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CARLOS EDUARDO SILVA Planejamento urbano e competência da União: a contribuição dos planos urbanísticos da União para o desenvolvimento urbano

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Academic year: 2018

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CARLOS EDUARDO SILVA

Planejamento urbano e competência da União: a contribuição dos

planos urbanísticos da União para o desenvolvimento urbano

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Urbanístico, sob a orientação da Professora Doutora Daniela Campos Libório Di Sarno.

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de prestar uma homenagem às pessoas que, dentro de suas possibilidades, participaram da realização deste trabalho.

Agradeço o apoio, carinho e amor de minha esposa Gabriela, que não só soube compreender a minha ausência, como contribuiu para a conclusão de mais esta etapa de minha via acadêmica.

Agradeço a minha orientadora, a Professora Daniela Campos Libório Di Sarno, pela atenção, incentivo e por todos os ensinamentos jurídicos que proporcionaram a segurança necessária para o desenvolvimento deste trabalho. Sinto-me privilegiado por ter sido seu orientando.

Agradeço ao Ministério Público do Estado de Mato Grosso, na pessoa do Procurador-Geral de Justiça, Dr. Marcelo Ferra de Carvalho, pelo incentivo ao aperfeiçoamento profissional dos promotores e procuradores de justiça, proporcionando os meios necessários para que eu pudesse concluir um mestrado de reconhecida qualidade fora do Estado de Mato Grosso.

Da mesma forma, agradeço aos meus colegas de mestrado que, durante o curso, estimularam discussões e teceram as críticas necessárias sobre vários aspectos do Direito Urbanístico.

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RESUMO

SILVA, Carlos Eduardo. Planejamento urbano e competência da União: a contribuição dos planos urbanísticos da União para o desenvolvimento urbano. São Paulo, 2012. 135 f. Dissertação de Mestrado – Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

A existência de planos urbanísticos de caráter nacional e regionais revela-se fundamental para orientar o uso e a ocupação das terras, num país com dimensões continentais e de alta diversidade ambiental, cultural, social e econômica como o Brasil. A falta de planejamento urbanístico nacional reflete-se na promoção desarticulada de políticas de investimento pela União em obras em determinadas regiões do país, ou mesmo no incentivo à instalação de empresas ou atividades numa localidade, que acabam impactando a infraestrutura e o desenvolvimento dos municípios. A ausência de uma política nacional de ordenação territorial e de desenvolvimento econômico também é sentida, quando se observa a elaboração e a execução de inúmeras políticas setoriais com rebatimento territorial realizadas de forma desarticulada e com sobreposição de atuações entre os entes federativos. Por isso, a Constituição de 1988 direciona à União o papel de coordenar as políticas nacionais e regionais de desenvolvimento com impacto direto no território. Além disso, os planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social são apontados pelo ordenamento jurídico como instrumentos de política urbana. Nessa linha, a União exerce função primordial na implantação de um sistema de planos estruturais, na medida em que os planos territoriais de sua competência possibilitam a integração dos diversos planos, ações e investimentos em infraestrutura e desenvolvimento, entre os níveis de governo, permitindo maior eficiência nas ações administrativas. Desse modo, a omissão na elaboração dos planos urbanísticos de sua competência pode implicar indicação de mora à União (através da ação direta de inconstitucionalidade por omissão) e em repercussões na área da responsabilidade civil e no próprio controle da legalidade de atividades com significativas consequências no âmbito da territorialidade, realizadas num contexto de absoluta falta de planejamento.

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ABSTRACT

SILVA, Carlos Eduardo. Urban planning and the Union government’s competence: the contribution of the Union Government’s urbanistic plans for urban development. São Paulo, 2012. 135 f. Master’s degree dissertation – the Law Faculty – Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

The existence of national and regional urban planning to guide the use and occupation of land has become fundamental in a country such as Brazil with its continental proportions and great diversity of environments, culture and social and economic conditions. The lack of national urban planning is seen in the unarticulated promotion of Union investment policies in public works in a particular region of the country, or even in incentives for the installation of companies and economic activities, that end up impacting on the infrastructure and development of the municipalities. The lack of a national policy on territorial organization and urban development can also be seen when looking at the elaboration and execution of numerous sectorial policies that have territorial impacts and seeing how uncoordinated they are and how they lead to superimposed actions by different Federal organs. For this reason, the 1988 Constitution provides the Union with the role of coordinating national and regional development plans that have direct impact on land territory. As well as this, the national and regional plans for land organization and social and economic development are set out by judicial ordering as an instrument of urban policy. In this sense, the Union plays a fundamental part in the implementation of a system of structural plans, since territorial plans within its ambit allow for the establishment of the integration of a variety of plans, actions and investments in infrastructure and development among the different levels of government, providing greater efficiency in administrative action. This way, the lack of plans within the Federal ambit could imply in the Union suffering a ruling of ‘delayed action’ (by means of a direct lawsuit on the grounds of unconstitutionality for reasons of omission) as well as repercussions in the area of civil responsibility and in the actual control of the legality of activities that have significant consequences within the ambit of land ownership in a context of absolute lack of planning.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...09

1. OS ELEMENTOS FORMADORES DO DIREITO URBANÍSTICO...12

1.1 A concepção de urbanismo...12

1.2 A atividade urbanística...18

1.3 O direito urbanístico...19

1.3.1 Considerações preliminares...19

1.3.2 Objeto do direito urbanístico...22

1.3.3 Princípios do direito urbanístico...24

1.3.4 Perfil constitucional do direito urbanístico...30

2. A DISCRIMINAÇÃO CONSTITUCIONAL DAS COMPETÊNCIAS URBANÍSTICAS...33

2.1 Aspectos gerais do federalismo...33

2.2 O sistema federal brasileiro...37

2.3 Repartição de competências constitucionais...41

2.4 As competências urbanísticas...46

2.4.1 Competências urbanísticas da União...47

2.4.2 Competências urbanísticas dos Estados...49

2.4.3 Competências urbanísticas dos Municípios...50

2.4.4 Competências urbanísticas comuns...51

2.4.5 Normas de competências e os planos urbanísticos...51

3. O PLANEJAMENTO E OS PLANOS URBANÍSTICOS...53

3.1 A formação e desenvolvimento das cidades brasileiras sob o ponto de vista do planejamento urbano...53

3.2 O planejamento como instituto jurídico...58

3.3 A importância conferida ao planejamento pelo direito urbanístico...62

3.4 Plano urbanístico e a sua natureza jurídica...66

3.5 Planejamento urbano e valoração principiológica da Constituição Federal...69

3.6 Visão integrada de planejamento urbano...75

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4. OS PLANOS URBANÍSTICOS DE COMPETÊNCIA DA UNIÃO...84

4.1 Aspectos gerais...84

4.2 Planos urbanísticos e competência do governo central em perspectiva comparada...87

4.3 O plano urbanístico nacional...91

4.4 Os planos urbanísticos regionais...94

4.5 Os planos urbanísticos federais setoriais...95

4.6 A relação dos planos urbanísticos da União com os demais planos urbanísticos...97

5. A REPERCUSSÃO JURÍDICA DO DEVER DE A UNIÃO ELABORAR E EXECUTAR PLANOS URBANÍSTICOS...103

5.1 O dever jurídico da União de planejar e a sua omissão na elaboração dos planos urbanísticos...103

5.2 A eficácia e imperatividade da norma jurídica constitucional...109

5.3 As normas-objetivo e o planejamento urbanístico...115

5.4 A exigibilidade do dever de planejar e os planos urbanísticos da União...117

5.4.1 Omissão legislativa da União na realização do planejamento urbano...118

5.4.2 Estratégias para conferir efetividade aos planos urbanísticos da União...119

CONCLUSÃO...125

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INTRODUÇÃO

O art. 3º da Constituição Federal destaca como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a promoção do bem de todos, a garantia do desenvolvimento nacional e a redução das desigualdades sociais e regionais. O art. 182, por sua vez, dispõe que a política de desenvolvimento urbano tem por objetivo garantir o bem-estar dos habitantes da cidade.

