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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
PROJETO ÉTICO POLÍTICO DO
SERVIÇO SOCIAL: TENSÕES E
DILEMAS DE UM PROJETO EM
EXECUÇÃO.
Kelly Samara do Nascimento Silva
João Pessoa – PB
13
Kelly Samara do Nascimento Silva
PROJETO ÉTICO POLÍTICO DO
SERVIÇO SOCIAL: TENSÕES E
DILEMAS DE UM PROJETO EM
EXECUÇÃO.
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba, como um dos requisitos para a obtenção do grau de mestre.
Orientadora: Maria Aparecida Ramos de Meneses
João Pessoa – PB
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Kelly Samara do Nascimento Silva
Projeto Ético Político do serviço social: tensões e dilemas de
um projeto em execução.
Dissertação submetida ao corpo docente da Escola de Serviço Social da Universidade da Paraíba como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre.
BANCA EXAMINADORA:
____________________________________ Profª Drª Maria Aparecida Ramos de Meneses
Orientadora
_________________________________ Prof. Dr. Jaldes Reis de Meneses
Examinador
_________________________________ Prof. Dr. Galdino Toscano de Brito Filho
Examinador
João Pessoa – PB
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Ao Senhor JESUS, aquele que era, que é, e que a de vir.
16
AGRADECIMENTOS
A trajetória de aprendizado contou com a ajuda, o companheirismo
e a compreensão de muitas pessoas que comigo sentiram “a dor e a
delicia” da caminhada. Um agradecimento especial:
A DEUS que me deu, e me dá forças, amor, coragem, sabedoria e
paciência para poder compreender todo conteúdo acumulado nesses
anos.
À minha família que com amor agüentaram meus ataques de
chatice, minhas ausências e meu mal humor. Obrigada por ser meu porto
seguro em que encontro repouso e renovação das forças para continuar.
A meu pai e minha mãe que me deram educação e souberam
compreender minhas escolhas (apesar dos conflitos) e nunca desistiram
de mim e que mesmo distantes geograficamente pareciam estar ao meu
lado.
A meu esposo Jairo por quem tenho profundo e intenso amor e
compartilhou comigo as indecisões, tristezas, alegrias e com toda sua
paciência soube me compreender, dando o ombro amigo e por muitas
vezes deixou sua vida para dar prioridade as minhas escolhas. Obrigada,
amo muito você.
À minha filha Karina que com jeito de menina-moça e que em
muitos momentos fez o papel de mãe, me surpreendendo com frases do
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sabedoria de quem ainda tem muito que aprender mais que também
consegue compreender um pouco da realidade da vida. Amo muito você.
A meu filho Caio que com seu jeito carinhoso, me enchendo de
beijos e abraços e muitos “eu te amo” enche minha vida de alegria e
esperança e tenho a certeza que crescemos juntos neste período, até do
estatuto da criança e do adolescente você aprendeu comigo. Eu te amo.
A meu amigo Alison, companheiro de CRESS sempre soube que
nossa amizade ultrapassaria os limites institucionais. Obrigada pela
seriedade e sobriedade na condução do mestrado e de nossa amizade.
Ao Movimento Estudantil de Serviço Social, o qual me deu uma
formação jamais encontrada nos limites da universidade e no qual fiz
verdadeiras amizades e inimizades – afirmando o espaço de pluralidade
– e me fez enxergar que “um outro mundo é possível”. Obrigada a todos
e todas que contribuíram para minha formação política e profissional.
As companheiras e companheiros do Centro Acadêmico de Serviço
Social os quais compartilharam comigo muitas lutas, decepções,
alegrias, tristezas e principalmente amizade que o tempo pode ser
inimigo mais não apagara momentos marcantes nas nossas vidas.
As professoras do Programa de Pós-graduação de Serviço Social
que contribuíram para uma melhor apreensão dos conteúdos referentes à
profissão.
A professora Aparecida Ramos, minha eterna orientadora, que
nesses anos de aprendizagem me ensinou além do que estar proposto
18
amar o que faz com tamanha intensidade. Obrigada pelo
companheirismo e amizade.
Às professoras Edna Tânia e Luciana Cantalice que ao longo deste
período aprendi a amar e compreendê-las melhor como pessoas, vocês
ajudaram na minha formação acadêmica e pessoal, foram e são pessoas
de referencia na minha vida.
À professora Socorro Vieira, orientadora de todos os momentos e
de vários assuntos, (PAIR, SUAS, PNAS), você é parte da minha
formação pessoal e profissional. Obrigada.
Aos amigos e amigas do grupo de estudos sobre Karl Marx, que
apesar de só nos encontrarmos uma vez por semana fazem parte da
minha vida e contribuem para minha formação humana, política e
profissional.
Enfim a todos e todas que de alguma forma contribuíram para
19
RESUMO
A presente dissertação apresenta o produto do curso de mestrado na Universidade Federal da Paraíba e está centrada na discussão do projeto ético-político da profissão de serviço social. Nesta dissertação procuraremos apreender as discussões a cerca das categorias que balizam o projeto ético-político do serviço social procurando os determinantes históricos e teóricos, analisando como a introdução, a partir do projeto ético-político do serviço social, de uma direção baseada na perspectiva critica foi apreendida e incorporada na categoria em sua produção acadêmica e intelectual. O presente estudo centra-se na analise teórica da produção de pesquisadores de serviço social, e para além deste, que discutam o projeto ético-político e as categorias que o circundam, na analise dos projetos societários e profissionais com José de Paulo Netto, Marcelo Braz e Maria Beatriz Abramides, entre outros. Utilizaremos ainda fontes adicionais as quais possam subsidiar a compreensão dos componentes que norteiam o projeto ético-político e suas dimensões. O período da pesquisa vai do primeiro semestre de 2009 ao primeiro semestre de 2010.
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ABSTRACT
This dissertation presents the product of master course at the Federal University of Paraíba and is focused on discussion of the ethical-political project of the profession of social service. This thesis will try to seize the discussions about the categories that guide the ethical-political project of social service seeking the historical and theoretical determinants, analyzing how the introduction, from the ethical-political project of social service, a direction based on the critical perspective was seized and incorporated in the category in their academic and intellectual production. The present study focuses on the theoretical analysis of the production of social service researchers, and beyond, to discuss the ethical-political project and the categories that surround it, in the analysis of corporate and professional projects with José Paulo Netto, Marcelo Braz and Maria Beatriz Abramides, among others. Also will use additional sources which can support the understanding of the components that guide the ethical-political project and its dimensions. The survey period runs from the first half of 2009 to the first half of 2010.
21
S586p Silva, Kelly Samara do Nascimento.
Projeto ético político do serviço social: tensões e dilemas de um projeto em execução / Kelly Samara do Nascimento Silva.-- João Pessoa, 2010.
92f.
