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Um olhar sobre atividades de ensino da Língua Portuguesa como L2 para surdos1

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Academic year: 2021

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Um olhar sobre atividades de ensino da Língua Portuguesa como L2 para surdos

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Madalena Vitorino dos Santos Rodrigues2

RESUMO: Este estudo tem como objetivo analisar, à luz do Interacionismo Sócio-Discursivo (ISD), algumas atividades para o ensino de português como L2 presentes em uma das obras disponibilizadas pelo MEC para educação de surdos, visando principalmente contribuir com os estudos sobre ensino de português como L2 para surdos e com sua acessibilidade comunicacional à medida que eles aprendem o português como L2. As questões a que procuramos responder foram (1) Que teorias linguísticas norteiam o ensino de língua portuguesa para surdos no material disponibilizado pelo MEC (SALLES et al., 2004)? (2) Como as atividades presentes nesse material poderiam se apresentar à luz das teorias linguísticas sociointeracionistas que orientam os documentos oficiais de ensino de língua portuguesa (PCN e BNCC)? Em nossas análises, pudemos observar que as atividades estão bastante pautadas ainda no Estruturalismo, utilizando textos para focar em elementos gramaticais sem a consideração do texto como um todo. Propomos algumas atividades que, ao nosso ver, auxiliariam o estudante surdo a assimilar melhor a Língua Portuguesa como L2.

PALAVRAS-CHAVE: Interacionismo Sócio-Discursivo. Português como L2. Estudante surdo.

RESUMEN: Este estudio tiene como objetivo analizar, a la luz del Interaccionismo Socio Discursivo (ISD), algunas actividades para la enseñanza de portugués como L2 presentes en una de las obras disponibles por el MEC para educación de sordos, visando principalmente colaborar con los estudios sobre enseñanza de portugués como L2 para sordos y con su accesibilidad comunicacional a la medida que ellos aprenden el portugués como L2. Las cuestiones a que buscamos responder fueron (1) ¿Qué teorías lingüísticas nortean la enseñanza de lengua portuguesa para sordos en el material disponible por el MEC (SALLES ET AL., 2004) ?, (2) ¿Cómo las actividades presentes en ese material podrían presentarse a la luz de las teorías lingüísticas socio interaccionistas que orientan los documentos oficiales de enseñanza de lengua portuguesa (PCN e BNCC)? En nuestros análisis, pudimos observar que las actividades todavía están pautadas en el Estructuralismo, utilizando textos para dar enfoque a elementos gramaticales sin la consideración del texto como un todo. Proponemos algunas actividades que, al nuestro ver, ayudarían al estudiante sordo a asimilar mejor el portugués como L2.

PALABRAS-CLAVE: Interaccionismo Socio Discursivo. Portugués como L2. Estudiante sordo.

1 Trabalho apresentado ao curso de Licenciatura em Letras Português-Espanhol da Universidade Federal Rural de Pernambuco, como requisito parcial para a conclusão da graduação, sob orientação da Profª. Drª. Maria Janaína Alencar Sampaio (DL/UFRPE) (sampaioufrpe@yahoo.com.br) e coorientação da Profª. Ma. Edite Consuêlo da Silva Santos (aluna do PPGL/UFPE) (editeconsuelo@gmail.com).

2 Graduanda do curso de Licenciatura em Letras Português-Espanhol da UFRPE (mada-lena20111@hotmail.com).

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1 INTRODUÇÃO

O presente artigo traz uma discussão sobre o ensino de Língua Portuguesa para surdos, mais especificamente Um olhar sobre atividades de ensino da Língua Portuguesa como L2 para surdos. Os surdos são introduzidos na escola de ouvintes, mas não têm a Libras como L1, dificultando o aprendizado do Português como L2. Há a necessidade da elaboração de atividades específicas para o ensino de LP para o aluno surdo, buscando inclui-lo na prática de ensino de forma que a escola esteja preparada para receber esse aluno, não excluindo ninguém das aulas, mas adequando-as segundo as necessidades do surdo com a sociedade ouvinte; essas dificuldades são encontradas tanto na escola regular como na escola bilíngue.

Nosso estudo busca responder às seguintes questões: (1) que teorias linguísticas norteiam o ensino de língua portuguesa para surdos no material disponibilizado pelo MEC (SALLES ET AL., 2004)? (2) Como as atividades presentes nesse material poderiam se apresentar à luz das teorias linguísticas sociointeracionistas que orientam os documentos oficiais de ensino de língua portuguesa (PCN e BNCC)? As nossas hipóteses são (1) o Estruturalismo é uma teoria linguística que serve como base para as atividades do material e (2) poderíamos propor questões que possibilitem o estudante observar o texto como um elemento sócio-discursivo.

Esta pesquisa se faz relevante porque visa contribuir com os estudos sobre ensino de português como L2 para surdos; porque pretende contribuir para a acessibilidade comunicacional dos surdos à medida que eles aprendem o português como L2, direito garantido pela Lei 10.436/2002; e por motivações advindas de experiências com a Libras: a ideia de trabalhar com a Língua Brasileira de Sinais (Libras) partiu da experiência de acompanhar uma criança surda no Centro de Atendimento Educacional Especializado do Recife (CAEER). Até os quatro anos de idade, a comunicação entre o menino e a mãe era muito difícil por eles não saberem Libras; a criança não tinha contato com a língua de sinais em nenhum dos ambientes em que estava inserida. Além disso, a mãe não aceitava a surdez do filho e gritava na tentativa de se fazer entender. Como o CAEER dispõe de profissionais bilíngues (português/Libras) capacitados para ensinar crianças surdas, o menino gradativamente aprendeu Libras, o que me inspirou a conhecer um pouco da língua e ensiná-la à mãe. Esse aprendizado possibilitou a comunicação entre a família, melhorando a qualidade de vida no lar. O acompanhamento no CAEER possibilitou observar como os professores surdos lidavam com a língua portuguesa:

devido às diferenças entre a estrutura do português e da Libras (uso de artigos e preposições, por exemplo), os docentes transferiam para a língua portuguesa a estrutura da Língua Brasileira

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de Sinais, o que tinha como consequência a escrita em desacordo com a norma padrão. Essa observação despertou o interesse pelo tema do presente estudo.

Nosso objetivo geral é adaptar, à luz do Interacionismo Sócio-Discursivo, as atividades para o ensino de português como L2 presentes em uma das obras disponibilizadas pelo MEC para educação de surdos. Os objetivos específicos são:

• Observar qual(quais) teoria(s) linguística(s) norteia(m) as atividades selecionadas.

