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Da indenização punitiva: análise de sua (in) na ordem jurídica brasileira

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Academic year: 2018

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UNI V E R S I D A D E F E D E R A L D O C E A R Á

F A C UL D A DE D E D I R E I T O

C UR SO D E G R A D UA Ç Ã O E M D I R E I T O

D A V I G UI M A R Ã E S M E ND E S

D A I NDE NI Z A Ç Ã O PUNI T I V A : A NÁ L I S E D E S UA (I N)A PL I C A B I L I D A D E NA

O R D E M J UR ÍD I C A B R A S I L E I R A

F O R T A L E Z A

(2)

D A V I G UI M A R Ã E S M E ND E S

D A I NDE NI Z A Ç Ã O PUNI T I V A : A NÁ L I S E D E S UA (I N)A PL I C A B I L I D A D E NA

O R D E M J UR ÍD I C A B R A S I L E I R A

Monografia apresentada à C oordenaçã o do C urso de Graduaçã o D ireito da Universidade

F ederal do C eará, como requisito parcial para a

obtençã o de grau de B acharel em D ireito.

Á rea de concentraçã o: D ireito C ivil.

Orientador: Profa. D ra. Maria V ital da R ocha.

F O R T A L E Z A

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca Universitária

Gerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

M49i Mendes, Davi Guimarães.

Da indenização punitiva : análise de sua inaplicabilidade na ordem jurídica brasileira / Davi Guimarães Mendes. – 2016.

76 f.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2016.

Orientação: Profa. Dra. Maria Vital da Rocha.

1. Indenização punitiva. 2. Responsabilidade civil. 3. Direito civil. I. Título.

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D A V I G UI M A R Ã E S M E ND E S

D A I NDE NI Z A Ç Ã O PUNI T I V A : A NÁ L I S E D E S UA (I N)A PL I C A B I L I D A D E NA

O R D E M J UR ÍD I C A B R A S I L E I R A

Monografia apresentada à C oordenaçã o do

C urso de Graduaçã o D ireito da Universidade

F ederal do C eará, como requisito parcial para a obtençã o de grau de B acharel em D ireito.

Á rea de concentraçã o: D ireito C ivil.

A provada em:

B A NC A E X A MINA D OR A

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Profa. D r. Maria V ital da R ocha (Orientadora)

Universidade F ederal do C eará ( UF C )

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Prof. B runo L eonardo C âmara C arrá

F aculdade 7 de S etembro (F A 7)

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Profa. Msc. E liza C ristina Gonçalv es D ias

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A G R A D E C I M E NT O S

A ntes de tudo, agradeço a D eus, pela bê nçã o de ter me possibilitado chegar até esse momento, proporcionando-me uma vida repleta de graças e conquistas, as quais nã o seriam possíveis sem a sua intercessã o.

A gradeço à minha família: meus pais, F rancisco e F átima, pelo amor, pela educaçã o e por terem sempre sido meus maiores apoiadores, nunca me deixando desacreditar nos meus sonhos; meus avós, Miguel e Maria, R ailda e J oã o, por serem exemplo de simplicidade, honestidade e humildade; meus tios, na figura de meu tio L ázaro, e minhas tias, nas figuras de minhas tias Márcia e Z ilmar, por serem segundos pais e mã es para mim; meus primos, na figura de minha prima B árbara, minha prima-irmã , por serem os irmã os que D eus me deu.

A gradeço a L ara, companheira que conheci na F aculdade de D ireito e que agora é minha parceira para a vida, por nã o ter se limitado a sonhar comigo, mas por sempre fazer de tudo para que nossos sonhos se tornassem realidade para nós dois.

A gradeço a todos os amigos que fizeram parte de minha vida durante esses quatro anos: felizmente, você s sã o tantos, e tã o preciosos, que nã o me atrevo a enumerá-los, por temer que a memória me traia.

A gradeço a todos os projetos de ensino, pesquisa e extensã o em que tive a honra de me engajar: C urso Pré-V esti bular Paulo F reire, pelas tã o importantes lições que aprendi enquanto professor e coordenador; S ONU, na qual tive o prazer de ser participante e diretor, por ter sido uma experiê ncia acadê mica tã o transformadora; C entro A cadê mico C lóvis B eviláqua, pela oportunidade de participar do movimento estudantil e de contribuir um pouco para o dia-a-dia de meus colegas na F aculdade de D ireito da UF C ; Grupo de E studos em D ireito Processual (GE D PC ) e S ociedade A cadê mica F ran Martins, nos quais pude iniciar as minhas atividades de pesquisa.

A gradeço à s instituições em que tive o prazer de aprender enquanto estagiário – V alença & A ssociados, L ev y & S alomã o A dvogados e Procuradoria Geral do Município de F ortaleza – , apresentando alguns dos profissionais que até hoje me servem de exemplo.

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A certeza de um castigo, mesmo moderado, causará sempre impressã o mais intensa que o temor de outro mais severo, aliado à esperança de impunidade.

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R E S UM O

O presente trabalho tem por finalidade estudar a aplicabilidade da indenizaçã o punitiva na ordem jurídica brasileira. E scrutiniza-se, portanto, a possibilidade de, no âmbito da responsabilidade civil, haver a condenaçã o do agressor ao pagamento de indenizaçã o em valor superior ao necessário à mera reparaçã o dos danos, com a finalidade de punir a atuaçã o ilícita e desincentivar novas condutas semelhantes. Para isso, realiza-se, primeiramente, análise histórica da responsabilidade civil, a fim de determinar se a indenizaçã o punitiva se adequa aos caminhos percorridos nos últimos séculos pela responsabilidade civil. E m seguida, sã o estudadas as finalidades do instituto, apontando-se quais sã o as estruturas responsáveis por materializá-las. Por fim, investiga-se as inspirações da indenizaçã o punitiva brasileira no direito estrangeiro, apresentando as principais críticas à utilizaçã o desse instrumento jurídico no ordenamento jurídico brasileiro, bem como as respostas dos defensores da aplicaçã o geral da pena privada.

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A B S T R A C T

T his work aims to study the applicability of the punitive damages in the B razilian legal system. It is scrutinized, therefore, if it is possible, within B razilian torts law, to order the agressor to pay compensation in excess of the required to repare the damages, in order to punish the unlawful activities and discourage similar new conducts. F irst of all, in order to do this, a historical analysis of the torts law is carried out, for the purpose of determining if the punitive damages are suitable with the paths taken in the last centuries by the torts law. Next, the purposes of the legal institute are studied, being pointed out which are the structures responsible for materializing it. L astly, the inspirations of the brazilian punitive damages in the foreign law are investigated, being presented the main criticism of the use of this legal instrument in the B razilian legal system, as well as the responses of the supporters of the general application of the private penalties.

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L I S T A D E A B R E V I A T UR A S E S I G L A S

C F /88 C onstituiçã o F ederal de 1988 C C /02 C ódigo C ivil de 2002

C C /16 C ódigo C ivil de 1916

C D C C ódigo de D efesa do C onsumidor C PB C ódigo Penal B rasileiro

C T B C ódigo de T rânsito B rasileiro C PC /15 C ódigo de Processo C ivil de 2015 S T J S uperior T ribunal de J ustiça

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S UM Á R I O

INT R OD UÇ Ã O ... 12

1 A R E S PONS A B IL ID A D E C IV IL D UR A NT E A HIS T ÓR IA ... 14

1.1 Os primórdios da responsabilidade: da vingança coletiva à vingança privada ... 15

1.2 A responsabilidade civil no direito romano ... 17

1.3 A s contribuições do direito medieval e o caminho percorrido até as codificações modernas ... 22

1.4 A culpa e o risco como fontes da responsabilidade civil ... 24

1.5 E stado da arte da responsabilidade civil no brasil ... 29

2 A S F UNÇ Õ E S D A R E S PONS A B IL ID A D E C IV IL ... 32

2.1 A diversidade de posições doutrinárias quanto às funções assumidas pela responsabilidade civil ... 33

2.2 A funçã o reparatória da responsabilidade civil ... 37

2.3 A funçã o punitiva da responsabilidade civil ... 40

2.4 A funçã o preventiva da responsabilidade civil ... 43

3 A IND E NIZ A Ç Ã O PUNIT IV A NA OR D E M J UR ÍD IC A B R A S IL E IR A A T UA L ... 45

3.1 A pena privada na modernidade: os punitive damages da tradiçã o jurídica de common law ... 47

3.2 A recepçã o da indenizaçã o punitiva na doutrina e jurisprudê ncia brasileiras ... 51

3.3 A controvérsia acerca da aplicaçã o das indenizações punitivas no B rasil ... 56

3.3.1 A discussã o acerca da possível violaçã o ao princípio da vedaçã o ao enriquecimento sem causa ... 57

3.3.2 A discussã o acerca da possível violaçã o ao princípio do ne bis in idem... 59

3.3.3 A discussã o acerca da possível violaçã o ao princípio da legalidade ... 61

C ONS ID E R A Ç Õ E S F INA IS ... 69

(13)

I NT R O D UÇ Ã O

A aplicabilidade de indenizações punitivas na ordem jurídica brasileira, cujo desenvolvimento histórico do instituto da responsabilidade civil tem sido, há séculos, em sentido contrário à s penas privadas, consiste em temática controversa na doutrina e na jurisprudê ncia.

