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SOLIDARIEDADE E TUTELA DOS INTERESSES DIFUSOS E COLETIVOS: VISÃO INTERDISCIPLINAR

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Sérgio Neves Coelho

SOLIDARIEDADE E TUTELA DOS INTERESSES DIFUSOS E

COLETIVOS: VISÃO INTERDISCIPLINAR

MESTRADO EM DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS

(2)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Sérgio Neves Coelho

SOLIDARIEDADE E TUTELA DOS INTERESSES DIFUSOS E

COLETIVOS: VISÃO INTERDISCIPLINAR

Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direitos Difusos e Coletivos, sob a orientação da Professora Doutora Regina Vera Villas Bôas.

(3)

Autorizo exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta Dissertação de Mestrado por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.

Assinatura_________________________________________________ Abril/2012

e-mail. snecoelho@uol.com.br

C672

Coelho, Sérgio Neves.

Solidariedade e tutela dos interesses difusos e coletivos: visão

interdisciplinar / Sérgio Neves Coelho. - São Paulo: s.n., 2012.

167 f.

Orientadora: Prof. Dra. Regina Vera Villas Bôas.

Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em Direito, 2012.

1. Direitos difusos. 2. Solidariedade. 3. Solidariedade no Direito. 4. Solidariedade nos direitos difusos e coletivos. I. Villas Bôas, Regina Vera. II. Título

(4)

Banca Examinadora

__________________________________

__________________________________

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(6)

AGRADECIMENTOS

À minha mãe, presente nas escolhas da minha vida.

(7)

"Você pode conseguir qualquer coisa que queira na vida se você ajudar o suficiente outras pessoas a conseguirem o que elas querem."

(8)

COELHO, Sérgio Neves. A solidariedade como fundamento dos direitos difusos e coletivos: visão interdisciplinar. 2012. 167 f. Dissertação (Mestrado em Direito). - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2012.

RESUMO

No presente trabalho é abordada a solidariedade, mostrando alguns conceitos na Filosofia, Etologia, Sociobiologia, Sociologia, Religião e áreas do Direito, em pesquisa qualitativa e bibliográfica, para demonstrar que para efeito dos direitos difusos e coletivos o conceito a ser adotado como fundamento da tutela é o da solidariedade tendo em vista o ponto de vista altruístico, a preocupação com a vulnerabilidade desses interesses, quer pela hipossuficiência dos titulares protegidos (idosos, infância e juventude), quer pela dificuldade de sua defesa (meio ambiente patrimônio público). Essa solidariedade não diz respeito à indivisibilidade, mas no tocante à colaboração, com o significado que veio a adquirir depois, de sólido, unido, para cooperação, colaboração, preocupação com terceiros.

(9)

COELHO, Sérgio Neves. A solidariedade como fundamento dos direitos difusos e coletivos: visão interdisciplinar. 2012. 167 f. Dissertação (Mestrado em Direito). - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2012.

ABSTRACT

Solidarity is discussed in this paper under Philosophy, Ethology, Sociobiology, Sociology, Religion and Law concepts, in a bibliographic qualitative research, in order to bring to light that, for the purposes of diffuse and collective rights, the concept to be adopted as the basis for protection is solidarity in an altruistic point of view, in concern about the vulnerability of these interests, whether protected by under sufficient holders (elderly, children and youth) or the difficulty of being defended (environment and public equity). This solidarity do not respect the indivisibility, but when it comes to collaboration, with its meaning that later came to acquire solid, wedded, for cooperation, collaboration, concern for others.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 11

CAPÍTULOI 13

1CONCEITODESOLIDARIEDADE 13

1.1SOLIDARIEDADENAFILOSOFIA 15

1.2SOLIDARIEDADENAETOLOGIAENASOCIOBIOLOGIA 28

1.3SOLIDARIEDADENASOCIOLOGIA 38

1.4SOLIDARIEDADENARELIGIÃO 46

CAPÍTULOII 57

2SOLIDARIEDADENODIREITO 57

2.1SOLIDARIEDADENODIREITOROMANO 58

2.2 SOLIDARIEDADE NO DIREITO CONSTITUCIONAL 59

2.3 SOLIDARIEDADE NO DIREITO CIVIL 61 2.4 SOLIDARIEDADE NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL 64

2.5 SOLIDARIEDADE NO DIREITO PENAL 66 2.6 SOLIDARIEDADE NO DIREITO PROCESSUAL PENAL 68

2.7 SOLIDARIEDADE NO DIREITO DO TRABALHO 71 2.8 SOLIDARIEDADE NO DIREITO COMERCIAL 72 2.9 SOLIDARIEDADE NO DIREITO PREVIDENCIÁRIO 74

2.10 SOLIDARIEDADE NO DIREITO TRIBUTÁRIO 78 2.11 SOLIDARIEDADE NO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO 81

2.12 SOLIDARIEDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO 84

CAPÍTULOIII 86

3CONCEITODEINTERESSE 86

3.1 CONCEITO DE INTERESSE NO DIREITO E DISTINÇÃO DOS

INTERESSES 87

3.2 INTERESSE PÚBLICO E INTERESSE PRIVADO 90

3.3 INTERESSE SOCIAL 93

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CAPÍTULOIV 96

4 CONCEITO DE INTERESSES DIFUSOS 96

4.1 CARACTERÍSTICAS BÁSICAS DOS INTERESSES DIFUSOS 102

CAPÍTULOV 106

5 CONCEITO DE INTERESSES COLETIVOS 106

5.1 CARACTERÍSTICAS BÁSICAS DOS INTERESSES COLETIVOS 114

CAPÍTULOVI 116

6SOLIDARIEDADENOSDIREITOSDIFUSOSECOLETIVOS 116

6.1SOLIDARIEDADENODIREITOAMBIENTAL 118

6.2SOLIDARIEDADENODIREITODOCONSUMIDOR 120

6.3SOLIDARIEDADENODIREITODAINFÂNCIAEDAJUVENTUDE 123

6.4SOLIDARIEDADENODIREITODOIDOSO 126

6.5SOLIDARIEDADENODIREITODAPESSOAPORTADORADE DEFICIÊNCIA 128

6.6SOLIDARIEDADENODIREITOÀSAÚDE 130

6.7SOLIDARIEDADENODIREITODASMINORIAS 132

6.8SOLIDARIEDADENAPROTEÇÃODOPATRIMÔNIOPÚBLICOE SOCIAL 134 6.9 SOLIDARIEDADE NO DIREITO COLETIVO DO TRABALHO 136

CAPÍTULO VII 140

7 SOLIDARIEDADE E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA 140

CONCLUSÕES 149

(12)

INTRODUÇÃO

No mundo moderno, em que as relações jurídicas passam a ser massificadas e padronizadas, surge uma nova classe de interesses a ultrapassar o caráter individual dos conflitos de interesses.

Importa aferir quais os fundamentos dessa nova classe de interesses, com a superação das questões meramente processuais que têm constituído o cerne dos debates a seu respeito.

A tutela dos interesses difusos e coletivos, a par de seu aspecto de indivisibilidade, que é característica de seu objeto, envolve um outro viés da solidariedade: o de cooperação, colaboração e fraternidade.

O termo solidariedade em sua etimologia inicialmente foi empregado com o significado de solidez, unidade, indivisibilidade, inclusive no Direito. Somente depois também passou a ser utilizado com o aspecto aqui especialmente tratado, de sentimento que leva a prestar auxílio a outrem, de responsabilidade de membros de um grupo social.

Essa solidariedade encontra antecedentes biológicos, sociais, filosóficos e religiosos.

A solidariedade, quer no seu aspecto de indivisibilidade, quer no de cooperação e colaboração no auxílio de alguém, embora seja também encontrada nos diversos ramos do Direito, se faz sempre presente na tutela dos interesses difusos e coletivos.

A solidariedade no sentido de indivisibilidade é reconhecida como característica essencial dos interesses difusos e coletivos.

Procura-se aqui demonstrar que ao lado da vulnerabilidade de seus titulares, os interesses difusos e coletivos têm também como fundamento a solidariedade, no seu sentido de fraternidade, cooperação. Essa solidariedade é essencial para o acesso à Justiça na proteção desses direitos.

(13)

As hipóteses levantadas neste trabalho basearam-se em pesquisa de autores da literatura nacional e estrangeira que trataram da concepção do conceito solidariedade e a relação com os direitos difusos e coletivos.

A dificuldade foi pesquisar a variação do conceito ao longo dos tempos em diversas áreas do conhecimento sem perder de vista o enfoque nos Direitos Difusos e Coletivos e apresentar a confrontação e intersecção das concepções.

