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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS ESCOLA DE DIREITO DE SÃO PAULO

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THIAGO PIERRE LINHARES MATTOS

O USO DE FUNDOS DE INVESTIMENTO (FIP) NA ALIENAÇÃO DE PARTICIPAÇÕES SOCIETÁRIAS: REPERCUSSÕES FISCAIS

SÃO PAULO 2020

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O USO DE FUNDOS DE INVESTIMENTO (FIP) NA ALIENAÇÃO DE PARTICIPAÇÕES SOCIETÁRIAS: REPERCUSSÕES FISCAIS

Dissertação apresentada à Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, como requisito para obtenção do título de Mestre em Direito.

Área de concentração: Direito Tributário

Orientadora: Profa. Dra. Elidie Palma Bifano

SÃO PAULO 2020

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Mattos, Thiago Pierre Linhares.

O uso de fundos de investimento (FIP) na alienação de participações societárias : repercussões fiscais / Thiago Pierre Linhares Mattos. - 2020.

59 f.

Orientador: Elidie Palma Bifano.

Dissertação (mestrado profissional) - Fundação Getulio Vargas, Escola de Direito de São Paulo.

1. Fundos de investimento. 2. Investimentos - Análise. 3. Planejamento tributário. 4.

Direito tributário. I. Bifano, Elidie Palma. II. Dissertação (mestrado profissional) - Escola de Direito de São Paulo. III. Fundação Getulio Vargas. IV. Título.

CDU 347.731.1

Ficha Catalográfica elaborada por: Raphael Figueiredo Xavier CRB SP-009987/O Biblioteca Karl A. Boedecker da Fundação Getulio Vargas - SP

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O USO DE FUNDOS DE INVESTIMENTO (FIP) NA ALIENAÇÃO DE PARTICIPAÇÕES SOCIETÁRIAS: REPERCUSSÕES FISCAIS

Dissertação apresentada à Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, como requisito para obtenção do título de Mestre em Direito.

Área de concentração: Direito Tributário

Data da aprovação: 5 de novembro de 2020

Banca Examinadora:

_________________________________________

Orientadora: Prof. Dra. Elidie Palma Bifano (FGV) _________________________________________

Prof. Dr. Roberto França de Vasconcellos (FGV) _________________________________________

Prof. Dr. João Francisco Bianco (USP)

_________________________________________

Prof. Dr. Alvaro Taiar Junior (INSPER)

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O objetivo deste trabalho é investigar se o ordenamento jurídico permite que detentores de participações societárias se organizem por meio da constituição de fundos de investimentos em participações (FIP) para alienar tais investimentos. Como hipótese, adotamos que a flexibilidade na estruturação de fundos de investimentos para a realização de investimentos (e alienações), organização patrimonial e planejamentos sucessórios dá maior agilidade e transparência na gestão dos ativos, de modo que a legislação não só permite como induz esse comportamento, exigindo apenas que haja coerência entre as operações realizadas e as atividades empresariais executadas. As dificuldades que identificamos, no tema, relacionam- se com os conceitos indeterminados da norma geral antielisiva e a visão do Fisco que, ao nosso sentir, limita-se a um exame da capacidade contributiva dos contribuintes e desconsidera quaisquer razões extrafiscais que porventura autorizariam a realização de certas operações utilizando-se da estrutura de fundos. Nossa conclusão foi que a destinação dos recursos é o elemento essencial para manter a eficácia perante o Fisco de operações de alienação envolvendo fundos de investimentos em participações, de modo que é prudente o operador do direito manter documentado todo o fluxo dos recursos, desde o ingresso no fundo até a destinação dada pelo gestor e, sempre que possível, manter relatórios atualizados que informem detalhadamente sobre os novos investimentos realizados e seus desempenhos, pois, ainda que essas não sejam exigências legais, são manifestações concretas de boa-fé e dão maior segurança jurídica aos atos praticados.

Palavras-chave: Planejamento tributário. Fundos de investimentos em participações. Norma geral antielisiva. Capacidade contributiva. Razão extrafiscal. Destinação dos recursos.

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This work aims to investigate whether the legal system allows shareholders to organize themselves structuring equity investment funds to carry out divestments with a capital gain.

As a hypothesis, we have adopted that flexibility in structuring investment funds to carry out investments (and divestitures), asset organization, and succession planning gives greater agility and transparency in asset management. That way, the legislation not only allows but induces this behavior, requiring that there be consistency between the operations carried out and the business activities carried out. The difficulties we identified are related to the vague concepts of the general anti-tax rule and the Tax Authorities view, which, in our opinion, is limited to an examination of the taxpayer's contributory capacity and disregards any extra- fiscal reasons that might authorize doing business carried out through the fund structure. We concluded that the allocation of funds is essential to maintain the effectiveness of tax planning involving equity investment funds and shareholdings. Therefore, it is prudent for the lawyer to keep the entire flow of funds documented, from the entry of resources into the fund to the allocation given by the manager and, whenever possible, keep updated reports that provide detailed information on the new investments made and their performance. Although these are not legal requirements, they are concrete manifestations of good faith and give greater legal certainty to the acts performed.

Keywords: Tax planning. Equity investment funds. General anti-tax rule. Contributory capacity. Extra-fiscal reason. Destination of resources.

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1. FUNDOS DE INVESTIMENTOS ... 10

1.1. FIPs: reflexos da escolha ... 12

1.2. Interpretação da RFB e limites implícitos das normas genéricas ... 14

1.3. As normas tributárias ... 16

1.3.1. Legalidade tributária ... 17

1.3.2. Capacidade contributiva ... 18

1.3.3. Isonomia ... 19

2. O USO DE FIP NA ALIENAÇÃO DE PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA E SEUS REFLEXOS ... 21

2.1. Planejamento tributário e o FIP ... 23

2.2. Abuso de forma, abuso de direito, simulação e fraude à lei ... 25

2.3. Sentido e alcance do art. 116, parágrafo único, do CTN, e o FIP ... 29

3. ESTUDO DE CASOS ... 32

3.1. Hemava Administração e Empreendimentos S.A. (Hospital São Luiz) ... 33

3.1.1. Cronologia das operações ... 33

3.1.2. Autuação fiscal ... 34

3.1.3. Argumentos da defesa ... 35

3.1.4. Julgamento no CARF ... 36

3.1.5. Reflexões sobre a decisão ... 37

3.2. Jorge Neval Moll Filho (Rede d‘Or) ... 39

3.2.1. Cronologia das operações ... 39

3.2.2. Autuação fiscal ... 40

3.2.3. Argumentos da defesa ... 41

3.2.4. Julgamento no CARF ... 41

3.2.5. Reflexões sobre a decisão ... 42

3.3. Paulo Campos Telles Neto (Ypióca) ... 43

3.3.1. Cronologia das operações ... 44

3.3.2. Autuação fiscal ... 45

3.3.3. Argumentos da defesa ... 46

3.3.4. Julgamento no CARF ... 46

3.3.5. Reflexões sobre a decisão ... 47

4. CONCLUSÃO ... 51

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INTRODUÇÃO

O jornal Valor Econômico1, em reportagem veiculada no dia 31 de março de 2020, noticiou que a carga tributária brasileira2 atingiu o patamar de 33,17% do Produto Interno Bruto – PIB, em 2019, maior nível em uma década.