Assim, para o alcance de tais objetivos, é necessário que métodos e estratégias sejam reunidos, para conformar uma atuação planejada.

A noção mais simples que se tem de planejamento é aquela que o diferencia da improvisação. O ordenamento jurídico prevê o planejamento como instrumento para o alcance dos objetivos traçados pelo Estado brasileiro, os quais, justamente em razão da complexidade, necessitam da conjugação de esforços de todos os entes da Federação.

Atualmente, a atividade de planejar está prevista no art. 174 da Constituição Federal de 1988, inserida no capítulo “Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica”, pertencente ao Título VII, “Da Ordem Econômica e Financeira”, como dever-poder do Estado, enquanto agente normativo e regulador da atividade econômica. Referido dispositivo traz em seu bojo que o planejamento será determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

Além da norma citada, a atividade de planejar também aparece, explícita ou implicitamente, em outros dispositivos constitucionais.

O planejamento urbano é espécie de planejamento econômico, mas possui algumas características próprias, fixadas pelo ordenamento jurídico com base na Constituição Federal de 1988. Ele viabiliza-se concretamente por intermédio dos planos urbanísticos, que traduzem juridicamente a técnica utilizada no processo de elaboração do planejamento.

Levando-se em conta a autonomia federativa constitucionalmente assegurada e a necessidade da aplicação de técnicas de planejamento de forma integrada para abranger os distintos entes federativos, é que o planejamento urbano deve ser realizado em nível nacional, regional e local.

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Sem olvidar o destacado papel desenvolvido pela União na realização de políticas setoriais urbanas, há de se ressaltar que a Lei Fundamental direciona a tal unidade federativa a importante tarefa de coordenar as políticas nacionais e regionais de desenvolvimento com impacto direto no território, sendo os planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social apontados pelo ordenamento jurídico como instrumentos de política urbana.

Nesse aspecto, ciente de que a atividade urbanística manifesta-se de maneira mais concreta nos Municípios, o presente trabalho busca analisar os limites e as possibilidades dos planos urbanísticos de competência da União para o desenvolvimento urbano.

Desse modo, foram estabelecidos como objetivos da dissertação a identificação e compreensão das seguintes questões: a) os desafios para a realização de um planejamento urbano que envolva todas as esferas de governo; b) a complexidade técnica das normas dos planos, em especial, dos planos urbanísticos; e c) a emergência de caminhos no campo do Direito para a efetividade dos planos urbanísticos de competência da União..

Além disso, pretende-se destacar as implicações da omissão da União na elaboração e promoção de alguns planos urbanísticos, especialmente quanto ao controle de legalidade de atividades (com significativas repercussões no âmbito da territorialidade e do desenvolvimento urbano) realizadas num contexto de absoluta ausência de planejamento.

Como forma de facilitar a compreensão do tema, o trabalho foi dividido em cinco capítulos, que procuram guardar entre si uma relação concatenada de ideias.

No primeiro capítulo, busca-se reconhecer as características do sistema jurídico relativo à ordem urbanística, especialmente as novas dimensões jurídico-constitucionais da política urbana, concebidas a partir da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2.001).

As normas constitucionais que interessam ao direito urbanístico são abundantes no texto constitucional de 1988, o qual atribui competências legislativas e administrativas aos diversos entes federais.

Por isso, no capítulo segundo é proposta a análise da repartição de competências entre os entes federativos como forma de avaliar as competências urbanísticas atribuídas a cada um deles, notadamente sob o enfoque do planejamento urbano.

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pelo Estatuto da Cidade. Além disso, abordam-se as íntimas conexões e influências recíprocas que se verificam entre a planificação territorial e a planificação econômica.

No quarto capítulo, explicita-se efetivamente o tema da dissertação, ao se buscar a análise da contribuição dos planos urbanísticos de competência da União para o desenvolvimento urbano. Foi necessário, para tanto, discorrer sobre aspectos que poderiam ser tratados no plano urbanístico nacional e nos planos regionais, bem como avaliar a importância deles para a articulação dos planos setoriais e dos planos urbanísticos elaborados pelos demais entes federativos.

O último capítulo desse trabalho dedicou atenção à análise de estratégias para conferir efetividade aos preceitos que estabelecem o dever de a União elaborar os planos urbanísticos de sua competência.

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1. OS ELEMENTOS FORMADORES DO DIREITO URBANÍSTICO

1.1 A concepção de urbanismo

O crescimento das cidades (urbanização) e dos problemas dele decorrentes trouxeram novas exigências espaciais quanto às necessidades atinentes à habitação, infraestrutura e equipamentos urbanos, de modo que a imperiosidade de reorganizar as cidades, subjugadas pelos efeitos devastadores da urbanização, exigiu uma técnica, uma ciência, que se batizou de “urbanismo”.1

Com efeito, no início do século XX, o urbanismo acaba se projetando no Brasil e em diversos países, deixando de se restringir apenas ao desenho urbano e de ser caracterizado como mero prolongamento da arquitetura, muito embora, nesta época, se deparasse com as limitações impostas pelo Estado Liberal, principalmente no que tange à concepção da propriedade como direito absoluto.

Nessa linha, as transformações socioeconômicas acarretadas por diversos fatores, destacadamente a Revolução Industrial e a ampliação demográfica das cidades, levaram, paulatinamente, à consolidação do urbanismo como disciplina autônoma dedicada ao estudo da complexidade estrutural e morfológica das cidades, assim como dos problemas a elas correlatos.2

A busca da ordenação do espaço urbano é que proporcionou o desenvolvimento do urbanismo. Cabe destacar que o crescimento da população urbana, as influências recíprocas havidas entre as atividades desenvolvidas no perímetro urbano e na zona rural e os impactos ambientais causados pelas ocupações humanas expandiram as preocupações do urbanismo.

É o que afirma José Afonso da Silva:

Em tais condições, cabe reconhecer que a cidade não é uma entidade com vida própria, independente e separada do território sobre o qual se levanta. Pelo contrário, insere-se nele como em um tecido coerente cuja estruturação e

1 A propósito, foi na França, em 1907, que se convencionou chamar de urbanismo a ciência que tratava dos

assentamentos urbanos, sendo os anos subsequentes marcados pela criação de instituições a ela dedicados, como a Societé Française des Urbanistes, no ano de 1913. Cf. COSTA, Carlos Magno Miqueri da. Direito urbanístico comparado: planejamento urbano – das constituições aos tribunais luso-brasileiros. Curitiba: Juruá, 2009, p. 52.

2 Cf. SICA, Paolo.

História del Urbanismo – El Siglo XX. Traducción de Joaquín Hernández Orozco. Instituto de

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funcionamento resultam inseparáveis da cidade moderna. O objeto do urbanismo amplia-se, desse modo, até incluir não somente a cidade, mas todo o território, tanto o setor urbano como o rural.3

A noção de complementaridade entre as atividades urbanas e rurais, numa visão integrada da cidade, delimita melhor o objeto do urbanismo. Como as normas que compõem o direito urbanístico têm como principal fonte material as regras e técnicas do urbanismo, o âmbito da política urbana deve levar em conta tais características.