Orientadora: Maria Aparecida Ramos de Meneses Dissertação (Mestrado) - UFPB/CCHLA
1. Serviço social. 2. Projeto ético político. 3. Serviço social- pesquisadores - produção - análise teórica. 4. Projetos societários - análise.
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LISTA DE SIGLAS
ABEPSS Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço
Social
ABESS Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social
ABI Associação Brasileira de Imprensa
APAS Associação de Profissionais de Serviço Social
CBAS Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais
CBCSIS Centro Brasileiro de Cooperação e Intercambio de Serviço
Social
CEAS Centro de Estudos e Ação Social
CFAS Conselho Federal de Assistentes Sociais
CFESS Conselho Federal de Serviço Social
CNE Conselho Nacional de Educação
CNSS Conselho Nacional de Serviço Social
CRAS Conselho Federal de Assistentes Sociais
CRESS Conselho Regional de Serviço Social
DC Desenvolvimento de Comunidade
ENESSO Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social
FHC Fernando Henrique Cardoso
LBA Legião Brasileira de Assistência
MEB Movimento de Educação de Base
OAB Ordem dos Advogados do Brasil
ONU Organização das Nações Unidas
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PUC Pontifícia Universidade Católica
SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem
SESI Serviço Nacional da Indústria
25
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ... 26
CAPITULO I ... 30
1. Marcos Históricos do Serviço Social e sua dimensão política... 31
1.1 Gênese do Serviço Social brasileiro e sua representação social .... 31
1.2. Processo de renovação do serviço social ... 50
1.3. Significado social da profissão ... 54
1.4. Intenção de ruptura: protagonismos do serviço social crítico ... 61
1.5. Contemporaneidade do Serviço Social ... 64
CAPITULO II ... 68
2. Projeto Profissional e Projetos Societários ... 69
2.1. Projeto Profissional do serviço social ... 77
2.2 A organização da categoria e o PEPSS... 86
2.3. Construção do Projeto Ético Político do Serviço Social e suas contradições ... 91
CONCLUSÃO ... 98
26
INTRODUÇÃO
A presente dissertação apresenta como o produto do curso de
mestrado na Universidade Federal da Paraíba e está centrada na
discussão do projeto ético-político da profissão de serviço social. Nesta
presente dissertação procuraremos apreender as discussões a cerca das
categorias que balizam este projeto, procurando os determinantes
históricos e teóricos analisados a partir da introdução de uma direção
baseada na perspectiva critica a qual foi apreendida e incorporada na
categoria em sua produção acadêmica e intelectual, a partir dos anos
1970.
A motivação por este tema sempre esteve presente durante o
período de formação acadêmica e quanto de nossa inserção no mercado
de trabalho no qual podemos constatar varias dificuldade de
operacionalização das ações cotidianas com o projeto ético político da
profissão e as limitações enfrentadas pelos profissionais para a
consolidação do projeto profissional.
Projeto ético-político consiste no projeto profissional de caráter
coletivo que fundamenta a formação e o exercício do trabalho do
Assistente Social. A priori, sustenta-se na Lei de Regulamentação da
profissão (Lei 8662/93), no Código de Ética de 1993 e Diretrizes
Curriculares de 1996, pauta-se em valores fundantes como a liberdade
com valor ético central, articulados à defesa da democracia, como valor
27
O Projeto ético-político profissional apresenta a profissão à
sociedade a partir de seus princípios, valores, objetivos e funções, que
comumente respaldam o trabalho do assistente social nos espaços
sócio-ocupacionais, sejam de natureza pública ou privada.
Trata-se de um projeto profissional que imprime uma finalidade às
ações dos assistentes sociais, possibilitando aos mesmos, afirmar seu
compromisso com a classe trabalhadora.
Portanto, o compromisso ético-político do profissional de serviço
social com a classe trabalhadora presente no projeto da profissão,
expressa uma direção social que prima por uma nova ordem social.
Subjacente a este compromisso está uma concepção
teórico-metodológica que não defende a manutenção da ordem social existente,
mas seu contrário aponta caminhos para a superação da mesma.
O projeto ético-político defende o compromisso com a
universalização do acesso aos bens e serviços relativos aos programas e
políticas sociais, bem como, sua gestão democrática, no entanto,
conforme a literatura crítica é a partir da segunda metade da década de
1990, que no Brasil, estes elementos são alvo de críticas e reajustes de
orientação neoliberal.
Essas questões atingem de forma direta a prática do assistente
social, uma vez que esse profissional além de intervir nas manifestações
da questão social, também sofrerá os rebatimentos do acirramento de
28
Nesse sentido, propõem-se uma análise presidida pela teoria
social crítica, de forma a elucidar o projeto ético-político no movimento
do trabalho profissional e as implicações no processo de sua
materialização a partir da investigação bibliográfica nos acadêmicos que
discutem a temática.
O fio condutor da análise, não é aleatório ao pensamento dialético
crítico a que se inscreve o serviço social no redimensionamento e
vigência de sua fundamentação. As referências teóricas deste estudo
gestam no projeto de pesquisa e são complementadas com outros
autores, publicações recentes sobre o tema e leituras clássicas da teoria
social crítica. A escolha deste conjunto de bibliografias deve-se à
consideração da importância qualitativa de apreender a direção do
pensamento a que incorre o projeto ético-político do serviço social, com
vistas a aproximações e possíveis respostas ou contribuições à
problemática da pesquisa. O período da pesquisa vai do primeiro
semestre de 2009 ao primeiro semestre de 2010.
No primeiro capitulo iremos tecer alguns comentários a cerca dos
marcos históricos do serviço social, sua representação social e o
capitalismo contemporâneo, a partir das grandes transformações
ocorridas nos anos 1970 e os resultados dessas transformações na
sociedade incorrendo inclusive na crise do pensamento e das
organizações de esquerda, contribuindo para que as relações sociais
reproduzam tendências da estrutura social que se vincula a
29
No segundo capitulo apresentaremos os elementos conjunturais e
materiais que se apresentaram para a construção e implementação do
PEPSS, sobretudo a própria construção do projeto nos marcos do
serviço social brasileiro.
As preocupações que movem essa pesquisa centram o processo
de materialização do Projeto ético-político, buscando aproximações do
significado do trabalho no âmbito das condições objetivas e subjetivas do
serviço social.
Por fim, procuraremos identificar através das bibliografias
estudadas, os fatores determinantes para operacionalização do projeto
30
31
1. Marcos Históricos do Serviço Social e sua dimensão política
1.1 Gênese do Serviço Social brasileiro e sua representação social
Ao colocarmos em debate os marcos históricos da profissão,
precisamos compreender as posições assumidas pela categoria nos
diversos contextos históricos, políticos e sociais. Há que mencionar que
nas protoformas da profissionalização (Netto, 2001) o Serviço Social
esteve sob os auspícios da influência da Igreja Católica, que buscou
incidir na direção social da profissão. A literatura da área revela que
desde as premissas do seu desenvolvimento, evidencia-se uma
“atividade social, com bases mais doutrinarias1 que científicas” (Silva,
2002, 14).