Essa realidade, quando inserida em um ambiente de crescente burocracia privada, por vezes para atender exigências de compliance, e cotejada com um mercado cada vez mais competitivo, evidencia a importância do gestor zelar pelos recursos escassos que lhe são disponibilizados (art. 153 da Lei no 6.404/76), a fim de maximizar os retornos esperados, no caso, a geração de riquezas, "desde que satisfeitas as exigências do bem público e da função social" (art. 154 da Lei no 6.404/76), conforme a teoria institucionalista da empresa.

Sabemos que parte dessa riqueza produzida pelo setor privado é compartilhada com o Estado, por meio do pagamento de tributos, que representam a principal fonte de recursos para o custeio das atividades públicas, já que o legislador optou pela liberdade de iniciativa na ordem econômica.

O Poder Público, por sua vez, é responsável por alocar tais recursos, distribuindo as riquezas e garantindo a estabilidade econômica, sob o risco de produzir um sentimento de opressão da atividade estatal, que culmina em insatisfação social.

Portanto, se por um lado as sociedades empresariais precisam criar vantagens competitivas para permanecerem exercendo a atividade econômica, por outro é inegável que os tributos são a ―contribuição necessária para que o Estado possa cumprir suas tarefas no interesse do proveitoso convívio de todos os cidadãos‖3.

Harmonizar esses dois interesses (público e privado) nem sempre é tarefa fácil, por isso um bom administrador deve ser estimulado a planejar suas estratégias para alcançar seus objetivos. Nesse desafio, cortar custos é essencial.

O custo tributário, pelas características do nosso sistema jurídico, é um dos que apresentam a maior previsibilidade, tendo em vista a exigência de que leis previamente

1 VALOR ECONÔMICO. Disponível em: <https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/03/31/carga-tributaria- do-pais-tem-alta-em-2019-e-e-a-maior-em-uma-decada.ghtml>. Acesso em: 31 mar. 2020.

2 Para os fins deste trabalho, carga tributária é a totalidade de tributos municipais (2,27%), estaduais (8,67%) e federais (22,24%) que incidem sobre os contribuintes.

3 TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça Fiscal e Princípio da Capacidade Contributiva. Malheiros, São Paulo, p.13, 2002.

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estabelecidas disciplinem minuciosamente todas as situações (hipóteses de incidência) que fazem surgir a necessidade do cumprimento de uma prestação pecuniária ou de deveres diversos do dever de pagar (art. 113 do CTN), mas que também geram custos de conformidade.

Porém, é nesse empenho de dar mais eficiência à sua sociedade empresarial, estruturando negócios jurídicos de formas variadas, que os contribuintes têm enfrentado uma cultura de contencioso fiscal4, inclusive com consequências penais, uma vez que a má técnica legislativa dificulta a atuação do operador do direito na demonstração do propósito negocial de algumas operações realizadas.

Muitas vezes, a fragilidade das provas existentes, aliada à ausência de regras procedimentais claras para os agentes econômicos, amplia a insegurança jurídica e (des)incentiva novas organizações. A verdade para o Direito está relacionada à capacidade de provar a (in)ocorrência dos fatos.

O objetivo deste trabalho, portanto, não é discorrer sobre as (des)vantagens da prevalência dos princípios de um Estado Liberal (Alberto Xavier, Paulo de Barros Carvalho) vis-à-vis um Estado Social (Marco Aurélio Greco) na interpretação das normas tributárias.

O que se propõe é analisar os critérios de validade dos negócios jurídicos envolvendo fundos de investimentos constituídos com participações e a subsequente alienação dessas participações, que têm sido submetidos ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) e, em certa medida, tentar sugerir um modelo genérico que dê mais confiança aos agentes.

Vale salientar que o recrudescimento da posição do Fisco não se coaduna com uma leitura funcional do Direito. Nos tempos atuais, de rápida evolução tecnológica, espera-se tanto do Fisco quanto dos contribuintes um comportamento transparente, com sanções premiais para o cumprimento das obrigações, principal e acessória, nos termos do que foi proposto nos Estados de São Paulo, por meio da Lei Complementar no 1.320/18 (―Nos Conformes‖), e do Ceará, em face da Lei nº 17.087/19 (―Contribuinte Pai d‘Égua‖).

Desse modo, tem-se que a investigação que se almeja desenvolver será dirigida a enfrentar o seguinte problema: é permitido que detentores de participações societárias se

4 VALOR ECONÔMICO. Disponível em: <https://www.valor.com.br/brasil/5736311/receita-aperta-cerco- planejamento-tributario>. Acesso em: 31 mar. 2020.

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organizem por meio da constituição de fundos de investimentos para realizar operações de alienação de investimentos?

Por sua vez, a hipótese deste trabalho admite que a flexibilidade na estruturação de fundos de investimentos para a realização de investimentos (e desinvestimentos), organização patrimonial e realização de planejamentos sucessórios dá maior agilidade e transparência na gestão dos ativos, de modo que a legislação não só permite como induz esse comportamento, exigindo apenas que haja coerência entre as operações realizadas e as atividades empresariais executadas.

Para realizar o desiderato da presente pesquisa, dividimos o assunto em três capítulos.

O primeiro dedicado a uma breve apresentação de institutos relacionados a fundos de investimentos e normas tributárias, conceitos essenciais ao desenvolvimento do tema, o segundo relacionado ao uso de FIP na alienação de participação societária e seus reflexos, com a exposição sucinta de aspectos gerais sobre planejamento tributário, e o terceiro voltado para examinar a aplicação prática desses conceitos por meio do estudo de casos.

Nessa última parte (cap. 3), optamos por adotar uma abordagem qualitativa, situando o contexto em que as operações estão inseridas e identificando os elementos principais que conduziram as respectivas decisões, para, ao final, opinar sobre os critérios e parâmetros adotados.

A relevância prática do tema permitirá o oferecimento de uma contribuição que se pretende dar quanto aos critérios de valoração das provas produzidas nos planejamentos comumente realizados, bem como ensejará a exposição dos limites da atuação do Fisco para desconsiderar os efeitos de operações realizadas em conformidade com a legislação.

Conhecer os limites da atuação do Fisco é essencial para a tomada de decisão de qualquer agente econômico, sobretudo quando essa é uma discussão iminente e que merece ser realizada de forma técnica, observadas as limitações ao poder de tributar e não apenas a necessidade de financiamento das atividades do Estado.

É importante evidenciar que, para manter o caráter inovador, a proposta deste trabalho é tratar de forma analítica, referenciada por uma abordagem crítica de precedentes, os critérios de validade de determinados planejamentos tributários e colacionar levantamentos dos fundamentos apresentados para, ao final, ―emitir um juízo de conveniência dentro de uma

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moldura legal mais ampla, e não simplesmente sustentar um posicionamento hermenêutico ou afirmar a licitude ou ilicitude de determinada conduta‖ 5.

5 PINTO JUNIOR, Mario Engler. Pesquisa jurídica no mestrado profissional. Revista DIREITO GV, São Paulo,

v. 14, n. 1, p. 27 a 48, Jan-Abr. 2018. Disponível em:

<https://direitosp.fgv.br/sites/direitosp.fgv.br/files/arquivos/mario_engler_pinto_junior_pesquisa_juridica_no_m estrado_profissional_publicado_revista_direito_gv.docx_.pdf>. Acesso em: 31 mar. 2020.

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1. FUNDOS DE INVESTIMENTOS

Fundos de investimentos, introduzidos no Brasil por meio do art. 50 da Lei no 4.728/1965, são veículos organizados para consolidar recursos (de pessoas físicas ou jurídicas) destinados a serem investidos em ativos do mercado financeiro e de capitais (renda fixa, ações e câmbio) sob a forma de condomínio voluntário (aberto ou fechado)6.

