. Nas palavras de Carlos, “a terra-matéria não pode ser

26

SINGER, P. O uso do solo urbano na economia capitalista. In: MARICATO, E. (Org.). A produção

capitalista da casa (e da cidade) no Brasil industrial. 2. ed. São Paulo: Alfa-Ômega, 1982. p. 21. 27

CARLOS, A. F. A. A cidade. op. cit., p. 47.

28

Lembramos que, entre outras coisas, a terra urbana “pode ser suporte de processos de valorização de capitais, quando se trata de terrenos utilizados por indústrias, empresas comerciais e financeiras; ela pode ser suporte de atividades econômicas não-capitalistas quando se trata de locais usados pelo pequeno comércio, pelo artesanato e pelo camponês instalado nas fronteiras agrícolas da cidade; a terra pode também ser usada apenas como suporte de consumo, quando se trata de terrenos utilizados para moradias; finalmente, a terra pode servir como meio de reserva de valor, através da compra e retenção por um agente econômico”, conforme RIBEIRO, L. C. de Q. Espaço urbano, mercado de terras e produção da habitação. In: SILVA, L. A. M. da. (Org.). Solo urbano: tópicos sobre o uso da terra. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. p. 42

29

RODRIGUES, A. M. Moradias nas cidades brasileiras. São Paulo: Contexto/EDUSP, 1988. p. 16.

(27)

reproduzida, mas o espaço o é constantemente, mudando de significado à medida que o processo histórico avança.”30

Nessa condução argumentativa, é conveniente lembrar as considerações feitas por Santos sobre os objetos espaciais, as quais enunciam que

São as propriedades de uma coisa que dizem como ela se relacionará com outras coisas. [...] Esta é a base em que os sistemas de objetos se constroem e obtêm um significado. [...] Essas condições relacionais incluem o espaço e se dão por intermédio do espaço. Nesse sentido é o espaço considerado em seu conjunto que redefine os objetos que o formam. Por isso, o objeto geográfico está sempre mudando de significação.31

Dessa forma, sendo a terra considerada como um objeto, elemento do espaço, ela tem o seu valor regulado pela totalidade do espaço, pois é esta totalidade que define a sua maior ou menor significação para os diferentes estratos sociais. Sob tal perspectiva, concordamos com Villaça no sentido de que

há dois valores a considerar no espaço urbano. O primeiro é o dos produtos em si – os edifícios, as ruas, as praças, as infra-estruturas. O outro é o valor produzido pela aglomeração, dado pela localização dos edifícios, ruas e praças, pois é essa localização que os insere na aglomeração. A localização se apresenta, assim, como um valor de uso da terra – dos lotes, das ruas, das praças, das praias – o qual, no mercado, se traduz em preço da terra. Tal como qualquer valor, o da localização também é dado pelo tempo de trabalho socialmente necessário para produzi-la, ou seja, para produzir a cidade inteira da qual a localização é parte.32

A localização aparece como principal valor de um determinado fragmento do espaço urbano em virtude da acessibilidade que a mesma pode ou não proporcionar, seja para a realização da produção enquanto força de trabalho, seja para o próprio consumo do espaço. Desse modo, ainda conforme Villaça, os diferentes pontos da cidade

30

CARLOS, A. F. A. A cidade. op. cit., p. 53.

31

SANTOS, M. A natureza... op. cit., p. 97.

32

VILLAÇA, op. cit., p. 334, destaque do autor.

(28)

condicionam a participação do seu ocupante tanto na força produtiva social representada pela cidade como na absorção, através do consumo, das vantagens da aglomeração. É esse o valor de uso do ponto – sua capacidade de fazer com que se relacionem entre si os diversos elementos da cidade.33

Segundo essa abordagem, o preço assumido por determinada parcela da terra urbana no mercado de terras, vai depender das características físicas do terreno, mas principalmente da sua inserção no espaço urbano como um todo. Assim, de acordo com Carlos34, influirão no preço da terra principalmente a acessibilidade aos locais providos de serviços e equipamentos urbanos (escolas, centros de saúde, shoppings etc); a infra-estrutura disponível (água, luz, pavimentação, transporte) e, com menor importância, os fatores referentes à topografia, que influirão nas possibilidades e custos da construção. E além dos citados, contribui um último fator decisivo, que é o processo de valorização espacial.

