(98) A UNIÃO, Ano 111, Recife, n . 222, 12 . 12.1874, p . 2 .
(99) Livro de Máximas Espirituais, Instrução e Doutrinas Explicadas pelo meu Pai Espiritual e Rev. Sr. Padre Mestre Missionário Apostólico Mi-nistro de Deus - Pe . José Antônio Maria lbiapina (Arquivo da Casa de Caridade de Campina Grande, Paraíba, s/p) .
(100) Notas Históricas da Igreja de Nossa Senhora da Penha e das Missões dos Capuchinhos da Prefeitura de Pernambuco, Recife, 1906, p . 49-50 . (101) MUNIZ, Edmundo. Canudos. S. Paulo, 1981 , passim.
(102) COSTA E SILVA, Cândido, op . cit., p. 48-49 .
(103) LEITURAS RELIGIOSAS, Ano VII , Bahia, n. 2, 7 . 7. 1895, p . 14-19 . (104) ACP, III , 58, (1861) .
(105) Frei Fidelis M. de Primerio, op. cit., p . 244 . (106) ANDRADE, Manuel Correia de, op. cit., p. 175. (107) ACP, 11, 82, fl . 7 .
(108) ACP, 11, 82, fl . 23-25 . (109) ACP, III, 49.
(110)ACP, 11, 80, fl . 33 .
(111) JORNAL DO commセrcio L@ 8 .2 . 1952 . (11 2) Frei Jacinto de Palazzolo, op. cit., p. 177 . (11 3) Idem, ibidem, p . 200.
(114) ANDRADE, Manuel Correia de, op . cit., p . 192. (115) FREITAS, Décio de, op . cit . , p . 152.
(116) Arquivo da Paróquia de S . José dos Bezerros, t.• Livro de Tombo, fl. 46-47.
(117) Ibidem, fl . 48v.
(118) Arouivo do IAGPe, Estante A, Gaveta 16, fls . 3 e 7 . (119) ACP, 50, 11, 82, fl . 33-34 .
(120) ACP. III , 50 .
(121) COSTA E SILVA, Cândido, op. cit., p .. 35 . (1 22) Arquivo do IAGPe . ib . , fl . I.
(123) Frei Fidelis M . de Primerio, op . cit ., p . 245 . (124) ANDRADE, Manuel Correia de, op . cit. , p . 178. (125) FREITAS , Décio, op . cit. , ACP, 11 , 82, fl . 26, p . 160 . (126) ANDRADE, Manuel Correia de, op . cit. , p . 191. (127) FREITAS, Décio, op . cit ., p. 151-152 .
(128) Idem, ibidem, p . 121. (129) Idem, ibidem, fl . 121-122. (130) Notas Históricas, p . 49 .
(131) COSTA E SILVA, Cândido, op . cit. , p . 43 .
(132) ANNALES DE LA CONGREGATION, t. XL, 1875, p . 622-633. (133) ANDRADE, Manuel Correia de, op . cit., p . 180 .
(134) Arquivo do IAGPe, ih. fl . 6 .
(135)LEITURAS RELIGIOSAS. Bahia, ano VII , n . 2, 7.7 . 1895, p . 14-19 .
92 Revista de C. Soclals, Fortaleza, v. 16117 N.0 1/2, 1985/1986
L
A INQUISIÇÃO NO CEARA
Luiz Mott
Salvo erro, a única r-eferência histórica à ação do Santo
Ofício no Ceará se deve ao Barão de Studart. ao mencionar que no Auto de Fé realizado em Lisboa em 1761, dois mora-dores desta Capitania foram condenados ao degredo pelo crime de "bigamia", isto é, casar-se uma segunda vez estan-do viva a legítima esposa. Os condenaestan-dos foram Antonio Cor-reia de Araújo, 52 anos, morador na vila do lcó, e Antonio Mendes da Cunha, 40 anos, pedreiro, res.idente em
Quixera-mobim (1).
Após prolongadas pesquis·as na Torre do Tombo, locali-zamos mais sete episódios entre 1746-1778 comprovando que a Inquisição esteve bastante informada sobre os "d.es.vios" na fé e na moral dos moradores. do Ceará. Divulgando tais docu-mentos inéditos nossa intenção é tornar conhecida a ação re-pressora da Igreja Católica nestes sertões, estimulando outros pesquisadores a vasculh arem o referido arquivo lisboeta pois certamente devem existir mais documentos relativos a esta região.