(14)

CAPÍTULO I

1 CONCEITO DE SOLIDARIEDADE

A palavra solidariedade, como anota A. Domingo Moratalla1 é substantivo abstrato, derivado do adjetivo solidário, que deriva da expressão latina in solidum, com o qual se denomina um tipo especial de relações jurídicas.

Solidariedade significa qualidade de solidário; responsabilidade recíproca entre elementos de um grupo social, profissional, etc.; sentimento de partilha do sofrimento alheio; sentimento que leva a prestar auxílio a alguém; adesão ou apoio a uma causa, a um movimento ou a um princípio2. Estado ou condição de duas ou mais pessoas que repartem entre si igualmente as responsabilidades de uma ação, empresa ou um negócio, respondendo todas por uma e cada uma por todas; mutualidade de interesses e deveres; laço ou ligação mútua entre duas ou muitas coisas dependentes umas das outras3. Sentimento de identificação com os problemas de outrem, o que leva as pessoas a se ajudarem mutuamente; sentimento de simpatia, de identificação com os pobres, os desprotegidos; a expressão desse sentimento (ajuda; amparo; apoio); manifestação de identidade de sentimentos ou ideias (solidariedade política; solidariedade partidária); cooperação; coparticipação; assistência moral, espiritual, que se concede a alguém, por simpatia; laço de união fraternal que une as pessoas pelo simples fato de serem semelhantes (solidariedade humana); amizade, companheirismo, irmandade4.

Em inglês solidarity, em espanhol solidaridad, em francês, solidarité, em italiano solidarietà, em romeno, solidaritate, em galego, solidariedade, em catalão, solidaritat, em alemão, solidarität, em polonês, solidarnosc, em

1MORATALLA, A. Domingo In: VILLA, Mariano Moreno. Dicionário do pensamento

contemporâneo. São Paulo: Paulus, 2000. p. 706-707.

2 DICIONÁRIO da Língua Portuguesa. Porto: Porto Editora, 2006.

3 MICHAELIS: moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1998. p. 1966.

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holandês, solidariteit, todos com a origem do termo latino solidarietatis. Daí denota-se a força do conteúdo de tal vocábulo, com a evolução adquirida, a espraiar-se em outras línguas sem a raiz latina, com sentido jurídico originário de indivisibilidade e ligação e o posterior, de cooperação, colaboração e altruísmo.

Na acepção jurídica, conforme anota Maria Helena Diniz5, solidariedade tem o sentido de qualidade de solidário; estado em que duas ou mais pessoas assumem igualmente as responsabilidades de uma empresa de negócios, obrigando-se todas por uma ou por todas; mutualidade de interesses; por inteiro; dependência recíproca. Já em Sociologia geral, segundo ela, é a condição grupal que resulta da comunhão de atitudes, fazendo com que o grupo seja sólido e resistente às forças exteriores ou o dever moral de assistência entre os membros de uma mesma sociedade, enquanto considerados como um todo.

A. Domingo Moratalla6, com acuidade, menciona que a solidariedade se transformou num princípio fundamental para entender o posicionamento do homem contemporâneo, em razão da relação da espécie humana com a natureza, da construção da identidade pessoal às margens da sociedade e que a esperança não se embasa em projetos históricos de transformação social mas, em pequenos relatos.

Referido autor observa ainda que o termo, além de raízes jurídicas, tem antecedente filosófico, encontrado na cultura grega, na harmonia que deve haver entre o todo e a parte e entre o eu e o nós. Também aponta uma terceira procedência, no âmbito da Teologia, no estabelecimento da aliança entre Javé e o povo judeu. No Novo Testamento essa solidariedade passa a adquirir abrangência universal, com uma nova fraternidade (ágape), a transpor os limites da lei israelita (lei do talião)7.

E esse viés do conceito de solidariedade, de fraternidade, amizade, ligação social, construído pela Filosofia e pela Religião foi encontrado no comportamento animal através de recentes estudos biológicos.

5 DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 509.

6 MORATALLA, A. Domingo In: VILLA,Mariano Moreno. 2000. p. 706-707.

(16)

1.1 SOLIDARIEDADE NA FILOSOFIA

Como afirma Robert C. Solomon8, a solidariedade, especificamente, não é um sentimento simples e envolve, na verdade, componentes competitivos de “interesse próprio”, além de puro altruísmo e preocupação com o outro.

Conforme Adam Smith9,

[...] por mais egoísta que se possa supor o homem, ‘há evidentemente alguns princípios em sua natureza que o fazem interessar-se pela fortuna dos outros e lhe tornam necessária a felicidade desses outros, embora dela nada lhe venha a não ser o prazer de vê-la. Um deles é a piedade ou a compaixão, emoção que se sente pelo sofrimento do outro, assim, o maior dos rufiões, o mais enrijecido violador das leis da sociedade não é totalmente privado dela [...].

A respeito da solidariedade em Hegel e Heidegger, Rodrigo dos Santos Manzano10 aponta que segundo Hegel, “negar a importância do outro é negar o próprio conhecimento, é querer se retirar da coexistência, da convivência, é viver inautenticamente”, como diria Heidegger.

E acrescenta que conforme esses filósofos, pensar sobre a humanidade, a dialética, o indivíduo e a comunidade, e assim nos posicionarmos de um modo diferente, que nos leve mais ao próximo, que busquemos mais sua evolução, seu crescimento, e que faça crescer em nós os laços de solidariedade, não é algo tão irracional. Pelo contrário, nosso tempo pede como desafio um olhar mais meticuloso e cuidadoso às necessidades do próximo, porque diferenças, e possíveis rivalidades, vão se tornando mais nítidas e ameaçam até mesmo as sociedades mais avançadas em todo o mundo. De acordo com esse autor, reconhecer o outro como uma parte de um todo compartilhado é algo necessário, ou seja, primordial. O verdadeiro sentimento de humanidade, de humanismo, urge a partir do reconhecimento do outro neste processo em que cada um se torna interdependente. A partir da abertura para

8 SOLOMON, Roberto C. O prazer da filosofia: entre a razão e a paixão. Rio de Janeiro:

Record. 2011, p.164.

9 SMITH, Adam. Teoria dos sentimentos morais. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p.185.

10 MANZANO, Rodrigo dos Santos. Filosofia, ciência & vida. São Paulo: Escala, ago, 2010, p.

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o outro, reconhecendo a dignidade deste, podemos repensar as relações e até novas noções éticas para toda a humanidade.

Segundo Demétrio11 a doutrina aponta a Antiguidade Clássica como o momento em que são encontrados os primeiros escritos acerca do valor solidariedade. E eles se deram como forma de se contrapor à teoria individualista do sofista Protágoras que afirmava que “o homem é medida de todas as coisas, das que são o que são, e das que não são o que não são12”.

Acresce, ainda, que a famosa frase protagórica traduziu com precisão o pensamento de seu autor, indicando que o homem, ser pensante, bastava por si só, constituindo o viver em sociedade, não uma necessidade, mas uma simplória opção humana.

Afirma que são nas lições de Sócrates, Platão e Aristóteles que se localizam os argumentos filosóficos contrários ao individualismo. De acordo com essa ideia, Pedro Buck Avelino sinaliza para o fato de que as péssimas consequências do individualismo são claramente expostas “no diálogo Górgias, de Platão, em que Callicles, político ateniense, em conversa travada com Sócrates, expressa o seu peculiar" ponto de vista, de que poder/força é direito: “Minha crença é que o direito natural consiste em que o homem mais capaz e mais inteligente comande os seus inferiores e obtenha a maior parte dos bens13.”

Entretanto, “informa que a superação desse conceito equivocado de direito vem na utópica obra A República, quando Platão, afirmando sua predisposição para a generalidade em detrimento da individualidade, reproduz diálogo travado entre Sócrates e Glauco”.

Sócrates: Poderás dizer-me se nas outras repúblicas os magistrados tratam a seus companheiros como amigos e a outros como estranhos?

11SILVA, Cleber Demétrio Oliveira da. O princípio da solidariedade. 2006. Disponível em:

<http://jus.com.br/revista/texto/9315>, p.14. 12 Ibid. , p. 230.

(18)

Glauco: Nada de mais frequente.

Sócrates: Assim, pensam e dizem que os interesses de uns lhes importam e de outros não?

Glauco: Certamente.

Sócrates: Entre nossos guardiões, porém, haverá um sequer capaz de dizer ou pensar que algum dos que velam, como ele, pelo bem-estar público lhe é indiferente ou estranho?