• Observar como as atividades selecionadas poderiam ser reformuladas à luz do Interacionismo Sócio-Discursivo, a fim de manter a consonância entre as atividades presentes nas obras disponibilizadas pelo MEC e os documentos oficiais para ensino de Língua Portuguesa: PCN (BRASIL, 1998) e BNCC (BRASIL, 2017).

A Linha teórica que iremos seguir é o Interacionismo Sócio-Discursivo, de Bronckart (2006). Quanto aos procedimentos metodológicos, utilizaremos a pesquisa bibliográfica, pois parte de elementos já tratados cientificamente por outros autores – a proposta é examinar as atividades presentes nas obras de Salles et al. (2004) – e a pesquisa qualitativa, já que serão analisadas as particularidades presentes em Salles et al. (2004). O nosso corpus será composto por algumas atividades sobre leitura e produção escrita presentes nas obras de Salles et al.

(2004), e o critério para a escolha dessas atividades será a abordagem de temas gramaticais, como morfologia e sintaxe. Depois de selecionar as atividades e revisar a teoria do Interacionismo Sócio-Discursivo, analisaremos como tais exercícios podem ser reformulados aplicando as ideias dessa teoria.

O restante do artigo está organizado da seguinte maneira: a seção 2 traz reflexões teóricas sobre o bilinguismo Libras-Língua portuguesa, as semelhanças e diferenças entre Libras e Línguas portuguesa e o Interacionismo Sócio-Discursivo; a seção 3 apresenta as análises de algumas atividades da obra de Salles et. al (2004) levando em consideração a Libras e o Interacionismo Sócio-Discursivo; a seção 4 traz as considerações finais.

2 REFLEXÕES TEÓRICAS

2.1 Bilinguismo: Libras e Língua portuguesa

A Libras é uma língua visual, espacial e corporal e possui todas as propriedades de qualquer outra língua humana: é produtiva, possui uma quantidade ilimitada de palavras e sentenças, é arbitrária, tem multiplicidade de funções, entre outras propriedades. Stokoe (1960

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apud QUADROS; SCHMIEDT, 2006, p. 16) “percebeu e comprovou que a língua de sinais atendia a todos os critérios linguísticos de uma língua genuína, no léxico, na sintaxe e na capacidade de gerar uma quantidade infinita de sentenças”. A comunidade surda brasileira usa a Libras e tem o cuidado de cultivar a língua, presente nas reuniões dos surdos em associações, pontos de encontro espalhados pelas grandes cidades, residências, escolas, entre outros. É através da Libras que os surdos exprimem suas crenças e modos de vida, pois, conforme Quadros e Schmiedt (2006, p. 13), “As línguas expressam a capacidade específica dos seres humanos para a linguagem, expressam as culturas, os valores e os padrões sociais de um determinado grupo social”.

O primeiro contato do surdo com a Libras, todavia, não se dá na fase ideal na maioria dos casos: segundo Quadros e Schmiedt (2006), a grande maioria dos surdos, por serem filhos de pais ouvintes, não têm acesso a uma língua de sinais na primeira infância3. Consequentemente, a escola deveria ser um espaço fundamental na vida das crianças surdas, que podem só ter acesso à Libras nesse ambiente, uma vez que a língua de sinais ainda é desconhecida para a sociedade ouvinte.

As autoras concordam com o constante no decreto 5626 de 2005, que garante que a criança surda deveria ter acesso à Língua Brasileira de Sinais, que deveria ser sua primeira língua, e à língua portuguesa, que seria sua segunda língua, na modalidade escrita. Sendo assim, não se deveria optar por uma língua para fazer parte do programa escolar, mas oferecer ambas ao aluno, fazendo-o enxergar as funções diferentes de cada uma. O surdo precisa da língua portuguesa escrita para ter acesso aos documentos e à comunicação e ser inserido no mundo dos ouvintes.

Alguns surdos utilizam a língua portuguesa escrita em e-mails e mensagens em aplicativos no aparelho de celular, por exemplo. Uma minoria que sabe utilizar a língua portuguesa fluentemente trabalha alguns tipos de produção textual na escola. Quadros e Schmiedt (2006) afirmam que o ensino da língua portuguesa ao surdo precisa ser diferenciado;

porém, na prática escolar atual, a criança surda é alfabetizada em português sem suporte em Libras juntamente com as crianças ouvintes. É bom lembrar que, se a Libras deve ser a primeira língua, a criança surda precisa do suporte da Libras para o aprendizado do português escrito, importante para interagir nas empresas onde trabalham, na escola e no dia a dia em geral.

A priorização do ensino de Língua Portuguesa nas escolas brasileiras deve-se, em parte, ao fato destacado por Quadros (2012): o Brasil é reconhecido como monolíngue, mesmo tendo

3 Segundo Quadros e Schmiedt (2006, p. 20), “[...] 95% das crianças surdas são filhas de pais ouvintes e [...]

portanto, na maioria dos casos, não dominam uma língua de sinais”.

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vários outros cidadãos utilizando outras línguas. Precisamos lembrar das outras culturas e, consequentemente, línguas presentes no Brasil, entre elas: japonês, alemão, italiano, espanhol, diversas línguas indígenas e a Língua Brasileira de Sinais (Libras). Sendo assim, podemos afirmar que o Brasil é um país multilíngue, devido à incorporação das outras línguas. Devido a essa diversidade e à consideração da Língua Portuguesa como língua oficial, o bi(multi)linguismo é um fenômeno bastante presente em nosso país4.

No caso do indivíduo surdo, o qual, em condições ideais, é bilíngue Libras-Língua Portuguesa, é necessário o momento surdo-surdo para a formação de sua identidade; no caso das crianças, seus responsáveis precisam do contato com a cultura surda para auxiliá-las em seu universo, o que as ajudará, em especial, na sua vida escolar. Cummins (2003 apud Quadros, 2012) afirma que crianças que vão à escola com a língua de sinais como primeira língua têm mais sucesso na aprendizagem escolar da Língua Portuguesa tanto na leitura quanto na escrita.

O processo do bilinguismo na educação de surdos traz indagações políticas, sociais e culturais.

No horizonte bilíngue, o currículo da educação do surdo precisa ser pensado em um panorama visual-espacial para abordar os conteúdos desejados na língua da criança, a Libras.

Em relação às dificuldades do surdo para atingir o bilinguismo Libras-Língua Portuguesa, Karnopp (2012) afirma que foram encontrados obstáculos na compreensão da organização da Língua Portuguesa em relação à leitura, análise e produção textual; os surdos relatam que tem sido difícil compreender a língua por eles não terem uma prática cotidiana. A autora defende que a maioria dos surdos não alcança sentido ao ler devido ao desconhecimento do Português e traz uma breve reflexão através da análise das práticas de leitura e escrita de surdos no português, descrita abaixo.