É nessa visão que o Serviço social vai rumar desde suas origens
assumindo perspectivas de uma formação doutrinária a partir dos
fundamentos e princípios filosóficos ostentados nos pressupostos do
neotomismo (até a década de 1960 do século XX) a partir de uma
percepção conceitual conservadora de homem e sociedade. Desde
então, a ética difunde uma dimensão importante para o serviço social,
pois, “Sem uma perspectiva moral, não existe prática profissional”
(AGUIAR, 1989 p.36).
1 Destacando a orientação da Igreja Católica, expressa nas Encíclicas Rerum Novarum (Pio XI) e Quadragésimo ano (1931). O subtítulo do referido documento é “Sobre a Restauração e
32
Na passagem do capitalismo concorrencial para o capitalismo
monopolista2
, o Estado passa a redefinir suas funções com a classe
trabalhadora. Ocorreu por parte da classe trabalhadora uma necessidade
de organizar-se para enfrentar os desafios postos pela conjuntura
adversa, que tem na classe dominante seu representante, devido às
mudanças de sistema de produção. O Estado tem a função de conter a
ofensiva do proletariado e para tanto começa a utilizar-se da ampliação
de direitos sociais e trabalhistas como forma de amenizar as pressões
dos trabalhadores.
No Brasil o Estado passou a organizar-se no sentido de “tratar” a
questão social3 não mais como caso de polícia, mas buscando o
enfrentamento através das políticas sociais.
O Estado passa a ter um papel fundamental, de garantir sistematicamente a reprodução, além da manutenção da força de trabalho, a fim de conter as crescentes reivindicações dos trabalhadores. (Silva, 2002, 16)
O protagonismo da classe operária no Brasil, devido ao processo de
industrialização, alicerçada pelo sistema capitalista provocou conflitos de
ordem econômica e social. Ao conjunto de conflitos emergentes desse
processo dar-se o nome de questão social que segundo Netto é o
“conjunto de problemas econômicos, sociais, políticos, culturais e
2 Segundo Netto: trata-se período histórico em que ao capitalismo concorrencial sucede o capitalismo
dos monopólios, […] tornou-se conhecido como o estagio imperialista. Ver mais em Netto:
Capitalismo Monopolista e Serviço Social
3 Não queremos aqui dizer que somente neste momento histórico surge a questão social, pois a
33
ideológicos que cercam a emersão da classe operária como sujeito
sócio-político no marco da sociedade burguesa”. (Netto, 1980, 90). Para
o serviço social a questão social concebe-se como o principal objeto de
intervenção, constituindo-se como base sócio-histórica da intervenção da
profissão.
Na década de 30, no Brasil estávamos presenciando o declínio do
sistema agroexportador em detrimento do industrial, período marcado
por uma série de alianças realizadas, pelo governo Vargas, com os
trabalhadores e principalmente com a classe dominante, pois o Estado
atua como instrumento de organização da economia, um tipo de
mediador para aliviar as tensões ocasionadas por esse novo modelo de
capitalismo. Essa intervenção, por parte do Estado, tem um caráter de
garantidor dos lucros para os capitalistas, ou seja, o Estado mantém a
ordem social através de suas políticas para a sociedade, principalmente
para a classe operária, e o capitalismo tem assim a “paz” necessária
para a garantia de superlucros. O Estado passa a ter suas funções
políticas ligadas às funções econômicas.
A intervenção do Estado se colocava no sentido de preservar a
propriedade privada e ao mesmo tempo minimizar os efeitos da
exploração do trabalho e desmobilizar politicamente os trabalhadores. O
Estado intervém na relação entre o empresariado e proletariado através
de uma série de legislações sociais e trabalhistas, e na prestação de
serviços sociais previstos nas políticas sociais, funcionando também
34
proletariado, cuidando4 assim das suas necessidades imediatas e de
subsistência.
Paralelamente a essa transição de sistemas – capitalismo
concorrencial para o capitalismo monopolista – acontece o surgimento
das lutas de classes, movimento organizado de operários e
trabalhadores contra o esmagamento dessas classes imposto pela classe
burguesa que tem nessa transição a retomada de um poder totalizante.
Tanto pela consolidação política do movimento operário brasileiro
quanto pela legitimação política do Estado Burguês a existência da
questão social torna elemento fundamental de disputa política e social
entre as classes. A Igreja Católica firma aliança com o Estado e o
empresariado para o enfrentamento da questão social, pois tem o
discurso de recristanizar a sociedade como também tenta por um fim ao
movimento comunista que estava em crescimento e assegurar assim,
dentro do aparelho do Estado, posições desejáveis para a consolidação
de sua influência.
A legitimação e institucionalização do Serviço Social se deram num
contexto de minimização da questão social num cenário em que a
pobreza era naturalizada e vista como ameaça à ordem burguesa, a
categoria assumia assim uma posição assistencialista da ideologia e da
prática católica visando à harmonia social e manutenção da ordem
vigente.
4 Esse “cuidado” tinha como objetivo principal enfraquecer a organização de luta da classe
35
Segundo Iamamoto (2001), o serviço social surge a partir da
iniciativa de grupos dominantes (Burguesia, Estado e Igreja), formado
basicamente por mulheres militares dos movimentos católicos, os quais
já estavam à frente das ações sociais da igreja católica. As pioneiras do
serviço social tinham na formação doutrinaria católica o enfrentamento
dos “problemas sociais”, elas possuíam contato direto com o ambiente
do operariado, pelo trabalho desenvolvido com a igreja e tinham como
objetivo principal manter o funcionamento adequado da sociedade para a
consolidação do sistema.
Em seu processo de construção histórica o serviço social brasileiro
recebe influencia européia e surge uma visão diferenciada da caridade,
até então executada. A proposta apresentava-se através ações
educativas junto às famílias dos trabalhadores e na prevenção dos
“problemas sociais”.
As instituições assistências que surgem nesse momento – todas
sobre a tutela da Igreja – são a Associação das Senhoras Brasileiras
(1920) no Rio de Janeiro e a Liga das Senhoras Católicas (1923) em São
Paulo ambas eram compostas por mulheres de famílias burguesas
paulistas e cariocas e tinham como planejamento às obras assistenciais.
“O surgimento dessas instituições se dá dentro da primeira face do
movimento de ‘reação católica’ da divulgação do pensamento social da
igreja e da formação das bases organizacionais e doutrinárias do
apostolado laico”. (Carvalho e Iamamoto, 2001, 166)
É a partir dos Movimentos Laicos e do crescimento da juventude
36
bases materiais e humanas para a Ação Social e então o surgimento de
escolas de Serviço Social. A figura da Sra. Estella de Faro –
coordenadora da Ação Social – é considerada uma das grandes
pioneiras do Serviço Social no Rio de Janeiro.