Glauco: De nenhum modo. Porque cada qual verá nos outros um irmão ou irmã, pai ou mãe, filho ou filha, algum propínquo, em suma, em linha ascendente ou descendente.

Sócrates: Muito bem; porém, há mais coisas a responder-me. Contentar-te-ás em ordenar que só da boca se tratem como parentes? Ou exigirás também que os atos correspondam às palavras e que os cidadãos tenham para com os pais todo o respeito e atenções e submissão pela lei prescrita aos filhos em relação aos progenitores? Não lhes dirá que, se faltarem a estes deveres, pecam contra a justiça e piedade e incorrem, por isso mesmo, na ira dos deuses e dos homens? Farão, acaso, todos os cidadãos ressoar aos ouvidos dos filhos outras máximas diferentes destas com referência à conduta que devem ter para com aqueles a quem se lhes faça considerar como pais ou parentes?

Glauco: Sem dúvida que não: seria irrisório que tivessem constantemente na boca, os nomes que exprimem parentesco sem cumprir os respectivos deveres.

Sócrates: Assim, em nossa república, mais do que em todas as outras, como a pouco dizíamos, quando ocorrer algo de bom ou de mau a um cidadão, todos dirão a um tempo: meus negócios vão bem ou meus negócios vão mal.

Glauco: É verdade.

Sócrates: Não acrescentamos que, em virtude desta persuasão e deste modo de falar, haverá entre eles comunhão de alegrias e dores?

Glauco: E com razão o dissemos.

Sócrates: Nossos cidadãos participarão, pois, em comum dos interesses de cada indivíduo particular, interesses que considerarão como seus próprios, e, em virtude desta união, todos participarão das

mesmas alegrias e das mesmas dores.14

Platão indicava o caminho da solidariedade como forma de assegurar uma convivência social justa e harmoniosa. Seus pensamentos de

14 AVELINO, Pedro Buck. Princípios da solidariedade: imbricações históricas e sua inserção na

constituição de 1988. Revista de Direito Constitucional e Internacional, n. 53, out/dez, São

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generalidade são influenciados pelas tendências de Esparta15 e Creta, cidades-estado que defendiam a ideologia da generalidade, ao contrário de Atenas que consagrava a individualidade.

Ainda de acordo com Pedro Buck Avelino, “na mesma senda generalista, Aristóteles contrapôs-se ao individualismo, ponderando, no livro Política, que "o homem é um animal cívico, mais social do que as abelhas e outros animais que vivem juntos."16.Segundo a teoria aristotélica, “o Estado seria o primeiro objeto a que se propôs a natureza, uma vez que o todo existe necessariamente antes da parte”.

O autor ainda acentua que Aristóteles se diferencia de Platão em seus fundamentos contra o individualismo. O primeiro preza o todo, o conjunto sem qualquer motivação diversa, a não ser considerá-lo como uma necessidade básica e natural. Platão, entretanto, não se desampara do indivíduo, vendo na vida em sociedade algo mais do que mera imposição natural. Aristóteles reúne uma finalidade à vida em coletividade ao enxergar na convivência coletiva uma maneira de cada integrante do grupo social poder viver melhor.

A solidariedade é abordada por Aristóteles na amizade. Nesse sentido, explica Carvalho17, que quando tomamos como ponto de partida as relações

interpessoais, vemos aparecer uma plêiade de palavras que podem, em um primeiro momento, ser tomadas como sinônimas: afinidade, simpatia, afeição, amor, ternura, intimidade, comunidade, benevolência, etc. Esses sentimentos designariam atitudes nas quais se conserva certa reciprocidade, proximidade, semelhança, solidariedade e atração espontânea, o que implica sempre em vivência gratificante para as partes envolvidas, de maneira que permitem aos sujeitos acolher o outro enquanto diverso, ligando-os naquilo que é comum.

15 Pedro Buck Avelino explica que, em Esparta, não se admitia a figura da família, “sendo todos

os atos praticados coletivamente, como, v.g. as refeições (em refeitórios públicos). A educação também era a mesma para mulher como para o homem” (Princípios da solidariedade: imbricações históricas e sua inserção na constituição de 1988, p. 234).

16 ARISTÓTELES, Política.Sao Paulo: Martin Claret, 2008.

17 CARVALHO, Alonso Bezerra. A filosofia da educação kantiana: educar para a liberdade. In:

UNIVERSIDADE Estadual Paulista. Prograd. Caderno de formação: formação inicial de

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Conforme ainda esse autor, nesse sentido, “a amizade corresponde a um laço de benevolência e de intimidade entre duas (ou várias) pessoas, não se apoiando nem sobre o parentesco nem sobre a atração sexual, nem sobre o interesse ou as conveniências sociais” (MAISONNEUVE, 2004, p. 13). Evocada e experimentada pelos homens desde os relatos homéricos e bíblicos, é em Aristóteles, especialmente nos livros 8 e 9 d’Ética a Nicômaco (1988), que Aristóteles a apresenta de maneira organizada e definida. Em A Política (1993), Aristóteles oferece uma primeira definição ou finalidade, ou seja, que a amizade tem uma função política. Isto significa que quando o legislador estabelece as leis ele deve ter os olhos fixos em duas coisas: o território e os homens. Nesse aspecto, a cidade não tem uma vida solitária, isolada, mas se localiza numa região e por isso deve estar aberta à convivência com outras cidades. Segundo ele, mesmo que a guerra esteja no horizonte dessas convivências, a amizade ainda é o maior dos bens que elas podem construir, no sentido de evitar ao máximo a discórdia. Para Aristóteles, a amizade parece ser o laço que une as cidades, e os legisladores parecem concordar que ela é mais que a justiça. Eles buscam, com efeito, manter a concórdia e banir a discórdia, vendo nesta a calamidade mais temível das comunidades políticas: ora, a concórdia é um sentimento próximo à amizade. Aliás, se os cidadãos estiverem unidos pela amizade, não será mais necessária a justiça, mas mesmo havendo justiça, ainda assim, seria necessária a amizade. Enfim, “somente a mais alta forma de justiça parece ter a mesma natureza da amizade” (ARISTÓTELES, 1988, p. 31).

E, conforme Carvalho,

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múltiplas que não pode se satisfazer sozinho, mas somente em uma cidade [...]. (CARVALHO, 2010)

Maria Cecília Baetas Dyrlund aponta18 que o tema da solidariedade já era abordado há muito tempo antes de integrar o campo jurídico, pois fazia parte de estudos filosóficos e sociológicos e ainda das questões religiosas.

A autora corrobora a ideia de que no curso da história humana sempre foi posto em dúvida, se de fato o “homem é um ser social em decorrência da natureza ou por necessidade para sua sobrevivência”. É demonstrável que predomina a tese da natureza social do homem, entretanto, não se pode olvidar que a tese contratualista, que abarca a necessidade com fundamento da solidariedade, desempenhou profunda influência na sociedade moderna. Para os contratualistas a sociedade é constituida por um acordo de vontades e a solidariedade só existe pela necessidade. Dessa maneira, apesar de seu instinto maléfico, o homem, por causa da razão encontra uma nova maneira para superar o estado da natureza e alicerçar o estado social, por de um mecanismo que é o contrato social, citando Dallari.

De acordo com as ideias de Maria Cecília Baetas Dyrlund, existem várias teorias naturalistas. Entre seus seguidores, temos entre outros, Aristóteles, Cícero, São Tomás de Aquino, Kropotki, Léon Duguit, Matt Ridley.

Aristóteles dizia que “não há homem fora da sociedade, fora da comunidade, e o Homem é um animal político” (ARISTÓTELES, 1965 p. 13, 16, 19.).

Cícero afirmava que “[…] a espécie humana não nasce para o isolamento e para a vida errante, mas com uma disposição que mesmo na abundância de todos os bens, a leva a procurar o apoio comum” (apud DALLARI, 2000).