A responsabilidade civil, entendida como “instituto pelo qual se determina quem é o indivíduo que suportará, em definitivo, determinado dano”

1

, assume inegável complexidade nã o só na atualidade, mas ao longo da história, sobretudo diante de seu desenvolvimento científico milenar, cujas finalidades foram várias ao longo do tempo, ocorrendo, nã o raras vezes, movimentos que visavam a extirpar uma destas funções, sob os mais variados argumentos.

É árdua, portanto, a tarefa de avaliar os contornos da responsabilidade civil, dificuldade que se revela na existê ncia de discussões acerca da própria nomenclatura utilizada para se referir à s indenizações punitivas.

C umpre destacar, de antemã o, que se preferiu a expressã o “indenizaçã o punitiva” por se entender a mais adequada, tanto do ponto de vista técnico, quanto prático, para os fins de elaboraçã o do presente trabalho.

C om efeito, expressões alternativas, como “danos punitivos”, “multa civil” ou “pena privada” falham por serem atécnicas ou dificultarem a compreensã o do trabalho.

No que se refere à primeira nomenclatura, por exemplo, verifica-se pouca precisã o teórica, eis que o objeto de estudo, a rigor, representa uma puniçã o além do dano, tratando-se de mera traduçã o errada da expressã o inglesa damages, cujo significado, no jargã o jurídico, é de indenizaçã o, e nã o de dano

2 .

Por outro lado, a adoçã o da expressã o “multa civil”, apesar de adequada do ponto de vista técnico, é prejudicial à compreensã o do estudo, por suscitar confusões com as multas de natureza penal.

J á no que se refere à terminologia “pena privada”, constata-se que é ela também técnica, mas falha por sua generalidade, eis que existem penas privada que nã o sã o tratadas no presente trabalho.

E sclarece-se, desde já, portanto, que a nomenclatura adotada é a de “indenizaçã o punitiva”, porquanto mais comumente utilizada pela doutrina e pela jurisprudê ncia,

1

D IA S , J osé de A guiar. D a r esponsabilidade civil. 12. ed. R io de J aneiro: L umen J uris, 2012. p. 15. 2

(14)

se, no entanto, que, por vezes, as expressões “multa civil” e “pena privada” sã o utilizadas no trabalho como sinônimos da expressã o “indenizaçã o punitiva”.

D iante da importante temática das indenizações punitivas, questiona-se, afinal, de que modo a responsabilidade civil evoluiu ao longo da história, especialmente em atençã o ao caráter punitivo ou nã o do instituto; se a funçã o reparatória é a única admitida em seu âmbito; e se a puniçã o pode, paralelamente à reparaçã o, ensejar indenizaçã o autônoma.

Nesse sentido, realiza-se, primeiramente, uma análise histórica da responsabilidade civil, a fim de se determinar o état de l’art do instituto, compreendendo a sua evoluçã o para verificar se a indenizaçã o punitiva se adequa aos caminhos percorridos nos últimos séculos pela responsabilidade civil.

E m seguida, perquire-se quais sã o as finalidades desse instituto, apontando os papéis desempenhados por cada uma delas, tanto do ponto de vista funcional, quanto sob a ótica da estrutura que as consubstancia.

(15)

1 A R E S PO NS A B I L I D A D E C I V I L D UR A NT E A H I S T ÓR I A

O problema da responsabilidade acompanha o homem em todas as suas manifestações 3

, relacionando-se à própria liberdade e racionalidade que lhe sã o peculiares

4

. T em sido constante ao longo da história, em funçã o disso, a preocupaçã o em atribuir responsabilidades pelos danos oriundos da vida em sociedade

5 .

Nesse sentido, ressalta A lvino L ima que os mais diversos povos partilharam, em suas origens, soluções similares para os problemas relacionados à responsabilidade

6

, ao passo que Georges R ipert chega a afirmar que o dever de nã o lesar a outrem sempre foi regra moral imposta à açã o humana, à qual o direito se limita a conferir sua sançã o

7 .

A nalisar-se-á, neste capítulo, a evoluçã o histórica da responsabilidade civil, desde as suas primitivas demonstrações, mais aproximadas da barbárie que do D ireito, até os seus modernos conceitos, nos quais ressoa a preocupaçã o em conceder o dinamismo, a eficiê ncia e a precisã o teórica demandadas pelo instituto.

T rata-se de tarefa necessária nã o só para delimitar os contornos da responsabilidade civil e compreender a sua relevância, como sugerido pelos irmã os Mazeaud

8

, mas sobretudo para se assegurar coerê ncia interna e integridade ao direito, o qual, se nã o deve permanecer estático, também nã o pode desconsiderar as direções apontadas pelos processos evolutivos ocorridos ao longo da história.

E ssencial, por conseguinte, que se perquira inicialmente como os indivíduos de outrora trataram as questões sobre as quais hoje nos debruçamos, e em que direçã o estas se desenvolveram, para só entã o avaliar quais sã o as interpretações mais adequadas à ordem jurídica contemporânea, o que se faz nã o por apego a um direito em desuso, mas pelo reconhecimento de que o jurista está encarregado de continuar uma obra historicamente elaborada, atualizando-a e fazendo-a evoluir, é claro, mas nã o a começando novamente

9 . Para isso, apontar-se-áde que modo ocorria a responsabilizaçã o na aurora da humanidade, demonstrando-se, em seguida, a evoluçã o da responsabilidade civil no direito romano e o caminho percorrido neste sistema para que o instituto alcançasse algumas de suas

3

D IA S , J osé de A guiar. Op. cit. p. 1. 4

B IT T A R , C arlos A lberto. R esponsabilidade civil: teoria e prática. R io de J aneiro: F orense Universitária, 1989. p. 2.

5

B IT T A R , C arlos A lberto. R epar açã o civil por danos mor ais. 4. ed. S ã o Paulo: S araiva, 2015. p. 20. 6

L IMA , A lvino. D a culpa ao r isco. Sã o Paulo: R evista dos T ribunais, 1938. p. 10. 7

R IPE R T , Georges. A r egr a mor al nas obr igações civis. 2. ed. C ampinas: B ookseller, 2002. p. 205-206. 8

MA Z E A UD , Henri; M A Z E A UD , L eón, 1938 apud D IA S , J osé de A guiar. Op. cit. p. 18. 9

(16)

características fundamentais. D elineia-se, ademais, o modo como a concepçã o romana adentrou na modernidade, por meio das codificações, e quais foram as insurgê ncias contra esta definiçã o, destacando-se, por fim, algumas das principais controvérsias acerca da temática no meio jurídico brasileiro.

1.1 O s pr imór dios da r esponsabilidade: da vingança coletiva à vingança pr ivada

Nas sociedades primitivas, reagia-se aos danos sem que houvesse demasiada preocupaçã o com a proporcionalidade entre ofensa e puniçã o, nã o se considerando necessário, igualmente, que o ofensor tivesse agido com culpa para que sofresse retaliaçã o

10

. O que havia era a “vingança pura e simples, a justiça feita pelas próprias mã os da vítima de uma lesã o”

11 . C onforme explicaçã o de Otávio L uiz R odrigues J únior, essa vingança, consistente em retaliações corporais, geralmente cruéis, era, de início, coletiva, de modo que nã o só o ofensor, mas todo o seu grupo, sofria com a retaliaçã o pelo dano cometido, soluçã o apenas excepcionalmente evitada, quando a própria tribo se comprometia a punir o indivíduo

12 . E ssa reaçã o coletiva pode ser explicada pela própria inexistê ncia clara, à época, de uma visã o do indivíduo como tal, sendo este compreendido sempre como parte de uma coletividade

13 .