Por sua importância para o financiamento da atividade econômica, a legislação determina que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) deve regulamentar e supervisionar essas estruturas, que são classificadas em diversas modalidades (curto prazo, DI, renda fixa, cambial, multimercado, ações, previdenciário, exclusivos fechados) e gozam de tratamentos tributários distintos conforme o prazo da aplicação financeira.

A título de exemplo, o produto dos investimentos realizados por meio de fundos abertos de curto prazo é tributado por uma alíquota de imposto de renda que varia entre 22,5%

(até 180 dias) e 20% (acima de 180 dias) enquanto para os investimentos de longo prazo o legislador optou por estabelecer alíquotas que variam entre 22,5% (até 180 dias) e 15%

(acima de 720 dias). Outra diferenciação importante é o momento de recolhimento do imposto, tendo em vista que nos fundos abertos acontece no último dia útil dos meses de maio e novembro (come-quotas) e nos fundos fechados apenas no momento de liquidação do fundo.

Atualmente, por questões regulatórias, a constituição de um fundo requer a contratação de alguns profissionais que prestam serviços de administração, gestão, custódia, controladoria, distribuição e auditoria, e atuam como responsáveis (na modalidade subjetiva) pelo funcionamento do fundo, com vistas a dar mais transparência aos atos praticados e, por consequência, maior segurança aos processos decisórios.

A dinâmica da operação de um fundo, em linhas gerais, inicia-se com a formalização (registro em cartório, cadastro no CNPJ e envio de documentos à CVM), emissão, oferta, distribuição, subscrição e integralização das quotas7 para em seguida realizar as operações de compra e venda de ativos. As regras de operacionalização e as políticas de investimento são estabelecidas por um regulamento, que somente pode ser alterado por decisão da Assembleia Geral de Quotistas.

6 No condomínio aberto, o prazo de investimento é indefinido e as quotas podem ser resgatadas a qualquer tempo. Por sua vez, na modalidade de condomínio fechado, o prazo de investimento é determinado e as quotas são resgatáveis apenas no momento da liquidação do fundo, podendo ser negociadas no mercado secundário.

7 Valores mobiliários supervisionados pela CVM

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O valor das quotas (fração ideal da totalidade dos bens) é atualizado diariamente e oscila conforme o preço dos ativos e o passivo do fundo (patrimônio líquido). Estes fundos, por serem constituídos sob a forma de condomínio de natureza especial (art. 1.368-C do Código Civil), não têm personalidade jurídica, razão pela qual se diz que os ativos que os compõem fazem parte do patrimônio pessoal dos quotistas.

No caso específico dos FIPs, que são constituídos sob a forma de condomínio fechado e estão restritos a investidores qualificados que pretendem organizar-se para adquirir participações societárias e interferir na gestão das empresas investidas, a consequência tributária da opção feita pelo legislador por condomínio é a isenção do imposto de renda sobre os rendimentos e ganhos líquidos ou de capital auferidos pelo fundo (art. 57 da Lei no 4.728/1965 e art. 14 da IN RFB no 1.585/2015), de modo que a tributação se dá apenas na pessoa do quotista, no momento de amortização ou resgate das quotas (condomínio fechado) e é calculado com uma alíquota de 15% sobre a diferença positiva entre o valor de resgate e o custo de aquisição das quotas (art. 2 da Lei no 11.312/2006).

Recentemente, a Lei no 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica), sancionada para dar mais dinamicidade ao exercício da atividade econômica, trouxe importantes conquistas para a indústria de fundos de investimentos.

Dentre as novidades que merecem destaque estão a atualização do conceito de fundo de investimento, afastando-o da regra geral de condomínio8, e a possibilidade do regulamento dos fundos limitar a responsabilidade9 de investidores (ao valor de suas quotas e não mais por eventual patrimônio líquido negativo) e de prestadores de serviços (extinguindo a solidariedade), observada a regulamentação da CVM.

Essas mudanças, quando regulamentadas, devem refletir em um melhor ambiente de negócios, especialmente de investimentos a serem realizados por meio de FIPs, tendo em vista a maior segurança jurídica proporcionada aos agentes envolvidos.

8 Art. 1.368-C do Código Civil. O fundo de investimento é uma comunhão de recursos, constituído sob a forma de condomínio de natureza especial, destinado à aplicação em ativos financeiros, bens e direitos de qualquer natureza. § 1º Não se aplicam ao fundo de investimento as disposições constantes dos arts. 1.314 ao 1.358-A deste Código.

9 Art. 1.368-D do Código Civil. O regulamento do fundo de investimento poderá, observado o disposto na regulamentação a que se refere o § 2º do art. 1.368-C desta Lei, estabelecer: I - a limitação da responsabilidade de cada investidor ao valor de suas cotas; II - a limitação da responsabilidade, bem como parâmetros de sua aferição, dos prestadores de serviços do fundo de investimento, perante o condomínio e entre si, ao cumprimento dos deveres particulares de cada um, sem solidariedade;

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1.1. FIPs: reflexos da escolha

Na condição de espécie do gênero fundos de investimentos10, regulamentados inicialmente pela Instrução CVM no 391/2003 e atualmente pelas Instruções CVM nos 555/2014 e 578/2016, foram criados para adaptar a legislação local às necessidades da indústria de private equity ou venture capital (realização de investimento com o assentimento do controle da sociedade investida), que anteriormente realizavam investimentos utilizando a estrutura de holdings.

A ampla liberdade de estruturação e as diversas vantagens tributárias fizeram com que esse instrumento se tornasse dos mais adequados para otimizar a gestão de certos investimentos de grupos societários, organização patrimonial (pessoas físicas) e, consequentemente, planejamentos sucessórios.

Fundos de investimentos, por questões regulatórias, necessariamente devem ser administrados por profissionais especializados (administrador, gestor e custodiante), além de serem submetidos a auditorias anuais e fiscalizados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Tais características, que não são exigidas de uma holding, obrigam a adoção de padrões mais elevados de transparência e implicam em maior segurança aos processos decisórios.

Recentemente, em face da edição da Lei nº 13.874/2019, sobrevieram algumas alterações no regime jurídico dos fundos de investimentos. Entre outras modificações, introduziu-se na Lei nº 10.406/02 (Código Civil) o Capítulo X – ―Do Fundo de Investimento‖.

Insta salientar que certamente por admitir o objeto dos fundos de investimentos, enquanto comunhão de recursos (cotistas pessoas físicas ou jurídicas), são ativos financeiros (renda fixa, multimercado, ações, câmbio), bens e direitos, o legislador ordinário atribuiu-lhes a condição de condomínio de natureza especial (art. 1.368-C do Código Civil), podendo assumir a estrutura de condomínios abertos ou fechados, de acordo com as regras para o aporte e/ou resgate das respectivas cotas.

10 Elidie Bifano, reconhecendo que os fundos qualificam-se como um dos produtos preferidos do mercado financeiro, esclarece que ―o fundo é um investimento que não exige experiência do investidor e tampouco participação no cumprimento das obrigações, visto que o administrador / gestor de tudo se desincumbem‖.

Anotações sobre fundos exclusivos, in XVI Congresso Nacional de Estudos Tributários, 2019, São Paulo.

Construtivismo Lógico - Semântico e os Diálogos entre Teoria e Prática. São Paulo, Noeses. v. 1. p. 394.

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E mais: em decorrência da natureza condominial11, por expressa opção legislativa, verifica-se que eles não possuem natureza societária, e tampouco são detentores de personalidade jurídica, não podendo ocupar o polo ativo (direitos) ou passivo (obrigações) de relações jurídicas12.