Nesse sentido, assim se manifesta Carlos Ari Sundfeld:

Tem-se discutido se as áreas rurais são ou não alcançadas pela regulação do direito urbanístico; pergunta a que os especialistas vêm dando resposta enfaticamente positiva, baseados em uma visão integrada da cidade (visão, essa, aliás, acolhida pelo art. 40, § 2º, do Estatuto da Cidade, segundo o qual o plano diretor municipal “deverá englobar o território do Município com um todo”). É preciso, porém, algum cuidado com as simplificações. A Constituição isola, em capítulos separados, a política urbana (arts. 182-183) e a política fundiária (arts. 184-191), esta última ligada ao problema social da distribuição das terras (reforma agrária) e de sua exploração econômica. Assim, o direito agrário é efetivamente um limite do direito urbanístico, pois a política urbana não pode tomar para si definições que são próprias da política fundiária (agrária). Mas isso não quer dizer que o direito urbanístico seja alheio ao meio rural, pois a ele cabe a disciplina (a) da passagem de uma área da zona rural para a zona urbana (segundo o art. 182, § 1º, da CF, cabe ao plano diretor municipal fixar a “política de expansão urbana”), (b) da proteção dos recursos naturais necessários ao desenvolvimento da cidade como um todo (como as águas e o ar), independentemente da zona em que situados, (c) das relações em geral entre o meio rural e o meio urbano e (d) das questões espaciais do meio rural, naquilo que não esteja diretamente vinculado à política agrária.4

Em tais condições, cabe ainda reconhecer que o urbanismo objetiva não só a organização dos espaços habitáveis, como também as áreas de preservação permanente, os parques ecológicos, as reservas ambientais etc, inseridos no contexto urbano ou com forte

3 SILVA, José Afonso da.

Direito urbanístico brasileiro. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 31.

4 SUNDFELD, Carlos Ari. O Estatuto da cidade e suas diretrizes gerais. DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ,

Sérgio (coord.). Estatuto da Cidade: Comentários à Lei Federal 10.257/2001. 2. ed. São Paulo: Malheiros

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influência na qualidade de vida da população urbana, que devem ser preservados com a aplicação de normas urbanísticas cientificamente corretas, pois é necessário definir como o homem deve se portar em relação a elas, ordenando e limitando as formas de ocupação e intervenção urbana nesses espaços.

Por isso, hodiernamente, o urbanismo tem uma natureza polissêmica, já que comporta uma pluralidade de sentidos. Dessa forma, ele pode ser analisado como fato social, como técnica, como ciência e como política5, mas sempre voltado à prevenção, ao controle e à correção dos problemas causados pela urbanização.

Pautado nessa observação, o urbanismo, como fato social, analisa o fenômeno secular da criação e do desenvolvimento dos núcleos populacionais, buscando a criação de técnicas e regras de adaptação do homem ao espaço natural, o que implica consciência coletiva de preparação do espaço comum de um determinado núcleo populacional.

Além disso, a cidade é uma invenção humana. Aliás, a maior e a mais bem sucedida das invenções. Com ela surge a Civilização. Como invenção, a cidade é um objeto artificial, isto é, construído pelo homem, e como objetos construídos as cidades guardam uma dimensão técnica que lhes é inalienável. Assim, as cidades não podem prescindir da técnica, em especial da Ciência do Urbanismo.

Para Leonardo Benevolo, o urbanismo, como técnica e ciência interdisciplinar que é, correlaciona-se com a cidade industrial, como instrumento de correção dos desequilíbrios urbanos, nascidos da urbanização e agravados com a chamada “explosão urbana” do nosso tempo. Segundo o autor, as tentativas para corrigir os males da cidade industrial cristalizaram-se em torno de duas posições extremas: uma que se opunha à cidade existente, propugnando por formas novas de convivência social (corrente qualificada pelo autor como de utopista, que trouxe contribuições importantes para o urbanismo contemporâneo, como os conceitos de zoneamento, áreas verdes, espaços livres, taxa de ocupação e coeficiente de aproveitamento do terreno, recuos, afastamentos e gabaritos, tendo como expoentes Owen, Saint-Simon, Fourier, Cabet e Godin); outra posição que se propunha a resolver, separadamente, os problemas, remediando isoladamente os inconvenientes, sem levar em conta as conexões e sem uma visão global do novo organismo urbano, nesta ligando-se especialistas e funcionários que introduzem regulamentos sanitários e ligando-serviços administrativos, mediante a utilização de instrumentos urbanísticos técnicos e jurídicos, que

5Cf. CORREIA. Fernando Alves.

Manual de direito do urbanismo. Vol. I. 4. ed. Almedina: Coimbra, 2008, p.

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permitiram realizar transformações no meio urbano, dando origem à legislação urbanística moderna. A essa época, grande parte das infraestruturas urbanas do solo (ruas, estradas, pontes, canais, portos) devia-se à iniciativa privada, mas a evolução impôs ao Estado a prestação desses serviços urbanísticos, especialmente no referente aos serviços sanitários, até a renovação de Paris por obras de Hausmann, que embelezou a cidade.6

Como se vê, o termo “urbanismo” aparece utilizado também como sinônimo de técnica de criação, desenvolvimento e reforma das cidades. As técnicas urbanísticas não foram as mesmas ao longo dos tempos, tendo como causas a evolução das correntes de arquitetura, das técnicas de construção e as próprias concepções político-ideológicas.

Por outro lado, nas sociedades de fato democráticas, a cidade é um objeto que não tem um só dono e nem é construída por uma só pessoa. A cidade tem milhares de donos e construtores, seus cidadãos, cada qual com direitos sobre ela. A compatibilização desses direitos reforça o imperativo das técnicas do planejamento urbano e do urbanismo, mas, também, determina para as cidades outra dimensão, do mesmo modo inalienável, que é a dimensão política.

Para a cidade, a técnica e a política são sustentáculos em favor do bem-estar da população. Nem a técnica pode determinar sozinha, nem a política pode decidir sozinha, pois, assim, a sociedade abre mão dos avanços técnico-científicos imprescindíveis à construção da cidade, abrindo caminho ao caos urbano.

Desse modo, a visão do urbanismo, como política, parte do pressuposto que as decisões sobre as cidades devem ser decididas democraticamente. Só que essas decisões devem ocorrer sobre alternativas pautadas por meio de normas técnicas de planejamento e construção ditadas pela Ciência do Urbanismo.

Além disso, o urbanismo também é exercido por normas jurídicas de conduta social, exigidas e impostas pelo ordenamento legal vigente, já que a ordenação dos espaços, das ruas, das construções, e as exigências do fazer ou não-fazer para conseguir articular a cidade, se desenvolvem por meio de medidas estatais, dada a proporção de intervenções que têm de haver no domínio privado.

Nesse sentido, necessária a transcrição do entendimento de José Afonso da Silva sobre a concepção de urbanismo:

6 Cf. BENEVOLO, Leonardo.

Aux Sources de l’Urbanisme Moderne. Trad. de André e Frances Decamps. Paris,

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Concebeu-se “urbanismo”, inicialmente, como arte de embelezar a cidade. Esse conceito, porém, evoluiu no sentido social, tanto quanto evoluíra o conceito de “cidade”, que tende a expandir-se além do perímetro urbano. Assim concebido, o urbanismo é uma ciência, uma técnica e uma arte ao mesmo tempo, cujo objetivo é a organização do espaço urbano visando ao bem-estar coletivo – através de uma legislação, de um planejamento e da execução de obras públicas que permitam o desempenho harmônico e progressivo das funções urbanas elementares: habitação, trabalho, recreação do corpo e do espírito, circulação no espaço urbano.7

Essa concepção formara-se nos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (CIAM), consolidando-se na Carta de Atenas, em 1933, na qual se formularam as funções fundamentais do urbanismo: habitação, trabalho, recreação e lazer.

As visões da Carta de Atenas (1933) influenciaram profundamente as cidades. A proposição da cidade funcional como crítica às cidades tradicionais definia funções básicas, em contraponto à considerada obsolescência do tecido urbano existente.

Embora a primeira versão desse documento tenha dado ensejo a projetos urbanísticos de setorização e separação das atividades de habitar, circular, habitar e recrear, as últimas versões da Carta de Atenas já incorporaram novos valores, como o do desenvolvimento sustentável.

Aliás, ao assentar as funções do urbanismo, a Carta de Atenas expressa a convicção de que, nas cidades, o equilíbrio é possível – e, por isso, necessário. Deve-se buscar o equilíbrio das várias funções entre si (moradia, trabalho, lazer, circulação etc.), de modo que seja assegurada ao homem moradia saudável, isto é, local onde o espaço, o ar puro e o sol (condições essenciais da natureza) lhe sejam largamente assegurados. Da mesma forma, o urbanismo deve organizar o local de trabalho, de maneira que, em vez de ser uma sujeição penosa, ele retome seu caráter de atividade humana natural. Além disso, o lazer, com técnicas e políticas que assegurem as instalações necessárias à boa utilização das horas livres, também é foco de preocupação do urbanismo. E, por último, há de se estabelecer o contato entre essas diversas funções mediante uma rede circulatória voltada ao bem-estar da população, consistente na abertura de avenidas, vias, ciclovias etc.