O Serviço Social se caracterizava, assim, por ser um movimento ao qual se dedicam mulheres de famílias abastadas, reunidas a parti de seu relacionamento e militância no meio católico. (Carvalho e Iamamoto, 2001, 216)
O Centro de Estudos e Ação Social – CEAS – de São Paulo foi o
órgão responsável pela formação dos assistentes sociais a partir de
1932. O CEAS era o organismo, que a época, qualificava os agentes
para a realização da prática social.
O objetivo central do CEAS será o de “promover a formação de seus membros pelo estudo da doutrina social da Igreja e fundamentar sua ação nessa formação doutrinaria e no conhecimento aprofundado dos problemas sociais”, visado “tornar mais eficiente à atuação das trabalhadoras sociais [...]” (Carvalho e Iamamoto, 2201:169)
Com o objetivo de difundir a doutrina e ação da igreja, é
lançada as suas diretrizes através das encíclicas papais Rerum Novarum
(1891) e a Quadragésimo Anno (1931) as quais continham orientações e
posicionamentos antiliberal e antiimperialista.
Percebemos que o serviço social surge para atuar em favor da
classe dominante em detrimento dos trabalhadores e sua organização,
37
com os interesses da burguesia. Mesmo assim as pioneiras do serviço
social tinham como convicção que suas ações tinham rebatimento direto
no enfrentamento da questão social. Essas ações representavam uma
alternativa às ações de caridade, ou seja, havia um sentimento que de
uma maneira ou de outra as ações baseadas pela doutrina católica
ajudava a compor um projeto de sociedade.
A crescente intervenção do Estado nos processos de regulação e
reprodução social propiciou a profissionalização do Serviço Social e de
tantas outras profissões.
Quando o Estado passa a agir no capitalismo monopolista – não
somente nele, mas para ele – como mediador no conflito entre capital e o
trabalho, este apresenta fortes tendências a apoiar os interesses do
capital e passa a intervir na questão social deixando a prática coercitiva
e passando a tratá-la através das políticas. Ao serviço social é também
demandada a sua inserção em outros organismos institucionais – as
filantrópicas de caráter privado ou publico – o que confere uma
particularidade frente às profissões requisitadas.
Apesar de no Brasil a profissão de serviço social tenha sido
considerada uma profissão liberal5, a autonomia profissional é
questionada, pois para realizar as suas atividades de forma
independente não dispõe do controle das condições materiais,
organizacionais e técnica para o desempenho de suas funções. Mas isso
5 Segundo Iamamoto e Carvalho (2003, p.80, nota 12), “a portaria 35, de 19.4.1949, do Ministério de
38
não significa que a profissão não disponha de uma relativa autonomia e
de algumas características as quais estão presentes numa profissão
liberal, tais como: o caráter não rotineiro do trabalho, a presença de um
Código de Ética o qual orienta suas ações, a singularidade que pode
exercer na relação com o usuário, a possibilidade de apresentar
propostas de intervenção a partir de seus conhecimentos técnicos e,
finalmente, a Regulação legal da profissão6.
O serviço social no Brasil se institucionaliza e se legitima
profissionalmente a partir da demanda posta pela conjuntura, como um
dos recursos mobilizados pelo Estado e pelo empresariado, com o
suporte da igreja católica na perspectiva de enfrentamento da questão
social.
A questão social em suas mais variadas expressões é incorporada
na profissão como “matéria-prima” e a justificativa da constituição do
espaço do serviço social na divisão sócio-técnica do trabalho e na
construção das atribuições e da identidade profissional.
A partir dos anos 30 a intensidade e extensão das manifestações da
questão social no cotidiano da vida social adquirem expressões de
política, o Estado assume a regulação e tensões entre as classes sociais
mediante um conjunto de medidas, entre elas: Consolidação das Leis
Trabalhistas, o salário mínimo e outras de cunho regulador assistencial e
paternalista. Requisitando do assistente social um conjunto de
6 Lei 8662 de 7 de junho de 1993 – que dispõe sobre o exercício profissional, suas competências,
39
atribuições, de referenciais teóricos, enfim de um acervo instrumental
teórico para atender as necessidades apresentadas.
Em 1936, a partir desses esforços e com apoio da hierarquia da
igreja é fundada a primeira Escola de Serviço Social do Brasil, em São
Paulo e no ano seguinte a Escola de Serviço Social do Rio de Janeiro.
As primeiras iniciativas de organização da categoria estão
relacionadas com o protagonismo de alguns grupos sociais,
majoritariamente femininos, participante do movimento católico leigo e
responsável pelo trabalho com os segmentos mais vulneráveis e
empobrecidos da classe operária. A igreja católica foi responsável pelo
ideário, conteúdos e pelo processo de formação dos primeiros
assistentes sociais brasileiros.
A formação profissional se pautava pela influencia franco-belga que
se baseava no humanismo cristão, ou seja, na filosofia Neotomista7, na
ação católica e na valorização de preceitos morais e doutrinários, ao
qual é a continuidade e persistência no tempo de um conjunto de idéias
constituídas da herança intelectual européia do século XIX, com a
manutenção da ordem capitalista. Sendo a organização da sociedade
vista como fruto de uma ordenação natural do mundo.
Assim a atuação do assistente social se legitimava através de
setores sociais que, dentro de uma estratégia de manutenção da ordem
vigente e da harmonia social, inscrevia a sua intervenção na perspectiva
do controle social e na difusão da ideologia dominante.
7Movimento de retorno à filosofia tomista da Idade Média, filosofia do pensador italiano São Tomas
40
Entre as décadas de 40 e 50 o serviço social passa a obter um
caráter técnico-científico com a aproximação das ciências sociais e o
desenvolvimento das escolas e faculdades, especialmente com a
vertente empirista norte-americana. Apesar dessa mudança com o
aprofundamento técnico-científico, não ocorreram grandes mudanças na
atuação dos assistentes sociais, os quais continuaram a intervir de forma
pragmática e com ação educativa na vida do operário que se estende à
sua família como forma de prevenção dos problemas sociais.
No contexto do pós segunda guerra mundial o serviço social
brasileiro, incorpora o trabalho a partir de uma perspectiva de
“comunidade” como projeto de intervenção. A solidariedade constituía-se
como principal elemento norteador das ações onde deveria ter uma
cooperação mútua entre seus integrantes a fim de que as
potencialidades individuais pudessem ser colocadas a disposição do
coletivo.
Incorpora-se o principio da solidariedade como diretriz ordenadora das relações sociais, em tensão com seus fundamentos históricos concretos. As relações sociais passam a ser vistas invertidamente: a coisificação alienadora das relações que se estabelece no universo da mercadoria é obscurecida, fazendo reaparecer, na base mesma da sociedade, relações pessoais, solidárias, personalizadas. (Iamamoto, 2002, 27)
A partir dos anos 40 a sociologia conservadora norte-americana
insere no serviço social brasileiro os métodos de caso, grupo e
comunidade – estas técnicas eram oriundas da psicologia e da
41
positivista/funcionalista8 – e futuramente incorpora a noção de
comunidade como forma de analisar a sociedade capitalista quando se
encontra estruturada nos parâmetros da racionalidade burguesa da
reprodução do capital. Ao mesmo tempo em que o Serviço Social parte
do principio da solidariedade como base ordenada das relações sociais e
do suporte técnico da noção de comunidade, agrega um novo elemento:
a filosofia social humanista cristã com fundamentos no reformismo
conservador e na base filosófica aristotélico-tomista.