Especificamente quanto aos FIPs (exclusivos), consoante o art. 130, da IN CVM nº 555/201413, neles há apenas um condômino.

O rendimento proveniente da valorização dos ativos integrantes dos fundos de investimento (condomínio) se sujeita à incidência do imposto de renda, que será devido pelos cotistas (condôminos) quando há amortização das quotas e é calculado com uma alíquota de 15% sobre a diferença positiva entre o valor de resgate e o custo de aquisição das quotas (art.

2º, da Lei no 11.312/2006).

Em contrapartida, apenas para comparação, quando uma alienação é realizada por contribuinte pessoa física ou pessoa jurídica (holding), a tributação sobre ganho de capital se dá no momento da alienação, por uma alíquota progressiva entre 15% e 22,5%, ou, segundo o entendimento da Receita Federal do Brasil, contido na Solução de Consulta no 34714 – COSIT, de 27 de junho de 2017, caso a pessoa jurídica se submeta ao regime do lucro presumido e a participação societária esteja classificada no ativo circulante, o percentual de presunção a ser aplicado na determinação do IRPJ e da CSLL é de 32%, acrescido de PIS/COFINS, nos termos do Acórdão nº 3401-003.113.

11 Quanto à polêmica doutrinária acerca da natureza dos fundos de investimento, consulte-se Kowarski, Clarissa Maria Beatriz Brandão de Carvalho; Nunes, Bárbara Nogueira; Tibúrcio, Dalton Robert, A ausência de personalidade jurídica dos fundos de investimento em participações e o conceito legal de acionista controlador, RJLB, Ano 4 (2018), nº 4, p. 523-554.

12 Nas palavras de Elidie Bifano, ―o fundo de investimentos é uma aplicação financeira detida por mais de uma pessoa, daí nascendo a comunhão a que se refere a lei‖. Anotações sobre fundos exclusivos, in XVI Congresso Nacional de Estudos Tributários, 2019, São Paulo. Construtivismo Lógico - Semântico e os Diálogos entre Teoria e Prática. São Paulo, Noeses. v. 1. p. 394.

13 ―Art. 130. Considera-se ―Exclusivo‖ o fundo para investidores profissionais constituído para receber aplicações exclusivamente de um único cotista. § 1º - Na emissão e no resgate de cotas do fundo exclusivo pode ser utilizado o valor de cota apurado de acordo com o disposto no § 1º do art. 16, segundo dispuser o regulamento. § 2º - O disposto no § 1º não se aplica caso o fundo exclusivo tenha como cotista outro fundo de investimento que não esteja autorizado a utilizar a faculdade prevista no § 1º do art. 16‖.

14 http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=84263 . Em

complemento, ver

http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=101737#:~:text=SC%20C osit%20N%C2%BA%20198%20%2D%202019&text=GANHO%20DE%20CAPITAL%20NA%20ALIENA%C 3%87%C3%83O%20DE%20INVESTIMENTOS.&text=O%20ganho%20de%20capital%20na,mediante%20adi

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Quanto a distribuição de dividendos, como o fundo não tem personalidade jurídica e os ativos que o compõem fazem parte do patrimônio pessoal dos quotistas, diferente das holdings, que gozam de isenção para essas distribuições, incide imposto de renda sobre dividendos auferidos pelas empresas investidas e distribuídos aos quotistas do FIP (art. 21 da IN RFB no 1.585/2015).

Por essas características, a profusão do uso de fundos de investimentos para realizar planejamentos tributários tem induzido o legislador a tentar restringir o emprego dessas estruturas (ADI RFB no 7/2007, Instrução CVM no 579/2016, MP no 806/2017), mas até o momento a maior ameaça para a viabilidade desse instituto continua sendo as interpretações dadas pela da Receita Federal do Brasil (RFB) durante as fiscalizações

1.2. Interpretação da RFB e limites implícitos das normas genéricas

Sabemos, entre nós há uma cultura do contencioso fiscal (processos que tramitam perante as Administrações Tributárias e no âmbito do Judiciário, cujo objeto tenha que ver com a atividade de tributação), ora deflagrada pelos contribuintes, ora estimulada pelo Fisco, realidade essa que se mostra bastante prejudicial ao ambiente de negócios.

Com efeito, todos aqueles que se preocupam com o desenvolvimento do País, devem, na medida das suas responsabilidades, tentar entender as causas que nos conduziram a essa situação e, quando possível, propor alternativas para fomentar o desenvolvimento nacional15.

Investidos nesse propósito, examinamos a prática de uma variedade de condutas, lícitas e ilícitas, que são objeto de questionamento por parte do Fisco, chamando a atenção a enorme quantidade de planejamentos tributários (em sentido estrito) que têm a sua eficácia limitada, sob a justificativa de realização de operações desnecessárias, com ausência de propósito negocial, expressão oriunda de business purpose do direito norte-americano, compreendido como sendo aquilo que o contribuinte almeja alcançar em razão da exploração de sua atividade econômica.

15 Apontando de que modos a tributação interfere na economia, Ana Teresa Lima Rosa Lopes discorre: ―Sob a perspectiva macroeconômica a tributação pode ser um instrumento eficiente para controlar a balança comercial e a geração de empregos. Adotando o viés microeconômico a tributação também é elemento chave para a política industrial e a formação de preços no mercado‖. O contencioso tributário sob a perspectiva corporativa: estudo das informações publicadas pelas maiores companhias abertas do país, Dissertação de Mestrado, Fundação Getulio Vargas, Escola de Dirieto De São Paulo, São Paulo, 2017, p. 16.

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Registre-se que o conceito de ―propósito negocial‖, no direito brasileiro, foi originariamente cogitado por ocasião da edição da MP no 66/02, que não foi convertida em lei. Naquela medida provisória previu-se que a ausência de propósito negocial seria uma das causas para a desconsideração, por parte do Fisco, de ato(s) ou negócio(s) jurídico(s) (art. 14,

§1º, da MP 66/02), devendo ser considerada como sinal da falta de propósito negocial a opção pela forma mais complexa ou mais onerosa, para os envolvidos, entre duas ou mais formas para a prática de determinado ato16 (art. 14, §2º, da MP 66/02).

Esse diagnóstico incentivou-nos a analisar diversos casos concretos para identificar, na prática, as causas dessa insegurança e que modelos poderiam ser adotados para dar mais estabilidade à relação entre Fisco e contribuintes.

Percebemos que uma das razões que mais atrai incerteza para o Direito, e que é um fenômeno comunicacional, é o uso indistinto de algumas normas com estruturas abertas, e a adoção de conceitos jurídicos indeterminados.

Essa premissa foi fundamental para refletirmos sobre o tratamento dado pelo sistema jurídico para abrandar a discricionariedade do Fisco e constatarmos a existência de alguns valores decorrentes da atual organização do Estado (Social e Democrático de Direito) que desempenham a função de limites implícitos para o aplicador do Direito.

1.3. As normas tributárias

A característica de uma norma tributária geral e abstrata bem formulada é a previsibilidade dos seus efeitos, que implica em maior segurança jurídica para os potenciais destinatários.

Assim, quando o legislador apresenta uma lista de previsões abstratas, utilizando critérios descritos com clareza e objetividade e evitando o uso de conceitos indeterminados, cláusulas gerais ou tipos abertos, podemos esperar um ambiente de negócios mais estável e próspero, que aumenta o ânimo dos agentes econômicos no que se refere à realização de novos investimentos.