A propriedade assumia um caráter coletivo, sendo possuída pelas tribos e meramente utilizadas pelos indivíduos, sem qualquer tipo de apropriaçã o para si

14

, e a isto se devia, em larga escala, o caráter também coletivo das retaliações, conforme explicaçã o de Otávio L uiz R odrigues J únior: “a ausê ncia de limites muito claros entre a propriedade individual e a coletiva, tal como se dava nas sociedades primitivas, era, em grande medida, causa eficiente dessa forma de puniçã o em grupo por atos de um indivíduo”

15 .

F oi apenas na A ntiguidade Oriental, sobretudo nas sociedades mesopotâmicas, antes mesmo do C ódigo de Hamurabi, que se verificaram as primeiras tentativas de individualizaçã o das retaliações, passando-se, à época, ao entendimento ainda hoje vigente de que ao indivíduo,

10

S IL V A , W ilson Melo da. R esponsabilidade sem culpa e socializaçã o do r isco. B elo Horizonte: E ditora B ernardo A lvares, 1962. p. 38.

11

L IMA , A lvino. Op. cit. p. 10 12

R OD R IGUE S J ÚNIOR , Otávio L uiz. R esponsabilidade civil no direito romano. In: _ _ _ _ _ _ ; MA ME D E , Gladston; R OC HA , Maria V ital da. (C oord.). R esponsabilidade civil contempor â nea: em homenagem a Sílvio de S alvo V enosa. Sã o Paulo: A tlas, 2011. p. 1.

13

B E V IL Á QUA , C lóvis. D ir eito das obr igações. Salvador: L ivraria Magalhã es, 1896. p. 31. 14

B E V IL Á QUA , C lóvis. D ir eito das coisas. v. 1. R io de J aneiro: E ditora L ivraria F reitas B astos, 1941. p. 15-16. 15

(17)

e apenas a ele, deve recair a responsabilidade por seus atos, nã o se estendendo esta à sua tribo ou à sua família

16 .

F oi em tal período igualmente que algumas das características próprias da noçã o de responsabilidade moderna começaram a se delinear. É o caso, por exemplo, de algumas previsões de penas de natureza pecuniária, atribuídas por intermédio do E stado, bem como de uma incipiente formulaçã o de proporcionalidade, com a dosagem da sançã o do ilícito em conformidade com a sua gravidade

17 .

C umpre esclarecer, entretanto, que, relevando-se esses aspectos que podem ser considerados embrionários de características da responsabilidade moderna, os quais eram excepcionais, o grande avanço neste momento histórico foi tã o somente a individualizaçã o de uma puniçã o que ainda se consistia em vingança, praticada frequentemente sem necessidade de intermédio estatal, por meio de punições corporais que nã o guardavam estrita proporcionalidade com os danos e que assumiam natureza cruel.

E m verdade, há quem defenda que a vingança privada predominou até mesmo na civilizaçã o romana, em seus primórdios

18

, posiçã o a qual nã o é, contudo, unânime, conforme se demonstrará.

S endo assim, verifica-se que a atribuiçã o de responsabilidade pelos danos acontecidos nas sociedades primitivas, e até mesmo em tempos menos remotos, estava intimamente ligada à noçã o de “reparaçã o do mal pelo mal”

19 .

A preocupaçã o com a vítima se limitava à satisfaçã o de seu desejo de vingança, nã o se cogitando de uma forma de reparar o dano por ela efetivamente sofrido, de forma que é seguro afirmar que a responsabilidade civil – se é que se pode nomear prática tã o distinta desse modo – assumia natureza puramente punitiva, sem quaisquer vestígios ressarcitórios.

Por outro lado, também nã o se impunha que o ofensor tivesse agido culposamente para que fosse punido, constatando-se que a retaliaçã o tinha como única finalidade vingar um dano sofrido – independentemente da reprovabilidade da conduta daquele que o causou –, inexistindo, portanto, nessas manifestações primitivas de responsabilidade, uma funçã o de moralizaçã o social.

16

R OD R IG UE S J ÚNIOR , Otávio L uiz. Op. cit. p. 2-3. 13

R OD R IGUE S J ÚNIOR , Otávio L uiz. Op. cit. p. 2-3. 18

L IMA , A lvino. Op. cit. p. 10. 19

(18)

1.2 A r esponsabilidade civil no dir eito r omano

O princípio do alterum non laedere, fundado na noçã o de que a um indivíduo nã o é dado lesar a outrem, foi alçado por Ulpiano, jurisconsulto romano, ao patamar de princípio fundamental do D ireito – praecepta iuris –

20 .

Nã o por acaso, foi durante o direito romano que a responsabilidade civil assumiu algumas de suas características essenciais

21

, sendo impensável, na visã o de A lvino L ima, pretender-se realizar um estudo acerca da responsabilidade civil extracontratual sem que este começasse pela análise da evoluçã o do instituto no direito romano

22 .

C umpre destacar, desde já, que de modo similar ao acontecido em outras áreas – a título de exemplo, na disciplina dos contratos –, nã o procederam os romanos com uma divisã o abstrata da responsabilidade civil, enquanto categoria geral, estudando-se no direito romano apenas os delitos em espécie

23 .

No que se refere ao início da civilizaçã o romana, nã o é claro, ainda hoje, de que modo havia a responsabilizaçã o por danos, se mediante vingança privada, sem a necessidade de autorizaçã o estatal

24

, posiçã o majoritária, ou se sempre houve a necessidade de autorizaçã o do Monarca para que a retaliaçã o física pudesse ocorrer

25

. S abe-se ao certo que R oma desconheceu a vingança coletiva, tã o comum em outros povos

26 .

Mesmo aqueles que acreditam que existiu, em R oma, a vingança privada, apontam que muito cedo houve a intervençã o do legislador para limitá-la e, mais tarde, institucionalizar a L ei de T aliã o, isto é, a máxima do “olho por olho, dente por dente”, critério que encontrou utilizaçã o e previsã o até mesmo na L ei das X II T ábuas

27 .

É exatamente com a L ei das X II T ábuas que se inicia a superaçã o à s retaliações corporais, ao se instituir o sistema da composiçã o entre vítima e ofensor

28

, no qual ainda era possível a puniçã o física do infrator, adstrita aos limites legais

29

, e se prevendo a possibilidade de, havendo acordo entre agressor e agredido, substituir-se a vingança pelo pagamento de uma

20

F R A NÇ A , R ubens L imongi. I nstituições de dir eito civil. 5. ed. Sã o Paulo: S araiva, 1999. p. 802. 21

PE R E IR A , C aio Mário da S ilva. R esponsabilidade civil. 8. ed. F orense: 1996. p. 2. 22

L IMA , A lvino. Op. cit. p. 9. 23

MOR E IR A A L V E S , J osé C arlos. D ir eito r omano. 6. ed. R io de J aneiro: F orense, 2003. p. 224. 24

L IMA , A lvino. Op. cit. p. 10; D IA S, J osé de A guiar. Op. cit. p. 19; R OD R IGUE S J ÚNIOR , Otávio L uiz. Op. cit. p. 3.

25

C HA MOUN, E bert. I nstituições de dir eito r omano. R io de J aneiro: F orense, 1951. p. 392-393. 26

C HA MOUN, E bert. Op. cit. p. 392. 27

D IA S , J osé de A guiar. Op. cit. p. 19. 28

D IA S , J osé de A guiar. Op. cit. p. 19. 29

(19)

quantia pecuniária 30

, cuja fixaçã o era imposta legalmente para cada tipo de caso, inexistindo uma norma geral de fixaçã o da responsabilidade

31 .

Outro valioso avanço acontecido no direito romano foi o de apresentar uma distinçã o dos delitos públicos e dos delitos privados, a qual pode ser considerada embrionária da moderna distinçã o entre ilícitos penais e civis.

É que o direito romano procedeu com a divisã o dos delitos entre públicos – crimen –, destinados a punir as ofensas ao interesse coletivo ou do E stado R omano, com a imposiçã o de penas geralmente corpóreas ou de privaçã o de liberdade individual, e privados – delictum ou maleficium –, destinados a punir as ofensas aos interesses particulares, e cuja sançã o se dava com penas privadas, de caráter pecuniário, sendo espécies de delitos privados o furtum, o bona vi rapta, a iniuria e o damnum iniuria datum

32 .