Este arranjo teórico doutrinário operativo permite que a profissão mantenha o seu caráter missionário, atualizando as marcas de uma origem e atendendo concomitantemente, as exigências de tecnificação que lhe impõe a modernização da sociedade e do Estado. (Carvalho e Iamamoto, 2001:28)
Enquanto os procedimentos de intervenção do serviço social
norte-americano, no que se refere ao trabalho com comunidade, passam ser
incorporado ao serviço social brasileiro, são progressivamente
racionalizados para um projeto profissional fundado no reformismo
conservador de base filosófica tomista. Sendo assim, os profissionais
atendiam as exigências de tecnificação, impostas pela modernização da
sociedade capitalista e do Estado, sem perder seu caráter missionário.
Com o aprofundamento corporativista do Estado e a política
econômica do país votada para a industrialização – chamada Era Vargas
– no final dos anos 30 e começo dos anos 40, há uma expansão das
8 A inserção do funcionalismo no Serviço Social significa a importância de técnicas que compõe a
42
instituições assistenciais estatais, paraestatais e autarquias, como
exemplo: o Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS-1938), a Legião
Brasileira de Assistência (LBA-1942), o Serviço Nacional de
Aprendizagem (SENAI-1942) e o Serviço Social da Indústria
(SESI-1946). Essas instituições foram criadas a partir da necessidade do
Estado em controlar a classe trabalhadora, este passando a deter o
controle da regulamentação da força de trabalho e a política assistencial
proposta aos trabalhadores. Ao mesmo tempo em que isso acontece
essas instituições emergem como forma de dar ainda mais legitimação à
profissão de Serviço Social, representando uma ampliação no mercado
de trabalho da categoria tornando-a, institucionalizada pelo Estado e a
classe burguesa. Este processo consolida a profissionalização do
assistente social, que se torna categoria assalariada, e recruta seus
membros entre os setores médios. (Iamamoto, 2002:31)
No inicio da de 50, começa a surgir na profissão uma perspectiva de
analise da contradição existente entre os objetivos e as ações,
amparadas na recusa dos excessos de exploração do sistema capitalista
sobre a classe trabalhadora, ou seja, as ações profissionais negavam
essencialmente os princípios cristãos.
Neste sentido a profissão defendia a parceria do proletário com a
classe burguesa na perspectiva de cooperação já que ambos pertenciam
à mesma comunidade produtiva, surgia assim o discurso da “cooperação
43
forma como está disfarçava a exploração da mais-valia9. O Estado passa
então a ser um componente fundamental nesse processo, pois passa não
só a intervir na regulação da força de trabalho, mas também no controle
de uma política assistencial vinculada as representações de classe, que
nesse caso passa ser a da burguesia.
As instituições sócio-assistenciais surgem então no sentido de
atender as reivindicações dos proletariados, absorvendo as legislações
sociais e trabalhistas, mas como forma de impedir uma organização mais
especializada e uma consciência de classe.
Com isso amplia-se o mercado de trabalho do assistente social
tornando-se uma atividade legitimada e institucionalizada pelo Estado e
pelo conjunto da classe dominante. Embora não estivesse visivelmente
presente no seu discurso, a profissão servia aos interesses burgueses,
que buscaram o profissional do serviço social para atuar frente às
demandas da classe trabalhadora. Porém, o serviço social não era
requisitado pela clientela, mas era imposto aos usuários como obrigação
burocrática às suas aspirações, que eram, na verdade, os serviços
sociais prestados pelas instituições e a efetivação dos mesmos.
Para Iamamoto, o serviço social brasileiro deixa de ser um mero
distribuidor da caridade das classes dominantes para transformar-se
numa das engrenagens de execução das políticas sociais do Estado e
dos setores empresariais.
9Nome dado por Karl Marx à diferença entre o valor produzido pelo trabalho e o salário pago ao
44
O casamento parecia perfeito, enquanto a classe trabalhadora
aparecia com um movimento de recusa ao serviço social, a burguesia
apoiava sua pratica, pois a partir da oferta de serviços e benefícios
assistenciais ocultava, ou melhor, mascarava a dimensão política das
expressões da questão social. O objetivo central da classe dominante,
segundo Martinelli, se colocava num esforço de bloquear do
desenvolvimento da consciência de classe do proletariado e sua
organização política.
Os assistentes sociais eram responsáveis pela operacionalização
dos serviços sociais prestados à população pelas instituições, e
tornavam-se os próprios representantes do Estado em contato com o
proletariado. Os profissionais tinham nas mãos um papel de extrema
importância, pois sustentavam a estratégia de controle social, difundindo
o modo capitalista de pensar. Para eles, essa aliança com o Estado e
com a Igreja, através de uma prática voltada aos interesses burgueses,
era uma forma de consolidar-se como grupo profissional.
O Desenvolvimento de Comunidade surge enquanto ideologia do
desenvolvimento e estratégia de superação do subdesenvolvimento,
difundida pelos organismos internacionais aprofundado com a criação da
ONU – Organização das Nações Unidas – em 1945, com uma visão de
que a sociedade é harmônica e equilibrada, e que todo desenvolvimento
45
governo de Juscelino Kubitschek10 (1956-60) no Brasil o centro da
política era o desenvolvimentismo, ou seja, a ordem e o crescimento
econômico se efetivaria pela exploração da mão de obra, e o Serviço
Social, que nesse período sofre grande influência norte-americana, adota
o DC como proposta oficial a qual constitui-se num instrumento
ideológico de interação da população pobre aos projetos de
desenvolvimento.
A intervenção do Assistente Social no mercado de trabalho sofre
alterações, pois passa do trabalho com pequenos segmentos da
população em geral para amplos setores do proletariado. Esse processo
faz com que a profissão se consolide e se torne uma categoria
assalariada. “Em suma, o Serviço Social deixa de ser um instrumento de
distribuição da caridade privada das classes dominantes, para se
transformar, prioritariamente, em uma das engrenagens de execução da
política social do Estado e de setores empresariais”. (Carvalho e
Iamamoto, 2001, 32)
Em 1947, ocorre a realização do I Congresso Brasileiro de Serviço
Social, o qual marca o início de uma tendência de valorização da
categoria, apresentada nos diversos discursos, debates e polêmicas
pelos profissionais.
A leitura dos Anais do Primeiro Congresso Brasileiro de Serviço Social mostra a ausência de uma temática central.