Um grupo de 8 alunos surdos discutiu a respeito da escrita e da leitura da pessoa surda.

Grande parte dos discentes afirmaram que gostam de ler e reconhecem a importância da leitura e do conhecimento linguístico. Em relação à leitura na escola, eles estariam lendo um livro pela primeira vez: até aquele momento, as atividades de leitura realizadas eram para pessoas com o nível de conhecimento inferior ao deles (séries mais baixas), pelo fato de eles serem surdos e, logo, “não terem capacidade” de fazerem uma leitura mais complexa. Só tinham acesso à leitura de jornais ou revistas na escola até então. Os alunos ressaltaram a importância da leitura e teceram comentários afirmando que, quanto mais se lê, mais domínio se tem na modalidade escrita. Para obter resultados satisfatórios na leitura, os alunos usam o dicionário e pedem ajuda a amigos, familiares, professores e intérpretes. São apontados como fundamentais o

4 Segundo Quadros (2012), entende-se por bi(multi)linguismo o uso de duas ou mais línguas.

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conhecimento lexical e gramatical da Língua Portuguesa, a busca pela leitura de livros, o uso da internet e da tecnologia que auxiliam pessoas surdas no processo de leitura e escrita (KARNOPP, 2012).

Em relação à escrita, os oito alunos surdos responderam às perguntas: “Você gosta de escrever? Por quê?”. Eles demonstraram preocupação com a formalidade – quando disseram que querem “caprichar mais”, ter “letra bonita” – e com a necessidade da escrita – em cartas, em atividades escolares como o resumo do livro, na internet, em mensagens de celular. A surda L, 40 anos, expressa a experiência que teve com a escrita da Língua Portuguesa e relata que existe uma diferença enorme entre a Língua Portuguesa e a Libras; ela afirma que as palavras silenciam quando precisa escrever, sendo assim, a escrita se torna uma atividade árdua de realizar, não percebendo sentido no que escreve.

Karnopp (2012) afirma que mesmo quem exercita a escrita encontra dificuldades em organizar as ideias e obedecer às convenções gramaticais. A autora destaca as dificuldades no aprendizado da Língua Portuguesa como L2 defendendo que “começar o estudo de uma língua estrangeira é se colocar em uma situação de não saber absoluto, é retornar ao estágio do infans, do nenê, do iniciante, refazendo a experiência da impotência de se fazer entender” (KARNOPP, 2012, p. 75). Na busca do aprendizado de uma nova língua, fazemos associações entre a nossa língua materna e a língua estrangeira e, quando percebemos a falta de equivalência em inúmeros casos, as dificuldades vêm à tona. Revez (2001 apud KARNOPP, 2012, p. 76) relata que “o eu da língua estrangeira não é, jamais, completamente o da língua materna”. É necessário lembrar que, por trás de cada língua, existe uma história, uma cultura, uma identidade própria;

compreender um novo idioma é adentrar no ambiente desconhecido, é ter contato com novos discursos sociais e familiares e romper com o medo do novo, é despir-se dos próprios conceitos em relação à língua materna e aceitar uma nova cultura histórica que está inserida na língua estrangeira.

Para compreendermos a leitura e a escrita no contexto bilíngue, é necessário conhecer o universo cultural da língua que temos interesse de dominar, não apenas suas estruturas gramaticais, que, por si só, não ajudarão o aluno a ser um leitor e produtor de textos. A prática de leitura e escrita em Língua Portuguesa é imposta ao aluno surdo sem a observação da estrutura diferenciada da Libras. Tendo em vista os aspectos observados a respeito do bilinguismo, é necessário realizar uma inspeção nos aspectos linguísticos da língua de sinais e na língua portuguesa, o que pode ser usado para melhorar a habilidade do surdo bilíngue.

2.2 Libras e Língua portuguesa: semelhanças e diferenças

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Como afirmamos no item anterior, a Libras tem a estrutura diferente do Português porque ela utiliza o espaço visual, gestual e espacial, não é oral auditiva. A língua de sinais não é universal, cada país tem a sua própria língua de sinais e pode apresentar variações linguísticas de uma comunidade linguística para outra. Ela também não é apenas a língua natural do surdo, mas é sua língua legal, à sua impossibilidade da comunicação oral-auditiva. A Libras e a Língua Portuguesa têm semelhanças, pois obedecem ao princípio universal; ambas têm articulação dupla e possuem gramática própria (BRITO, 1998).

2.2.1 Fonologia da Libras

Brito (1998) defende que a Libras tem estrutura gramatical própria: fonologia, morfologia, sintaxe, semântica e pragmática; por exemplo, possui normalidades no léxico da língua, regras próprias na sua estrutura, ironia e sentidos não literais. A fonologia reconhece as unidades mínimas através das semelhanças e desigualdades sensoriais tanto na Libras como no Português. Mesmo existindo uma distinção entre as Línguas oralizadas e a língua gestual, a linguística em libras é observada no olhar e executada com as mãos. Segundo Stokoe (1960 apud QUADROS; KARNOPP, 2004), quirema são as unidades que formam os sinais, ou a configuração de mão, a locação e o movimento; quirologia, por sua vez, é o estudo das combinações dessas unidades. Outros pesquisadores, inclusive o próprio Stokoe, na edição de 1978, usam os termos fonema e fonologia para referir-se a uma prática linguística visual- espacial, termos usados em línguas naturais que alcançam uma gama de línguas orais.

Stokoe (1960 apud QUADROS; KARNOPP, 2004) relata a distinção entre as línguas sinalizadas e orais em relação à estrutura de Língua; ele afirma que há uma simultaneidade na organização das Línguas de Sinais e indica a presença de três parâmetros:

a. Configuração de mão (CM) b. Locação (L)

c. Movimento da mão (M) (STOKOE, 1960 apud QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 48)

O autor defende que, assim como os fonemas constituem morfemas nas línguas orais, CM, L e M são unidades mínimas que formam os morfemas nas línguas de sinais. Por outro lado, ele chama a atenção para uma importante diferença entre as línguas orais e de sinais: a

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ordem linear. As línguas orais são sequenciais e as de sinais, simultâneas, como podemos observar a seguir no esquema a seguir:

a. Língua Oral

[ ] [ ] [ ]

µ

b. Língua de Sinais

[ ] (CM) µ [ ] (M)

[ ] (L)

Nota:

Sucessão horizontal = sucessão temporal

Alinhamento vertical = simultaneidade temporal µ = morfema

[ ] = um fonema ou conjunto de especificações

(HULST, 1993, p. 210 apud QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 49)

Entre os anos 1978 e 1988, as pesquisas sobre a ASL ampliaram os campos da morfologia e da sintaxe. A fonologia ganhou novos pesquisadores que investigaram a fonologia das línguas de sinais, sua sequencialidade e simultaneidade.