16 Cf. BIFANO, Elidie; CORREIA LIMA, Cleyber. O planejamento tributário como negócio jurídico e a irrelevância do propósito negocial (The tax planning as a legal business and the irrelevance of the business purpose). FGV Direito SP Research Paper Series, São Paulo. Disponível em:

<https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3332383>. Acesso em: 23 abr. 2020.

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Nesse cenário, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária consegue acompanhar facilmente a ocorrência dos fatos geradores de tributos e o contribuinte pode organizar melhor os fatores de produção que estão sob seu domínio, proporcionando um ambiente de cooperação na relação entre Fisco e contribuintes.

De seu turno, quando os critérios de clareza da norma não são atendidos e é necessário um grande esforço e uma incomum criatividade para perquirir o seu sentido e alcance para definir a (não) incidência tributária em relação a variadas condutas, os reflexos na atividade econômica são percebidos, pois a dificuldade de planejar um componente de custo tão importante (tributos) afeta consumo, novos investimentos e, consequentemente, compromete o bem-estar social.

Tem-se, então, um ambiente propício para os mais diversos conflitos, tanto na seara administrativa como nos domínios do Judiciário. E como em regra há um considerável decurso de tempo até o desfecho de eventual contenda tributária, advém desse nefasto cenário a insegurança que tanto trava decisões quanto à efetivação de novos investimentos.

Nestes casos, como vimos, para evitar a absoluta discricionariedade dos agentes, a Constituição consagra alguns valores que garantem a completude do ordenamento e balizam a atividade do intérprete, que deve conjugá-los, com razoabilidade e proporcionalidade, para resolver tais conflitos.

Os valores que julgamos essenciais para a melhor compreensão desse trabalho foram devidamente incorporados nos seguintes princípios constitucionais: legalidade tributária (art.

150, inciso I, da CF), isonomia (art. 150, inciso II, da CF) e capacidade contributiva (art. 145,

§1º, da CF).

1.3.1. Legalidade tributária

A lei tributária, por não admitir suplementação por regulamento17, deve ser suficiente para permitir a identificação, em abstrato, de todos os aspectos da regra-matriz de incidência

17 ―[...] não se pode admitir a existência de norma tributária aberta, de norma tributária em branco, pois a função consistente em descrever legislativamente a regra matriz de incidência tributária coube, por expressa opção constitucional, única e tão-somente ao Legislativo, não podendo o Executivo alterar-lhe o produto ou suprir-lhe as eventuais faltas e omissões‖. GONÇALVES, J. A. Lima. Isonomia na norma tributária, Malheiros, São Paulo, p. 39, 1993.

(20)

tributária (material, espacial, temporal, pessoal e quantitativo)18, por ser direito dos jurisdicionados conhecer previamente a pluralidade de padrões de conduta19 classificados como fatos geradores de tributos.

Contudo, o uso de tipos abertos (conceitos jurídicos indeterminados e normas penais em branco), ainda que indesejado, é admitido no Direito Tributário, dada a impossibilidade de exaurimento de todas as condutas que podem ser praticadas nas relações sociais. Nesse caso, fica o operador da lei subordinado aos limites de sentido e alcance da norma, sob pena de incidir em discricionariedade, malferindo assim o disposto no art. 3º, do Código Tributário Nacional, que exige que a cobrança de tributo ocorra mediante o exercício de atividade administrativa plenamente vinculada.

Essa garantia, a despeito de eventuais críticas sobre crises de representatividade, dá aos contribuintes o conforto de que as condutas eleitas como fatos geradores de tributos passaram pelo crivo da sociedade e em alguma medida refletem os seus anseios.

Escolhas feitas por um colegiado têm a vantagem de harmonizar visões distintas de mundo e estimular um ambiente de igualdade, características que, ao nosso sentir, restariam ameaçadas caso fosse permitido a suplementação de leis tributárias por meio de regulamentos.

1.3.2. Capacidade contributiva

A expressão ―capacidade contributiva‖ ou ―capacidade econômica‖ (taxable capacity), tem que ver precisamente com possível envergadura econômica de que deve ser dotado o contribuinte para fins de aguentar determinado encargo tributário sem que isso importe comprometimento de sua sobrevivência respeitados padrões mínimos de dignidade humana20.

Com efeito, aqueles que sejam detentores de maior idoneidade para suportar o sacrifício decorrente da tributação (ability to pay), certamente, deveriam arcar com um custo tributário maior (justiça distributiva), o que poderia ser viabilizado por meio do manejo dos

18 ―[...] o princípio da estrita legalidade diz mais do que isso, estabelecendo a necessidade de que a lei adventícia traga no seu bojo os elementos descritores do fato jurídico e os dados prescritores da relação obrigacional. Esse plus caracteriza a tipicidade tributária [...]‖. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Saraiva, São Paulo, ed. 21, p. 174, 2009.

19 ―O tipo representa a média ou a normalidade de uma determinada situação concreta, com as suas conexões de sentido. Segue-se, daí, que a noção de tipo admite as dessemelhanças e as especificidades, desde que não se transformem em desigualdade ou anormalidade.‖ (TORRES, Ricardo Lobo. O princípio da tipicidade no direito tributário. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 235, p. 193-232, jan./mar., 2004a.)

20 Cf. BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário, 4. ed., São Paulo, Noeses, 2007, pp. 509- 531.

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princípios da progressividade e da seletividade tributárias. Eis aí um lídimo corolário do princípio da isonomia, predestinado a permitir a concretização da ideia de justiça fiscal21.

Os limites desta importante garantia, que como dito anteriormente é indissociável do princípio da isonomia tributária, são a preservação do mínimo existencial, por respeito à dignidade humana, e o confisco, de modo a não desincentivar a produção de riquezas22.

Para se aferir a verdadeira capacidade econômica e atender os limites estabelecidos é necessário que haja a exata identificação do patrimônio, da renda e dos rendimentos daqueles que manifestam riqueza.

Porque os tributos são a principal fonte de recursos do Estado para promover o bem- comum e conviver em sociedade se pressupõe renúncias recíprocas, espera-se dos contribuintes maior ou menor disposição, a depender da capacidade econômica, para auxiliar o Estado no objetivo de garantir a todos, indistintamente, as necessidades básicas de sobrevivência.

Todavia, a aplicação desse princípio deve ter a sua intensidade bem calibrada23 para não afugentar novos investimentos e desestimular a economia.

1.3.3. Isonomia

A isonomia, na condição de valor cravado na vigente Magna Carta, materializa-se quando a norma elege, como critério de discriminação, critério(s) legítimo(s) para estabelecer tratamentos diferenciados e (des)estimular a prática de certas condutas. Nesse sentido, deve-se

21 No Estado do Ceará, a Lei Complementar nº 130/2014, que instituiu naquele Estado Código de Defesa do Contribuinte, prevê que a justiça fiscal é um dos fins visados a partir do estabelecimento de um saudável relacionamento entre o fisco e o contribuinte.

22 ―Atrelado ao valor da isonomia, o princípio da capacidade contributiva busca, exatamente, justificar a adoção de critérios de diferenciação de incidência, conforme exija a multiplicidade de situações sociais, sempre visando a uma tributação mais justa e equânime‖. STF, ADI 2898, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 10/10/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-257 DIVULG 30-11-2018 PUBLIC 03-12-2018.