Rodrigues, aproximando-se de Singer, afirma que um outro fator importante na definição do preço da terra urbana é o seu monopólio, conferido pela propriedade privada da terra, vigente na sociedade capitalista, a quem a possui. Isso se deve ao fato de que a terra, na condição de bem indispensável à produção de qualquer atividade, valoriza-se sem grandes investimentos, propiciando, por meio de sua concentração, a geração de uma renda adicional ao seu proprietário. Assim declara a autora:

a terra é, também, uma espécie de capital, que está sempre se valorizando. [...] A valorização do capital dinheiro aplicado em terra está relacionada à ‘valorização’ do capital em geral. A terra é um equivalente de capital, porque se ‘valoriza’ sem trabalho, sem uso. Para produzir renda o ter e o usar não estão juntos. Pauta-se nas regras de valorização do jogo capitalista, que se fundamenta na propriedade privada. Mas é uma falsa mercadoria e um falso capital. É um valor que se valoriza pela monopolização do acesso a um bem necessário à sobrevivência e tornado escasso e caro pela propriedade.35

33

Ibid., p. 78.

34

CARLOS, A. F. A. A cidade. op. cit. p. 48.

35

RODRIGUES, op. cit. p. 17.

(29)

Vale ressaltar que esta concentração da propriedade fundiária é significativamente danosa do ponto de vista social nos países ditos subdesenvolvidos, como o Brasil. Sobre este fato, Spósito36 esclarece que tal concentração também ocorre nos chamados países de primeiro mundo. Diferentemente da nossa realidade, no entanto, naqueles países o poder de compra da população é satisfatório, o que lhe permite, sem maiores problemas, pagar aluguéis e mesmo mudar-se de cidade, quando necessário.

Em síntese, pode-se afirmar, novamente em convergência com Villaça37, que o preço da terra apresenta dois componentes principais: um decorrente do seu preço de produção social e um outro derivado do monopólio de sua propriedade. A evolução dos preços da terra mantém, no entanto, uma inter-relação com as condições de reprodução do espaço na cidade, as quais são decorrentes, segundo Carlos,

da produção das condições gerais da reprodução do sistema e dos custos gerados pela aglomeração, pelo grau de crescimento demográfico, pela utilização do solo, pelas políticas de zoneamento ou de reserva territorial e pelas modificações do poder aquisitivo dos habitantes.38

Todavia, é muito importante destacar que essa reprodução geral do espaço urbano possui um vínculo estreito com as práticas sociais das classes de alta renda. Na acepção de Villaça, essas classes se constituem como o principal vetor que estrutura o espaço na cidade, pois ao se instalarem num determinado setor dentro da mesma, atraem para próximo de si a melhor infra-estrutura, uma ampla gama de serviços, bem como investimentos diversos, de caráter privado e público.39 Isso acaba valorizando significativamente essas terras e, por decorrência, influindo, de uma maneira ou de outra, no preço de todos os demais terrenos do espaço urbano.

36

SPÓSITO, E. S. A vida nas cidades. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2004. p. 25.

37

VILLAÇA, op. cit., p. 79.

38

CARLOS, A. F. A. A cidade. op. cit., p. 48.

39

VILLAÇA, op. cit., p. 318-320 passim.

(30)

É evidente que o preço que precisa ser pago para obtenção do direito à propriedade da terra restringe o acesso a determinadas áreas e influi decisivamente em seu modo de ocupação e uso. Tal processo, próprio do modo de produção capitalista, desencadeia e aprofunda na cidade o surgimento de áreas fortemente segregadas socialmente, isto é, separa os indivíduos economicamente, “reproduzindo no espaço, via tendência a ‘arranjos espaciais específicos’ (bairros de diferentes estratos ou classes sociais, ‘condomínios exclusivos’, favelas etc.) a diferenciação social.”40 Esse processo de divisão social do espaço será objeto de uma análise mais pormenorizada na seção a seguir.

2.3.2 A segregação urbana e o surgimento de áreas de uso e ocupação irregular

É impossível se falar em favelas ou em áreas de uso irregular da terra, sem abordar antes o caráter díspar e segregado do espaço e da sociedade urbana e sua natureza, caráter esse verificável, senão em todas, pelo menos numa extensa lista de cidades brasileiras, entre as quais a cidade de Ponta Grossa - como se procurou demonstrar neste trabalho - está incluída.