Ela aponta que a solidariedade, segundo Léon Duguit, é um fato social. O autor afirma que a solidariedade social de acordo como a compreende, tal como ele a crê, deve ter sentido científico, não é um sentimento, e menos ainda uma doutrina; nem é sequer um princípio de ação. É, de acordo com ele,

18 DYRLUND, Maria Cecília Baetas. Dicionário de filosofia do direito, Vicente de Paulo Barroso

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um fato de ordem real suscetível de demonstração direta: é o fato da estrutura social mesmo (DUGUIT, 1920). E acresce que também para Matt Ridley, cujos estudos se fundam no aspecto biológico da solidariedade, que:

[...] é esse fato social, uma vez que não se pode pensar o indivíduo sem estar inserido na sociedade; só se concebe o ser humano como pertencente a um determinado grupo social. O ser humano isolado não desenvolve a sua humanidade e não se realiza como tal. Por outro lado, a sociedade depende da individualidade de cada ser humano para ser coletividade [...]. (RIDLEY, 2000, p. 12-13)

Com Hobbes (1588/1679), Locke (1632/1704) e Rousseau (1712/1778) surge a teoria contratualista, na qual o Estado é considerado mera ficção humana e enseja a vida em coletividade.19

Cleber Demétrio Oliveira da Silva aponta que Locke expõe uma visão diferente da visão de Aristóteles em relação ao conceito de Estado. Enquanto este o enxergava como uma criação natural, anterior ao próprio homem, aquele filósofo moderno o entendia como mera ficção humana viabilizadora da vida em coletividade.

Aduz indica que Maquiavel, Shakespeare e Bacon souberam identificar aspectos diferentes e menos nobres da natureza humana em ação como, por exemplo, a crueldade, a misantropia, a vilania e a dissimulação, desenvolvendo alguns raciocínios pela valorização das ações positivas do ser humano. Nessa direção, cabe citar o inglês Thomas More (1478-1535), que em sua obra, escrita em latim e em 1513, A Utopia, aludiu que a natureza quer que o bem-estar seja igualmente dividido entre todos os membros do gênero humano, e, desse modo, sinaliza que não se devem perseguir os interesses individuais em detrimento da infelicidade alheia.

Cleber Demétrio Oliveira da Silva assegura que “no Século XVIII, David Hume (1711/1776), filósofo escocês, naquela que seria a sua principal obra, intitulada Tratado da Natureza Humana (1739-1740), igualmente a Aristóteles, afirmou que todas as criaturas humanas estão relacionadas entre si pela semelhança”. Portanto, suas existências, interesses, paixões, dores e prazeres devem nos tocar vivamente, produzindo uma emoção similar à original – pois

(23)

uma ideia vivida converte-se facilmente em uma impressão. Se isso é verdade em geral, quanto mais no que diz respeito à aflição e à tristeza, que exercem uma influência mais forte e duradoura que qualquer prazer ou satisfação.

Diz que muito embora o filósofo escocês não tenha expressamente referido o vocábulo solidariedade em seu escrito, é possível relacionar sua manifestação acima com a ideia atual de solidariedade, que na lição de Luis Renato Ferreira da Silva, ao citar entendimento de Christophe Jamin, pode ser vinculada "à noção de cooperação" entre as pessoas.

Os principais filósofos, nos séculos XVIII e XIX, a discutirem a ética são o francês Jean-Jacques Rousseau e os alemães Immanuel Kant e Friedrich Hegel (1770-1831). De acordo com Rousseau, “o homem é bom por natureza e seu espírito pode sofrer aprimoramento quase ilimitado”. Para Kant, ética é a obrigação de agir segundo regras de cunho universal, comuns a todos os seres humanos por serem oriundas da razão. O fundamento da moral é dado pela própria razão humana: é a noção de dever que é estabelecida. O reconhecimento dos outros homens, como fim em si e não como meio para alcançar algo, é o principal motivador da conduta individual. Hegel divide a ética em subjetiva ou pessoal e objetiva ou social. A primeira é uma consciência de dever; a segunda, formada por costumes, leis e normas de uma sociedade. O Estado reúne esses dois aspectos em uma "totalidade ética”.20:

O pensamento de Kant sobre a solidariedade se fundamenta na insociável sociabilidade à sociedade cosmopolita. Explica Carvalho21 que:

[...] os homens estão dotados da capacidade de se antagonizarem para o desenvolvimento de todas as suas disposições naturais. O antagonismo torna-se, ao fim, a causa de uma ordem regulada por leis. Kant chama-o de a ‘insociável sociabilidade’, isto é, a inclinação dos homens “a entrar em sociedade”, mas com a tendência de “uma oposição geral que ameaça constantemente dissolver essa sociedade [...]. (CARVALHO, 1986, p. 13)

20 MARQUES, Paulo et al. Algo sobre vestibular e concurso, ética. s.d. Disponível em:

<http://www.algosobre.com.br/sociofilosofia/etica.html> Acesso em: 21 out. 2011.

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A natureza semeou essa disposição no homem e fez dela o meio para que se cumpra a sua finalidade e de acordo com Carvalho:

[...] Kant explica que o homem tem tendência para associar-se, porque

assim se sente mais como ser humano, entretanto, está disposto

também a separar-se (isolar-se), querendo conduzir tudo em seu

proveito, mesmo sabendo que terá oposição, o que o levará também a se opor. É essa resistência que desperta todas as suas forças e o induz a vencer a inclinação para a preguiça e, movido pela ânsia de honras, do poder ou da posse, para obter uma posição entre os seus

congêneres, que ele não pode suportar, mas de que também não pode

prescindir [...]. (KANT, 1995, p. 26).

De acordo com Paulo Marques22, Nietzsche critica a moral tradicional, derivada da religião judaico-cristã, pelo fato de subjugar os instintos e as paixões à razão. Essa é a "moral dos escravos", que nega os valores vitais e promove a passividade e o conformismo, resultando no ressentimento. Em oposição a ela, propõe a "transvaloração de todos os valores", que funda a "moral dos senhores", preconizando a capacidade de criação, de invenção, de potência. O ser humano que assim consegue superar-se é o super-homem, o que transpõe os limites do humano.

Segundo o autor, a valorização da autonomia do sujeito moral leva à busca de valores subjetivos e ao reconhecimento do valor das paixões, o que acarreta o individualismo exacerbado e a anarquia dos valores. Resulta ainda na descoberta de várias situações particulares com suas respectivas morais: dos jovens, de grupos religiosos, de movimentos ecológicos, de homossexuais, de feministas, e assim por diante.

Conforme ainda se extrai do artigo de Paulo Marques, essa divisão leva ao relativismo moral, que, sem fundamentos mais profundos e universais, baseia a ação sobre o interesse imediato. É dentro dessa perspectiva que o filósofo inglês Bertrand Russell (1872-1970) afirma que a ética é subjetiva, não contendo afirmações verdadeiras ou falsas. Defende, porém, que o ser humano deve reprimir certos desejos e reforçar outros se pretende atingir a felicidade ou o equilíbrio. Como reação a essas posições, o novo iluminismo, representado por Jürgen Habermas (1929-), desenvolve a Teoria da Ação

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Comunicativa, dentro da qual fundamenta a ética discursiva, baseada em diálogo, por sujeitos capazes de se posicionar criticamente diante de normas. É pelo uso de argumentos racionais que um grupo pode chegar ao consenso, à solidariedade e à cooperação.

A solidariedade em Gadamer, conforme Raimundo José Barros Cruz23 está intimamente relacionada a sua concepção de linguagem. Um de seus ensaios, que estruturam o segundo volume da obra Verdade e Método, intitulado O Planejamento do Futuro, trata da real necessidade de uma práxis solidária na perspectiva hermenêutica do filósofo.

Diz que Gadamer está convencido de que, bem mais do que o significativo progresso pelo qual têm passado as ciências da natureza, “foi a racionalização de seu emprego técnico-científico, que produziu essa nova fase da revolução industrial em que nos encontramos” (GADAMER, 2004, p. 182-183). Assim, o que passa a ser característica marcante de nossa época, bem mais do que o exagerado domínio da natureza, é o “desenvolvimento de métodos científicos de controle para a vida da sociedade” (GADAMER, 2004, p 183). Tal característica apresenta-se como o momento vitorioso da ciência moderna, o qual resulta de um processo iniciado no século XIX, e agora se apresenta como fator social predominante. Acontece em nossa época, um apoderamento de todos os âmbitos da práxis social, por parte do pensamento científico: “a investigação científica do mercado, a condução científica da guerra, a ciência da política externa, o controle científico da natalidade, a ciência para a condução da vida humana, conferem ao especialista em economia e sociedade um lugar central”. (GADAMER, 2004, p. 183)

Também afirma que Gadamer chama atenção para a questão da ordem mundial. Para o autor, nossa época não pode mais crer na ideia de uma ordem instituída, mas na possibilidade de planejamento e criação de uma ordem não instituída, ou seja, para além da estaticidade e representação racional de ordem. O filósofo apresenta então, alguns questionamentos fundamentais.