A inda quanto a esta distinçã o, ensina Moreira A lves que, no caso dos delitos privados, nã o era do E stado, mas sim da vítima, por meio da actio poenalis, a iniciativa de punir o ofensor, sendo a pena desta o pagamento de certa quantia, a qual, apesar de expressa em pecúnia, tinha o mesmo caráter punitivo da pena pública

33 .

C omo principais características das penas privadas no direito romano, tem-se que estas eram: 1) intransmissíveis passivamente, garantindo-se a individualizaçã o da sançã o e a sua intransferibilidade; 2) intransmissíveis ativamente, ou seja, nã o tinham os herdeiros da vítima pretensã o contra o ofensor característica que foi flexibilizada, com o passar do tempo, pela atuaçã o dos pretores; 3) indivisível, nã o se cogitando de mitigaçã o da responsabilidade de acordo com o grau de participaçã o, nos casos de coautoria, de modo que todos os agressores eram igualmente penalizados; 4) cumuláveis com outras ações, como a açã o reipersecutória, para se recuperar o bem furtado, por exemplo; 5) noxalidade da açã o penal, isto é, nos casos em que o dano fosse cometido por sujeito alieni juris ou por escravo, poderia o sujeito sui juris ou senhor de escravos dar-lhes em pagamento; 6) imprescritíveis, se estabelecidas expressamente pelo ius civile, ou prescritíveis em um ano, caso formuladas pelos pretores

34 . No que pese o reconhecimento da relevância dos avanços já mencionados, é possível se afirmar que as principais contribuições do direito romano para a responsabilidade civil se deram

30

R OD R IG UE S J ÚNIOR , Otávio L uiz. Op. cit. p. 3. 31

L IMA , A lvino. Op. cit. p. 11-12. 32

R OD R IG UE S J ÚNIOR , Otávio L uiz. Op. cit. p. 6-7. 33

MOR E IR A A L V E S , J osé C arlos. Op. cit. p. 223-224. 34

(20)

no âmbito da L ex Aquilia, a qual permitiu que os jurisconsultos romanos desenvolvessem fundamentos conceituais da responsabilidade civil os quais sã o até hoje utilizados

35 .

D entre estes alicerces fundamentais desenvolvidos no período, imperioso que se analise detidamente dois deles, porquanto essenciais para a compreensã o do presente trabalho. S ã o eles o surgimento da culpa como critério de atribuiçã o da responsabilidade civil e o início do processo de superaçã o do caráter de pena privada do instituto, com a consequente transiçã o para uma natureza reparatória.

No direito romano antigo, interessava-se tã o somente na apuraçã o da existê ncia de um dano, o qual, ligado a quem o dera causa, bastava para que o ofensor fosse responsabilizado

36 . Nesse sentido, expõe W ilson Melo da S ilva: “Nã o se falava em culpa. C ulpa, se houvesse, objetivar-se-ia no próprio dano, bastando para que se exercesse a vingança sanguinolenta ou sua sucedânea, a composiçã o econômica, a simples relaçã o de causa e efeito entre o ato e o prejuízo dele decorrente.

”37.

É frequentemente afirmado que foi por meio da L ei A quília, a qual data da R epública 38

, que se estabeleceu, em R oma, a culpa como requisito essencial da responsabilidade civil, juntamente ao damnum – existê ncia de dano – e à iniuria – prática de ato contrário ao direito – 39

.

Inexiste, todavia, unanimidade doutrinária quanto ao momento exato em que a culpa passou a ser critério de atribuiçã o da responsabilidade civil. C om efeito, subsistem autorizadas posições doutrinárias tanto ligando esta lei plebiscitária à introduçã o da culpa no instituto, quanto apontando que este requisito nã o foi instituído desde logo por esta lei, sendo desenvolvido paulatinamente em seu processo de interpretaçã o

40 .

É possível se encontrar convergê ncia entre essas duas posições, entretanto, no que tange ao fato de que foi por meio da L ex Aquilia, seja a partir do momento de sua instituiçã o, seja ao longo do tempo, em funçã o de seu desenvolvimento decorrente do trabalho dos jurisconsultos, que houve a incorporaçã o do elemento anímico da culpa à responsabilidade civil

41 .

35

R OD R IG UE S J ÚNIOR , Otávio L uiz. Op. cit. p. 14. 36

PE R E IR A , C aio Mário da S ilva. Op. cit. p. 4. 37

S IL V A , W ilson Melo da. Op. cit. p. 41. 38

R OD R IG UE S J ÚNIOR , Otávio L uiz. Op. cit. p. 13. 39

PE R E IR A , C aio Mário da S ilva. Op. cit. p. 5-6. 40

L IMA , A lvino. Op. cit. p. 14-15; S IL V A , W ilson Melo da. Op. cit. p. 42-44; PE R E IR A , C aio Mário da Silva. Op. cit. p. 5.

41

(21)

A culpa, em sua formulaçã o romana entendida como a conduta voluntária do agente de contrariar o D ireito e de, ao fazê -lo, realizar açã o danosa

42

, já abrangendo à época tanto o dolo quanto a culpa em sentido estrito

43

, nunca atingiu nesta ordem jurídica o protagonismo concedido pelos modernos

44 .

É relevante, todavia, por representar a primeira apariçã o daquilo que se constitui nã o apenas em mero requisito do instituto, mas sobretudo em uma concepçã o deste, fortemente vinculada à moral individual, a qual se revela pela transposiçã o do termo “culpa” da esfera moral para a jurídica

45

, na qual se entende que é o voluntário desvio de conduta do ofensor que possibilita a sua responsabilizaçã o, noçã o que, se certamente viria a se fortalecer com o passar dos séculos, já estava presente em R oma a partir do surgimento da culpa aquiliana

46 .

J á no que se refere à superaçã o da natureza de pena privada da responsabilidade civil, verifica-se que a lei em comento teve o papel de representar o início do processo de transiçã o para o caráter ressarcitório do instituto.

É que a pena privada foi, por muito tempo, de natureza tarifária, sendo previamente quantificada pelo legislador e nã o guardando proporçã o com o efetivo dano sofrido pela vítima

47

. Por exemplo, no caso da rapina – subtraçã o da coisa mediante uso da força, semelhante ao roubo no direito contemporâneo –, a pena seria de quatro vezes o valor daquilo que se rapinou

48 .

C onsoante ao ensinamento de A lvino L ima, foi por meio da L ex Aquilia que foram substituídas tais penas tarifadas pela reparaçã o pecuniária do dano causado, demonstrando-se o início de uma preocupaçã o legislativa com o retorno da vítima ao estado anterior ao sofrimento do dano

49 .

Nada obstante, imperioso se ressalvar que estas previsões nã o implicaram em uma superaçã o completa do caráter de pena privada da responsabilidade civil, eis que o instituto ainda era exercido por meio de uma açã o penal e, apesar da nítida funçã o indenizatória assumida pela pena, seu método de cálculo ainda era inspirado na primitiva funçã o de vingança

50 .

42

V E NT UR I, T haís. A r esponsabilidade civil e a sua funçã o punitivo-pedagógica no dir eito br asileir o. 2006. 234 f. D issertaçã o (Mestrado em D ireito) – Programa de Pós-G raduaçã o em D ireito, Universidade F ederal do Paraná, C uritiba. 2006. p. 21.

43

PE R E IR A , C aio Mário da S ilva. Op. cit. p. 6. 44

HIR ONA K A , G iselda. R esponsabilidade pr essuposta. B elo Horizonte: D el R ey, 2005. p. 56. 45

R IPE R T , Georges. Op. cit. p. 205-206. 46

HIR ONA K A , G iselda. Op. cit. p. 57-58. 47

L IMA , A lvino. Op. cit. p. 14. 48

R OD R IG UE S J ÚNIOR , Otávio L uiz. Op. cit. p. 12. 49

L IMA , A lvino. Op. cit. p. 14. 50

(22)

E m verdade, o que ocorreu foi que a L ex Aquilia, originalmente penal, foi sofrendo uma cisã o por conta da atuaçã o dos pretores e jurisconsultos, tornando-se açã o mista, de natureza tanto penal quanto reipersecutória

51 .

T ais reminiscê ncias penais foram sendo substituídas paulatinamente, e contribuíram para o desenvolvimento da distinçã o entre a responsabilidade civil – concebida como aquela voltada à reparaçã o do dano – e a responsabilidade penal – entendida como aquela voltada a punir esse dano –

52

, afirmando W ilson Melo da S ilva que a responsabilidade civil perdeu o caráter de pena privada para assumir o de simples reparaçã o na esfera do direito privado

53 , em um processo que só se concluiu, porém, no direito justinianeu

54 .