23 ―[...] não basta uma mera explicação para o tratamento desigual, mediante demonstração de existência de autorização para a distinção; é necessária uma justificação, entendida como a demonstração de existência de correção para a distinção, isto é, a fundamentação (e não mera alegação) da existência de uma relação fundada e conjugada entre uma medida de comparação permitida e uma finalidade imposta que obedeça aos vários níveis de justificação decorrentes da harmonia entre as normas de competência e os direitos fundamentais;‖. ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. São Paulo, Malheiros, p. 197, 2008.

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ter em mente a necessidade de se responder às seguintes questões: igualdade em quê? E igualdade entre quem?24.

Para tanto, cremos ser adequada a proposta teórica segundo a qual tais discriminações somente serão aceitas quando se constatar a existência de um nexo lógico entre a razão do discrímen e o tratamento diferenciado, que deve ajustar-se aos fins aclamados pela Constituição25.

Firmado na premissa de que inexiste igualdade perfeita, será exatamente a partir do manejo adequado de critérios de discriminação que, no Direito Tributário, ao legislador será permitido definir, com equilíbrio, cargas tributárias distintas, a depender do contexto fático.

Mas é preciso reconhecer que tal tarefa não é das mais singelas, porquanto quando se trata da edição de atos dotados de juridicidade em matéria tributária, os interesses contrapostos, que ocasionam os mais diversos tipos de conflitos, exercem nítida influência nos sujeitos que tem a incumbência de concretizar aquele citado valor constitucional26, mediante a produção de normas jurídicas (gerais e abstratas ou individuais e concretas).

Dois atributos que cumprem essa finalidade são a capacidade contributiva27 e as razões extrafiscais28, aqui entendidas como tratamento favorecido para a indução do cumprimento da função social da propriedade.

24 Cf. BOBBIO, Norberto. Igualdade e liberdade. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 12.

25 Cf. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio, O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3. ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2017.

26 Para Hugo de Brito Machado, ―a grande dificuldade reside em saber quando o direito deve considerar as desigualdades para atribuir, em função destas, tratamento desigual, prestigiando-as, e quando deve o Direito ignorar essas desigualdades, atribuindo tratamento igual‖. Princípios jurídicos da tributação na constituição de 1988, 2a ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1991.p. 41.

27 ―Situações iguais na equipolência, mas diferentes na forma, não podem ser tratadas diversamente. A equivalência estende à similitude de situações a necessidade de tratamento igual pela política impositiva, afastando a tese de que os desiguais devem ser tratados, necessariamente, de forma desigual. Os desiguais, em situação de aproximação devem ser tratados, pelo princípio da equivalência, de forma igual, em matéria tributária, visto que a igualdade absoluta, na equivalência, não existe, mas apenas a igualdade na equiparação de elementos [...]‖ MARTINS, Ives Gandra da Silva. Direito Constitucional Interpretado. Revista dos Tribunais, São Paulo, p. 166, 1992.

28 ―Quando os tributos têm uma finalidade extrafiscal, a medida de comparação deverá corresponder a um elemento ou propriedade que mantenha relação de pertinência fundada e conjugada com a finalidade eleita.

Além disso, é preciso confirmar que a medida do distanciamento da igualdade é proporcional, comprovando que:

a medida produz efeitos que contribuem para a realização gradual da finalidade extrafiscal (exame da adequação); a medida é a menos restritiva aos direitos envolvidos dentre aquelas que poderiam ter sido utilizadas para atingir a finalidade extrafiscal (exame da necessidade); os efeitos positivos decorrentes da adoção da medida, aferidos pelo grau de importância e de promoção da finalidade extrafiscal, não são desproporcionais aos seus efeitos negativos, estimados pelo grau de importância e de promoção da finalidade igualitária (exame de

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É intuitivo que quanto maior a capacidade econômica do contribuinte mais sinais de cooperação podem ser exigidos pelo Estado, que podem variar desde o pagamento de tributos até a realização de novos investimentos para a geração de empregos.

As razões extrafiscais, que também decorrem de vontades coletivas concretizadas por meio de lei, representam valores que devem ser sopesados para determinar os critérios prevalentes na análise de casos concretos envolvendo planejamentos tributários, pois, na mesma medida em que a sociedade exigiu maior colaboração daqueles que manifestam mais disponibilidade, ela confiou que o próprio particular pode utilizar tais recursos para auxiliar o Estado no atingimento do bem-comum e, como forma de incentivá-lo, permitiu que certos investimentos se submetessem a critérios mais favoráveis de tributação.

Contudo, como por definição tributo é uma prestação pecuniária e sua cobrança ocorre mediante o exercício de atividade administrativa plenamente vinculada (art. 3° do CTN), parece-nos que uma das consequências do uso de tipos abertos (conceitos jurídicos indeterminados e normas penais em branco) é que a apriorística visão do Fisco fica limitada ao exame da capacidade contributiva dos contribuintes e desconsidera quaisquer razões extrafiscais que porventura autorizariam a realização de certas operações, ainda que como condição para submissão a cargas tributárias distintas haja a necessidade do cumprimento de exigências que auxiliam o Estado no atingimento do bem-comum.

proporcionalidade em sentido estrito)‖. ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. Malheiros, São Paulo, p.198, 2008.

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2. O USO DE FIP NA ALIENAÇÃO DE PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA E SEUS REFLEXOS

Tem-se planejamento tributário quando o contribuinte, de maneira intencional, lícita e espontânea, reestrutura-se previamente à prática de algum dos padrões de conduta classificados pelo legislador como fatos geradores de tributos, evitando ou postergando a incidência tributária, assim como a redução do quantum que seria devido caso ele não tivesse realizado a referida rearrumação.

Atente-se que aquela legítima busca por conjunturas menos gravosas para o exercício de determinada atividade econômica, em alguns casos, é conditio sine qua non para a própria viabilidade do prosseguimento a exploração do negócio, mormente em mercados tidos como altamente competitivos que a todo instante estão a impor redução de margens de lucros seguidas das reduções de preços.

É que considerando as peculiaridades de nosso confuso sistema tributário, inegavelmente certas tomadas de decisão de índole econômica reclamam que sejam levados em conta, entre outras variáveis, o custo proveniente dos tributos, que como se sabe pode interferir diretamente no aumento e/ou diminuição da produção, oferta e procura de bens e serviços.

Portanto, à medida que o planejamento tributário importará menor onerosidade para o agente econômico29, espera-se que essa nova organização, além de poder desfrutar de maior quantidade de recursos, seja mais adequada para a realização de outros negócios e dê mais dinamicidade à tomada de decisões sobre novos investimentos, pois a concessão dada pelo legislador para submeter essas operações à tributação mais vantajosa pressupõe a colaboração para o atingimento do bem-comum.

Quanto aos limites a que se submete aquela autonomia patrimonial (arts. 3, inc. I, e 170, da CF), é certo que ao longo dos tempos identificamos propostas teóricas diversas30,

29 Nas palavras de José Eduardo Soares de Melo, ―o planejamento tributário constitui procedimento legítimo, em que se opera minuciosa análise do ordenamento jurídico que acarrete comportamento (obviamente lícito), objetivando evitar ou reduzir a carga tributária, sem resvalar em nenhuma antijuridicidade, especialmente no que tange aos crimes tributários‖. Liberdade contratual e implicações tributárias¸in GRUPENMACHER, Betina Treiger (coord.), Tributação: democracia e liberdade, São Paulo, Noeses, 2014, p. 713-714.