23 CRUZ, Raimundo José Barros. Práxis social, direitos humanos e hermenêutica: a

solidariedade como pressuposto básico. Disponível em: <

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Raimundo José Barros Cruz menciona esses questionamentos de Gadamer.

[...] Será possível pensar a ideia de uma ordem política determinada que não suscite ideias contrárias? Será possível pensar ideias políticas de ordem que favoreçam a uma ou outra das potências políticas existentes, de tal modo que seu favorecimento implique o desfavorecimento das outras? Será que se deve dizer que a existência desses antagônicos interesses de poder, constitui uma desordem? Não serão eles a própria essência da ordem política? (GADAMER, 2004, p. 185).

Anteriormente à passagem acima Gadamer diz: “Sabemos que, mesmo sendo desejo de todos, não existe uma ordem mundial entre os povos” (GADAMER, 2004, p. 183). O autor procura alertar para os desejos de ordem mundial impulsionados pelos ideais da razão científica.

Raimundo José Barros Cruz nota que:

[...] Gadamer mostra que a natureza inacordável dos divergentes interesses em relação a uma ordem político-econômica, não pode ser tomado como algo negativo; mas como sugere o próprio autor, a consciência da desordem talvez seja o ponto de partida para os planejamentos futuros, dessa forma, deve-se entender que interesses antagônicos, e desordens político-econômicas, são próprios de nossas condições, e por isso ao invés de orientar à supremacia, deveria suscitar o diálogo e entendimento mútuo: faz-se necessário a superação da ideia de que “determinadas por tantos pontos de vista diversos, parece impossível que determinada ideia política de ordem, consiga alcançar unanimidade geral [...] (GADAMER, 2004, p. 186).”

O que parece impossível de realização, segundo Gadamer, é a pretensão racionalizada de pensar a totalidade da ordem mundial como puro e simples objeto de planificações racionais. Pensar uma ordem mundial que confira direitos a todos, deve levar em consideração, a “profunda tensão existente entre autoridade da ciência, de um lado, e as formas de vida dos povos, cunhadas pela religião, usos e costumes da tradição, de outro”. (GADAMER, 2004, p. 186)

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Ainda segundo o autor, a verdade e o método provocam noções de solidariedade em vários momentos. “Uma obra com um potencial significativo para contribuir com as interpretações possíveis sobre a noção de solidariedade em Gadamer”. Agregado a isso são unidas as diversas entrevistas dadas pelo filósofo para diferentes periódicos em que é determinante o tema da solidariedade e a preocupação constante com a possibilidade de uma catástrofe planetária.

José Ingenieros24 apresenta as seguintes considerações a respeito da solidariedade.

Somos de fato, solidários com a sociedade em que vivemos. Com a sociedade imediata, que é a família, constituída pelo círculo dos consanguíneos; depois, com outros círculos mais amplos, o dos amigos, o dos colegas, o da cidade; e também somos com os homens que falam a nossa língua, praticam nossas leis, partilham de nossas crenças e nossos ideais, sempre compelidos por sentimentos de solidariedade cada vez mais amplos. Quanto mais alto é o nível do homem, mais amplo é o horizonte de sua solidariedade; nos grandes

gênios, chega a transpor um após o outro oscírculos concêntricos, até

ultrapassar o da família, o do partido, o da pátria, o da raça, para, então, abarcar a humanidade e a natureza, na qual nada acham de indigno de compenetração e simpatia.

Assim, para José Ingenieros o homem eleva-se a partir da evolução da solidariedade grupal para os níveis cada vez maiores, até a uma solidariedade em âmbito universal. Também ressalta que a moralidade individual se forma em função da moralidade social e que a solidariedade é, pois, a associação na luta pela vida, em substituição ao individualismo pessimista de Hobbes25.

A ideia de cooperação, portanto de solidariedade, é de fundamental importância para John Rawsl, ao ter a sociedade como sistema equitativo cooperativo de longo prazo. Neste sentido, anota Juan Manuel Pérez Bermejo26 ao observar que ele conceitua nossas sociedades como intercâmbios de serviços dispostos a longo prazo e cujo sentido procede tanto da cooperação mútua sustentada ao largo do tempo, como dos benefícios recíprocos que recebemos graças a mesma. Assim, Rawsl não necessita de potenciar filosoficamente o sentido da sociedade, mediante princípios metafísicos, religiosos ou, em suma, derivados de alguma concepção compreensiva: basta

24 INGENIEROS, José. Para uma moral sem dogmas, trad. e notas de GUIMARÃES, Isaac

Sabbá. Curitiba: Juruá, 2009, p. 137.

25 Ibidem, p. 138.

26 BERMEJO, Juan Manuel Pérez. Contrato social y obediencia al derecho en el pensamiento

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com o acudir ao modo de vermos a nós mesmos e assumir que a sociedade consiste em primeiro lugar em um mecanismo de cooperação, e esta ideia mínima pode ser assumida por todos sem contrariar convicções particulares.

O conceito de solidariedade relacionado à ideia de cooperação influenciou a Filosofia da Educação, que apresenta na atualidade, educadores com propostas pedagógicas relacionadas à concepção de cooperação.

Brotto27 explica que ao falarmos em Pedagogia da Cooperação, pensamos em um Caminho de Ensinagem Compartilhada, onde cada um e cada uma são considerados mestres aprendizes convivendo com a descoberta de si mesmos e do mundo, através do encontro com os outros diante de situações-problema que os desafiam a encontrar soluções cooperativas para o sucesso de todos e para o bem-estar comum.

Afirma que ao imaginarmos uma Pedagogia da Cooperação pensamos sobre uma Filosofia da Cooperação.

Diz que nem sempre estamos abertos e sensíveis para perceber as relações de interdependência entre nós. “Não somente porque essas relações de interdependência não são objetos físicos visíveis aos olhos, mas fundamentalmente porque nem os nossos olhos e nem as nossas mentes foram preparados e educados para vê-las” (ASSMANN; SUNG, 2000). Para isso, é necessário limpar a lente que temos usado para enxergar uns aos outros e assim, nos liberar da “Ilusão de Separatividade” (WEIL, 1987) e recuperar a Visão de Comum unidade para nos percebermos como partes uns dos outros.

Também aponta que, “além dessa fragmentação na educação de nossos olhares e mentes, podemos reconhecer outros obstáculos à Interdependência real, pois ‘quanto maior é a extensão do sistema social, os efeitos, benéficos ou perversos das ações e omissões levam mais tempo para retornar a sua origem e tocar os agentes” (MARIOTTI, 2000).

Brotto remata ao dizer que “o desenvolvimento da Cooperação como um exercício de corresponsabilidade para o aprimoramento das relações humanas em todas as suas dimensões e nos mais diversificados contextos, deixou de

27 BROTTO, Fábio Otuzi. Jogos cooperativos: se o importante é competir, o fundamental é

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ser apenas uma tendência, passou a ser uma necessidade e em muitos casos já é um fato consumado (HENDERSON, 1996)”. Entretanto, observa que esse fato, porém, ainda não é definitivo.

1.2 SOLIDARIEDADE NA ETOLOGIA E NA SOCIOBIOLOGIA

A Etologia configura-se no estudo do comportamento sob a perspectiva biológica, examinado da mesma maneira que qualquer outro aspecto. Isto porque os padrões de comportamento de maneira geral apresentam regularidade e uma coerência que se refere às necessidades evidentes do animal28.

Por sua vez a Sociobiologia consiste no estudo do comportamento social, que é visto em diversas espécies do mundo animal, desde os invertebrados – como abelhas, formigas e vespas – aos vertebrados – como os mamíferos, neles inclusos certos primatas e os homens. Tal disciplina foi criada pelo biólogo Edward O. Wilson nos Estados Unidos, tendo surgido entre o fim dos anos 1960 e começo dos anos 1970. Tem como origem a Etologia e busca efetuar uma síntese entre a Sociologia e a Antropologia e a Biologia, denotando a existência de leis comuns entre o comportamento do homem e dos animais.

Os estudos nos campos da Etologia e da Sociobiologia demonstram que a solidariedade, antes de ser uma criação humana, tem origem eminentemente biológica.

H. G. Wells29, renomado escritor de ficção científica, já apontava em

1922, antes mesmo de tais estudos, a existência de vínculos sociais entre os mamíferos, com envolvimento de afetividade.

28 BATESON, Patrick. Dicionário do pensamento social do século XX. Editado por William

Ourhwaite, Tom Bottomore. Ed. da versão brasileira de Renato Lessa, Wanderley Guilherme dos Santos. Tradução de Eduardo Francisco Alves, Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, p. 286.