Os instrumentos de articulação das Línguas de sinais (as mãos) se movimentam no espaço de sinalização localizado em frente ao corpo. A realização do sinal pode acontecer tanto na sequência direita-esquerda, quanto esquerda-direita. As pessoas destras têm a mão direita dominante, e a esquerda de apoio, já as canhotas são o contrário. Os sinais também podem ser realizados com ambas as mãos. Além da articulação das mãos, são importantes também os movimentos corporal e facial. Os parâmetros fonológicos da Língua de Sinais Brasileira, CM, L e M, podem ser observados na figura abaixo:

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Figura 1: os parâmetros fonológicos da língua de sinais brasileira

(baseado em FERREIRA-BRITO, 1990, p. 23 apud QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 51)

Nas Línguas de Sinais, os parâmetros de configuração de mãos, locação e movimento possuem caráter distintivo, podendo formar pares mínimos, como nas imagens a seguir:

Figura 2: sinais que se opõem quanto à configuração de mão (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 52)

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Figura 3: sinais que se opõem quanto ao movimento (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 52)

Figura 4: sinais que se opõem quanto à locação (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 52)

Na figura 2, temos os sinais PEDRA e QUEIJO com o mesmo movimento, a mesma locação e configurações de mãos diferentes; na figura 3, os sinais TRABALHAR e VÍDEO têm a mesma configuração de mãos, a mesma locação e movimentos diferentes; na figura 4, os sinais APRENDER e SÁBADO apresentam a mesma configuração de mãos, o mesmo movimento e a locação diferente. Vejamos agora alguns detalhes de cada um desses parâmetros.

2.2.1.1 Configuração de mão (CM)

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Configurações de mãos são as várias formas que as mãos assumem para a realização de qualquer sinal; conforme Pimenta e Quadros (2010), a Libras possui 61 CMs.

Figura 5: As 61 configurações de mão da Libras (PIMENTA; QUADROS, 2010)

2.2.1.2 Movimento (M)

O movimento da Libras está condicionado ao objeto e ao espaço, sendo o objeto as configurações de mãos e o espaço, a área em frente ao falante. Nas línguas de sinais, existe uma ampla possibilidade de movimentos com diferentes formas e direções, “desde os movimentos internos da mão, os movimentos do pulso e os movimentos direcionais no espaço” (KLIMA e BELLUGI, 1979 apud QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 54).

Afirma Ferreira-Brito (1990 apud QUADROS; KARNOPP, 2004) que os movimentos na língua de sinais são executados nas mãos, pulsos e antebraço. A autora relata os movimentos como “unidirecionais, bidirecionais ou multidirecionais” (ibidem, p. 55) e fala dos movimentos e das especificidades deles. Ela começa falando do tipo, em relação ao contorno ou forma geométrica (retilíneo, helicoidal, circular etc.), à interação (alternado, de separação etc.), contato (de deslizamento, de toque etc.), torcedura do pulso (rotação, com refreamento), dobramento do pulso (para cima, para baixo) e interno das mãos (abertura, fechamento, curvamento etc.). Posteriormente, explicita a direcionalidade: direcional (uni ou bidirecional) e não direcional. Em seguida, descreve a maneira do movimento quanto à qualidade, tensão e

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velocidade (contínuo, de retenção e refreado) e, por fim, a frequência, que diz respeito à repetição do movimento (se ele é simples ou repetido).

Wilburr (1987 apud QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 56) examina o parâmetro do movimento, classificando-o em dois tipos, movimento de direção e movimento local ou movimento interno da mão. Esse parâmetro foi dividido para mostrar que um sinal pode ter um movimento de direção, um movimento local ou ambos.

2.2.1.3 Locação (L)

É o ponto de articulação onde o sinal é feito. Na Libras, no espaço de enunciação usamos os pontos articulatórios dentro do alcance do olhar da pessoa surda; como o surdo é visual, devemos obedecer ao limite que a locação possibilita para realização dos sinais, utilizando a cabeça, o tronco, as mãos e o braço (QUADROS; KARNOPP, 2004). O ponto de articulação na cabeça tem os subespaços que são boca, ouvido, nariz, olhos; na cabeça, podemos fazer o sinal na testa, por exemplo, os sinais DIFÍCIL, ESQUECER, APRENDER; no ouvido, os sinais de OUVIR, OUVINTE; no nariz, sinal de FLORES; nos olhos, sinal de VER, DORMIR; na boca, sinal de FALAR; no queixo, CONHECER, DESCULPA; no pescoço, DESEJO, MORRER. No tronco, temos os sinais SAUDADE, AMAR, FILHO; nas costas, TOALHA.

Nas mãos, ACARICIAR, CASAMENTO; na unha, FAZER. No braço, SAPO, GORDO, EDUCAÇÃO. No espaço neutro, FAMÍLIA, TRABALHAR, PROFESSOR. Cada sinal tem um significado, podendo a mão tocar ou não o corpo; o sinal deve iniciar do meio do corpo para cima até a cabeça e sempre à frente da pessoa surda.

2.2.1.4 Orientação da mão (OM)

Orientação ou direção dos sinais é onde inicia ou encerra o movimento. Os sinais podem ser feitos para cima, para baixo, para dentro, para fora, para um lado, para o outro (QUADROS;

KARNOPP, 2004). Sendo assim, os sinais podem ter uma direção e a inversão desta pode construir um significado diferente no caso do sinal QUERER e QUERER NÃO. O sinal QUERER tem um significado usando o sinal, QUERER NÃO usa a mesma configuração de mão do QUERER com uma expressão facial de negação e inverte a direção do sinal para baixo.

2.2.1.5 Expressões não manuais

Essas expressões têm duas funções: “marcação de construções sintáticas e diferenciação de itens lexicais” (QUADROS e KARNOPP, 2004, p. 60). As construções sintáticas que podem ser marcadas são frases interrogativas e relativas, por exemplo, e os itens lexicais diferenciados,

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partícula negativa, advérbio, entre outros. Ainda segundo as autoras, são exemplos de expressões não manuais: sobrancelhas franzidas e olhos arregalados, no rosto; balanceamento para frente e para trás ou para os lados, na cabeça; balanceamento alternado dos ombros, no tronco.