30 "[...] na primeira fase, predomina a liberdade do contribuinte de agir antes do fato gerador e mediante atos lícitos, salvo simulação; na segunda fase ainda predomina a liberdade de agir antes do fato gerador e mediante atos lícitos, porém nela o planejamento é contaminado não apenas pela simulação, mas também pelas outras patologias do negócio jurídico, como o abuso de direito e a fraude à lei. Na terceira fase, acrescenta-se um outro ingrediente que é o princípio da capacidade contributiva que – por ser um princípio constitucional tributário –

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mas, de um modo geral, apesar de tais lindes serem nitidamente tênues, é possível defini-los tomando por base a livre iniciativa e a solidariedade social.

O exame desse tema é relativamente recente no CARF, por isso selecionamos três precedentes de planejamentos tributários envolvendo FIP e alienação de participações societárias para analisarmos qualitativamente cada uma dessas decisões.

A RFB tem insistido na interpretação de que várias dessas operações são estruturadas por meio de FIP com a finalidade exclusiva de obter economia fiscal e, portanto, devem ser desconsideradas por estarem em desrespeito à função social da propriedade.

Não nos pomos de acordo com essa visão por entendermos que limitar a função social da propriedade ao pagamento de tributos parece-nos desprestigiar outros valores sociais tão ou mais importantes, tais como a busca pelo pleno emprego, a preservação do meio ambiente e a redução de desigualdades regionais.

Discussões relacionadas à ESG (Environmental, Social and Governance)31 estão cada vez mais em evidência e talvez ofereçam critérios objetivos para melhor aferirmos a função social da propriedade.

Sob a ótica do Fisco, se duas empresas, Alfa e Beta, estão no mesmo segmento de atividade econômica, têm a mesma estrutura de capital e apresentam o mesmo resultado econômico, é inadmissível que Alfa organize-se para recolher menos tributos do que Beta.

Todavia, quando comparamos a responsabilidade ambiental dessas empresas, as políticas de incentivo a emprego e os motivos que fizeram Alfa se instalar numa região menos desenvolvida, podemos chegar à outra conclusão acerca do cumprimento da função social da propriedade.

Imaginemos uma situação no qual o gestor de Beta não realiza qualquer planejamento tributário, bem como programa de prevenção a desastres ambientais. Se porventura acontecer um acidente ambiental na planta industrial de Beta que dizima vidas e gera um custo estatal elevado para recuperar o meio ambiente, mesmo assim, sob a ótica do Fisco, essa empresa estaria cumprindo a função social da propriedade? Causa-nos estranheza tal raciocínio.

acaba por eliminar o predomínio da liberdade, para temperá-la com a solidariedade social inerente à capacidade contributiva". GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tributário. Dialética, São Paulo, 3ª ed., p. 319/320, 2011.

31 Para os fins deste trabalho, ―Integração ESG (―ESG Integration‖) significa enxergar a empresa de forma holística, analisando tanto seus aspectos econômicos e financeiros, como também sociais, éticos e de sustentabilidade de forma unificada‖. FAMA Investimentos. ESG & Investimento Responsável na FAMA

Investimentos. Disponível em: <https://927ae365-d5b4-4f2b-a6ba-

28eca660d344.filesusr.com/ugd/610c4d_71e09e1f267346e4b891ed3673056196.pdf>. Acesso em 29/05/2020.

(26)

É por isso que acreditamos que em algumas situações, como a que ora se apresenta, somente é possível analisar o (des)cumprimento da função social da propriedade se considerarmos a operação de forma holística, inclusive quanto à destinação dos recursos disponíveis. Caso determinada economia fiscal seja utilizada para alcançar outros valores sociais, no qual o ganho efetivo total do Estado é positivo, é inegável a existência de um autêntico propósito negocial32. Concluir pela falta de legitimidade de uma operação quando se analisa apenas um dos aspectos envolvidos é medida contraproducente.

2.1. Planejamento tributário e o FIP

Ante a impossibilidade de se prever, de modo exauriente, todas as condutas atípicas que podem ser praticadas nas relações sociais, cogita-se do uso de normas gerais antielisão (art. 116, par. único, do CTN)33, que seriam destinadas a verificar a existência de simulação (art. 167, do CC)34 ou dissimulação35 relativamente a atos praticados pelos contribuintes, e partir de tal cotejamento, decidir acerca da manutenção da sua eficácia perante o Fisco.

Este, por sua vez, deve afastar-se da discricionariedade e conjugar os valores constitucionais, com razoabilidade e proporcionalidade, sempre que estiver diante de indícios de má-fé, revelados pela realização prática de atos dissimulados, o que não se confunde com a simples anormalidade de certa conduta adotada pelo contribuinte.

32 Vê-se que nosso entendimento contrapõe-se ao seguinte argumento suscitado por Edeli Pereira Bessa, quando do julgamento de determinado processo no âmbito do CARF, verbis: ―[...] o que não se pode admitir, à luz dos princípios constitucionais e legais acima expostos entre eles os da função social da propriedade e do contrato e da conformidade da ordem econômica aos ditames da justiça social —, é que, para a adoção dessas operações, seja analisado, única e exclusivamente, o seu aspecto tributário (falta de propósito negocial)‖. 3ªC/2ªTO - Acórdão nº 1302-001.746 – PA nº 10480.726868/2012-83 – Rel. Edeli Pereira Bessa – Sessão 19/01/2016.

33 Cf. CINTRA, C. C. S.. MATTOS, Thiago Pierre Linhares. Planejamento tributário à luz do direito brasileiro.

In: Hugo de Brito Machado. (Org.). Planejamento tributário. 1ªed.São Paulo: Malheiros, 2016, p. 93-154.

34 De acordo com Florence Haret, ―simulação é todo ato humano que pretende parecer ser algo que, sabe-se, não o é, mas gera efeitos nos ouros como se o fosse (...) é a declaração enganosa, que quer instaurar o engano justamente para obter consequências diversas daquilo que o ato é em verdade. A divergência entre a vontade real e a declarada se acha juridicamente relevante quando infringir a lei, tal como preceitua o art. 166, V, CC/02, ou ainda quando desautorizar a função social da empresa, conceito este doutrinário‖. Teoria e prática das presunções no direito tributário, São Paulo, Noeses, 2010, p. 827.

35 Enaltecendo a opção do legislador em utilizar o termo ―dissimulação‖, Marciano Seabra de Godoi destaca que

―na dissimulação prevista no art. 116 há uma realidade (ocorrência do fato gerador) e uma cobertura, um disfarce promovido por atos ou negócios jurídicos, e o legislador ordena que tais disfarces sejam desconsiderados‖. A figura da ―fraude à lei tributária‖ prevista no art. 116, parágrafo único, do CTN, RDDT 68/101-123, maio 2001.

(27)

De seu turno, ao fazer uso de normas genéricas, a segurança jurídica é o valor que deve ser perseguido, de modo que utilizar-se da interpretação econômica dos fatos é uma prática indesejada36.

Consoante entendimento consagrado pelo Fisco, as operações realizadas pelas empresas devem atender os pressupostos de validade (art. 104 do CC) sem defeituações (arts.

138, 145, 151, 166, 167, 171 e 186, do CC), serem transparentes (vontade subjetiva das partes) e apresentarem um propósito negocial extratributário, sob o risco dos atos praticados serem classificados como elusão37 ou evasão fiscal. Operações fraudulentas, concebidas pela prática dolosa de atos ilícitos dissociados da realidade fenomênica (art. 72 da Lei no 4.502/64), não serão objeto desse estudo.