Já se destacou que em seu processo de perpetuação, as sociedades, ao produzirem a sua existência, produzem também o espaço. Em tal processo são construídos diferentes meios de trabalho, como indústrias, lojas, vias de acesso, entre outros, os quais possibilitam a realização tanto das atividades produtivas e não-produtivas, assim como a reprodução das próprias atividades e das classes sociais. Na fixação das atividades produtivas e não-produtivas e em sua continuidade, o espaço paulatinamente se diferencia, em decorrência da natureza específica de cada atividade, aliada às qualidades locacionais daquele espaço.41

O’Neill nos explica que a fixação diferenciada das atividades no espaço é própria do modo de produção capitalista, o qual “separa e isola as atividades e os indivíduos em funções

40

O’ NEILL, M. M. V. C. Segregação residencial: um estudo de caso. 1983, 182 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1983. p. 34.

41

Ibid. p. 26-27.

(31)

específicas e os projeta no espaço dentro de uma certa racionalidade.” Sendo assim, “as relações sociais, como os meios de trabalho, projetam-se e fixam-se no espaço fragmentando-o e segregandfragmentando-o-fragmentando-o.”42 Na verdade essa disparidade revela a maneira contraditória pela qual se

reproduz o espaço urbano, proveniente das diferenças socioeconômicas existentes entre os distintos grupos sociais. “O uso diferenciado da cidade demonstra que esse espaço se constrói e se reproduz de forma desigual e contraditória. A desigualdade espacial é produto da desigualdade social.”43

Como afirma Santos44, por mais simples que seja a análise das características referentes à distribuição da população no espaço urbano, conforme seus vários estratos, e à distribuição dos serviços públicos, dos tipos de comércio, das amenidades e dos preços, há uma relação bastante próxima entre a localização dos indivíduos e o seu nível social e de renda. À primeira vista, essa posição ocupada pelo indivíduo dentro da escala social terá efeito direto sobre o local que o mesmo ocupará no espaço urbano, à medida que o acesso à terra urbana se dará conforme o maior ou menor poder aquisitivo e político do indivíduo, isto é, conforme a sua possibilidade de transpor as barreiras impostas pela propriedade privada, pagando pela terra para daí realizar a fixação das atividades. Na sociedade capitalista de classes, todavia, é claro que há discrepâncias com relação a tal possibilidade de acesso à terra, decorrentes sobretudo da distribuição desigual de renda no processo de produção geral da sociedade. Com isso, surge e se intensifica na cidade o processo de segregação

sócio-espacial, com as classes sociais tendendo a se distribuir no espaço urbano em determinados

arranjos espaciais que consistem numa correspondência entre o nível social de renda e o preço da terra ocupada.

Castells caracteriza a segregação urbana como sendo, em linhas gerais, “a tendência à organização do espaço em zonas de forte homogeneidade social interna e com intensa

42

Ibid., p. 27.

43

CARLOS, A. F. A. A cidade. op. cit., p. 23.

44

SANTOS, M. O espaço do cidadão. op. cit., p. 83.

(32)

disparidade social entre elas, sendo esta disparidade compreendida não só em termos de diferença, como também de hierarquia.”45

Para Villaça, a segregação é um processo engendrado no interior dos conflitos entre as classes sociais da cidade, tendo como principal força motriz a “luta pela apropriação diferenciada do produto ‘ponto’ ou localização, enquanto valor de uso do espaço produzido ou construído.”46 Notadamente levam vantagem nessa luta os grupos de maior poder econômico e político dentro do espaço urbano, os quais correspondem – salvo eventuais exceções – às classes de alta renda. São esses segmentos sociais que, via de regra, desfrutam das localizações mais privilegiadas, dotadas de melhor infra-estrutura e bens de consumo coletivo, pois essas classes tanto podem pagar por tais bens, escolhendo as áreas da cidade que mais lhe agradem, como também, e principalmente, atrair a instalação dessas melhorias para os locais do espaço urbano nos quais elas se encontram, através da influência que tais classes exercem sobre o mercado imobiliário e sobre o Estado.47

Inversamente, as demais classes que não podem de alguma forma pagar pelos meios de consumo coletivo, ficam com as “sobras” do espaço urbano, ou seja, aquelas áreas deixadas de lado pela população de alto poder aquisitivo. Quase sempre essas áreas correspondem às localizações menos vantajosas no contexto geral da cidade, não por acaso, com infra-estrutura precária ou inexistente e, na maioria das vezes, carentes de serviços básicos como equipamentos de saúde e educação. O’Neill nos lembra, contudo, que tais áreas segregadas apresentam-se em diferentes graus de segregação, diferenciando-se conseqüentemente entre si.48 Assim, para alguns segmentos sociais, as opções de apropriação de uma parcela do espaço se restringem a determinadas áreas periféricas, longe dos meios de

45

CASTELLS, op. cit., p. 250.