2.2.2 Morfologia da Libras

Retomando um pouco a subseção anterior, tanto a fonética como a fonologia são responsáveis linguisticamente pela descrição das unidades mínimas dos sinais que possuem significados próprios. A fonética e a fonologia têm o mesmo propósito na aprendizagem, todavia elas visam rumos diferentes; a fonética representa as características físicas, a configuração e a direção das mãos, o movimento, locação, expressão corporal e facial. Ela também é responsável pela escolha dos dedos utilizados para realizar os sinais, como esses dedos estão, abertos ou fechados, se eles estão dobrados ou esticados; preocupa-se também se existe uma abertura entre eles. Sendo assim, podemos afirmar que a fonética discorre das particularidades dos sinais e é transcrita por meio de colchetes (QUADROS e KARNOPP, 2004). A fonologia da Libras pesquisa as desigualdades encontradas na oposição dos parâmetros dos sinais, como vimos nos pares mínimos da seção 2.2.1.

Tendo em vista que a fonologia investiga a configuração de mãos (os movimentos realizados através da mão), as expressões não manuais (os movimentos feitos pela sobrancelha, boca, olhos, com todo rosto na parte superior que não utiliza as mãos), orientação das mãos (a direção que a palma da mão está fazendo o sinal, indicando o lado que o sinal está sendo realizado, frente, atrás, para cima ou para baixo), ela tem o papel de pesquisar os atributos universais do conjunto visuoespacial da língua sinalizada.

Cada língua exibe um número limitado de unidades que têm o objetivo de estabelecer as diferenças entre um sinal e outro. No sinal de QUEIJO e PEDRA, a distinção é na configuração de mão. Os dois sinais são derivados de /L/ e /A/, que, por sua vez, são morfemas da Libras.

Passaremos agora a discutir a morfologia propriamente dita, que é o estudo dos morfemas, as unidades mínimas significativas das palavras, como prefixos, sufixos, raízes, desinências etc. “É o estudo da estrutura interna das palavras ou dos sinais, assim como das regras que determinam a formação das palavras” (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 86). A palavra morfema origina-se do grego morphé, ‘forma’.

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Os itens lexicais são formados através dos morfemas, suas unidades mínimas. Sabemos que os morfemas são unidades que podem atribuir funções gramaticais, como vemos nos exemplos da Língua Portuguesa abaixo:

Casa- /s/ plural Constru- (-ção) nome

-possível (im-) negação veio do latim (morfema gramatical) (BRITO, 1998, p. 39)

Na Libras, também podemos formar palavras por meio da derivação, como BONITINHO (derivado de BONITO pela adjunção da expressão facial), ou por meio da adjunção entre dois sinais no processo de composição, conforme os seguintes exemplos:

CASA + CRUZ = IGREJA; sinal de CASA, sinal de +

MULHER + PEQUENO = MENINA; sinal de MULHER, sinal de PEQUENO (BRITO, 1998, p. 42)

Cabe salientar que, segundo Ferreira (2010), os nomes na Libras não mostram flexão de gênero. No caso do substantivo, o sexo é diferenciado pelos sinais HOMEM e MULHER, independentemente de ele ser referente a seres humanos ou animais. Há ainda palavras que têm sinais diferentes para cada sexo, como PAI/MÃE.

2.2.2.1 Marcas de tempo e aspecto verbal

Nas formas verbais, a marca de tempo em Libras não existe, diferentemente da língua portuguesa; sendo assim, pode haver uma mudança para número e pessoa. O verbo indica o tempo passado, futuro ou presente por meio dos sinais adverbiais, como os exemplos ONTEM, ANTEONTEM (BRITO, 1998).

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Figura 6: os sinais ONTEM e ANTEONTEM (BRITO, 1998, p. 46)

Esses sinais que são feitos para trás, como ONTEM, são uma marca do passado; os sinais feitos para frente indicam futuro. Na Libras, usamos o verbo junto com o marcador de passado, presente ou futuro. Os sinais de ano seguem a mesma estrutura ano que vem, futuro, sinal para frente, ano passado sinal voltado para trás, usando a marca de tempo para distinguir o tempo falado.

Nas línguas de sinais, o sinal é modificado para diferenciar o aspecto, sendo ele continuativo, interativo ou durativo. O aspecto pontual expressa ações sucedidas e executadas no passado. Na Língua Portuguesa, na frase citada por Brito (1998) Ele falou na televisão ontem, temos a consciência de que a ação de falar aconteceu no passado, naquele tempo determinado ontem. Em Língua Brasileira de Sinais, usamos o sinal FALAR enfatizando uma circunstância linguística semelhante, por exemplo, ELE FALAR VOCÊ ONTEM (= Ele falou com você ontem). O sinal FALAR SEM PARAR, diferentemente, indica um outro aspecto, uma ação contínua; podemos perceber, nas figuras abaixo, a diferença entre os dois sinais: FALAR (apenas uma vez), aspecto pontual; FALAR SEM PARAR, aspecto contínuo.

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Figura 7: os sinais FALAR e FALAR SEM PARAR (BRITO, 1998, p. 43)

2.2.2.2 O léxico ou vocabulário da Libras

O léxico da Libras é o grupo de palavras presentes na língua, incluindo os sinais soletrados através do alfabeto manual. Um exemplo de soletração é a apresentação de um indivíduo, em Libras, que se dá soletrando seu nome em alfabeto manual e depois escolhendo o seu sinal pessoal; é o batismo em Libras. Usa-se o sinal pessoal para facilitar a identificação de cada indivíduo, a partir de características próprias que diferem uma pessoa de outra. O surdo é visual, sendo assim, não podemos soletrar tudo; os sinais servem para evitar o cansaço mental que a soletração deixa (BRITO, 1998). Para interpretar uma palavra que não apresenta um sinal correspondente, fazemos a soletração manual, a datilologia da palavra.

2.2.3 Sintaxe espacial

A sintaxe das línguas de sinais possui infinitas possibilidades de combinações gramaticais no espaço. No local onde o sinal é feito, os sistemas nominal e pronominal são essenciais para a sintaxe. Todos os referentes do discurso se organizam em pontos no espaço de sinalização (esse espaço é determinado em frente ao corpo da pessoa que está sinalizando).

Sobre a forma de sinalizar esses pontos, Quadros e Karnopp (2004) apontam as seguintes alternativas:

a) Produzir um sinal em uma área específica, conforme a imagem abaixo:

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Figura 8: o sinal de casa acompanhando o local estabelecido para o referente (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 128)

b) Os olhos e a cabeça são dirigidos (possivelmente, o corpo também) a uma posição específica simultaneamente com o sinal apontando para o substantivo. No sinal de CASA, a imagem mostra o sinal referente a casa e logo os olhos indicam a direção da casa.

Figura 9: o sinal de casa com apontação (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 128)

c) O ponto ganha uma nova representação: apontar para o sinal CASA representa que a casa está ali. Esse ponto de articulação passou a ser a imagem da casa para a pessoa surda.

Figura 10: apontação ostensiva (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 128)

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d) O pronome pode ser usado numa localização determinada quando o referente já tiver sido explícito anteriormente.