À época da elaboraçã o do C orpus Iuris C ivilis, aponta parte da doutrina, já havia prevalecido o caráter ressarcitório da responsabilidade civil, limitando-se a sua extensã o ao dano e havendo o subsequente abandono de sua categorizaçã o enquanto pena privada

55 . T rata-se de processo histórico o qual, a exemplo do já mencionado em relaçã o à culpa aquiliana, nã o se limitou ao direito romano, penetrando na modernidade por meio dos sistemas jurídicos de tradiçã o romano-germânica, os quais, por muito tempo, abandonaram a ideia de pena privada na responsabilidade civil

56 .

Percebe-se, por conseguinte, que os romanos, apesar de nã o terem elaborado um conceito científico da responsabilidade civil, por meio de sua abstraçã o enquanto categoria geral, vivenciaram o instituto na prática e proporcionaram seu desenvolvimento.

D entre as suas colaborações, cita-se o processo de instituiçã o de sanções pecuniárias, em substituiçã o à s retaliações físicas, bem como a divisã o entre delitos públicos e privados, destacando-se, todavia, principalmente para os fins desse trabalho, dois dos avanços proporcionados pela L ei A quília, quais sejam: 1) o desenvolvimento da culpa como critério de atribuiçã o da responsabilidade civil, o qual se ampliou ao longo da história, e representou o início de uma ainda forte concepçã o do instituto que o atribui funçã o moralizadora; 2) a superaçã o da natureza de pena privada da responsabilidade civil, substituída por um caráter reparatório, cuja expansã o pela modernidade se pode verificar no fato de ter havido o quase completo abandono, nos sistemas romano-germânicos, da ideia de pena privada.

51

G R IV OT , D ébora. L imites ao valor da indenizaçã o. In: R OD R IGUE S J ÚNIOR , Otávio L uiz; MA ME D E , Gladston; R OC HA , Maria V ital da. (C oord.). R esponsabilidade civil contempor â nea: em homenagem a Sílvio de S alvo V enosa. Sã o Paulo: A tlas, 2011. p. 616-617.

52

R OD R IG UE S J ÚNIOR , Otávio L uiz. Op. cit. p. 15. 53

S IL V A , W ilson Melo da. Op. cit. p. 41. 54

MOR E IR A A L V E S , J osé C arlos. Op. cit. p. 224. 55

G R IV OT , D ébora. Op. cit. p. 618. 56

(23)

1.3 A s contr ibuições do dir eito medieval e o caminho per cor r ido até as codificações moder nas

A concepçã o romana de responsabilidade civil sobreviveu à civilizaçã o que a elaborou, alcançando a Idade Moderna sem grandes alterações em sua estrutura, fato constatado por A lvino L ima, o qual explica, nesse sentido, que “sã o os ensinamentos e conceitos provindos do direito romano que constituem o fundamento da responsabilidade aquiliana no direito moderno”

57 .

R essalta-se, entretanto, que a ausê ncia de rupturas no instituto durante esse período nã o significa que ele tenha permanecido estático. Houve, em verdade, um aprofundamento dos processos evolutivos iniciados pelo direito romano, os quais sofreram grande influê ncia da moral cristã e do direito canônico

58 .

A ntes mesmo de se iniciar uma análise da responsabilidade civil nas codificações modernas, faz-se necessário apontar, brevemente, ao menos no que refere à s duas contribuições fundamentais do direito romano para a matéria – a noçã o de culpa e a superaçã o da pena privada –, de que modo essa evoluçã o transcorreu no direito medieval.

No que se refere à culpa enquanto elemento da responsabilidade civil, é possível se afirmar que, apesar de se tratar de conceito surgido em R oma, ela só ganhou o protagonismo que alcançou a modernidade a partir do direito medieval

59 .

É que foi por influê ncia da moral cristã que a responsabilidade se vinculou indissociavelmente à noçã o de culpa, funcionando esta como fundamento e pressuposto daquela, em decorrê ncia do fato de que o homem, dotado de livre-arbítrio que era, poderia escolher agir segundo a vontade divina ou em contrariedade a ela, hipótese na qual seria considerado culpado pela conduta reprovável e, consequentemente, responsabilizado

60 . É possível afirmar, nesta perspectiva, que “o núcleo da culpa repousa sobre a apreciaçã o moral do comportamento do indivíduo”

61 .

J á no que se refere ao processo de superaçã o da pena privada, é seguro asseverar que foi na Idade Média que ele se completou. T al se deve também à doutrina cristã , mais especificamente à ideia de justiça comutativa de S ã o T omás de A quino, a qual pregava que o

57

L IMA , A lvino. Op. cit. p. 18. 58

G R IV OT , D ébora. Op. cit. p. 617. 59

HIR ONA K A , G iselda. Op. cit. p. 77. 60

V E NT UR I, T haís. Op. cit. p. 22. 61

(24)

responsável pelo dano se libertaria pela simples reparaçã o do mal que causara, devendo ser banida qualquer transferê ncia inferior ou superior a esse ressarcimento

62 .

F oi deste modo – evoluído, porém nã o revolucionado – que as concepções romanas acerca da responsabilidade civil chegaram à modernidade, período no qual se iniciaram, antes mesmo das codificações, os mais científicos trabalhos de sistematizaçã o do direito civil, sendo possível mencionar os franceses D omat e Pothier como principais responsáveis por esse trabalho

63

, o qual inspirou todas as legislações modernas de tradiçã o romano-germânica 64

. A primeira das codificações modernas foi exatamente a francesa, datando de 1804. O C ódigo de Napoleã o, alcunha pela qual ficou conhecido o célebre C ódigo C ivil F rancê s, serviu de consolidaçã o à s concepções que já vinham sendo debatidas e desenvolvidas doutrinariamente na época, mencionando-se, a título de exemplo, a previsã o de uma norma geral de atribuiçã o da responsabilidade civil, abandonando-se a opçã o romana de previsã o casuística das hipóteses de incidê ncia do instituto

65 .

C umpre destacar, contudo, que o C ode Napoléon, apesar de ter avançado em alguns pontos no tratamento da temática em estudo, teve como maior mérito, em se falando de responsabilidade civil, a sedimentaçã o de um panorama normativo, o que possibilitou que a doutrina e a jurisprudê ncia desenvolvessem de forma coerente o instituto

66 .

A título de exemplo, é possível citar a abrangê ncia dos lucros cessantes na reparaçã o e o entendimento de que, havendo culpa, nã o importava para a responsabilidade civil a gravidade desta, avanços os quais, embora nã o dispostos no C ódigo C ivil F rancê s, em muito devem a ele

67 .

A inda quanto à contribuiçã o doutrinária e jurisprudencial ao instituto, é possível apontar questões que nã o obtiveram a devida atençã o por parte dos romanos, nem foram expressamente reguladas no C ódigo C ivil F rancê s.

É o caso do embate doutrinário acerca da reparabilidade dos danos exclusivamente extrapatrimoniais, questã o que dividiu os doutrinadores entre aqueles que entendiam irreparáveis as lesões aos direitos da personalidade, eis que se tratariam de bens jurídicos de valor inestimável, e aqueles que se posicionavam pela possibilidade de haver uma reparaçã o

62

G R IV OT , D ébora. Op. cit. p. 617. 63

D IA S , J osé de A guiar. Op. cit. p. 23. 64

D IA S , J osé de A guiar. Op. cit. p. 45. 65

D IA S , J osé de A guiar. Op. cit. p. 22-23. 66

D IA S , J osé de A guiar. Op. cit. p. 23. 67

(25)

proporcional à violaçã o ao direito, prevalecendo a segunda posiçã o, em seus termos mais amplos, defendidos pelos irmã os Mazeaud

68 .

A s codificações se espalharam da F rança para o restante do mundo e, nesse processo, também se disseminou a responsabilidade civil compreendida nos moldes romanos

69 . E m verdade, mesmo em nações cujas codificações tê m, no geral, distinções relevantes em relaçã o ao C ódigo de Napoleã o, como a A lemanha e a S uíça, foram alcançados resultados semelhantes nesta matéria

70 .

Houve, portanto, tanto no direito medieval, quanto no período de elaboraçã o das codificações modernas, nã o uma ruptura, mas sim um aprofundamento dos processos evolutivos da responsabilidade civil já iniciados em R oma, com o fortalecimento do elemento moral do instituto por intermédio da culpa, seu fundamento, e a prevalê ncia de sua natureza reparatória.