46

VILLAÇA, op. cit., p. 357.

47

Ibid., p. 320. Cabe acrescentar que, conforme CORRÊA, R. L. O espaço urbano. op. cit., p. 26-27, o Estado contribui para o desencadeamento da segregação das classes sociais e sua ratificação, na forma de determinados mecanismos que afetam os valores das diversas localizações, como a taxação diferenciada de imposto predial e territorial, que influem nos preços da terra e dos imóveis, além ainda da distribuição desigual dos investimentos públicos e suas conseqüências.

48

O’NEILL, op. cit., p. 39-40.

(33)

consumo e dos locais de emprego da classe trabalhadora, como os precários conjuntos habitacionais criados pelo Estado para atender a demanda habitacional não-solvável. Àqueles grupos sociais que sequer têm esta possibilidade, resta uma única alternativa de moradia: a “invasão” de áreas desocupadas, como é o caso, por exemplo, das favelas.49

Em resumo, o que se quer dizer é que o espaço urbano capitalista se estrutura a partir de relações sociais contraditórias, as quais estratificam a cidade conforme suas classes sociais, por meio da apropriação desse espaço produzido socialmente – e tornado privado pelo mecanismo jurídico da propriedade privada. Em tal processo, aos segmentos da população com menor renda são negados quaisquer meios legais de acesso à terra urbana e à cidade. Na passagem a seguir, Singer resume, em outras palavras, esse processo contraditório:

Em última análise, a cidade capitalista não tem lugar para os pobres. A propriedade privada do solo urbano faz com que a posse de uma renda monetária seja requisito indispensável à ocupação do espaço urbano. Mas o funcionamento normal da economia capitalista não assegura um mínimo de renda a todos. Antes, pelo contrário, este funcionamento tende a manter uma parte da força de trabalho em reserva, o que significa que uma parte correspondente da população não tem meios para pagar pelo direito de ocupar um pedaço do solo urbano. Esta parte da população acaba morando em lugares em que, por alguma razão, os direitos da propriedade privada não vigoram: áreas de propriedade pública, terrenos em inventário, glebas mantidas vazias com fins especulativos, etc., formando as famosas invasões, favelas, mocambos, etc... Quando os direitos da propriedade privada se fazem valer de novo, os moradores das áreas em questão são despejados, dramatizando a contradição entre a marginalidade econômica e a organização capitalista do uso do solo.50

Esta verdadeira “depressão social” que é a segregação sócio-espacial, se mantém e se reforça ao longo da história em virtude da sua funcionalidade ao modo de produção capitalista, afinal tal estruturação sócio-espacial viabiliza e reproduz a dominação social exercida por parte das elites dirigentes no sistema. Na visão de Villaça, é por meio da segregação que essas classes comandam “a apropriação diferenciada dos frutos, das vantagens

49

CARLOS, A. F. A. A cidade. op. cit., p. 48-49.

50

SINGER, op. cit., p. 33-34.

(34)

e dos recursos do espaço urbano.”51 Rodríguez e Arriagada52 assinalam que a segregação se apresenta como um importante mecanismo na reprodução das desigualdades socioeconômicas, à medida que restringe a esfera de interação dos diversos grupos sócio-econômicos e assim danifica a vida comunitária, minando a capacidade de ação coletiva dos mesmos. Corrêa complementa esclarecendo que, antes de qualquer coisa, a segregação representa antes o contrário disso, isto é, viabiliza a reprodução da sociedade de classes e de suas frações, surgindo assim, como um instrumento fundamental para a manutenção do status

quo:

A segregação assim redimensionada aparece com um duplo papel, o de ser um meio de manutenção dos privilégios por parte da classe dominante e o de um meio de controle social por esta mesma classe sobre os outros grupos sociais, especialmente a classe operária e o exército industrial de reserva. Este controle está diretamente vinculado à necessidade de se manter grupos sociais desempenhando papéis que lhe são destinados dentro da divisão social do trabalho, papéis que implicam em relações antagônicas de classe, papéis impostos pela classe dominante, não apenas no presente mas também no futuro, pois se torna necessário que se reproduzam as relações sociais de produção.53

É no contexto dessa segregação social empreendida no espaço urbano, “imposta”, como diz O’Neill54, às classes de menor renda, que surge e cresce a maioria das áreas de uso e ocupação irregular, áreas tais que, em geral, se apresentam como a alternativa mais simples - senão a única - das classes de menor renda, perante a aguda seletividade ao acesso à terra, vigente na cidade capitalista. Vale dizer, no entanto, que também há inúmeras irregularidades no espaço produzido pelos outros estratos sociais, inclusive nas áreas “nobres” da cidade, tal como constatado por Ferreira et al55, em investigação realizada sobre a cidade de Goiânia.

51

VILLAÇA, op. cit., p. 328.

52

RODRÍGUEZ, J.; ARRIAGADA, C. Segregación residencial en la ciudad latinoamericana. Eure, Santiago, v. 29, n. 89, p. 5-24, maio 2004. p. 6 e 19.

53

CORRÊA, R. L. O espaço urbano. op. cit., p. 64.

54

O’NEILL, op. cit., p. 35.

55

FERREIRA, D. F. et al. Impactos sócio-ambientais provocados pelas ocupações irregulares em áreas de

interesse ambiental – Goiânia/GO. Disponível em <www.ucg.br/nupenge/pdf/0004.pdf> Acesso em 18 fev.

2005. p. 6. Esses autores lembram ainda que o próprio Estado, contraditoriamente “patrocina verdadeiros absurdos ao desrespeitar a legislação de forma flagrante, construindo de forma irregular ou mesmo cedendo áreas de interesse da comunidade para organizações diversas.”

(35)

Mas, comumente, são as classes menos favorecidas que mais têm sofrido física e emocionalmente com os efeitos desse fenômeno.

No capítulo seguinte, examinar-se-á mais detalhadamente as características dessas áreas irregulares – enfocando aquelas encontradas no espaço urbano ponta-grossense -, bem como os processos e atores sociais envolvidos em sua constituição.

(36)

3 A EVOLUÇÃO DA IRREGULARIDADE DO USO E DA OCUPAÇÃO DA TERRA URBANA

O processo de urbanização no Brasil tem apresentado, como uma de suas características principais, a proliferação de processos informais de expansão urbana e de ocupação da terra. Milhões de brasileiros só têm conseguido ter acesso à terra urbana, bem como à moradia, por meio de mecanismos e processos irregulares diversos, o que acaba ocasionando, muitas vezes, graves conseqüências socioeconômicas e ambientais.

A produção do espaço urbano se dá dentro das normas ditadas pelo jogo capitalista que, segundo Fernandes, inclui mecanismos segregativos como mercados de terras centrados na especulação imobiliária, além de “sistemas políticos clientelistas e regimes jurídicos elitistas”56, mecanismos esses que têm cerceado o acesso formal à terra urbana, principalmente para os mais pobres, e acelerando assim a ocupação e o uso irregular da terra na cidade.

Tendo em vista tais considerações, o fenômeno do uso e da ocupação irregular da terra na cidade reflete, de modos distintos e muitas vezes simultâneos, as necessidades e os interesses de diferentes atores sociais produtores do espaço urbano. Algumas irregularidades podem meramente representar a busca pela otimização do uso de uma área regularizada, como em certas terras de uso agrícola situadas na cidade, onde se estende o cultivo para dentro das faixas de proteção dos cursos d’água, estabelecidas por lei. Outras áreas irregulares expressam também um outro tipo de obtenção de renda da terra por parte de determinados proprietários fundiários, os quais loteiam e vendem a preços mais acessíveis, áreas sem a sua devida regularização jurídica, terras essas, inclusive, que podem ser não edificáveis perante a legislação vigente. Podem representar também a organização segregativa do espaço urbano empreendida pelo Estado, em aliança com as classes dominantes, a qual se fundamenta

56

FERNANDES, E. Introdução. In: INSTITUTO PÓLIS. Regularização da terra e da moradia: o que é e como implementar. [São Paulo], 2002. p. 12.