Figura 11: referência óbvia (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 129)

e) O uso do classificador como algo que retrata o objeto relativo ao sinal que está sendo usado.

No caso do exemplo CARRO, a primeira imagem está sendo referente a um carro dirigindo com as mãos no volante, na segunda imagem temos o classificador do carro, temos duas mãos, uma em frente à outra, cada uma delas está representando o carro em movimento, no momento em que um carro passa por outro.

Figura 12: CARRO + classificador (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 129)

f) Temos o uso do verbo direcional (com concordância). O verbo IR está sendo associado ao espaço estabelecido anteriormente para CASA.

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Figura 13: verbo direcional (com concordância) (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 129)

Podemos afirmar que os verbos direcionais são vistos como verbos de concordância e referem-se ao sujeito, podendo ou não concordar com o objeto indireto ou direto. Como podemos ver nas imagens, existe uma ligação tanto no espaço como no argumento agregados no verbo, percebe-se que o olhar é guiado pelos movimentos.

Figura 14: verbos direcionais (com concordância) (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 130)

A última característica que abordaremos sobre a sintaxe da Libras é a ordem das palavras ou a organização da frase. Greenberg (1996 apud QUADROS; KARNOPP, 2004) constatou seis relações prováveis de sujeito (S), verbo (V) e objeto (O), umas mais regulares que outras.

Existem possíveis variações na ordem das palavras, porém o autor considerou que, do mesmo

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modo, quando acontece uma variação, a própria língua escolhe organizar as palavras de uma forma predominante.

Quadros e Karnopp (2004) mostram várias maneiras de estruturação da frase, embora haja uma ordem predominante das palavras na sentença, ou seja, Sujeito-Verbo-Objeto, a mesma do Português. Exemplos: EL@ ASSISTE TV: EL@ sujeito, ASSISTE verbo, TV objeto; EL@ GOSTA FUTEBOL: EL@ sujeito, GOSTA FUTEBOL predicado. Vejamos esses exemplos em Libras:

Figura 15: sentença SVO em Libras – EL@ ASSISTE TV.

(QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 139)

Figura 16: sentença SVO em Libras – EL@ GOSTA FUTEBOL.

(QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 140)

Na figura 15, temos uma equivalência Libras-Língua Portuguesa: EL@ ASSISTE TV – El@ assiste TV. Na figura 16, a situação é um pouco diferente: EL@ GOSTA FUTEBOL – El@ gosta de futebol. O uso da preposição requerida pelo verbo gostar na Língua Portuguesa não ocorre com o mesmo verbo em Libras. Embora a ordem seja a mesma (SVO), as línguas com as quais os estudantes terão contato serão diferentes.

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2.3 O Interacionismo Sócio-Discursivo

O Interacionismo Sócio-Discursivo entende que o desenvolvimento humano se dá por meio dos textos e discursos, “não somente sob o ângulo dos conhecimentos e dos saberes, mas, sobretudo, sob o das capacidades de agir e da identidade das pessoas” (BRONCKART, 2006, p. 9). Esse conceito pode ser visto como uma extensão da formação do pensamento consciente através dos signos presente em Saussure e Vygotsky. Bronckart (2006) destaca três conceitos fundamentais do Interacionismo Sócio-discursivo que o diferencia dos demais: textos, gêneros e tipos de discurso. Segundo o autor, “textos [são] todas as produções de linguagem situadas, que são construídas, de um lado, mobilizando os recursos (lexicais e sintáticos) de uma língua natural dada, de outro, levando em conta modelos de organização textual disponíveis no quadro dessa mesma língua” (ibidem, p. 13). Os textos, portanto, são produzidos a partir de escolhas lexicais e sintáticas dentro de modelos textuais previamente estabelecidos, e são percebidos pelo ISD como a concretização das atividades de linguagem presentes em uma comunidade linguística, e essa concretização pode se dar sob diversas formas, a partir de diversos gêneros de texto, ou

[...] produtos de configurações de escolhas entre as possíveis, que são momentaneamente estabilizadas pelo uso, escolha que emerge do trabalho que realiza as formações sócio-discursivas para que os textos sejam adaptados às atividades que eles praticam, adaptados a um meio comunicativo dado, eficazes em face a tal aposta social, etc. [sic] (BRONCKART, 2006, p. 13).

As configurações que podem ser assumidas pelos gêneros são momentâneas porque acompanham as mudanças sociais, que requerem novas configurações textuais de acordo com a atividade social, o tipo de interação, os valores culturais, entre outros fatores. Por isso, o autor chama a atenção para a impossibilidade de tipificação absoluta dos gêneros. Os tipos de discurso, por sua vez, são a classificação dos textos a partir de seus modos de enunciação, que são “atitudes de locução de caráter universal, traduzindo-se por formas linguísticas mais estáveis e, então, identificáveis” (GENETTE, 1979 apud BRONCKART, 2006, p. 14). Por serem mais estáveis que os gêneros, os tipos de discurso usariam processos linguísticos relativamente estáveis.

O ISD vê o signo linguístico como uma representação do meio em que o ser humano se encontra. A atividade de linguagem, organizada em discursos e textos, materializa essa representação, e o locutor tem intenções e responsabilidade sobre o que diz, resultado de seus julgamentos e de sua visão de mundo. Bronckart (2006) concorda com as ideias de Vygotsky e Saussure a respeito da relação entre língua e pensamento: a língua não é uma expressão do

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pensamento, e sim ajuda a formá-lo e a organizá-lo. O pensamento se atualiza e se realiza na linguagem. Devido a essa relação tão íntima, a língua reflete conceitos, convenções, intenções etc.

Nos documentos oficiais disponibilizados e recomendados pelo Ministério da Educação (MEC), percebe-se claramente a abordagem interacionista como base para as orientações sobre o ensino de Língua Portuguesa. Observemos os trechos a seguir, que são parte dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa do terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental (1998):

Um leitor competente sabe selecionar, dentre os textos que circulam socialmente, aqueles que podem atender a suas necessidades, conseguindo estabelecer as estratégias adequadas para abordar tais textos. O leitor competente é capaz de ler as entrelinhas, identificando, a partir do que está escrito, elementos implícitos, estabelecendo relações entre o texto e seus conhecimentos prévios ou entre o texto e outros textos já lidos (BRASIL, 1998, p. 70).

“Para considerar a diversidade dos gêneros, não ignorando a diversidade de recepção que supõem, as atividades organizadas para a prática de leitura devem se diferenciar, sob pena de trabalharem contra a formação de leitores” (ibidem, p. 70).

“[...] se os sentidos construídos são resultados da articulação entre as informações do texto e os conhecimentos ativados pelo leitor no processo de leitura, o texto não está pronto quando escrito: o modo de ler é também um modo de produzir sentidos” (ibidem, p. 70-71).