De uma forma ou de outra, cabe a advertência feita por Rafael Augusto Silva Domingues, no sentido de que não se pode deixar de considerar que a Carta de Atenas (vista pela dogmática jurídica como postulado do Direito Urbanístico) foi produzida a partir

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de uma concepção filosófica (movimento modernista) que não necessariamente reflete os contornos do atual ordenamento jurídico brasileiro. Nesse contexto, explica o autor:

É possível perceber já aqui, como fruto dos novos valores constitucionais, que o próprio Estatuto da Cidade concretiza, já contempla outras funções das cidades não previstas na “Carta de Atenas”, a exemplo do direito ao saneamento ambiental, que concretiza a proteção constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225).8

Assim, para o autor, projetos futuristas, concebidos a partir do pensamento filosófico modernista, com suas divisões em setores administrativo, residencial e comercial, etc., não se sustentam, sob o ponto de vista jurídico, se não observarem as funções sociais da cidade tal como foram eleitas pelo atual ordenamento jurídico brasileiro.9

A concepção de urbanismo teve ainda várias contribuições advindas de construções teóricas formuladas na década de 60 por Henri Lefebvre e de agendas políticas de reforma urbana estabelecidas por segmentos da sociedade civil nos anos 80. A caminhada segue com os diálogos realizados nos anos 90 entre ativistas de direitos humanos, ambientalistas, organizações não governamentais, movimentos populares urbanos, autoridades nacionais e organismos internacionais nas Conferências Globais das Nações Unidas como a do Meio Ambiente, em 1992, na cidade do Rio de Janeiro, e a dos Assentamentos Humanos (Habitat II), no ano de 1996, na cidade de Istambul, nas quais foram introduzidos componentes, respectivamente na Agenda 21 Global e na Agenda Habitat (documentos oficiais destas conferências), que se traduzem em pautas irrenunciáveis na implementação de uma política de desenvolvimento urbano, como é o caso, por exemplo, da sustentabilidade ambiental, da gestão democrática da cidade e do direito à moradia.10

Dito isso, é certo que o urbanismo e o meio ambiente não podem ser mais vistos como duas entidades díspares e conflitantes. Portanto, parte-se de uma visão urbanística integrada ao meio ambiente, fortalecendo a ideia de que os temas “desenvolvimento urbano” e “meio ambiente” designam fenômenos interdependentes. Por isso, a visão de urbanismo engloba atualmente a busca de um desenvolvimento urbano mais sustentável, com a previsão

8 DOMINGUES, Rafael Augusto Silva.

A competência dos estados-membros no direito urbanístico – limites da autonomia municipal. Belo Horizonte: Editora Forum, 2010, p. 32.

9 Ibidem.

10 Cf. SAULE JÚNIOR, Nelson. A relevância do direito à cidade na construção de cidades justas, democráticas e

sustentáveis. In: SAULE JÚNIOR, Nelson (org.). Direito Urbanístico: Vias jurídicas das políticas urbanas.

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de mecanismos que assegurem a participação dos habitantes na gestão das cidades, para que todos tenham um padrão de vida digno mediante o acesso a uma moradia adequada, ao trabalho, ao lazer e ao meio ambiente equilibrado.

1.2 A atividade urbanística

A atividade urbanística consiste na ação destinada a realizar os fins do urbanismo. Ou seja, ela se consubstancia nas intervenções do Poder Público com o objetivo de organizar o espaço urbano e as áreas que, de alguma forma, interfiram na qualidade de vida da população urbana.

Para José Afonso da Silva a atividade urbanística compreende momentos distintos que se acham ligados entre si e em recíproca dependência, tendo por objeto: a) o planejamento urbanístico; b) a ordenação do solo; c) a ordenação urbanística de áreas de interesse especial; d) a ordenação urbanística da atividade de edificar; e e) os instrumentos de intervenção urbanística.11

Como se nota, a atividade urbanística pressupõe a realização de adequado planejamento, pois quem impulsiona e exerce essa ação de ordenação precisa ter consciência do que quer alcançar com tal influxo, tendo uma ideia clara do que seja desejável para o lugar ou território em questão, mas também do que, razoavelmente, pode conseguir com os meios de que dispõem.12

Há de se acrescentar que nenhuma política pública específica pode existir isoladamente, devendo coordenar-se com a política geral do Estado e com as inúmeras setoriais (transportes, saneamento, energia, agrária etc.), como vem delineado em vários preceitos constitucionais, como os dos arts. 174, § 1º, 21, IX e XX e 182.

Nesse sentido, Carlos Ari Sundfeld destaca que “um dos aspectos da política urbana é o da sua “coordenação externa”, isto é, a definição dos modos pelos quais se compatibilizará com as demais políticas”. Ainda, de acordo com o autor, a Constituição é que viabiliza essa coordenação, através de um sistema de racionalidade decisória, em que as normas e decisões em matéria urbanística têm sua validade condicionada ao respeito a normas e decisões de maior abrangência, tanto no sentido territorial (a política espacial da cidade deve compatibilizar-se com a política nacional de ordenação do território) como temático (a política espacial da cidade deve compatibilizar-se com a genérica política de

11 Cf. SILVA, José Afonso da.

Direito urbanístico brasileiro, p. 31-32.

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desenvolvimento). Indo mais longe, o autor afirma que “a Constituição Federal de 1988 fez do planejamento o grande instrumento do direito urbanístico, articulando competências federais, estaduais e municipais”. 13

Como desdobramento e complemento do planejamento urbano (plano), vem a ordenação do solo, com a disciplina pertinente ao uso e ocupação dos espaços habitáveis, o que exige instrumentos de intervenção urbanística destinados a possibilitar a execução do plano e a ordenação do solo (como é o caso, por exemplo, da expropriação para fins urbanísticos, aumento da tributação territorial sobre lotes etc.).

Outro momento importante da atividade urbanística é a preservação do meio ambiente e cultural, com a ordenação de áreas de interesse especial (interesse ambiental, histórico-cultural, turístico etc.), bem como a clássica atividade de controle das edificações, com a análise dos projetos de edificação (avaliação da compatibilidade com o plano e as regras de uso e ocupação do solo).

A atividade urbanística, por implicar intervenção na propriedade privada e na vida econômica e social das cidades, deve contar com aparato legal para o alcance dos objetivos propostos pelo Poder Público, desenvolvendo-se nos estritos limites jurídicos. Assim, a atividade urbanística está sujeita ao princípio da legalidade, vez que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (CF, art. 5º, II), perfazendo-se através de normas jurídicas que constituem o objeto do direito urbanístico.

1.3 O direito urbanístico

1.3.1 Considerações preliminares

A necessidade de uma convivência ordenada impõe-se como condição para a subsistência da sociedade. O direito corresponde a essa exigência ordenando as relações sociais através de normas obrigatórias de organização e comportamento humano.

Não por outro motivo, André Franco Montoro define o direito como sendo uma ciência normativa, humana, moral cuja finalidade específica é ordenar a conduta social dos homens, no sentido da justiça.14

13 SUNDFELD Carlos Ari.

O Estatuto da cidade e suas diretrizes gerais, p. 50-51.

14 MONTORO, André Franco.

Introdução à ciência do direito. 25. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999,

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Aliás, há de se registrar que a cidade, como espaço da vida humana em sociedade, é o ambiente interpessoal de comportamentos que provocou a existência de regras de convivência social, das mais simples às mais complexas.