10O mandato presidencial de Juscelino Kubitschek de Oliveira é comumente conhecido pelo epíteto
46 As preocupações do reduzido meio profissional existentes nesse momento se voltam para um sem-número de frentes [...] As teses apresentadas referem-se a uma longa listagem de temas de difícil sistematização. (Carvalho e Iamamoto, 2001, 331)
À medida que há o desenvolvimento do país, o Serviço Social busca
uma nova identificação com a conjuntura e as demandas sociais, pois
existe uma crescente ampliação de profissionais e multiplicação das
Escolas especializadas.
No processo de modernização vivenciado pelo Estado nesse
período, o qual tem seu complemento no período da ditadura militar,
constatamos o aprofundamento do capitalismo no Brasil, influenciando
diretamente e profundamente o modo de vida da população,
especialmente da classe trabalhadora. O surgimento das grandes
instituições assistenciais e previdenciárias colocaram-se como resposta
do Estado passa a intervir no processo de reprodução das relações
sociais, assumindo um papel regulador e promotor tanto da acumulação
capitalista como do atendimento das necessidades sociais da população
mais pauperizada.
A política assistencial passa a ser controlada também pelo Estado,
visto que este já detinha a regulação da força de trabalho, vinculada às
organizações representativas das classes produtoras.
Com isso o número de profissionais para a demanda, a qual
aumenta significativamente, nas instituições sócio-assistenciais era
escasso já que ocorria nesse período um declínio da militância católica
47
desses profissionais. A grande diferença dos profissionais oriundos da
classe média era que estes não possuíam aspirações religiosas, mas
fundamentalmente buscavam qualificação profissional, ascensão e
melhores salários. Essa condição de assalariamento tem conseqüências
fundamentais, que segundo Netto (1992), favorecem o entendimento
posterior que este sujeito se reconheça enquanto membro da classe
trabalhadora, provocando um avanço na construção da categoria
profissional.
Observamos nesse período uma mudança no perfil das pessoas que
ingressam no processo de formação profissional, o surgimento das
instituições representa a ampliação no mercado de trabalho do
profissional.
Se o caráter de missão de apostolado social e a origem de classe dos ‘pioneiros’ conferiam legitimidade à intervenção do profissional, agora essa legitimidade à intervenção do profissional, agora essa legitimidade será derivada do mandato institucional, confiado ao assistente social, direta ou indiretamente, pelo Estado. (Iamamoto, 2002, 31)
A profissão amplia a sua área de atuação e alarga as bases sociais
de seu processo de formação, mesmo com a mudança no processo de
institucionalização e demanda o serviço social brasileiro ainda iria
manter as características da prática e do pensamento conservador que o
acompanha deste a sua origem.
Sendo assim, gradativamente o Estado vai demandando a
48
trabalho em função das novas formas de enfrentamento da questão
social. A política social apresentadas por um Estado com forte
característica paternalista e ao mesmo tempo repressiva interferiria no
desempenho profissional dos assistentes sociais no sentido da
fragmentação, assumindo um caráter pontual e localizado, pois aquelas
são concebidas, segundo Yasbek (2009), setorialmente como se o social
fosse à simples somatória de setores da visa sem articulação, numa
apreensão particularizada da realidade social. Com a adoção das
políticas sociais, como estratégia de enfrentamento da questão social, o
perfil do público-alvo da profissão de serviço social se amplia e passa a
atingir grandes parcelas de trabalhadores.
As diferentes conjunturas históricas e suas correlações de forças
sociais evidenciam o papel normatizador e regulador do Estado no
campo social e consequentemente na atuação do profissional de serviço
social, gestando as condições necessárias para que no processo de
divisão social do trabalho.
A atuação do serviço social está sempre referida aos processos de
criação das condições fundamentais para a reprodução social da vida,
assim está atuação profissional na divisão social do trabalho se modifica
e sofre redefinições com as mudanças e os contornos da questão social.
49
Embora o serviço social seja uma profissão reconhecidamente
liberal no Brasil, o assistente social não tem essa tradição na sociedade
brasileira. Este é um trabalhador que vende a sua força de trabalho que
é a capacidade de decifrar a realidade posta, responsável pela execução
das políticas sociais, mas não dispõe do controle das condições
materiais, organizacionais e técnicas para o desenvolvimento do seu
trabalho.
Os anos 60 marcaram o inicio de mudanças significativas no serviço
social brasileiro, o país estava vivendo uma conjuntura de
aprofundamento do debate político na sociedade mediante o
agravamento da questão social e dos níveis de empobrecimento da
população trabalhadora, contratando com os elevados índices de
crescimento econômico verificados no final dos anos 50.
O marco oficial da inserção da profissão no projeto de
desenvolvimentista e a adoção do DC – Desenvolvimento de
Comunidade – é o II Congresso Brasileiro de Serviço Social, realizado no
Rio de Janeiro, colocando a profissão numa perspectiva modernizadora
frente às novas demandas do Estado e dos setores dominantes.
50 marginalizadas do progresso. (Carvalho e Iamamoto, 2001, 353)
Esse período é marcado também pelo crescimento das classes
populares organizadas, no campo com as Ligas Camponesas e o
sindicalismo rural e na cidade com o Movimento de Educação de Base
(MEB) e os Centros de Cultura Popular. Esse movimento político-cultural
reúne profissionais, intelectuais e trabalhadores em torno da luta
anti-imperalista e pela defesa de um projeto nacional-desenvolvimentista.
Influenciado pela conjuntura o serviço social inicia criticas às
praticas tradicionais, assistencialistas desenvolvidas no país. Na
categoria começa a despertar a necessidade de mudança e de dar
respostas às demandas macrossocietárias. Esse processo é marcado
pela experiência de um grupo de assistentes sociais ligadas à igreja
católica e aos projetos de educação de base e de organização popular
em comunidades urbanas e rurais.
1.2. Processo de renovação do serviço social
Observamos que a partir da segunda metade da década de
cinqüenta, configura-se dentro do serviço social posicionamentos que
questionam as bases tradicionais do exercício profissional, fazendo
emergir incisivas criticas ao que se denominou “serviço social
tradicional”, com suas praticas empiristas, reiterativas, paliativas e
burocratizadas orientadas por uma ética liberal-burguesa, que visava
enfrentar as incidências psicossociais da “questão social” sobre
51
reprodução dos interesses da classe dominante. De acordo com Netto a
renovação implica a construção de um pluralismo profissional, o qual dá
base a prática e valida teoricamente a profissão bem como seus
procedimentos.
A partir do golpe militar de 64, o Brasil impõe uma nova ordem
político institucional apoiada no fortalecimento do Estado, voltado
estrategicamente para a consolidação da chamada modernização
conservadora, ou seja, modernizar e ampliar as funções econômicas,
sociais, políticas e culturais com uma orientação clara de integrar a
economia brasileira aos padrões internacionais exigidos pelos
mecanismos de controle econômico.