Isto nã o significa, é claro, que nã o tenham havido alterações que fugiram à conceituaçã o romana dada à matéria, mas tã o somente que as inovações ocorridas – por exemplo, a abrangê ncia dos lucros cessantes na indenizaçã o – nã o representaram modificações estruturais na responsabilidade civil, as quais começaram a ser propostas com vigor pela doutrina algum tempo depois do advento dos códigos, como se demonstrará no tópico seguinte.

1.4 A culpa e o r isco como fontes da r esponsabilidade civil

E m meados do S éculo X IX , chegou-se a cogitar que a responsabilidade civil tendia à perenidade nos moldes em que se encontrava, inexistindo quaisquer caminhos a serem percorridos pelo instituto senã o o do aperfeiçoamento daquilo já estabelecido

71 .

T al previsã o, talvez influenciada pelos vários séculos sem que tivesse havido transformações radicais na matéria, provou-se, no entanto, equivocada.

C om efeito, a R evoluçã o Industrial, iniciada nesse período, promoveu avanços tecnológicos sem precedentes históricos

72

, os quais, acompanhados de um processo de urbanizaçã o desordenado, dentre outros fatores, multiplicaram e agravaram os riscos na sociedade, gerando-se um vertiginoso crescimento dos danos e, consequentemente, da busca

68

D IA S , J osé de A guiar. Op. cit. p. 850-856. 69

L IMA , A lvino. Op. cit. p. 18. 70

L IMA , A lvino. Op. cit. p. 18. 71

L IMA , A lvino. Op. cit. p. 5. 72

(26)

pela responsabilizaçã o civil 73

, identificando-se, igualmente, a dificuldade de prova da culpa nestes novos danos, suscitando assim os primeiros debates acerca da superaçã o da culpa enquanto fonte necessária da responsabilidade civil

74 .

É bem verdade que críticas já eram dirigidas à teoria da culpa desde o S éculo X V III, por autores tais como T homasius e Heineccius, jusnaturalistas os quais sustentavam que o dever de reparar os danos por si cometidos é ínsito à própria natureza humana, de modo que, independentemente de sua culpa, deveria o autor de um dano se responsabilizar pela sua reparaçã o

75 .

A penas com esse crescimento dos riscos na sociedade, entretanto, que surgiu uma tendê ncia visível entre os juristas no sentido de adotar uma postura crítica à teoria da culpa – se nã o à sua existê ncia, ao menos à sua exclusividade –, o que pode ser ilustrado pelas diversas tentativas de sistematizaçã o da doutrina do risco na literatura jurídica

76 .

A s concepções contrárias à culpa como fundamento da responsabilidade civil surgem, primeiramente, nã o entre os estudiosos do direito civil, mas sim por obra de um penalista, K arl B inding, o qual se opôs à vinculaçã o da responsabilidade civil a noções morais como a culpa, eis que o dano, tratando-se de realidade objetiva, independeria da reprovabilidade moral da conduta do agente para ensejar a responsabilidade, ao menos na esfera civil

77 .

T ambém procurando sistematizar doutrinariamente uma teoria da responsabilidade sem culpa, é possível citar, na doutrina alemã , os esforços de V itor Mataja, A dolfo e R odolfo Merkel e Unger, os quais desenvolveram o Princípio do Interesse A tivo, pelo qual os danos provenientes da atividade econômica de uma empresa devem ser incluídos nas despesas do negócio, em clara aplicaçã o da máxima romana do ubi emolumentum, ibi onus – quem aufere o bônus, deve arcar com o ônus –

78 .

A inda entre os alemã es, cita-se Gustave R umelin, que elaborou o Princípio da Prevençã o, o qual pretendia o endurecimento da responsabilidade civil ao prever que a pessoa a quem se atribui a responsabilidade só poderia se eximir dela se provasse que o fato, a si

73

S C A F F , F ernando C ampos; L E MOS , Patrícia F aga Iglecias. D a culpa ao risco na responsabilidade civil. In: R OD R IGUE S J ÚNIOR , Otávio L uiz; M A ME D E , G ladston; R OC H A , Maria V ital da. ( C oord.) . R esponsabilidade civil contempor â nea: em homenagem a Sílvio de S alvo V enosa. S ã o Paulo: A tlas, 2011. p. 80.

74

ME L O, Nehemias D omingos de. D a culpa e do r isco como fundamentos da r esponsabilidade civil. 2. ed. Sã o Paulo: A tlas, 2012. p. 29.

75

D IA S , J osé de A guiar. Op. cit. p. 51. 76

D IA S , J osé de A guiar. Op. cit. p. 54. 77

PE R E IR A , C aio Mário da S ilva. Op. cit. p. 15-16. 78

(27)

aparentemente imputável, era em verdade resultado de uma causa exterior e estranha à sua atividade, além de impossível de ser afastada

79 .

Outra tentativa cuja mençã o se faz necessária, foi a do utilitarista britânico J eremy B entham, o qual propôs a criaçã o de um seguro social obrigatório para as atividades perigosas, ideia criticada, entretanto, por possivelmente resultar em um relaxamento da prudê ncia e diligê ncia dos segurados, o que poderia vir a causar uma ampliaçã o dos danos

80 .

E m que pesem as concepções já mencionadas, foi mesmo na doutrina francesa, sobretudo na obra pioneira de S aleilles e de J osserand, que se pode apontar a origem da teoria do risco em termos aproximados aos concebidos atualmente

81 .

A lvino L ima, explicando a concepçã o de S aleilles, aponta que este autor entendia ser necessária a materializaçã o do direito civil, abandonando-se os psicologismos que ainda o assolavam, tal como a culpa

82

. A o elaborar sua teoria, o jurista francê s sugeriu uma nova interpretaçã o do A rt. 1.382 do C ódigo de Napoleã o, apontando que o vocábulo faute – falha ou culpa – fosse entendido como fait – fato –, de modo que o agente se responsabilizaria nã o por suas culpas, mas sim pelos fatos a si atribuídos

83 .

J osserand, desenvolvendo em sua argumentaçã o a teoria do risco-proveito, argumentou acerca da necessidade de se adotar a teoria do risco também para que se concedesse segurança à vítima, a qual sofreu o dano e nã o teve nisto qualquer responsabilidade. R ecorre, igualmente, ao brocardo do ubi emolumentum, ibi onus, para afirmar que é injusto e irracional que a vítima, a qual nã o colhe quaisquer proveitos de uma atividade criadora de riscos e nem concorreu para a sua criaçã o, seja obrigada a suportá-los

84 .

T al argumentaçã o defende que a responsabilidade civil é uma “mera questã o de reparaçã o de danos, de proteçã o do direito lesado, de equilíbrio social”

85

, partindo-se do raciocínio lógico de que, ocorrido o dano, há a atribuiçã o a alguém, pelo ordenamento jurídico, do ônus de arcar com tal prejuízo

86

. Ou seja, há sempre a responsabilizaçã o de um indivíduo pelo dano. Injusto seria, por conseguinte, que o agente causador do dano, apenas por nã o ter agido culposamente, nã o fosse obrigado a repará-lo, o que implicaria verdadeiramente na responsabilizaçã o da vítima.

79

D IA S , J osé de A guiar. Op. cit. p. 54-55. 80

D IA S , J osé de A guiar. Op. cit. p. 56. 81

PE R E IR A , C aio Mário da S ilva. Op. cit. p. 16. 82

L IMA , A lvino. Op. cit. p. 90. 83

PE R E IR A , C aio Mário da S ilva. Op. cit. p. 16-17. 84

L IMA , A lvino. Op. cit. p. 93. 85

L IMA , A lvino. Op. cit. p. 93. 86

(28)

Nã o tardou para que houvesse uma reaçã o dos partidários da teoria da culpa, opondo-se, naturalmente, à s propostas de um novo fundamento para a responsabil idade civil, o risco. D estacam-se, dentre estes, os irmã os Mazeaud, os quais apontavam que a teoria do risco, dentre outras falhas: 1) adotaria uma equivocada concepçã o materialista do direito, eliminando a pessoa, com sua alma e vontade, ao excluir o elemento moral da responsabilidade civil, a culpa; 2) representaria um contraproducente desincentivo à realizaçã o de atividades econômicas e ao próprio progresso científico, em funçã o do receio da responsabilidade sem culpa; 3) seria injusta, ao responsabili zar aquele que atuou de modo diligente, representando isto um desincentivo para que se procurasse evitar os danos na sociedade, eis que estes seriam arcados pelo agente causador, fosse ou nã o culpado

87 .