Nesse contexto, as regras de cunho urbanístico surgiram com a necessidade de organizar a convivência entre pessoas que se fixavam em uma mesma localidade. Observa-se, ainda, que o desenvolvimento de normas com conteúdo de ordenação do espaço urbano ocorreu paralelamente ao fortalecimento da postura interventora do Estado na organização espacial das cidades, acompanhando as transformações que se vinham processando na esfera do direito de propriedade, especialmente no início do século XX.

Ocorre que o direito é um produto histórico, reflexo da evolução da sociedade. Ou, mais que isso, seu caráter de historicidade é fundamental para o manuseio de seus institutos e conceitos principais. Assim, ao mesmo tempo em que se veem novos direitos emergindo, direitos preexistentes sofrem renovações frequentes.

Com a recente positivação de alguns direitos difusos, antigos direitos têm seu conteúdo revisto e readaptado à realidade emergente. O atual perfil do direito urbanístico, por exemplo, é fruto da redefinição do direito de propriedade e da incorporação de novos valores ao ordenamento jurídico.

Nesse aspecto, como fenômeno social, o direito não pode ser entendido como mera abstração, não é invariável, nem intocável, pois evolui com a sociedade.

Aliás, o fenômeno da normatização dos direitos fundamentais é explicado por Bobbio da seguinte maneira:

uma passagem da consideração do indivíduo humano uti singulus, que foi o primeiro sujeito ao qual se atribuíram direitos naturais (ou morais) – em outras palavras, da ‘pessoa’ -, para sujeitos diferentes do indivíduo, como a família, as minorias étnicas e religiosas, toda a humanidade em seu conjunto (como no atual debate, entre filósofos da moral, sobre o direito dos pósteros à sobrevivência); e, além dos indivíduos humanos considerados singularmente ou nas diversas comunidades reais ou ideais que os representam, até mesmo para sujeitos diferentes dos homens, como os animais.15

15 BOBBIO, Norberto.

(21)

Segundo o autor, a multiplicação dos direitos ocorreu por um aumento na quantidade de bens a serem protegidos pelo direito, assim como na quantidade de sujeitos e de status do indivíduo.

E esse cenário trouxe mudanças ao urbanismo, pois, atualmente, a atividade urbanística se faz cada vez mais necessária, implicando o surgimento de normas jurídicas para regulá-la e fundamentar a intervenção no domínio privado, constituindo o que a teoria jurídica denomina de “direito urbanístico”, em seu sentido objetivo.

A propósito, José Afonso da Silva aponta que o direito urbanístico pode ser analisado sob dois aspectos: “(a) o direito urbanístico objetivo, que consiste no conjunto de normas jurídicas reguladoras da atividade do Poder Público destinado a ordenar os espaços habitáveis – o que equivale a dizer: conjunto de normas jurídicas reguladoras da atividade urbanística; (b) o direito urbanístico como ciência, que busca o conhecimento sistematizado daquelas normas e princípios reguladores da atividade urbanística”. 16

Nota-se, assim, que o autor faz uma correta distinção entre ciência do direito e direito positivo em si, definindo o campo de atuação de cada qual, para a análise do direito urbanístico.17

Como se pode perceber, o direito urbanístico é fruto da evolução dos direitos e seu conteúdo constitucional identifica-o como um direito de natureza difusa. É um produto histórico, complexo, que não se compatibiliza tão somente com as esparsas ordenações da atividade edilícia previstas em legislações municipais, como era o cenário anterior à Lei Federal n. 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) e à Constituição de 1988.

Além disso, mergulhado na complexidade de um mundo globalizado, pode-se afirmar que o direito urbanístico atual sofre um processo de redefinição de pode-seus conceitos e de suas práticas, em que a interação com outras disciplinas passa a fazer parte do seu núcleo teórico e serve de fundamento para a sua aplicação, aflorando-se preocupações do urbanismo voltadas à qualidade de vida, à proteção do patrimônio natural, histórico, paisagístico e cultural, e à participação da sociedade na definição dos destinos da cidade.

16 SILVA, José Afonso da.

Direito urbanístico brasileiro, p. 37.

17 Na lição de Paulo de Barros Carvalho “o Direito positivo é o complexo de normas jurídicas válidas num dado

país. À Ciência do Direito cabe descrever esse enredo normativo, ordenando-o, declarando sua hierarquia, exibindo as formas lógicas que governam o entrelaçamento das várias unidades do sistema e oferecendo seus conteúdos de significação”. Mais adiante conclui o autor que “o direito posto é uma linguagem prescritiva (prescreve comportamentos), enquanto a Ciência do Direito é um discurso descritivo (descreve normas jurídicas)” (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, 18. ed. São Paulo, Saraiva, 2007, p.

(22)

1.3.2 Objeto do direito urbanístico

Com efeito, a partir de um enfoque dogmático-normativo, tem-se como objeto do direito urbanístico a legislação constitucional e infraconstitucional que interfere, direta e indiretamente, na qualidade de vida da população (especialmente a urbana), abrangendo o ordenamento físico ou territorial e as atividades econômico-sociais.

Essa estrutura normativa do urbanismo (atividade urbanística) inclui o planejamento, a ordenação do solo, a ordenação urbanística de áreas de interesse especial, a ordenação urbanística da atividade edilícia, e os sistemas de elaboração, gestão e de fiscalização da atividade urbanística.

Como complementação, é importante destacar que a própria Constituição prevê duas espécies de competência na matéria de urbanismo, quais sejam, a competência legislativa e a competência material. Aquela se dá através da expedição de atos genéricos e abstratos, ou seja, de normas jurídicas, enquanto nesta se identificam atos concretos de efeitos imediatos, ou seja, atos jurídicos urbanísticos.

Justamente por isso, a função urbanística ocorre também através da prática de atos materiais (de execução), podendo-se concluir que o direito urbanístico não tem como objeto apenas as normas jurídicas, mas, também, os atos e fatos jurídicos urbanísticos.

A propósito, José Afonso da Silva propõe uma classificação de atos e fatos jurídicos urbanísticos da seguinte forma: a) atos urbanísticos procedimentais, que são os que se ordenam num procedimento urbanístico, como os atos integrantes, por exemplo, de um plano de reurbanização; b) atos urbanísticos isolados, aqueles que não se inserem num procedimento, como um decreto que, de acordo com a lei, fixa as zonas de uso ou estabelece os limites da zona urbana; os atos de aprovação de um plano de arruamento ou de loteamento; um certificado de uso do solo; um alvará de licença para construir; o “habite-se”; c) fatos urbanísticos operacionais, que são aqueles que, num conjunto sucessivo, integram as operações materiais de execução de procedimento urbanístico, como os de execução de um plano de reurbanização; d) fatos urbanísticos isolados, como a abertura de uma rua ou seu fechamento, seu alargamento, seu estreitamento, seu rebaixamento ou sua elevação, com interferência no nivelamento ou no alinhamento dos imóveis privados.18

Nessa linha, o direito urbanístico abrange, de forma ampla, não só as intervenções e atividades urbanísticas, mas todo o referencial contido, implícita ou

18 Cf. SILVA, José Afonso da.

(23)

explicitamente, nos fenômenos urbanos, o que amplia consideravelmente a concepção tradicional de tal ramo do direito, mais vinculada às intervenções e ao planejamento.19

Como consequência, a nova ordem jurídico-urbanística permite a devida disciplina e o controle jurídico dos processos de uso, ocupação, parcelamento e desenvolvimento urbano, tendo como objeto as normas referentes ao planejamento urbano, ao direito à moradia, à preservação ambiental, à captura das mais-valias urbanísticas, à regularização fundiária de assentamentos informais consolidados, entre outras.

É possível perceber, desde já, que o direito urbanístico atrai para seu âmbito de incidência alguns bens juridicamente protegidos por outros ramos do direito, como o direito de propriedade e a proteção ambiental nos núcleos urbanos.

De fato, é de interesse do direito urbanístico a análise da propriedade urbana sob o ponto de vista do cumprimento da sua função social (uso da propriedade de acordo com o ordenamento do solo determinando pelo plano diretor de cada cidade), bem como de sua função ambiental (elementos e aspectos ambientais inseridos territorialmente na vida urbana). Assim, o direito urbanístico tem como preocupação principal a ocupação dos espaços habitáveis e, nesse sentido, criou medidas específicas para que essa ocupação se dê da forma mais adequada e saudável possível.