No primeiro e no terceiro trechos, a função social do leitor é destacada para a produção de sentidos. De acordo com o primeiro trecho, o leitor deve ser capaz de selecionar textos de acordo com suas necessidades, estabelecer relações entre o texto e outros textos ou sua compreensão de mundo; isso é coerente com a ideia do signo linguístico como uma representação do meio, considerando essa ligação entre o texto e outros textos. No segundo trecho, os PCN chamam a atenção para a diversidade dos gêneros, a forma que a língua representa o social.

A Base Nacional Comum Curricular (2017) também adota claramente a visão de língua como interação em suas orientações, como podemos observar nas sugestões de trabalho com os gêneros textuais presentes nos diversos planos de ensino propostos ao longo de toda a seção de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental e no trecho a seguir:

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“O Eixo Leitura compreende as práticas de linguagem que decorrem da interação ativa do leitor/ouvinte/espectador com os textos escritos, orais e multissemióticos e de sua interpretação [...]”

(BRASIL, 2017, p. 71).

O destaque para a relação entre leitor/ouvinte/espectador e os textos, propondo uma interação ativa – que leve em conta o texto lido, sua relação com outros textos e a vivência do

“receptor” –, é uma das evidências de que a BNCC toma por base a perspectiva do Interacionismo Sócio-Discursivo.

3 ANÁLISES DE ALGUMAS ATIVIDADES

A primeira atividade em análise encontra-se na seção Temas de Teoria Gramatical, no capítulo sobre Léxico e vocabulário do volume II da obra Ensino de Língua Portuguesa para surdos, de Salles et al. (2004). O capítulo trata de unidades lexicais e chama atenção para estrangeirismos, formação de palavras, coesão lexical e referência. A parte teórica traz textos que servem de base para a discussão sobre determinadas entradas lexicais, como podemos observar no texto abaixo:

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Como podemos observar, as atividades são usadas para destacar: termos específicos de um campo lexical (da área de medicina), na questão a; hiperônimos, na questão b e usos de palavras pertencentes a outros campos lexicais de acordo com o contexto, na questão c. Tais questões e enfoques, embora sejam coerentes com o tema em questão (coesão, referência e relações de significado) e levem em conta o contexto em que as palavras se encontram, requerem apenas a identificação, o reconhecimento de estruturas, sem a devida reflexão sobre o texto.

A proposta do presente trabalho, conforme afirmamos no capítulo introdutório, é propor ajustes às atividades que possibilitem que o aluno surdo – público-alvo da obra selecionada – tenha uma visão mais ampliada dos aspectos que permeiam a linguagem, no nosso caso, de aspectos discursivos, especificamente do Interacionismo Sócio-Discursivo, discutido no subitem 2.3. A proposta de ampliação é coerente com as teorias subjacentes aos documentos que orientam o ensino de língua portuguesa no ensino básico, conforme o mesmo subitem.

Além disso, é importante que as atividades possibilitem aos estudantes a percepção das semelhanças e diferenças entre a Libras e a Língua Portuguesa, algumas das quais destacamos no subitem 2.2.

Para a questão em discussão, a nossa proposta seria acrescentar as seguintes questões:

d5. A que público interessa, em primeiro lugar, as informações do texto? Por quê?

e. Por que você acha que essa técnica está fazendo tanto sucesso?

f. Em que meio de comunicação esta nota foi veiculada?

g. Traduza o texto em Libras. Você teve alguma dificuldade na tradução dos termos? Se sim, quais foram elas?

O objetivo das questões d, e e f seria despertar a atenção do estudante para a função social do texto em questão: para quê e para quem ele foi construído e como ele foi veiculado.

Como vimos no subitem 2.3, no ISD, as construções verbais são reflexo do social e do indivíduo e, por isso, carregadas de valores, interesses e significações. O texto da questão foi destinado a determinada esfera social (letra d), procurando atraí-la a partir dos seus interesses (letra e) e divulgado em um meio de comunicação que o autor julgou que o público-alvo tem acesso (letra f). Como o tópico abordado no capítulo é o léxico e coesão lexical, o objetivo da questão g seria perceber as equivalências dos termos em português e em Libras.

5 Os itens a, b e c estão na atividade (imagem).

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A segunda atividade pertence à mesma seção, mas não está na parte teórica, e sim na parte de Proposta de exercícios, como podemos observar no texto a seguir:

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Há, como na questão anterior, um texto e perguntas logo abaixo. A primeira questão faz referência aos termos equipa, equipe, equipe de futebol e time de futebol (que seria a resposta à questão), usados em Portugal e no Brasil, chamando a atenção do estudante para os diferentes termos da Língua Portuguesa usados em diferentes países. O mesmo acontece na questão 2 com os termos estar à frente e jogar nas costas, termos do futebol português que equivaleriam, no Brasil, às posições de atacante (ou centroavante) e volante, respectivamente. A questão 3 trabalha os termos equipa e golos em contraste com equipe e gols dentro do contexto de uma frase. A questão 4 propõe a reescrita de uma das frases do texto de acordo com o que foi compreendido pelo aluno surdo. E a questão 5, por fim, trabalha com a reescrita do texto de acordo com os termos usados no futebol brasileiro.

Como podemos observar, as questões focam nas entradas lexicais da Língua Portuguesa, embora o título da atividade seja Texto e contexto. Os contextos considerados na atividade são frases isoladas para a aplicação dos termos do futebol brasileiro. As questões são coerentes com o tema em questão (coesão, referência e relações de significado), porém poderiam trabalhar também o texto, fazendo jus ao título da atividade.

Para o tratamento do texto de acordo com o Interacionismo Sócio-Discursivo, a nossa proposta é acrescentar as seguintes questões:

6. Quem é o Ronaldo de quem o texto fala? Por que o autor afirma que com ele a equipe seria uma mina de gols?

7. Sem olhar o enunciado da questão, você poderia dizer de que esporte o autor está falando?

Por quê?

8. Traduza o texto para Libras. Você teve dificuldade para sinalizar alguma palavra? Qual(is)?

9. Sublinhe no texto as palavras em Língua Portuguesa que não possuem equivalência em Libras.

O objetivo da questão 6 é chamar a atenção do estudante para a personagem principal do texto e para os motivos do destaque das qualidades dele. O da questão 7 é chamar a atenção para a terminologia do futebol considerando o texto como um todo, evitando fragmentações como nas questões de 1 a 4. O objetivo da questão 8 é fazer o estudante pesquisar as palavras desconhecidas e o da questão 9, fazê-lo perceber as diferenças entre a Língua Portuguesa e a Libras.