T ais críticas nã o subsistiram, entretanto, à própria realidade fática 88

. A dotada na F rança, primeiramente, em 1898, com a L ei dos A cidentes de T rabalho

89

, a teoria do risco nã o produziu nenhum dos efeitos nefastos profetizados por seus críticos

90

, e, se é inegável que essa doutrina representou um marco de ruptura na responsabilidade civil, é igualmente verdadeiro que o risco nã o substituiu a culpa, como temiam alguns, antes unindo-se a esta como fontes de atribuiçã o da responsabilidade

91 .

A objetivaçã o da responsabilidade civil, por meio da adoçã o da teoria do risco, vem no sentido de garantir uma “socializaçã o dos riscos”

92

, a qual tem fundamento na solidariedade social

93

, e nã o na moral individual, processo relacionado à própria decadê ncia do liberalismo clássico e à ascensã o do primado da justiça social enquanto ideários fundamentadores do E stado

94 .

C om efeito, seria inviável pretender uma vinculaçã o da responsabilidade civil à moral individual em casos nos quais, a rigor, o agente nã o praticou uma conduta moralmente reprovável, mas é chamado a responder, ainda assim, pelos danos causados. Nessas hipóteses, a responsabilidade se fundamenta na necessidade de, em uma sociedade nos quais os riscos sã o

87

D IA S , J osé de A guiar. Op. cit. p. 69-73. 88

L IMA , A lvino. Op. cit. p. 142-149. 89

S IL V A , W ilson Melo da. Op. cit. p. 106. 90

D IA S , J osé de A guiar. Op. cit. p. 76. 91

PE R E IR A , C aio Mário da S ilva. I nstituições de dir eito civil. 26. ed. R io de J aneiro: F orense, 2013, v. 1. p. 556-557.

92

S E R PA , Pedro R icardo e. Indenizaçã o punitiva. 2011. 386 f. D issertaçã o (Mestrado em D ireito C ivil) – Programa de Pós-Graduaçã o em D ireito, Universidade de S ã o Paulo, S ã o Paulo. 2011. p. 9.

93

G IA NC OL I, B runno Pandori. F unçã o punitiva da r esponsabilidade civil. 2014. 192 f. D issertaçã o ( Mestrado em D ireito C ivil) – Programa de Pós-G raduaçã o em D ireito, Universidade de S ã o Paulo, Sã o Paulo. 2014. p. 70. 94

(29)

coletivos, haver uma correspondente socializaçã o das responsabilidades, mesmo nã o estando presente a culpa

95 .

R essalta-se que esse processo de fortalecimento da solidariedade social enquanto fundamento da responsabilidade civil nã o resultou imediatamente na adoçã o da doutrina do risco

96

. Passou-se por diversos estágios intermediários, tais como a adoçã o de sistemas de presunçã o de culpa do ofensor

97

, a tentativa de ligar uma responsabilidade sem culpa à ideia de abuso de direito

98

, e, por fim, a própria objetivaçã o da culpa, consistente na análise da culpa em relaçã o a um padrã o objetivo, sem que houvesse a investigaçã o psicológica do agente, inovaçã o proposta pelos irmã os Mazeaud que, para alguns, seria um afastamento ainda mais radical da noçã o de moral individual que a própria responsabilidade sem culpa

99 .

O que se verifica da análise do embate doutrinário entre as teorias da culpa e do risco é, na verdade, um processo histórico de enfraquecimento da ideia de moral individual, dando lugar a uma maior preocupaçã o com a coletividade e com a solidariedade social, o que pode ser explicado pelo advento da modernidade, na esteira de acontecimentos tais como a R evoluçã o Industrial e a separaçã o de religiã o e E stado, bem como pela ascensã o do E stado S ocial, que representou uma derrocada do individualismo.

D o elemento culpa, entendido como “marca pública de uma moralidade privada” 100

, chega-se ao elemento risco, critério erguido “em nome da fraternidade, da solidariedade humana, pelo afinamento das nossas consciê ncias e desenvolvimento do sentimento de responsabilidade”

101 .

O processo de transiçã o da culpa ao risco enquanto fontes da responsabilidade civil – o qual, cumpre destacar uma vez mais, nã o implica em superaçã o de uma teoria pela outra –deve ser entendido, por conseguinte, como sendo parte de um debate maior, de questionamento da própria noçã o de moral individual como fundamento da responsabilidade civil, que resultou na ascensã o da ideia de solidariedade social em seu lugar. T rata-se, evidentemente, de um forte golpe à clássica concepçã o da responsabilidade civil, oriunda do direito romano, ao ameaçar um de seus pilares – a culpa –, o qual, repise-se, representa uma das principais contribuições daquela civilizaçã o à construçã o teórica do instituto.

95

S IL V A , W ilson Melo da. Op. cit. p. 295. 96

D IA S , J osé de A guiar. Op. cit. p. 64. 97

L IMA , A lvino. Op. cit. p. 113. 98

L IMA , A lvino. Op. cit. p. 132-134. 99

L IMA , A lvino. Op. cit. p. 120. 100

HIR ONA K A , G iselda. Op. cit. p. 33. 101

(30)

1.5 E stado da ar te da r esponsabilidade civil no B r asil

A comunidade jurídica brasileira nã o esteve impassível aos debates e à s inovações que se sucederam em matéria de responsabilidade civil, sendo possível afirmar que os progressos vivenciados em outros sistemas jurídicos também foram conduzidos no B rasil, ainda que guardando naturais peculiaridades.

A exemplo do ocorrido na maior parte dos ordenamentos de tradiçã o romano-germânica, a responsabilidade civil foi concebida no B rasil com fortes inspirações no direito romano

102 .

J á nas Ordenações do R eino, por exemplo, cuja vigê ncia se iniciou no período colonial e durou até a chegada do C C /16, estabelecia-se a culpa como requisito da responsabilidade civil

103 .

D e forma distinta, a completa superaçã o da natureza penal do instituto se deu tardiamente, havendo ocorrido tã o somente em 1841, quando se estabeleceu a possibilidade de pleitear a reparaçã o cível sem a prévia condenaçã o do ofensor no juízo criminal

104 .

A pesar dos clamores por uma codificaçã o que promovesse uma coerente sistematizaçã o do direito civil vigente no B rasil

105

, esta só veio em 1916, mais de 100 anos após o pioneiro C ódigo C ivil F rancê s. O C ódigo B eviláqua nã o foi, entretanto, revolucionário em matéria de responsabilidade civil, sofrendo críticas por já ser antiquado à época de sua aprovaçã o

106 , eis que nã o se posicionava acerca de questões relevantes, tais como a adoçã o do risco como fonte da responsabilidade civil e a possibilidade de indenizaçã o por danos exclusivamente extrapatrimoniais.

A omissã o do C C /16 em tratar da teoria do risco nã o impediu, no entanto, a sua adoçã o na legislaçã o específica

107

. O tratamento sistemático e organizado da matéria, contudo, foi estabelecido tã o somente com a posterior previsã o de uma cláusula geral de responsabilidade

102

D IA S , J osé de A guiar. Op. cit. p. 25-26. 103

D IA S , J osé de A guiar. Op. cit. p. 25. 104

D IA S , J osé de A guiar. Op. cit. p. 26. 105

D IA S , J osé de A guiar. Op. cit. p. 26. 106

D IA S , J osé de A guiar. Op. cit. p. 27. 107

(31)

objetiva pelo risco no A rt. 927, parágrafo único, do C C /02 108

, em nítido descompasso histórico

109 .

S ubsistem, contemporaneamente, tanto a teoria da culpa quanto a do risco, funcionando ambas de forma coordenada. A culpa enquanto sistema central de responsabilidade, aplicada na generalidade dos casos, e o risco enquanto sistema especial, cuja aplicaçã o se limita aos casos previstos em lei

110 .

V erifica-se, todavia, tendê ncia atual no sentido de inversã o desse paradigma, transformando-se a teoria do risco, paulatinamente, na fonte geral da responsabilidade civil, ao passo que a teoria da culpa se torna exceçã o

111 .

No que se refere à controvérsia acerca da ressarcibilidade dos danos extrapatrimoniais, já mencionada quando se tratou do C ode Napoléon, esta foi vivenciada também no B rasil, dividindo os civilistas entre os que entendiam irreparáveis as lesões aos direitos da personalidade, por tratarem-se de bens jurídicos de valor inestimável, e os que se posicionavam pela possibilidade de haver uma reparaçã o proporcional à violaçã o ao direito

112 .