É o que assinala Daniela Campos Libório Di Sarno:

A inserção do meio ambiente natural no Direito Urbanístico ocorre pela proteção ao meio ambiente natural inserido no contexto urbano. Essa proteção pode se dar isolando-o, permitindo acesso com uso limitado, proibindo o uso ou acesso e até estimulando o uso ou acesso adequados, com delimitação por norma jurídica que proteja e resguarde certo aspecto ou o todo.20

Tal dificuldade de situar o direito urbanístico dentro da Ciência Jurídica reside, exatamente, na peculiar natureza de que se revestem as normas urbanísticas. Disciplinando a ordenação dos espaços habitáveis, as normas urbanísticas vão interferir – de forma mais ou menos acentuada – no direito ambiental.

Nesse sentido, há uma nítida intersecção da matéria ambiental perante o direito urbanístico na proteção ao meio ambiente natural inserido no contexto urbano e que

19 Cf. OLIVEIRA FILHO, João Telmo.

A participação popular no planejamento urbano. A experiência do plano

diretor de Porto Alegre/2009. Tese (doutorado) Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Programa de Pós-graduação em Planejamento Urbano e Regional, 2009, p. 88.

20 DI SARNO, Daniela Campos Libório.

(24)

repercute, por exemplo, na questão da competência para legislar sobre questões ambientais e urbanísticas.

Nesse contexto, o decreto estadual n. 2.283/2009, que regulamenta a Lei n. 8.588/06, do Estado de Mato Grosso,21determina os limites para a utilização de defensivos, estabelecendo que as aplicações terrestres de agrotóxicos devem ser realizadas respeitando a distância mínima de 300 metros de povoações, cidades, vilas, bairros e de mananciais para a captação de água para abastecimento da população (art. 46). Acontece que alguns planos diretores de municípios inseridos em regiões agrícolas do estado estabelecem limites maiores, o que gera alguns questionamentos sobre a constitucionalidade de tais dispositivos, haja vista o disposto no § 2º, do art. 24 da CF, que estabelece a competência suplementar dos Estados-membros (competência concorrente) para legislar na proteção do meio ambiente e da saúde. Essa exegese há de ser vista com parcimônia, pois a questão ora em comento deve ser tratada por normas urbanísticas, já que tais atividades repercutem diretamente na qualidade de vida da população urbana, caso sejam realizadas muito próximas às cidades. A competência dos municípios para tratar do assunto, através de normas urbanísticas, decorre não apenas do interesse local estampado no art. 30, inciso I, mas especialmente do art. 182 da CF. Assim, não se vislumbra óbices para que o plano diretor disponha sobre limites para a realização da atividade em tela tendo como objetivo proteger a qualidade de vida da população local.

À luz dessas considerações, pode-se afirmar que o direito urbanístico como ramo do direito público tem por objeto normas e atos que visam a harmonização das funções do meio ambiente urbano, na busca da qualidade de vida da coletividade.

Cumpre ressaltar que o direito urbanístico começa a ter seus próprios princípios jurídicos, resultado de uma especialização da matéria, o que sinaliza sua autonomia em relação aos demais ramos do Direito.

1.3.3 Princípios do direito urbanístico

Conforme enfatiza Celso Antônio Bandeira de Mello “diz-se que há uma disciplina jurídica autônoma quando corresponde a um conjunto sistematizado de princípios e regras que lhe dão identidade, diferenciando-a das demais ramificações do Direito”.22

21Disponível em: <htpp://www.sema.mt.gov.br/index.php?option=com_docman&Itemid=173>. Acesso em: 11

nov. 2011.

22 MELLO, Celso Antônio Bandeira de.

Curso de direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.

(25)

Por certo, só há de falar em direito urbanístico no pressuposto de que existam princípios que lhe são peculiares e que guardem entre si uma relação lógica de coerência e unidade. Ou seja, o direito urbanístico como dogmática busca, por meio de sua aplicação, proteger determinados bens, interesses e valores considerados relevantes para uma dada sociedade, dotada em seu cerne de opções ideológicas, éticas e estruturais próprias de um determinado modelo de Estado. Isso só é possível graças a um sistema firmado em princípios.

Os princípios são viabilizados por meio de regras. Enquanto os princípios expressam valores que informam o sistema jurídico, dotados, portanto, de abstratividade, as regras buscam assegurar concretude ao sistema, criando mecanismos que assegurem observância e aplicação à valoração eleita.

Nas palavras de Gomes Canotilho, “os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionamentos fácticos e jurídicos; as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência (impõem, permitem ou proíbem), que é ou não é cumprida (nos termos de Dworkin: applicable in all-or-nothing fashion); a convivência dos princípios é conflitual (Zagrebelsky), a convivência das regras é antinómica; os princípios coexistem, as regras antinómicas excluem-se”.23

Desse modo, o conflito normativo, as antinomias, ocorrem entre regras, não entre princípios. E os princípios atuam como núcleo informador do sistema, orientando o ordenamento jurídico.

O direito urbanístico, como disciplina recente, ainda ressente-se do pouco desenvolvimento dos seus conceitos e institutos. Nesse sentido, ligada à problemática de sua autonomia, tem-se a relativa à identificação de seus princípios específicos.24

Cabe ressaltar, ainda, que a legislação disciplinadora do urbanismo no Brasil é escassa, esparsa e pouco didática, o que dificulta extração de princípios informadores dessa matéria.

Com efeito, indicar os princípios da legalidade, da supremacia do interesse público, da moralidade, da publicidade, entre tantos outros, segundo Daniela Campos Libório Di Sarno, “faz com que todas as normas de Direito Público sejam produzidas e executadas nas

23 CANOTILHO, José Joaquim Gomes.

Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra,

Almedina, 2003, p. 1.161.

24 O direito urbanístico desenvolveu-se mais em países que já tinham tradição no tocante à ação governamental

(26)

mesmas conformidades, dando segurança jurídica ao Estado e à sociedade”. Porém, complementa a autora, “não especializa o tratamento a ser dado para certa matéria”, ou seja, não contribui para atribuir autonomia à matéria enfocada.25

Mesmo entre os autores de países cuja legislação urbanística é objeto de estudo há considerável tempo, são poucos os que se aventuraram a apontar tais princípios.

José Afonso da Silva, por exemplo, utiliza-se das lições do espanhol Antônio Carceller Fernandez para indicar como princípios de direito urbanístico a função pública, a conformação da propriedade urbana, a coesão dinâmica das normas urbanísticas, a afetação das mais-valias ao custo da urbanificação, e a justa distribuição dos benefícios e ônus derivados da atuação urbanística.26

É imperioso ressaltar que as considerações sobre o tema feitas por José Afonso da Silva conseguem realmente extrair vários princípios específicos do direito urbanístico, deixando à margem de suas instruções princípios gerais aplicáveis a todos os ramos da Ciência Jurídica, de forma coerente com o panorama trazido ao disciplinamento das questões urbanísticas pela Constituição de 1.988 e pela Lei 10.257/2.001.

Assim, prefacialmente, há de se identificar o conceito de função pública. Tal princípio indica que a atividade urbanística é um “poder-dever” (não uma mera faculdade) e como tal deve ser exercido fundamentalmente pelo Poder Público, que se encontra respaldado na própria estrutura apontada pela Constituição Federal (por exemplo, o art. 30, VIII, e o art. 182). Por meio desta função, a ordenação da atividade urbana é essencialmente pública, cabendo a ela promover o planejamento, a gestão e o controle das atividades com reflexos na ocupação, uso e transformação do solo, através de uma estrutura própria.