29WELLS, Herbert George. Uma breve história do mundo. Porto Alegre: L&PM,

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Segundo ele, os mamíferos mais primitivos possivelmente separavam-se de suas crias logo após o período de amamentação. Contudo, uma vez surgida a capacidade de entendimento mútuo, evidenciaram-se os benefícios na continuação do relacionamento entre eles. Logo foi encontrada uma boa variedade de espécies de mamíferos, que evidenciou indícios do surgimento de uma real vida em sociedade, com seus componentes que se agregavam em rebanhos, bandos, manadas, com observação mútua, imitando-se e sendo chamados a atenção por movimentos e gritos dos outros. Tal comportamento nunca fora visto nos vertebrados. É verdade que répteis e peixes podem ser vistos em grupos e cardumes, pois saem de seus ovos em grande quantidade e situações semelhantes os mantenham juntos. Entretanto, quanto aos mamíferos, sociais e gregários, tal relacionamento não aparece apenas de conjugação de forças externas, mas é embasado num impulso interno. Não são simplesmente parecidos uns com os outros, sendo descobertos em vista disto em idênticos locais e simultaneamente. Gostam uns dos outros, razão da permanência juntos. Aponta que tanto os mamíferos como os pássaros têm domínio sobre si e consideração pelos outros, com uma inclinação social, ou autocontrole, em seu nível mais primevo, com semelhança ao homem.

Segundo Keith Harrison,30 a história do nosso corpo não remonta ao tempo em que nossos antepassados, simiescos, desceram das árvores. Ela começa em uma época anterior à evolução dos primeiros peixes, há quinhentos milhões de anos atrás. Como qualquer animal vertebrado exista ou tenha existido descendemos desses peixes. E mais adiante aponta que homens e chimpanzés tiveram sua evolução a partir de ancestral comum há poucos milhões de anos, o que tem atraído estudos científicos sobre nossas origens, particularmente no campo da linguaguem.

Explica que as duas espécies de chimpanzés, em oposição ao gorila, e à nossa semelhança, completam sua alimentação de folhas, frutos e sementes com até 10% de carne. Os bonobos comem cobras e roedores; os chimpanzés comuns reúnem-se para caçar macacos, porcos e antílopes.

30 HARRISON, Keith, Você o peixe que evoluiu: a incrível história sobre a teoria da evolução de

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É certo, como aponta referido autor, que as cordas vocais dos chimpanzés não se assemelham tanto às nossas, para possibilitar-lhes a fala, mas é possível, segundo alguns cientistas, aprenderem a comunicação por sinais.

Mais adiante anota31 que a comunicação entre os chimpanzés na floresta é feita por intermédio de guinchos e assobios, que demonstram até condições emocionais. Contudo, eles também têm entendimento apurado do gestual, expressões da face e linguagem do corpo. Alguns deles criam seus próprios sinais. Quiçá por causa disso possam adotar a mímica humana, quando em cativeiro.

Explica que as semelhanças entre nós e os chimpanzés em estrutura social, caça comunitária e aptidão para comunicar insinuam que muitas de nossas características sociais surgiram quando ainda vivíamos em florestas e não apenas quando já Homo sapiens. Tais semelhanças também reforçam a tese de que o homem não constitui espécie totalmente diferente das demais, mas tão somente fração de uma sequência sucessiva de tipos.

Segundo Felipe Fernández-Armesto,32

é difícil falar cientificamente sobre a moral, porque, num sentido estrito, a moralidade cientificamente explicável é uma contradição em termos. A bondade não é realmente bondade, se meramente confere uma vantagem evolutiva ou algum outro benefício computável: pois ela então se torna uma forma de egoísmo. A compaixão se transforma em medo externalizado; a generosidade, na expectativa

de receber algo em troca; a simpatia, em estratégia decolaboração; o

amor se torna, como disse Diderot, ‘uma palpitação agradável num par de intestinos.

Referido autor propõe que temos que nos limitar ao tipo mais tosco de ciência, que consiste em deixar a explicação de fora e acreditar na mera observação. Esta só pode ser feita através do exame do comportamento de outros animais, na procura de provas de prática de atos considerados morais em nossa espécie. No chimpanzé, por exemplo, encontraremos simpatia e empatia, amizade e atenção respeitosa sem interesse, reciprocidade com as obrigações pertinentes, reconciliação e consolo e mesmo atos de abnegação,

31 Ibidem, p. 83-84.

32 FERNANDÉZ-ARMESTO, Felipe. Então você pensa que é humano? Uma breve história da

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tudo em profusão. Aponta para estudos mostrando lutas entre dois chimpanzés, após as quais alguns dos outros membros da comunidade se aproximam e consolam a vítima, colocando o braço em volta de seu corpo. Observa que a primatóloga russa Nadie Coates relata a impossibilidade do uso de ameaças ou recompensas com êxito para com seu chimpanzé; porém, se simulasse dor, ele sempre dela se aproximava para consolá-la, com expressão facial indicativa de compaixão.

Ele adverte que se a moralidade animal é humana ou a moralidade humana é apenas simplesmente animal, a diferença entre ambas constitui um problema. Conclui que as diferenças entre a nossa espécie e as demais são possivelmente do mesmo tamanho que as existentes entre as não humanas entre si. “Os humanos são únicos, mas não com algum tipo único de unicidade”.

Como esclarecem Richard Wrangham e Dale Peterson33,os chimpanzés e os humanos são os parentes mais próximos uns dos outros. Os estudos sobre os ancestrais dos humanos, cuja desenvoltura tem ocorrido ultimamente em maior profundidade, aproximam cada vez mais chimpanzés e humanos, mais do que seria imaginável. Três recentes e formidáveis descobertas seguem numa mesma direção, no tocante ao relacionamento entre humanos e chimpanzés. Há cerca de cinco milhões de anos seus ancestrais não podiam ser distinguidos entre si.

Em segundo lugar, laboratórios demonstraram que os chimpanzés estão mais próximos geneticamente de nós que dos gorilas, não obstante a enorme semelhança física entre os chimpanzés e os gorilas.

Por derradeiro, estudos realizados tanto em campo como em laboratórios a respeito do comportamento dos chimpanzés estão sinalizando semelhanças cada vez mais evidentes com o comportamento dos humanos. Isto não decorre somente de que eles dão tapinhas na cabeça uns dos outros, trocam beijos ou abraços, como demonstração de afeto. Tampouco porque têm menopausa e exprimem dor por seus bebês mortos, trazendo-os ao colo por dias ou semanas. Também não o é de sua habilidade em fazer somas, em se

33 WRANGHAM, Richard; PETERSON, Dale. O macho demoníaco: as origens da

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comunicar por sinais com as mãos. Igualmente o fato de utilizar ferramentas, seu senso de colaboração ou a barganha para permuta de benefícios sexuais. Do mesmo, afirma ele, não impressiona o fato de que os chimpanzés guardam ressentimento por longo período, que ocultam seus sentimentos ou aproximam rivais para fazer as pazes. O que realmente neles impressiona é a natureza de sua sociedade em que um conjunto de chimpanzés toma parte de uma área em comum. Os machos permanecem toda a vida nos grupos em que nasceram; já as fêmeas transferem-se para grupos vizinhos, quando atingem a adolescência. A defesa do território e, às vezes, sua ampliação é feita com grande violência, com grande risco de mortes, através de grupos de machos parentes entre si pela linhagem paterna.

Prosseguem os autores ao afirmar que o que torna esse mundo tão especial é a comparação com o nosso. Poucos animais vivem em sociedades nas quais o relacionamento é efetuado por intermédio dos machos, pela linhagem paterna e nos quais o risco de consaguinidade é minimizado com a transferência das fêmeas para os grupos vizinhos para acasalamento. E apontam que só são conhecidas duas espécies animais que utilizam um sistema de agressão territorial imensa, decorrente dos machos, inclusive com ataques mortais em comunidades vizinhas, à procura de inimigos fragilizados para atacar e matar. De todas as espécies animais esse conjunto de comportamentos só é encontrado nos chimpanzés e nos humanos.