A transparência dos atos praticados, além de ser uma exigência do direito privado, posto que nas declarações de vontade a intenção se sobrepõe ao texto escrito (art. 112 do CC), facilita a identificação dos motivos (pré-existentes e relevantes) e das finalidades (extratributárias) que conduziram a realização de determinado planejamento.

Com efeito, para os estreitos fins desse trabalho, planejamento será entendido em sentido estrito, ou seja, a prática de uma conduta lícita (elisão fiscal), que respeita a função social da propriedade, e interfere em algum dos critérios da regra-matriz de incidência tributária (material, espacial, temporal, pessoal ou quantitativo), implicando em economia fiscal.

Esse corte metodológico não importará em qualquer prejuízo para a compreensão dos elementos essenciais do tema, pois identificamos inúmeros casos concretos em que, mesmo as condutas praticadas estando em conformidade com a lei, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária adotou critérios subjetivos para desconsiderar operações realizadas, alegando a ocorrência de dissimulação (existências de dois negócios, um firmado e outro formalizado) para adequá-las ao fato gerador de algum tributo.

36 ―Aliás, para ser uma norma uma norma ‗antielisão‘ esse dispositivo deveria ser uma norma que se intrometesse na própria formação e na ocorrência essencial do fato gerador, por exemplo, dizendo que a estrutura jurídica adotada seria irrelevante para a ocorrência da obrigação tributária, por interessar apenas o conteúdo econômico dos atos. Tal regra – sem aqui debater a validade perante as competências tributárias prescritas na Constituição – daria prevalência ao econômico sobre o jurídico, ainda que este fosse real e não verdadeiro‖.

OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Reinterpretando a norma de antievasão do parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, nº 76, p. 81/101, 2002.

37 ―Enquanto que na elisão a economia de tributos é legalmente facultada aos administrados, na elusão, a prática é revestida de uma ‗falsa legalidade‘, tendo por cumpridos os requisitos formais descritos na norma, mas ignorando-se por completo a matéria subjacente ao preceito positivado.‖ REIS, Hélcio Lafetá. Planejamento tributário abusivo: violação da imperatividade da norma jurídica. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, nº 209/57, 2013.

(28)

Alguns desses casos concretos serão examinados no capítulo seguinte, tendo em vista que, para nós, é evidente que não basta apenas conhecer o conjunto de regras válidas dentro de um sistema, sobretudo quando o Fisco manifesta dificuldade em atribuir sentido a características comuns do ambiente negocial (art. 375 do CPC).

Nessa análise, considerando a pluralidade de formas existentes para estruturar um mesmo negócio jurídico, é importante destacar a relevância das provas produzidas, pois é por meio dessa técnica que, respeitados os limites do conhecimento, pode-se transpor o texto escrito, na tentativa de extrair as verdadeiras manifestações de vontade, para a (re)construção de fatos que podem (ou não) estar classificados como fatos geradores de tributos.

Examinar os motivos (pré-existentes e relevantes) e as finalidades (extratributárias) que fomentaram a escolha de realizar um negócio jurídico por determinada forma é procedimento necessário para confirmar a coerência da qualificação dada ao conjunto de operações realizadas.

Percebemos que a contundência na demonstração do propósito negocial extratributário é que tem atestado a regularidade dos negócios jurídicos e afastado interpretações tendentes a classificar alguns planejamentos tributários como (dis)simulação.

2.2. Abuso de forma, abuso de direito, simulação e fraude à lei

Para o Direito Tributário, por sua característica de sobreposição, o uso de institutos que têm origem no direito privado (art. 110 do CTN) é imprescindível. Quando há dúvida sobre um planejamento realizado, os institutos mais comuns para desqualificar as operações são: abuso de forma, abuso de direito, simulação e fraude à lei.

Abuso de forma e abuso de direito (art. 187 do CC)38 têm em comum a atipicidade.

Questiona-se a (des)necessidade das escolhas, pois dá-se preferência ao que é habitual.

Destacamos que o emprego da teoria do abuso do direito pela autoridade administrativa equivale ao uso da analogia para fins de tributação, uma vez que nesse caso o Fisco, contrariando o princípio da tipicidade tributária – garantia dos contribuintes, extrapola os limites da própria lei tributária, criando assim nova(s) hipótese(s) de incidência tributária não prevista em lei stricto sensu.

38 Cf. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Os Limites Atuais do Planejamento Tributário. O Planejamento Tributário e a Lei Complementar 104, 2.ed, São Paulo, Dialética, 2002. p. 298.

(29)

No caso Hemava, que discutiremos no próximo capítulo, a autoridade lançadora caracterizou como abuso de direito alienações de participações societárias realizadas por meio de FIP simplesmente porque em seu entendimento seria desnecessário organizar-se naquela estrutura para realizar os negócios pretendidos, de modo que a consequente economia fiscal contrariaria a função social da empresa.

Quanto ao abuso de forma, é evidente que essa proposta é marcada por uma excessiva fluidez e subjetividade. É que o abuso de forma é teoria usualmente invocada sempre que o contribuinte emprega esquema jurídico tido como não usual para viabilizar determinado negócio jurídico.

A esse respeito, veremos no caso Paulo Campos Telles Neto (Ypióca) que um dos argumentos trazidos pela RFB para autuar a família Telles foi a sobreposição dos poderes dados ao usufrutuário das quotas em detrimento ao gestor do fundo.

Segundo os auditores, essa ampla liberdade concedida ao usufrutuário das quotas para a gestão dos negócios do FIP excederia os limites formais de governança, por ser pacífico que tal influência somente pode ser exercida por meio da Assembleia Geral de Quotistas e do Comitê Gestor de Investimento.

Na verdade, sustentamos que avaliar a validade de atos praticados pelos sujeitos passivos da obrigação tributária a partir daquilo que se qualifica como ―normal‖ ou

―ortodoxa‖ implica posicionar o(s) interessado(s) num ambiente marcado forçosamente por uma inaceitável incerteza, que por sua vez conduz à imprevisibilidade e instabilidade39.

Deixar ao arbítrio do agente Fisco decidir sobre a possível ―normalidade‖ do comportamento do contribuinte, impedindo que ele não tenha como prever os possíveis efeitos jurídicos de sua conduta, é postura que contraria os princípios da segurança jurídica40 e

39 Ives Gandra da Silva Martins, argutamente, denuncia: ―... admitir que o agente fiscal possa desconsiderar uma operação legítima, praticada pelo contribuinte por entende-la como a solução mais eficiente, do ponto de vista econômico e empresarial, apenas porque, para o fisco, o melhor seria que o contribuinte tivesse praticado uma outra operação que garantisse aos cofres públicos maior arrecadação, é gerar, permanentemente, a insegurança jurídica. É fazer com que o contribuinte viva em constante estado de incerteza, podendo ser surpreendido, a qualquer tempo, durante o lapso decadencial - ou além dele - pela desconsideração de seus atos fundada em mero palpite da fiscalização, em violação manifesta à estabilidade das relações jurídicas e da ordem social e econômica, queridas pela lei suprema, a julgar pelas normas nela plasmadas‖ (grifo do autor).

https://gandramartins.adv.br/parecer/norma-anti-elisao-tributaria-e-o-principio-da-legalidade-a-luz-da- seguranca-juridica-parecer/

40 Quanto à significação a ser atribuída ao valor ―segurança‖, José Maria Simões de Almeida Prado é certeiro, ao registrara que ―para o Direito, podemos dizer que segurança jurídica é a atividade voltada para a garantia das relações jurídicas‖. O princípio da segurança jurídica e a tributação, Dissertação de Mestrado, São Paulo, PUC, 2004, p. 32.

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