Daniela Campos Libório Di Sarno esclarece que “não está explicitado em qualquer texto legal de forma clara e objetivada que a função pública seja um princípio jurídico”. No entanto, adverte a autora que “o entendimento de que o Poder Público deve buscar interesses coletivos ou de essência pública é encontrado em toda a organização de seus poderes e, por consequência, suas funções”.27

Com isso, afirma-se haver casos em que o dever não aparece de forma explícita na norma jurídica, mas decorre da lógica do sistema. Tais casos são mais frequentes quando se trata de dever a ser cumprido pelo Estado, pois os agentes que exercem atividade estatal atuam por intermédio de função administrativa, a qual nada mais é que o dever de

25DI SARNO, Daniela Campos Libório.

Elementos de direito urbanístico, p. 45-46.

26Cf. SILVA, José Afonso da.

Direito urbanístico brasileiro, p. 45.

27DI SARNO, Daniela Campos Libório.

(27)

cumprir o estabelecido em lei para o alcance do interesse público previsto no ordenamento jurídico.

O dever jurídico relacionado ao planejamento, por exemplo, é um dos deveres da boa administração, que deve ser levado à implementação pelo Poder Público com fundamento nos princípios do art. 37, caput, da Constituição Federal, em especial, no princípio da eficiência.

Outro princípio apontado por José Afonso da Silva é o da conformação da propriedade urbana que significa, em linhas gerais, que o Poder Público, através da atividade urbanística, deve condicionar o direito de propriedade o que, de certa forma, o insere no princípio da função social da propriedade (positivado por meio de diversos artigos do texto constitucional, como o art. 5º, XXIII; art. 170, III; art. 182, §§ 2º e 4º; arts. 184 e 186).

Vale consignar que o direito urbanístico é todo construído sobre um conceito funcional de propriedade imóvel, que tem como núcleo central a função social da propriedade.28 Nesse sentido, tal é a relevância e a extensão do princípio da função social da propriedade, irradiando-se por todo o campo de incidência das normas urbanísticas, que se pode afirmar ser este um princípio fundamental do direito urbanístico, verdadeira diretriz a nortear toda a ordenação do território.29

A Lei Fundamental de 1988 incumbiu ao Poder Público municipal a tarefa de implementar a política de desenvolvimento urbano, com a finalidade de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e assegurar o bem-estar de seus habitantes (art. 182). Para tanto, elegeu o plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, como instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana (§ 1º), conferindo ao Poder Público local a faculdade de definir a função social da propriedade urbana (§ 2º).

De fato, a propriedade urbana cumpre a função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, impositivo para cidades com mais de vinte mil habitantes (§§ 1º e 2º do art. 182). Por outro lado, a função social da propriedade rural foi disciplinada de forma diferente. A propriedade rural cumpre a

28 A teoria da função social da propriedade tem origem em Leon Duguit, constitucionalista e administrativista

francês. Duguit procurou explicar o direito através de teorias sociológicas. Ele atacou, na sua análise, a existência dos chamados direitos subjetivos e propôs a substituí-los pela noção de situação jurídica. O publicista francês aplicou a sua teoria a um dos mais importantes direitos dos ordenamentos jurídicos de ordem capitalista, o direito de propriedade, reduzindo-o a situação jurídica. Para ele, a propriedade não era um direito, mas uma função social (Cf. MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao direito de propriedade. São Paulo: Saraiva,

1997, p. 59).

29 Cf. COSTA, Regina Helena. Princípios de direito urbanístico na Constituição de 1988.

Temas de direito urbanístico. Coord. Adilson Abreu Dallari e Lúcia Valle Figueiredo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p.

(28)

função social quando preenche os requisitos dos incisos I a IV do art. 186 da CF, submetidos estes aos critérios e graus estabelecidos em lei. A Lei n. 8.629, de 22.2.1993, em seu art. 9º, fixa esses critérios e graus completando a definição constitucional. Aqui, o legislador constituinte não deixou muita margem de poder ao legislador infraconstitucional, praticamente predefinindo a função social da propriedade rural.

O princípio da coesão dinâmica das normas urbanísticas, por sua vez, tem como pressuposto a necessidade de atuação generalizada e global para que haja eficácia na atuação urbanística, o que se observa, especialmente, na dinâmica do planejamento.

Aliás, por oportuno, este princípio constitui o fundamento, dentre outras coisas, do planejamento urbano, a exemplo do que prevê o art. 2º, inciso IV do Estatuto da Cidade. Deve ser frisado que as disposições constitucionais encartadas no capítulo reservado à ordem econômica (Capítulo I do Título VII) impõem o dever de planejar ao Poder Público.

Rafael Augusto Silva Domingues, analisando e sintetizando o conceito de diversos autores, chegou às seguintes conclusões sobre a repercussão deste princípio:

Nesse passo, no nosso entendimento, a ausência de planejamento urbano macula na própria origem (a priori) a norma ou ato urbanístico, independentemente do animus do administrador. Em outras palavras, a expedição, por exemplo, de ato urbanístico sem a visão do conjunto, sem o devido planejamento, pode ser considerada objetivamente ilegítima, passível inclusive de anulação judicial.

Em suma, a realização de desapropriações, a aprovação de loteamentos, a regularização de áreas urbanas em situação irregular, a doação de áreas públicas para empreendimentos privados, enfim, o desempenho da atividade urbanística sem o devido planejamento goza, no mínimo, de presunção de ilegitimidade (ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o caso). Este é, no nosso entendimento, o grande elemento diferenciador do Direito Urbanístico em face do Direito Administrativo.30

Quanto ao princípio da afetação das mais-valias ao custo da urbanificação31

tem-se a dizer que ele tem como fundamento a ideia de satisfação pelos proprietários dos

30 DOMINGUES, Rafael Augusto Silva.

A competência dos Estados-membros no direito urbanístico: limites da autonomia municipal, p. 56-57.

31 De distinto conteúdo são os termos urbanização e urbanificação. Como elucida José Afonso da Silva,

urbanização é o processo pelo qual a população urbana cresce em proporção superior à população rural. Já a urbanificação, para o autor, traduz-se no processo de correção da urbanização. (Cf. SILVA, José Afonso da.

(29)

gastos decorrentes das obras e intervenções promovidas pelo Poder Público que lhes tenham trazido benefícios.

Esse princípio tem origem no princípio da igualdade, vez que os proprietários de imóveis urbanos devem arcar com o ônus financeiro da urbanificação na exata proporção dos benefícios dela decorrentes diretamente. Se é verdade que a urbanificação traz benefício genérico a toda a comunidade local, não é menos verdade que ela traz benefícios específicos e diretos para os proprietários de imóveis abrangidos pelo plano de urbanização, a ser executado com recursos provenientes da comunidade em geral.

Na Constituição Federal de 1988, por exemplo, o inciso II, do art. 145 prevê o instituto da contribuição de melhoria que nada mais é do que o retrato desse princípio concretizado no Código Tributário Nacional (arts. 81 e 82) e no próprio Estatuto da Cidade (art. 2º, XI; art. 4º, IV, “b”).

A justa distribuição dos benefícios e ônus derivados da atuação urbanística é também princípio consagrado na nossa legislação urbanística e é consubstanciado no fato de que deve haver uma compensação pelos ônus e benefícios decorrentes da urbanificação.

O Estatuto da Cidade prevê expressamente este princípio (art. 2º, inciso IX), que também pode ser vislumbrado através do Estudo de Impacto de Vizinhança (art. 37).

Como se vê, os princípios adrede apontados, extraídos das lições de José Afonso da Silva, constituem-se num bom ponto de partida na busca de outros princípios informadores do direito urbanístico, como é o caso, dentre outros, do princípio da função social da cidade, introduzido na Constituição de 1988 pelo caput do artigo 182 que atribui ao Município, no desenvolvimento da política urbana, a observância das diretrizes gerais fixadas em lei. Aliás, a lei que fixa as diretrizes gerais desta política e que tem entre seus objetivos ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade é o Estatuto da Cidade.