O C C /16 pecou ao nã o esclarecer essa questã o, limitando-se a prever hipóteses específicas de danos extrapatrimoniais ressarcíveis, inclusive disciplinando como se daria o arbitramento da indenizaçã o nesses casos, mas sem se posicionar acerca da possibilidade de reparaçã o de lesões morais além dos casos expressos no texto legal

113 .

F oi pelo desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial que se estabeleceu o entendimento de que seriam também indenizáveis os danos extrapatrimoniais

114

, posiçã o que se tornou pacífica

115

quando a C F /88, em seu A rt. 5º , V e X 116

, assegurou expressamente a

108

A rt. 927. A quele que, por ato ilícito ( arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigaçã o de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

109

C OR R E IA , A talá. Op. cit. p. 88. 110

B IT T A R , C arlos A lberto. R esponsabilidade civil: teoria e prática. R io de J aneiro: F orense Universitária, 1989. p. 38.

111

PE R E IR A , C aio Mário da Silva. I nstituições de dir eito civil. 18. ed. R io de J aneiro: F orense, 2014, v. 3. p. 540-542.

112

PE R E IR A , C aio Mário da Silva. I nstituições de dir eito civil. 25. ed. R io de J aneiro: F orense, 2013, v. 2. p. 320.

113

D IA S , J osé de A guiar. Op. cit. p. 859. 114

D IA S , J osé de A guiar. Op. cit. p. 859-861. 115

PE R E IR A , C aio Mário da S ilva. Op. cit. p. 320. 116

A rt. 5º ( ...)

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenizaçã o por dano material, moral ou à imagem; ( ...)

(32)

possibilidade de indenizaçã o por danos morais, o que viria mais tarde a ser replicado no A rt. 186 do C C /02

117 .

É de se notar, portanto, que no que pese certo atraso do legislador em acompanhar as inovações já prenunciadas pela doutrina – omissões supridas, por vezes, pelos T ribunais –, tem, o direito brasileiro, alcançado os avanços dos ordenamentos jurídicos estrangeiros em matéria de responsabilidade civil.

Nã o se pode olvidar, entretanto, as diversas deficiê ncias normativas e, principalmente, teóricas, encontradas no tratamento das novas tendê ncias da disciplina. S ã o questões tais como a multiplicaçã o dos danos ressarcíveis; as persistentes dificuldades na conceituaçã o dos danos extrapatrimoniais e na estipulaçã o de critérios para a quantificaçã o das indenizações deles decorrentes; as discussões acerca dos fundamentos da responsabilidade civil e das funções que o instituto assume na sociedade; e as propostas de uma indenizaçã o punitiva desprovida de qualquer funçã o reparatória no âmbito da responsabilidade civil, temática específica do presente trabalho.

117

(33)

2 A S F UNÇ Õ E S D A R E S PO NS A B I L I D A D E C I V I L

R ealizada a análise das principais questões referentes à evoluçã o histórica da responsabilidade civil, essencial para o enfrentamento das problemáticas propostas no presente trabalho, passa-se ao exame das funções assumidas pelo instituto, temática que encontra numerosas definições na doutrina, nã o raro conflitantes entre si. Por isso, é necessária a delimitaçã o do aspecto funcional da responsabilidade civil para que se alcance uma melhor compreensã o acerca da compatibilidade do instituto com uma indenizaçã o punitiva.

Nã o há consenso nem mesmo no que se refere à conceituaçã o jurídica do termo “funçã o”, cuja larga utilizaçã o, em diversas searas do conhecimento, dificulta-lhe a construçã o de um sentido uno

118

. C onstata-se que os juristas apresentam uma variedade de acepções para o vocábulo

119

, ora mais ligadas à filosofia, ora mais ligadas à lógica ou até mesmo a uma noçã o vulgar do termo.

Para os fins do presente trabalho, entende-se por funçã o, conforme liçã o de A ntônio C astanheira Neves, o conjunto de exigê ncias performativas resultantes de um sistema, seja para os seus elementos, para que se caracterizem como tal, seja para o próprio sistema, garantindo a sua identidade

120 .

D esta concepçã o, extrai-se, a título de mera organizaçã o, uma divisã o entre “funçã o específica” – as implicações do sistema para os seus elementos – e de “funçã o geral” – as consequê ncias para o próprio sistema –, sendo que as funções específicas trabalham como um mecanismo contínuo para a conservaçã o e o desenvolvimento do sistema, de modo a fazê -lo alcançar a sua funçã o geral

121 .

C umpre esclarecer a distinçã o entre a estrutura de um instituto e a funçã o por ele desempenhada, a qual, conforme se demonstrará a seguir, suscita frequentes confusões naqueles que pretendem empreender uma análise funcional dos fenômenos jurídicos.

C onsoante liçã o de F rancisco L oureiro, o estudo estrutural de uma norma ou instituto seria realizado por meio de abordagem técnico-jurídica, preocupada em descrever as características jurídicas do objeto de estudo, ao passo que uma investigaçã o funcional teria

118

G OD OY , C láudio L uiz B ueno de. F unçã o social do contr ato: os novos princípios contratuais. 4. ed. S ã o Paulo: Saraiva, 2012. p. 126.

119

G OD OY , C láudio L uiz B ueno de. Op. cit. p. 126-127; GIA NC OL I, B runo Pandori. Op. cit. p. 18-19. 120

C A ST A NHE IR A NE V E S, A ntônio. D igesta: escritos acerca do direito, do pensamento jurídico, da sua metodologia e outros. C oimbra: E ditoria C oimbra, 2008, v. 3. p. 216.

121

(34)

origem sociológica, orientada pela finalidade concreta assumida pelo fenômeno jurídica na realidade social

122 .

Nesse sentido, F rancisco A maral aponta que a funçã o de uma norma ou instituto seria o papel por ela desempenhado no interior de sua estrutura

123

, isto é, a finalidade social cuja consecuçã o é almejada por meio de suas características jurídicas particulares, posiçã o adotada também por F rancisco L oureiro, o qual sustenta que “o termo funçã o, contraposto ao termo estrutura, serve, de fato, para definir o concreto modo de operar de um instituto ou de um direito de características morfológicas particulares e manifestas”

124 .

A análise funcional das ciê ncias jurídicas, até recentemente negli genciada, preterida em favor de um estudo estrutural do fenômeno jurídico

125

, recai, por conseguinte, na análise de um instituto à luz de tudo aquilo que, em específico, deve ser desempenhado por seus elementos em decorrê ncia de sua natureza, contribuindo para a consecuçã o daquilo que, no geral, o próprio instituto tem de realizar, isto é, seu encargo no mundo jurídico e social.

A fim de proceder com a perquiriçã o das funções assumidas pela responsabilidade civil no ordenamento jurídico brasileiro, expõe-se, primeiramente, as divergê ncias doutrinárias alusivas à matéria, demonstrando as principais finalidades do instituto, para, em seguida, examinar-se detidamente suas mais importantes funções.

2.1 A diver sidade de posições doutr inár ias quanto à s funções assumidas pela r esponsabilidade civil

E m que pese a convergê ncia dos autores acerca da funçã o geral da responsabilidade civil – esta seria um mecanismo jurídico de “adaptaçã o, integraçã o e continuidade de um convívio social pacífico”

126

, com finalidade precípua de proteçã o da esfera jurídica de cada pessoa

127

–, persistem concepções doutrinárias muito distintas em relaçã o à s funções específicas assumidas pelo instituto, ou seja, ao papel assumido por seus elementos para a consecuçã o das finalidades gerais de pacificaçã o social e tutela da pessoa.

122

L OUR E IR O, F rancisco E duardo. A pr opr iedade como r elaçã o j ur ídica complexa. R io de J aneiro: R enovar, 2003, p. 109.

123

A M A R A L , F rancisco. D ir eito civil: introduçã o. 7. ed. R io de J aneiro: R enovar, 2008, p. 345. 124

L OUR E IR O, F rancisco E duardo. A pr opr iedade como r elaçã o j ur ídica complexa. R io de J aneiro: R enovar, 2003, p. 109-110.

125

B OB B IO, Norberto. D a estr utur a à funçã o: novos estudos de teoria do direito. B arueri: Manole, 2007. p. 53. 126

G IA NC OL I, B runo Pandori. Op. cit. p. 25. 127

Referências

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