Para tanto, o Estado restringiu com autoritarismo e repressão os
espaços da sociedade civil, desarticulando as instituições políticas
existentes, os movimentos do campo, da cidade e as lideranças das
forças populares de esquerda.
Nesse contexto, a questão social passa ser tratada a partir do
binômio repressão/assistência e um leque de políticas sociais e
assistenciais é implantado pelo Estado de forma centralizada, autoritária
e burocrática.
Nessa conjuntura no serviço social há uma forte expansão do
espaço sócio-ocupacional e das instituições de ensino superior, como
também a adequação da profissão as demandas impostas pelo regime
52
índices de empobrecimento, deteriorando ainda mais as condições de
vida e de trabalho da população.
Esse período traz posicionamento no serviço social que buscava
aperfeiçoar o instrumental operativo com novas técnicas de ação na
busca de padrões de eficiência, na sofisticação dos modelos de analises,
diagnósticos e planejamento.
Diante do clima repressivo e autoritário, fruto das mudanças políticas da década de 60, os Assistentes Sociais refugiam-se, cada vez mais, em uma discussão dos elementos que supostamente conferem um perfil peculiar à profissão: objeto, objetivos, métodos e procedimentos de intervenção enfatizando a metodologia profissional. (Iamamoto, 2002, 33)
Observamos neste período uma forte tendência, em alguns
segmentos específicos da profissão, a psicologização das relações
sociais, ou seja, os problemas de ordem pessoal e funcional passariam a
ser tratados através do dialogo, dando prioridade às necessidades e
problemas de ordem subjetiva.
Alguns elementos marcam profundamente a pratica profissional
nesse processo de atualização da herança conservadora. O primeiro
refere-se à economia política que tem a tendência de transformar-se em
problemas assistenciais, mudando o enfoque das conquistas sociais do
proletariado em concessões de benefícios. E segundo acentua-se os
mecanismos que dificultam uma compreensão mais clarificada da
53 Nesta perspectiva, a resolução da “crise da profissão” reduz-se, constantemente, a um maior aperfeiçoamento técnico-instrumental; vincula-se ao reconhecimento, pelas instancias responsáveis pela elaboração e implementação das políticas sociais, das potencialidades daquele instrumental, para atuar sobre a “questão social”. (Iamamoto, 2002, 35)
Segundo Netto, essa alteração da discussão teórica da profissão
encontra seu foco nos setores organizados da profissão onde o debate
torna-se palco privilegiado, destacamos a ABESS11 e o CBCISS12.
O processo de renovação altera substantivamente as instancias de
fomento da categoria, no que diz respeito às discussões, pois esses
espaços tornam-se palco de aprofundamento das temáticas tratadas com
um elevado grau de aprofundamento e problematização. Segundo Netto,
esses espaços deixaram de serem somente encontros com tom de
narcisismo profissional e se consagraram por se configurar em territórios
de polêmicas da categoria.
As instancias de organização da categoria tem seu perfil também
modificado, pois se vêem obrigadas a incorporar nas discussões não
mais questões coorporativas mais agregar discussões de outras
naturezas relevantes ao momento.
Netto aponta quatro aspectos que contribuíram para o processo de
renovação do serviço social:
11 A ABESS realiza periodicamente convenções nacionais desde de 1951.
12O CBCSIS tem destaque nos seminários de Araxá, Teresópolis, Sumaré e Alto da Boa Vista e foi
responsável pelo periódico Debates Sociais o qual se constituiu num significativo núcleo de difusão
54
a) instauração do pluralismo teórico, ideológico e político no marco
profissional, deslocando uma sólida tradição de monolitismo ideal;
b) a crescente diferenciação das concepções profissionais
(natureza, funções, objeto, objetivos e praticas do Serviço Social),
derivada de recurso diversificado a matrizes teórico-metodológicas
alternativas, rompendo com o viés de que a profissionalidade implicaria
uma homogeneidade (identidade) de visões e de práticas;
c) a sintonia da polemica teórico-metodológica profissional com as
discussões em curso do conjunto das ciências sociais, inserindo o
Serviço Social na interlocução acadêmica e cultural contemporânea
posta por funções meramente executivas;
d) a constituição de segmento de vanguarda, sobretudo, mas não
exclusivamente inseridos na vida acadêmica, voltados para a
investigação e a pesquisa. (Netto, 2001, 135-136)
O serviço social tem a necessidade de apresenta-se como
alternativa confiável para o enfrentamento da questão social, legitimando
e ampliando sua intervenção frente às instancias empregadoras e
conseqüentemente à população.
1.3. Significado social da profissão
Segundo Yasbek, a compreensão do serviço social no
processo de reprodução das relações sociais só pode ser desvendada
55
serviço social em si mesmo e passá-lo a situar no contexto de relações
sociais mais amplas da sociedade capitalista.
Então, um conceito fundamental para a compreensão da profissão na sociedade capitalista é o conceito da reprodução social que, na tradição marxista se refere ao modo como são produzidos e reproduzidos as relações sociais nesta sociedade. (Yasbek, 2009, 127)
A reprodução das relações sociais passa pelo entendimento de
totalidade da vida social em reprodução, ou seja, além da reprodução da
vida material e do modo de produção, está também incluída a
reprodução da vida social e das formas de consciência social da qual o
homem constrói ou toma posição ao longo da sua vida em sociedade.
Partindo do pressuposto de que a sociedade na qual estamos
inseridos é dividida em classes com interesses antagônicos,
independente das elaborações ideológicas, pois dada a apropriação
privada dos meios de produção, a riqueza produzida é monopolizada por
uma parte da sociedade – a classe dos capitalistas.
A reprodução desigual de acumulação, que é socialmente produzida,
necessita da recriação e ampliação das classes e uma fundamental
nesse processo é a dos trabalhadores e o aumento do poder da classe
capitalista, portanto ocasionando uma ampliação da pobreza para a
classe dominante, expressando assim a luta travada entre as classes.
A forma como o serviço social está inserido na sociedade está
fundamentada na concepção de reprodução social num processo de
56
permanente movimento o qual cria as e recria os conflitos resultantes
dessa relação.
O serviço social participa do processo de reprodução dos interesses
de preservação do capital, assim como é demandado para responder as
necessidades de sobrevivência dos que vivem do trabalho.
A analise do serviço social a partir dessa perspectiva nos permite
apreender as implicações políticas do exercício profissional desenvolvido
no contexto das relações entre as classes, ou seja, compreender que a
pratica profissional é necessariamente polarizada pelos interesses das
classes sociais. Como também nos permite apreender as dimensões
objetivas e subjetivas do trabalho do assistente social, as quais de
acordo com Yasbek, as objetivas se apresentam no sentido de
considerar os determinantes sócio-históricos do serviço social ao passo
que as dimensões subjetivas se apresentam no sentido de identificar a
forma como o assistente social incorpora em sua consciência o
significado do seu trabalho e a direção social do seu exercício
profissional.