Samuel Bowles, Ph.D. em economia pela Universidade de Harvard, onde foi professor, e que ora dirige o Programa de Ciências Comportamentais do Instituto Santa Fé, na capital do Novo México e também professor na Universidade de Siena, na Itália, em entrevista à revista IstoÉ, à jornalista Solange Azevedo34, afima que Charles Darwin estava errado. Segundo ele, os seres humanos progrediram graças aos grupos mais altruístas. A teoria da sobrevivência do mais gentil, que é uma crítica à teoria da sobrevivência do mais apto, demonstra que a seleção natural pode, sim, produzir espécies altruístas e mais cooperativas, em vez de seres humanos inteiramente egoístas. Afirma que a espécie humana é essencialmente cooperativa e “a

34 AZEVEDO, Solange. Charles Darwin estava errado. IstoÉ, São Paulo, n. 2158, p. 6-12, 23

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genética e a evolução cultural produziram uma espécie em que um número substancial de pessoas se sacrifica para manter as normas éticas e para ajudar, inclusive, pessoas estranhas”. “Os primeiros seres humanos viveram em condições adversas […] de variações climáticas e desafios diante de outros grupos, nos quais indivíduos egoístas teriam sido bastante prejudiciais na competição pela sobrevivência. Os grupos mais cooperativos foram mais capazes de se reproduzir em larga escala” e “essa foi a razão de a espécie humana ter se tornado cooperativa”.

Franz de Waal35 afirma que somos brindados com dois parentes primatas que diferem entre si como o dia da noite. O chimpanzé é um tipo violento, ambicioso e possui pavio curto, conhecido pela ciência desde o século XVII. Por ter comportamento hierárquico e violento projetou a figura do ser humano como primata assassino. E isso levou alguns cientistas a concluir ser nosso destino biológico o de guerrear permanentemente, arrebatando o poder pela força. O autor concorda com esse lado violento dos chimpazés, ressaltando ter presenciado muito derramamento de sangue entre eles. Entretanto, chama atenção para os bononos, descobertos somente no século XIX. Este caráter pacífico, extremo apetite sexual, afastam o conceito de que a nossa herança genética é puramente sanguinolenta.

E mais adiante prossegue36 que esses grandes primatas, tão parecidos com nós receberam, por isso, a denominação de antropoides, vocábulo de origem latina, com o significado de com o formato do homem.

Somos, segundo ele, aparentados com duas sociedades radicalmente diversas. A do chimpanzé, brutamontes e com ânsia de poder e a do bonobo, pacífico e sensual. Seriam como Dr. Jekyll e Mr. Hyde, personagens do romance O Médico e o Monstro de Robert Louis Stevenson. Disto resulta nossa natureza, de um incômodo cruzamento dos dois. É a empatia que permite aos bonobos compreender as necessidades e desejos uns dos outros e ajudar a satisfazê-los.

35 WAAL, Franz B. M. Eu, primata: por que somos como somos. São Paulo: Companhia das

Letras, 2007, p. 15.

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Anota Franz de Waal37 que a constatação desse aspecto sombrio do chimpanzé parecia arredar o paraíso perdido de Rosseau, aproximando por outro lado, Hobbes. A violência encontrada nos grandes primatas denota que somos propensos à crueldade. Acresce-se a isto a assertiva de biológos evolucionistas no sentido de que somos geneticamente egoístas. O monstro que somos na verdade é visto através da imagem chimpanzé.

Franz de Waal38 aponta que a moralidade, solidariedade e altruísmo têm origem biológica, evolutiva: que podemos ter certeza absoluta de que a famigerada síntese da teoria do verniz dizia respeito tão somente às pessoas. Ninguém sugeriria que animais estão tentando ludibriar uns aos outros. É por isso que os grandes primatas não humanos são cruciais para o debate sobre a condição humana. Se descobrirmos que eles são melhores do que meros brutos – mesmo ocasionalmente -, a noção de bondade como invenção humana começará a balançar. E se os pilares da moralidade, como a solidariedade e o altruísmo intencional puderam ser encontrados em outros animais, seremos forçados a rejeitar totalmente a teoria do verniz. Darwin tinha consciência dessas implicações quando observou que “muitos animais certamente se solidarizam uns com os outros em momentos de aflição ou perigo.”

Afirma que grandes primatas não humanos cuidam de companheiros feridos, diminuindo a marcha quando algum deles nãoconsegue acompanharo grupo, limpando os ferimentos dos outros ou subindo em árvores para apanhar frutos e alimentar um companheiro mais velho que já não consegue subir. Aponta um relatório de que um chimpanzé macho adulto adotou um órfão e o carregava doente em suas caminhadas, protegendo-o de perigos e salvando-lhe a vida, apesar da inexistência de parentesco entre eles. Também na década de 1920 o primatologista americano Robert Yerkes encantou-se ao constatar a preocupação de um jovem chimpanzé com seu companheiro, doente em estágio terminal, admitindo esse comportamento solidário e altruísta como o idealizado para um ser humano.

37 Ibidem, p. 43-44

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Por fim, Franz de Waal39 refuta a tese de que a moralidade resulta de um verniz cultural ou religioso, em face das pesquisas científicas realizadas com o cérebro humano. Tal fato foi constatado quando especialistas verificaram imagens tiradas de cérebros de pessoas, às quais foram solicitadas solução de questões morais que propuseram. Apuraram que a escolha das alternativas ativaram centros emocionais mais antigos, embutidos profundamente no cérebro, em vez do neocórtex, mais superficial, de evolução mais recente. A moralidade, portanto, vem-nos naturalmente.

Em outra de suas obras, Franz de Waal40 afirma que o altruísmo não é só limitado à nossa espécie. Sua presença em outras espécies e o teórico desafio que isto representa foi o que deu vazão à Sociobiologia – o estudo do comportamento animal (incluindo os humanos) de uma perspectiva evolucionária.

A atitude de ajudar o outro, com custo ou risco próprio, está amplamente disseminada no reino animal. E apresenta alguns exemplos disso. O alerta dado por pássaros a outros pássaros permite que estes escapem ao ataque de predadores, mas atraem a atenção para os que deram o sinal.Nos insetos são encontradas castas sociais de animais estéreis que pouco fazem além de servirem de alimentos para as larvas das rainhas ou perecerem na defesa das colônias.Membros da mesma família dão assistência para capacitar casal mais desfavorecido a alimentar mais bocas, possibilitando melhor criação da própria família. Golfinhos auxiliam companheiros lesionados a ficarem próximos da superfície para não se afogarem.

Franz de Waal ainda acentua que grandes demonstrações de cuidados não se limitam às espécies mais assemelhadas a nós. Exemplos de altruísmo são encontrados em elefantes e golfinhos e mesmo em primatas mais primitivos e menos sofisticados. Eventos deslumbrantes envolvendo lêmures de cauda-anel foram observados num cativeiro florestal no Centro Universitário de Primatas Duke,nos Estados Unidos. Um bebê de três meses ao subir numa cerca elétrica recebeu um choque, caiu ao chão e passou a ter convulsões. Um

39 Ibidem, p. 48-49.

40 WAAL, Franz B. M. Good natured: the origins of right and wrong in humans and other

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aluno que assistiu ao incidente correu em busca de socorro, mas ao retornar, viu a macaquinha nas costas da avó que não costumava carregá-la. A mãe do bebê que não presente quando isto aconteceu, não viu o ocorrido e continuou a comer numa árvore, a distância. A avó carregou o filhote por uns dez minutos e depois o colocou num local sossegado, no qual o pequeno ficou sentado com olhar confuso. E o bebê sobreviveu sem apresentar sequelas.

Jane Goodall41 informa que existem muitas semelhanças entre o comportamento humano e o dos chimpanzés. Encontram-se presentes laços afetivos e, além disso, são protetores e perenes entre os membros da família. Há uma extensa dependência infantil, o aprendizado reveste-se de importância, presentes padrões de comunicação não verbal, emprego e fabrico de ferramentas, cooperação na caçada, manobras sociais complexas, senso de territorialidade agressivo e uma gama de comportamentos de prestação de ajuda. A similitude na estrutura cerebral e no sistema nervoso central ensejaram ao aparecimento de capacidades intelectuais, sensibilidades e emoções similares nas duas espécies.

Recentemente o jornal Folha de S. Paulo, de 10/08/2011, caderno C11, publicou notícia de Rafael Garcia, de Washington, sob o título “Chimpanzé, enfim, passa em prova de altruísmo”. Segundo o texto, finalmente o chimpanzé, espécie que vinha sendo acusada de egoísmo, demonstrou em experiência sua capacidade em querer bem ao próximo.

Pela primeira vez em laboratório, o animal mais próximo de nós apresentou comportamento altruísta, ao compartilhar alimento.

Esse estudo foi realizado pelo já mencionado primatólogo Frans de Waal. Macacos cujo parentesco é mais distante de nós já haviam demonstrado em testes comportamentos altruístas, porém nosso parente mais próximo parecia ser egoísta quando examinado mais perto.