Assim, o desenvolvimento destas funções deve ser compreendido como o pleno exercício do direito a cidades sustentáveis, instituído no Estatuto da Cidade.32

De qualquer modo, a edição de legislação nacional orgânica e sistemática, hábil a traçar o perfil dos institutos urbanísticos de maneira mais clara e coerente, é que

32 Para Nelson Saule Júnior, o

caput do art. 182 da Constituição nos ajuda a identificar o significado deste

(30)

possibilitará os avanços doutrinários necessários para o estabelecimento dos princípios informadores do direito urbanístico no Brasil.

1.3.4 Perfil constitucional do direito urbanístico

Além de manterem-se fiéis aos axiomas liberais de limitação do poder político e de garantia de direitos fundamentais, as Constituições da maioria dos Estados contemporâneos incorporaram ao ordenamento jurídico alguns valores e fins que dão sentido a formas básicas de ações políticas e jurídicas.

É o que enfatiza Josep Aguiló:

La constitución del Estado constitucional há seguido la estrategia del constitucionalismo regulativo, de modo que sus valores y fines se han incorporado a la constitución em la forma de principios regulativos de la acción politica legitima. Así, las constituciones han incorporado los derechos y principios liberales (están comprometidas com la erradicación del autoritarismo) y los derechos y principios del Estado social (están comprometidas com la erradicación de la exclusión social). Todos estos elementos, en mayor o menor medida, son reconocibles, me parece, en las constituciones de los Estados que llamamos constitucionales.33

Assim, entre outros assuntos, as atuais Constituições voltam-se ao alargamento e ao aprofundamento dos direitos e liberdades fundamentais do cidadão, à enunciação dos fins essenciais (nos domínios econômico, social e cultural) do Estado, e à consagração de vários ramos do direito (e dos seus princípios essenciais).

A propósito, com base na vontade coletiva de embutir nos textos constitucionais regras e subprincípios densificadores de princípios materiais de maior envergadura (axiológica e funcional) é que as Constituições passaram também a normatizar assuntos que, até então, eram próprios de outros ramos jurídico-positivos.

É o que destaca Carlos Ayres Britto:

33 AGUILÓ, Josep. Sobre la Constitución del Estado Constitucional.

Constitución: problemas filosóficos.

(31)

Veja-se que as primeiras Constituições escritas, em matéria de direitos subjetivos oponíveis ao Estado, somente continham direitos individuais. Ainda assim, elas declaravam tais direitos, mas não os garantiam. Passaram a garanti-los, com o tempo, mas não se dispunham a dar conta dos direitos sociais (invenção do constitucionalismo do México, da Rússia e da Alemanha, já nos anos de 1917, 1918 e 1919, respectivamente). E só depois da Declaração Universal dos Direitos do Homem (Organização das Nações Unidas) é que as Leis Fundamentais de cada povo soberano foram ganhando uma funcionalidade fraternal (pelo decidido combate aos preconceitos sociais e pela afirmação do desenvolvimento, do meio ambiente e do urbanismo como Direitos Fundamentais), que já é uma função verdadeiramente transformadora ou emancipatória.34

E procurando responder ao grande relevo social e econômico que, nas últimas décadas, vem assumindo o direito urbanístico, bem como a sua íntima relação com a garantia da qualidade de vida e da dignidade dos moradores da cidade, a Constituição Federal de 1988 inseriu um acervo específico de regras e princípios desta área do direito.

Assim, pela primeira vez na ordem jurídica constitucional, estabelece-se um capítulo voltado à política urbana, contendo um conjunto de princípios, responsabilidades e obrigações do Poder Público e de instrumentos jurídicos e urbanísticos para serem aplicados e respeitados com o objetivo de reverter o quadro de degradação ambiental e de desigualdades sociais nas cidades.

Nota-se que o direito urbanístico deixa de ser um mero instrumento de ordenação, passando a cumprir um papel ativo como agente de transformação social, sofrendo um processo de redefinição de seus conceitos. Em outros termos, esse sistema de positivação constitucional do direito urbanístico o insere como um dos instrumentos de realização da justiça e do bem-estar da população (e não somente como estrutura de conformação legislativa da intervenção do Estado desprovida de propósitos e valores), o que o fundamenta em princípios como o da justiça social, da igualdade, da democracia, da participação popular e da sustentabilidade ambiental.

Tal situação vem a ser reforçada com a edição da Lei n. 10.257, de 10.07.2001, autodenominada Estatuto da Cidade, a qual deu ênfase à obrigação do Estado em estabelecer um ordenamento territorial adequado, por meio de um sistema de planejamento e gestão que garanta o cumprimento da função social da cidade e da propriedade urbana,

34 BRITTO, Carlos Ayres.

(32)

prevendo, ainda, a participação direta do cidadão em processos decisórios sobre o destino da cidade (inciso III, do artigo 4º).

Desse modo, o marco regulatório das cidades oferece um conjunto inovador de instrumentos de intervenção sobre seus territórios, bem como uma nova concepção de planejamento urbano que envolve todos os entes federativos, partindo de uma leitura ampla de urbanismo que certamente rompe as fronteiras da cidade.

Além da tradicional determinação das matérias do direito urbanístico, como aquelas relativas à ordenação do uso do solo, a Constituição Federal ao empregar a expressão “política urbana”, em capítulo específico, direciona ao entendimento de que qualquer matéria referente às políticas de planejamento territorial e de intervenção nos espaços urbanos, bem como as normas sócio-ambientais relacionadas ao território (e que tenham repercussão no ambiente urbano), sejam objetos do direito urbanístico.

(33)

2. A DISCRIMINAÇÃO CONSTITUCIONAL DAS COMPETÊNCIAS URBANÍSTICAS

2.1 Aspectos gerais do federalismo

A repartição de competências compõe uma das características do federalismo, de modo que, para o seu estudo, torna-se necessário apresentar os aspectos comuns desta forma de Estado.

O termo federalismo provém do latim foedus, que significa pacto ou aliança de estados.35 Em essência, um arranjo federal é uma parceria estabelecida e regulada por um pacto, o que prevê um tipo especial de divisão de poder entre os entes.

O sistema federal é uma forma inovadora de lidar-se com a organização político territorial do poder, surgido no século XVIII com a promulgação da Constituição dos Estados Unidos de 1787.36A sua instituição é favorecida pela presença de heterogeneidades que dividem uma determinada nação, sendo elas de cunho territorial (grande extensão e/ou enorme diversidade física), étnico, socioeconômico (desigualdades regionais), nas quais se torna necessária a instituição de uma forma compartilhada de organização político territorial do poder que, ao mesmo tempo, mantenha a integridade territorial do país.

Falar em federalismo é falar em forma de Estado. O federalismo é uma das formas de Estado existentes no constitucionalismo, na qual se objetiva distribuir o poder, preservando a autonomia dos entes políticos que compõem a federação.37 Pode-se afirmar que no federalismo convivem num mesmo território uma ordem jurídica global e outras ordens jurídicas parciais, cada uma atuando no âmbito específico de suas competências.

A federação essencialmente busca conjugar as vantagens da autonomia política com outras decorrentes da existência do poder central. Desse modo, a autonomia das

35 Para Michel Temer, é da união, da aliança, do pacto entre os Estados que surge a Federação (Cf. TEMER,

Michel. Elementos de direito constitucional, 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 59).

36 As bases dos federalismo moderno encontram-se na compilação dos artigos publicados por Alexander

Hamilton, James Madison e John Jay no jornal Daily Advertiser, recebendo o nome de The Federalist Paper.

37 A forma de Estado é “o modo do exercício do poder político em função do território” (SILVA, José Afonso

da. Curso de direito constitucional positivo. 29. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, .p. 98). Acrescente-se que sob a ótica da forma geográfica de distribuição interna do exercício do poder político, Pedro Estevam Alves Pinto Serrano, com base na doutrina nacional sobre o assunto, esclarece que não há um modelo único de Estado unitário a ser servilmente recebido, indicando alguns tipos de Estado, a saber: Estado Unitário, Estado Unitário Descentralizado, Estado Constitucionalmente Descentralizado, Estado Regional e Estado Federal (Cf. SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Editora

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