A influência neotomista e positivista nos pressupostos do serviço
social ocultaram o elemento fundante da questão social e reproduziram
um profissional inserido num processo de moralização13 da questão
social. Na trajetória do trato da questão social observamos a
naturalização da questão social em que os problemas sociais são vistos
como algo natural do sujeito e como natural no processo de sociabilidade
13Explica os fatos exclusivamente por seus aspectos morais. A moralização trata a questão social de
57
moderna, como característica imanente de todo e qualquer processo de
civilidade; há também a psicologização da questão social na qual os
problemas sociais derivam de funções psicológicas. Essas formas de
enxergar as expressões da questão social individualizam o sujeito,
descaracterizando a questão social do seu caráter histórico vinculado à
dinâmica da ordem burguesa.
Esses elementos que em determinado momento passam ser
indicadores da intervenção da profissional dos assistentes sociais –
naturalização, psicologização e a moralização – requer um profissional
especifico, que desenvolve uma pratica particular e ocupa papel e função
específicos, na ordem burguesa, ou seja, o da reprodução material e
ideológica da classe trabalhadora.
A base de intervenção do serviço social, deste a sua gênese como
profissão é a questão social. O significado social se dá na vinculação
concreta que a profissão vai ter na sociedade capitalista, ou seja, na
contradição de quem paga e quem demanda seus serviços.
Essa contradição não se revela de imediato como parte integrante
da organização da profissão, mas é compreendida e adquire sentido no
espaço das relações sociais concretas da sociedade da qual faz parte.
O assistente social atua no campo da mediação, no espaço de
convergência e de contradições, que é a própria sociedade. Esse caráter
contraditório do exercício profissional é configurado pelo campo dos
58
pragmatismo/fatalismo14 – visão determinista da sociedade – ou
messianismo/voluntarismo15 – visão heróica da profissão – é entender
esse caráter contraditório, pois esse tipo de olhar são distorções dos
processos sociais e que não reconhece a realidade do mercado de
trabalho.
A profissão de serviço social também precisa ser analisada sob dois
ângulos os quais são indissociáveis, por um lado as respostas dos
assistentes sociais as demandas que são postas no cotidiano
profissional, por outro lado as condições societárias que estabelecem o
terreno sócio-histórico onde se realiza a profissão, remetendo as
dimensões objetivas e subjetivas anteriormente explicitadas.
Essas dimensões da atividade profissional, como atividade vivida e
representada pela consciência do profissional de serviço social e
também como atividade socialmente determinada, apresentam-se de
forma contraditórias. A dimensão objetiva é contraditória visto que
estamos numa sociedade capitalista, pois o profissional encontrará
limites dentro da conjuntura social e histórica, mas, contudo buscando
possibilidades de apresentar, criticamente, as alternativas e
possibilidades.
14Constitui uma escola de filosofia, com origens nos Estados Unidos da América, caracterizada pela
descrença no fatalismo e pela certeza de que só a ação humana, movida pela inteligência e pela energia, pode alterar os limites da condição humana. Este paradigma filosófico caracteriza-se, pois, pela ênfase dada às consequências - utilidade e sentido prático - como componentes vitais da verdade. Fonte: Wikipédia
15Caracteriza movimentos ou atitudes movidas por um sentimento de "eleição" ou "chamado" para o
59
O significado social da profissão está em responder as
determinações históricas e sociais, para isto acontecer a profissão
precisa estar inserida na própria sociedade criando e recriando essas
determinações históricas e sociais. A profissão de serviço social situa-se
no contexto das relações sociais e necessariamente precisa ultrapassar
a situação de “em si mesmo”.
Para Iamamoto e Carvalho (2000) para compreender o serviço social
precisamos considerar as condições e relações sociais que nos permitam
apreender o significado social da sociedade capitalista, pois a profissão
está situada como um dos elementos que participa da reprodução e das
relações de classe, sem localizá-la de forma focalizada, critíca e a
a-histórica.
Para Montaño há a necessidade de se compreender a gênese do
serviço social a partir de duas teses as quais nos permite refletir sobre
as abordagens utilizadas pelos assistentes sociais e suas perspectivas
de superação frente aos rebatimentos impostos pela sociedade
capitalista.
60
A natureza do serviço social, segundo Montaño, apresenta
duas teses, antes já referenciadas como distintas e antagônicas. A
primeira tese refere-se à perspectiva endógena a qual sustenta que a
origem do serviço social advém de um processo de evolução e
profissionalização das antigas formas de ajuda e da caridade. Os
teóricos que defendem esta tese apresentam a idéia do serviço social
tradicional, ou seja, uma profissionalização e sistematização da caridade
e da filantropia. Essa tese aborda e entenda a profissão como sendo
vista a partir de si mesma, ganhando autonomia histórica perante a
sociedade, as classes e as lutas sociais, defende uma visão
particularista ou focalista, pois compreende o surgimento do serviço
social atrelado as atividades e ações de sujeitos particulares, como
sendo resultado pessoal e a historia da sociedade entendida apenas
como sendo uma crônica paralela ao desenvolvimento da profissão sem
rebatimentos a esta. A segunda tese refere-se a perspectiva
histórico-critica a qual entende a profissão como resultado da síntese histórica
dos projetos políticos-ecônomicos, inseridos no contexto capitalista
monopolista, reproduzindo-o de maneira material e ideologicamente, no
qual o Estado toma para si a responsabilidade da precariedade do
sistema materializado na questão social. Enquanto a primeira aceita e
defende a continuidade existente entre Serviço Social atual e formas
anteriores de ajuda, filantropia e até caridade; a segunda percebe e
defende que houve, de verdade, uma ruptura na essência funcional do
61
1.4. Intenção de ruptura: protagonismos do serviço social crítico
A proposta de renovação do serviço social nesse momento seria
uma ruptura com as tradições e as demandas sociais através de um
melhoramento em suas técnicas e teorias – Movimento de
Reconceituação, que tem como base à pretensão de romper com a
herança teórico-metodológico do pensamento conservador.
Nos seminários de Araxá (1967) e Teresópolis (1970), os
profissionais têm a oportunidade de discutirem essa proposta, com tudo
devido à conjuntura vivenciada na década de 60 – repressões ao
pensamento intelectual, entre outros tipos de privação de expressão
política, cultural e ideológica – restando assim, fazer um aprofundamento
tão somente das técnicas.
Na tentativa de retomar uma postura critica e romper com o
conservadorismo do serviço social faz uma emersão no movimento de
“renovação do conservadorismo”, o qual embora questione e se opunha
ao serviço social tradicional não consegue romper com o
conservadorismo. Surgem assim dois processos antagônicos e
fundamentais para a concepção do que hoje temos como relação ao
serviço social: a “reatualização do conservadorismo” e a “intenção de
ruptura”.
A “reatualização do conservadorismo” apresenta-se com um
discurso teórico, adotando a fenomenologia como diretriz