(37)

essencialmente em mecanismos jurídicos e padrões urbanísticos que refletem os interesses dessas classes. Mas também, além de simbolizar o injusto mecanismo de reprodução da cidade e da vida urbana, baseado na segregação sócio-espacial e na apropriação diferenciada dos meios de consumo urbanos, representa, ao mesmo tempo, a luta das classes sociais de renda mais reduzida contra tal mecanismo, a luta para também se apropriar de uma parcela do espaço urbano, a luta por um lugar na cidade.

Na seqüência do capítulo será melhor esclarecido o que são áreas de uso e ocupação irregular, bem como a sua natureza e suas características gerais.

3.1 USO E OCUPAÇÃO IRREGULAR DA TERRA: DEFINIÇÃO E CAUSAS GERAIS DE SUA EXPANSÃO

Já se destacou que, para o desempenho das mais diversas atividades dentro do espaço urbano (e também fora dele, vale acrescentar), é necessário se apropriar de uma fração da terra. E no bojo dessa apropriação para realização das atividades, seja de produção ou de consumo, é que se caracteriza a sua ocupação e o seu tipo de uso. É evidente, no entanto, que não são todas as áreas que podem ser ocupadas e/ou utilizadas de qualquer maneira. Há desde locais que são restritos a determinados usos específicos, a outros que, perante a legislação, sequer podem ser ocupados.

Todavia, perante o processo contraditório e excludente pelo qual a cidade é estruturada no bojo do modo de produção capitalista, apoiando-se na propriedade privada, muitas pessoas não têm possibilidades de adquirir um pedaço de terra legalmente no mercado imobiliário. Por outro lado, há também vários locais onde, por razões diversas, são praticados usos que confrontam a normatização do uso e da ocupação urbana, mesmo estando a terra devidamente amparada, em certos casos, pela propriedade jurídica.

(38)

Com base nesse entendimento, pode-se considerar como áreas irregulares com relação ao seu uso e/ou ocupação aquelas localidades que comportam determinadas atividades e

ocupações que infringem o uso determinado pela legislação urbana, além daquelas áreas onde a ocupação não é respaldada por título de propriedade ou por qualquer outra forma legal de cessão da terra urbana.

As causas da expansão dessas áreas irregulares se referem, de uma maneira geral, à incapacidade estrutural, por parte de determinadas classes sociais, de pagar pela posse da terra, assim como à incompatibilidade dos interesses dos diversos segmentos sociais, refletido pelo conjunto jurídico e normativo urbano – elaborado também por, e para determinados segmentos da sociedade, vale dizer, quase sempre as elites.

Oliveira e Chaves argumentam que uma parcela significativa das áreas de uso e ocupação irregular da terra urbana, no Brasil, é desencadeada pelo crescente processo de empobrecimento de parte da população, cujas causas principais são: o “padrão de acumulação historicamente centrado no arrocho salarial; [o] desemprego e [a] precariedade das relações de trabalho; [a] estrutura tributária regressiva; [o] redirecionamento do gasto público e [também] os desníveis educacionais.” Com isso, ocorre uma queda generalizada na capacidade do poder aquisitivo das famílias de comprar ou mesmo alugar imóveis.57

Analisando as irregularidades no plano residencial, Grostein58 argumenta que o seu aumento se expressa tanto pela redução da oferta de loteamentos legalizados como também pelo seu contraponto: a elevação da oferta de loteamentos ilegais. A produção de moradias populares, no entanto, que poderia atenuar significativamente a evolução dessas irregularidades, não encontra respaldo na economia capitalista. Como esclarece Corrêa59, isso

57

OLIVEIRA, N. B. de; CHAVES, T. S. Assentamentos de submoradias, segregação sócio-espacial e condições sócio-ambientais em Juiz de Fora, Minas Gerais – estudo de caso no Alto Santo Antônio. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE GEÓGRAFOS, 7, 2004, Goiânia. Anais... Goiânia, IESA/UFG/AGB, 2004. Disponível em: <http://www.igeo.uerj.br/VICBG-2004/Eixo1/e1%20398.htm>. Acesso em 12 jul. 2005.

58

GROSTEIN, M. D. Metrópole e expansão urbana: a persistência de processos “insustentáveis”. São Paulo em

perspectiva, v. 15, n. 1, p. 13-19, jan./mar. 2001. p. 14. 59

CORRÊA, R. L. O espaço urbano. op. cit., p. 21.