Considerada que é inata a tendência pró-social e de algum modo geneticamente presente no ser humano, e tendo em vista que com eles

41 GOODALL, Jane. Uma janela para a vida: 30 anos com os chimpanzés da Tanzânia.

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compartilhamos 98% de semelhança de nosso DNA, o comportamento altruísta era de ser esperado nos chimpanzés.

O experimento envolveu a participação direta de um cientista. Ao selecionar fichas de diferentes cores, os chimpanzés determinavam se o humano deveria dar bananas ao animal que estava na gaiola próxima. Em até dois terços das oportunidades, os macacos resolveram cooperar.

As falhas anteriores, segundo Victoria Horner, condutora do estudo, foram debitadas ao uso de aparatos mais complexos. Embora os primatólogos soubessem, por intermédio de observações na natureza, atos de cooperação entre os chimpanzés, tal não era comprovado em laboratório.

Também foi observado que os animais tendiam a não cooperar com os vizinhos de jaula que os incomodavam muito, como por exemplo, ao cutucar seu parceiro ou cuspir na água para chamar atenção.

A possível mágoa decorrente dessa represália não se mostrou duradoura. Na troca de papéis, os que decidiam se os vizinhos deveriam receber alimento não foram prejudicados. Mesmo o chimpanzé inicialmente prejudicado, ao passar a controlar o fornecimento da comida, não procurava retaliar ao assumir a função do primeiro animal.

Os chimpanzés, portanto, surpreendentemente demonstraram-se mais sociáveis que seus primos primatas. E se conseguem recordar de favores recebidos no passado não têm a tendência humana de guardar rancor, conforme conclusão do estudo.

Em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, caderno A27, de 14/04/2011, o biológo Fernando Reinach aponta que também animais menos desenvolvidos que os mamíferos apresentam comportamento de empatia.

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A empatia consiste no comportamento animal quando um indíviduo, ao ver o sofrimento ou dificuldade de outro, tem reações similares às de quem as sofre, sem que as mesmas causas estejam presentes. É o caso dos animais que presenciam ameaças sofridas por seus filhotes e reagem da mesma forma que estes.

Anota o articulista que nas aves, cujo desenvolvimento cerebral é mais primitivo que o dos mamíferos, a empatia jamais havia sido encontrada. Porém, experimentos recentes envolvendo mães e as respectivas ninhadas evidenciaram que as galinhas apresentam empatia e preocupação com o sofrimento dos semelhantes, ao observá-los em condições angustiantes.

Verifica-se, portanto, que muitos dos comportamentos humanos têm origem na própria natureza, que estão em outros animais, especialmente aqueles mais próximos. A solidariedade, assim, não tem seu ponto de partida quer no Estado, na Sociedade ou na Religião. Esses, certamente, reforçaram a solidariedade, mas sua gênese há de ser encontrada na própria evolução natural.

1.3 SOLIDARIEDADE NA SOCIOLOGIA

No âmbito sociológico, Graham Crow42 afirma que “o conceito de solidariedade se refere à identificação das pessoas com outros membros dos grupos a que pertencem, assim como à sua tendência a apoiá-los”.Aponta que esse conceito é associado precipuamente a Durkheim, cujo primeiro livro, A

divisão do trabalho social, visou demonstrar a transição do que denominou

solidariedade mecânica para uma solidariedade orgânica e que será examinado mais adiante.

Conforme o autor, um tipo diferente de análise é ligado ao estudo de Marx a respeito das relações de classe, no qual a solidariedade está fundada no reconhecimento, pelos integrantes de uma classe, de seus interesses

42 CROW, Graham in SCOTT, John. Sociologia: conceitos-chave. Tradução Carlos Alberto

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comuns contra oponentes também comuns. Salienta que Marx afirma que a solidariedade da classe trabalhadora encontra vazão em organizações como os sindicatos, nos quais os membros reunem forças para concretizar objetivos que procuram beneficiar a todos, como, exemplificativamente, um aumento de salários. Essa solidariedade pode conseguir que os integrantes do grupo se privem de mirar seus interesses particulares num curto prazo em prol do bem comum num prazo maior. É possível obter-se maiores salários através de greves que antes obrigam a um período de privação por parte dos trabalhadores.

Graham Crow ressalta que o apelo de Marx à união dos trabalhadores de todo o mundo foi encarado por Max Weber como idealista, diante das profundas diferenças entre os trabalhadores em face de sua localidade, indústria, gênero, idade, religião, etnicidade e nacionalidade. Aponta que para Weber essa restrição social em torno de interesses específicos prejudicava a solidariedade de classe com base mais abrangente, contribuindo para a disputa entre grupos rivais dos escassos recursos existentes. De acordo ainda com o autor, Georg Simmel observou que a solidariedade é mais profunda nas relações entre os integrantes de sociedades secretas exclusivas, como a máfia, que têm um grau elevado de senso de interdependência e destino coletivo.

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mostraram a limitação do apoio popular à solidariedade ética entre grupos, cujos integrantes se reputam responsáveis pelo bem-estar social coletivo em nível nacional. Tal comportamento de estar preparado apenas para o apoio a outrem quando houver um evidente proveito pessoal, é enxergado por Mary Douglas como a antítese da solidariedade, já que esta envolve, obrigatoriamente, o sacrifício pessoal em vez do próprio interesse. Aponta-se ainda que ela admite que o altruísmo em favor do grupo, existente na solidariedade, é mais difícil de ser demonstrado do que os atos promovidos em interesse próprio.

Outro olhar lançado sobre a solidariedade indica Graham Crow, é a dos trabalhos contemporâneos sobre comunitarismo, cujo maior defensor é Amitai Etzioni. A base dessa perspectiva é de que a tendência no apoio aos outros é mais satisfatoriamente exercida pelas organizações comunitárias do que pelo mercado ou pelo Estado. Essa nova solidariedade, embasada em liames comunitários, apresenta-se como uma força moral capaz de abalar o individualismo e, ao mesmo tempo, possui mais voluntariedade e autenticidade que os programas desenvolvidos pelo Estado. Todavia, os críticos da ótica comunitarista sustentam que ela está radicada em ultrapassados conceitos de solidariedade comunitária, com a incorporação de visão convencional sobre os papéis de gênero e relação de classe. Segundo essas críticas, as mulheres e os membros pobres das comunidades são restringidos à prática de obrigações em relação às quais têm poucas alternativas ou controle. Em razão disso, os críticos do comunitarismo reputam que as tradições comunitárias são inadequadas para desenvolverem verdadeiro esforço coletivo na realidade contemporânea.

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rapidamente quanto havia aparecido. O caráter instável da solidariedade social resta evidente na velocidade com que muitos movimentos sociais surgem e desaparecem. Similar constatação pode ser verificada na tendência das solidariedades comunitárias mais comuns, de crescer e diminuir com o decurso do tempo. Essa vertente temporal tem causado um renovado interesse pela noção durkheimiana de que os membros de grupos necessitam partilhar periodicamente momentos de agitação coletiva a fim de renovar sua mútua identificação. Remata que no contexto de sociedades instáveis, em que se revela maior dificuldade de os indivíduos sustentarem papéis e identidades fixas, o fenômeno da solidariedade torna-se cada vez mais, e não menos, importante.

Acerca da solidariedade no âmbito da Sociologia, esclarece Ely Chinoy43 que o atendimento às regras sociais é estimulado pela preservação da solidariedade, como forma de coesão social. Quanto maior o reconhecimento mútuo entre os integrantes de uma sociedade ou de um grupo, e quanto mais fortes os liames que os aproximam na comunidade, menores os riscos de infração aos seus costumes, convenções ou normas legais.

Nota referido autor que a solidariedade por si só não é obrigatoriamente boa ou má. Por isso, as consequências extraídas em cada conjuntura social devem ser analisadas de forma isolada. Assim, uma sociedade autoritária, com ausência de críticas e debates e forte consenso interno, pode revelar-se extremamente solidária. De outro lado, uma sociedade democrática, pode ser coesa e estável, embasada em forte concordância interna, mas com respeito à liberdade e ao individualismo. Entretanto, observa que toda sociedade, seja democrática ou autoritária, para sua própria sobrevivência necessita de um consenso suficiente quanto a seus valores culturais e deve recorrer a uma fidelidade recíproca.

Esse sociólogo americano, portanto, ao empregar o termo solidariedade como sinônimo de coesão social, aproxima-o de seu sentido originário, de indivisibilidade, unidade.

Referências

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