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A terceira atividade é proposta no capítulo A estrutura do sintagma nominal: português e Libras, que trata das semelhanças e diferenças do sintagma nas duas línguas. Mais uma vez, as atividades estão na seção Texto e contexto. Vejamos a atividade abaixo:

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Nessa atividade, logo abaixo do texto em Português, é solicitado ao estudante dramatizar o diálogo em Libras. Já vimos isso como um ponto positivo por permitir ao aluno surdo perceber as equivalências do texto entre a Língua Portuguesa e a Libras, além de se expressar em sua língua materna, o que valoriza a língua e, consequentemente, eles mesmos. Em seguida, a questão 1 pede para completar as lacunas com os termos do texto que têm a palavra cigarro. O objetivo é chamar a atenção para os diferentes sintagmas nominais que trazem a palavra cigarro: cigarro / (o cigarro) / o cigarro / um cigarro / esse cigarro. As frases na questão 1 não estão ligadas, não formam uma sequência de ações, por exemplo. Levando em conta as ideias do ISD, os mesmos sintagmas nominais poderiam ser trabalhados, porém dentro de um contexto específico, como o do texto-base da questão.

Após a questão 1, o autor aponta as diferenças de sentido entre os sintagmas dentro do contexto de cada frase. A questão 2 explica a diferença entre artigo definido e indefinido a partir de um fragmento do texto principal. Nessas questões, não houve sequer uma menção aos males do cigarro, ou discussão sobre o texto. A nossa sugestão é que sejam acrescentadas as seguintes atividades:

3. Quando o diálogo foi dramatizado em Libras, a falta do artigo (o/um) causou alteração de sentido? Explique.

4. No texto, Joice e Luana aconselham Carlos a parar de fumar porque o cigarro é prejudicial.

Quais os prejuízos que podem ser causados pelo cigarro?

5. Você acha que Carlos vai parar de fumar? Por quê?

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A questão 3 foi sugerida para que o aluno surdo percebesse que, embora a Libras não use os artigos em seus sintagmas, isso não prejudica o sentido do texto; as questões 4 e 5 procuram discutir o problema social discutido no texto.

A quarta atividade analisada faz parte do mesmo capítulo da questão anterior – A estrutura do sintagma nominal em Português e Libras – e também está na parte de texto e contexto:

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Temos agora um novo texto sobre o mesmo tema: cigarro. Desta vez, os males do cigarro e da abstinência dele estão explícitos. A atividade, mais uma vez, não propõe que o aluno surdo reflita a partir do texto, e sim que ele destaque os sintomas da abstinência do fumo e perceba a genericidade ou especificidade dos sintagmas formados por esses sintomas.

Entendemos que a preocupação com a estrutura é importante, mas que também é importante a discussão do texto e a associação entre o texto em português e o mesmo texto em Libras. Por isso, a nossa sugestão é a inserção das seguintes questões:

2. Quais são os efeitos da nicotina no corpo, segundo o autor?

3. Por que, na sua opinião, muitas pessoas voltam a fumar mesmo sabendo que os efeitos de continuar fumando são mais sérios que os de parar de fumar?

4. Traduza o texto para Libras e cite duas semelhanças e duas diferenças entre o texto em português e o texto em Libras.

O propósito das questões 2 e 3 é discutir o texto incluindo o conhecimento de mundo dos estudantes surdos. O propósito da questão 4 é possibilitar que os alunos percebam as semelhanças e as diferenças entre a Libras e a Língua Portuguesa, o que pode facilitar o aprendizado da leitura e escrita do Português.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente estudo, buscamos analisar algumas atividades direcionadas a estudantes surdos à luz do Interacionismo Socio-Discursivo e do bilinguismo Libras-Língua Portuguesa.

Procuramos contribuir também com o conhecimento sobre a Libras, destacando alguns pontos da sua fonologia, morfologia e sintaxe. Durante e após as análises, observamos que as atividades propostas na apostila do MEC focam, na seção de Teoria Gramatical, em atividades estruturalistas que julgamos importantes, porém não suficientes para um bom desempenho do

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surdo no aprendizado da leitura e da escrita na Língua Portuguesa. Concordamos com o ISD quando ele defende que a língua, além de participar na construção do pensamento, é produto da interação social e, portanto, reflexões sobre o trabalho com os textos em seus diversos gêneros é uma forma eficiente de apreender a escrita e a leitura em Língua Portuguesa como L2.

Pretendemos que o presente estudo contribua com o ensino de Língua Portuguesa para surdos, em especial no que diz respeito às atividades e à adequação destas às teorias linguísticas consideradas nos documentos oficiais. Para pesquisas futuras, sugerimos a ampliação da análise das atividades de Língua Portuguesa para surdos em outras obras sugeridas pelo MEC e mesmo em livros didáticos utilizados em instituições de ensino que tenham alunos surdos.

REFERÊNCIAS

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_______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental.

Brasília: MEC/SEF, 1998.

BRITO, Lucinda Ferreira. Língua Brasileira de Sinais: Libras. In: BRASIL, Secretaria de Educação Especial. Língua Brasileira de Sinais. v. III. Organizado por Lucinda F. Brito et al.

Brasília: SEESP, 1998.

BRONCKART, Jean Paul. Interacionismo Sócio-discursivo: uma entrevista com Jean Paul Bronckart. Revista Virtual de Estudos da Linguagem - ReVEL. Vol. 4, n. 6, março de 2006.

Tradução de Cassiano Ricardo Haag e Gabriel de Ávila Othero. ISSN 1678-8931 [www.revel.inf.br].

FERREIRA, Lucinda. Por uma gramática de línguas de sinais. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2010.

KARNOPP, Lodenir Becker. Práticas de leitura e escrita em escolas de surdos. In:

FERNANDES, Eulalia (org.). Surdez e bilinguismo. 6. ed. Porto Alegre: Mediação, 2012.

PIMENTA, N.; QUADROS, R. M. de. Curso de LIBRAS 1: iniciante, LSB Vídeo, 2010.

QUADROS, Ronice Müller de; KARNOPP, Lodenir Becker. Língua de sinais brasileira:

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__________, Ronice Müller de; SCHMIEDT, Magali L. P. Idéias para ensinar português para alunos surdos. Brasília: MEC, SEESP, 2006.

__________, Ronice Muller. O “BI” em bilinguismo na educação de surdos. In: FERNANDES, Eulalia (org.). Surdez e bilinguismo. 6. ed. Porto Alegre: Mediação, 2012.

SALLES, Heloisa Maria Moreira Lima; FAULSTICH, Enilde; CARVALHO, Orlene Lúcia;

RAMOS, Ana Adelina Lopo. Ensino de língua portuguesa para surdos: caminhos para a prática pedagógica. v. 2. Brasília: MEC, SEESP, 2004.

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