(39)

ocorre porque não há interesse por parte do capital em produzir habitações para as classes populares, em virtude, sobretudo, dos baixos níveis salariais das classes populares, o que, segundo Castells, atrasaria sobremaneira a obtenção de lucros devido ao fato de ser bastante longa a taxa de rotação do capital em tal produção.60 Por vezes, ocorre que o capital imobiliário volta-se preferencialmente para produção à demanda solvável e, num segundo momento, solicita a ajuda do poder público “no sentido de tornar solvável a produção de residências para satisfazer a demanda não-solvável.”61

Frente a essas condições, a busca de outras alternativas à necessidade de moradia pela classe trabalhadora, como afirma Gohn, configura-se como um fator necessário e praticamente inevitável.

A análise histórica nos revela que a questão habitacional das camadas populares não tem sido resolvida no Brasil pelo simples jogo do mercado ou pelas políticas públicas. Trata-se de uma questão estrutural. O modelo de acumulação vigente não oferece alternativa ao trabalhador de arcar com os custos de aquisição ou locação de sua moradia. O próprio trabalhador sabe disso, e procura as soluções alternativas.62

Além disso, Fernandes esclarece que o próprio marco jurídico e urbanístico também tem tido um papel fundamental na disseminação das irregularidades. Diz o autor que “a ausência de leis urbanísticas — ou sua existência baseada em critérios técnicos irreais e sem considerar os impactos socioeconômicos das normas urbanísticas e regras de construção”, tem auxiliado a consolidação da segregação e da ilegalidade, “alimentando as desigualdades provocadas pelo mercado imobiliário.” Existe também certa dificuldade para implementação das leis vigentes, em parte decorrentes, na fala do mesmo autor, da “falta de informação e

60

Explica o referido autor que “a taxa de rotação do capital investido na construção é especialmente longa, devido à lentidão da fabricação, à carestia do produto a ser adquirido, que limita os compradores, e se faz com que se opte pela solução do aluguel, à extensão do prazo de obtenção de lucro.” CASTELLS, op. cit., p. 230.

61

CORRÊA, R. L. O espaço urbano. op. cit., p. 22.

62

GOHN, M. da G. Movimentos sociais e luta pela moradia. São Paulo: Loyola, 1991. p. 165.

(40)

educação jurídicas e ao difícil acesso ao Poder Judiciário para o reconhecimento dos interesses sociais e ambientais”.63 Por fim, acrescenta ainda que

a definição doutrinária e a interpretação jurisprudencial dominantes dos direitos de propriedade, atuando de maneira individualista, sem preocupação com a função social da propriedade [se é que ela existe!], prevista na Constituição, têm resultado em um padrão essencialmente especulativo de crescimento urbano, que combina a segregação social, espacial e ambiental.64

Finalmente, a dinâmica da segregação é, como já se comentou, um dos fatores mais importantes na evolução das irregularidades. As considerações de Fernandes65 nos indicam que é notório que as irregularidades no uso e na ocupação da terra urbana são absolutamente toleradas nas cidades, desde que estejam longe de áreas nobres, não “atrapalhando” a dinâmica da valorização fundiária, e também fora das áreas mais visíveis, onde não possam “denegrir” a imagem da cidade e da administração pública. Assim, nessa reprodução espacial urbana sob a lógica das classes dominantes, as áreas irregulares, sobretudo as favelas, são praticamente esquecidas pelo poder público (ou do capital). Villaça ressalta que comumente a cidade “formal”, apanágio das classes mais favorecidas, passa a ser encarada como a “verdadeira” cidade, devendo receber – e efetivamente recebendo – o maior volume de investimentos e de melhorias por parte da administração pública. Contrariamente, a cidade irregular passa a ser vista como uma “outra” cidade, a periferia, “por mais central que seja sua localização”.66

Evidentemente há ainda outros fatores que auxiliam de uma maneira ou de outra o surgimento e a consolidação de determinadas irregularidades no uso e na ocupação urbana. Alguns desses fatores particulares serão comentados mais adiante, no item 3.5.

63

FERNANDES, op. cit., p. 13.

64

Ibid., p. 12-13.

65

Ibid., p. 13.

66

VILLAÇA, op. cit., p. 326.

Referências

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