Fundado em 1536, o Tribunal da Santa Inquisição imperou soberano durante todo nosso período colonial, sendo extinto somente em 1821. O último inquisidor, para nosso d-esdouro, foi um nordestino: o bispo pernambucano Azeredo Coutinho, fundador do Seminário de Olinda. Tendo como finalidade
man-ter os cristãos obedientes
à
ortodoxia e sujeitosà
hi.erarqui•aclerical, a Inquisição perseguiu sobretudo os seguintes "cri-mes": contra a fé (heresia, judaísmo, maometanismo, feitiça-ria, práticas religiosas proibidas) e contra a moral (big amia, homossexualidade, bestialismo, solicitação) . Mais de 40 mil
pessoas do Reino e do Brasil foram presas, processadas, açoi-tadas, tiveram seus bens confiscados, sendo que quase 2 mil morreram na fogueira em decorrência de serem culpados de algumas daquelas faltas: ser.em judeus, homossexu ais, feiticei-ros etc. Embora concentrando sua ação sobretudo nas prin-cipais Capitanias e povoações mais ricas, o Santo Ofício pos-suía centenas e centenas de espiões distribuídos por toda a
Colônia - melhor dizendo, por todo o Império português, de
Traz-os-Montes ao Algarve, da Guiné à Goa na fndia, d.e Belém
do Pará ao extremo sul do Brasil. Pernambuco, capitania à qual
o Ceará esteve politicamente ligado até 1799, era também sede
ela espionag.em inquisitorial para esta parte do Nordeste, es-tendendo seus tentáculos até a Serra da lbiapaba na
frontei-ra setentrional do Ceará com o Piauí - .este último policiado
pelos comissários e familiares do Santo Ofício do Maranhão
e Grão-Pará . Somente entr.e 1747-1780, período de que ora
nos ocupamos, receberam suas cartas de Familiares e
Comis-sários, em Olinda-Recife, 127 "homens bons" - fora os que,
mais endinheirados, viajaram para Lisboa a fim de solene-mente serem investidos de tão cobiçada comenda: como sen-tinelas avançadas da Inquisição por todo território nordestino, tais espiões tinham como obrigação .enviar regularmente in-formações detalhadas sobre os maus costumes, blasfêmias
e
imoralidades de todos os "desviantes". Até agora só temosnoHcia de um funcionário da Inquisição residente no Ceará: o Padre Antonio Lopes Macedo, morador em São José dos
Cariris, que em 1789 recebeu sua patente de Comissário do
Snnto Ofício após haver comprovado não ter em seus ascen-dentes nenhuma "mistura de sangue impuro de judeu, mouro,
negro ou mulato" r2). Um levantamento mais sistemático na
Torre do Tombo certamente redundará na localização de ou-tros funcionários inquisitoriais.
Onde ョ セッ@ h: via tais espiões confirmados, os padres. das
freguesias, ュゥセウ ゥgイN £Nイゥッウ@ ambulantes e sobretudo os
Visitado-res enviados pelo 8 ispo de Olinda encarreg avam-se de des-pachar para Lisboa c:> nomes e crimes dos faltosos em
maté-ria de fé e de mor;::!. 83 consultarmos a cronologia do Ceará
arrolada pelo Barão de Studart, notaremos que não se passa-vam dois anos em que um Visitador percorresse uma ou mais freguesias cearenses, devassando os culpados, penitenciando os pecados mais leves e envi an do para a Mesa l'lqu isitorial os sumários dos "crimes do conhecimento do Santo Ofício". De-pendendo da gravidade do delito, o Conselho Geral
determi-94 Revista de C. Sociais, Fortaleza, \". 16117 N.0 1/2, 1985/1986
BH/U
nava ou não a prisão do denunciado. Das 7 denúncias vindas do Ceará, apenas um bígamo foi remetido para os cárceres secretos da "Casa do Rocio", a terrível casa do Tribunal In-quisitorial, situada em pleno coração de Lisboa. Às demais culpas não foram consideradas suficientemente graves para merecer os gastos de um processo, que implicavam em trans-porte marítimo para o -Reino, alimentação e agasalho do in-feliz faltoso.
As três primeiras denúncias referem-se ao "abominável pecado de sodomia", isto é, a homossexualidade. Herdeira da moralidade sexofóbica do judaísmo, a Igreja Católica opôs-se ten zzment.e a todas expressões de sexualidade não reproduti-va, os chamados "pecados contra a natureza", prendendo e queimando centen2.s de homens de todas as idades e diferen-tes condiçõs sociais e étnicas praticandiferen-tes do hemo-erotismo.
Foi em 25 de maio de 1746 qu.e Frei Miguel da Vitória,
ao missionar na Serra da lbiapaba, território das missões je-suíticas, recebeu a delação, da parte de João Reis de Maga-lhães, de que um tal de Manuel Lopes, branco, casado, come-tera o "abominável pecado nefando" com um moleque no lu-gar chamado "a Cabouqueira". Alguns índios da Serra confir-mam a denúncia, acrescentando que também com outros mo-leaues o delatado era infamado de ter mantido relações proi-bidas. Um dos rapazes, Leandro, descreve o sucedido: diz que Manuel Lopes "o chamara para parte esquisita e lhe pu-sera um vintém de cobre na mão, dizendo qu.e queria ser seu camar2da, desatando-lhe as ceroulas". Não aceitando a inti-midade, Leandro diz ter dado alguns empurrões no sodomita, e para sua sorte, neste exato momento chegaram alguns ín-dios no local. D·eve ter havido altercação, tanto que diz o do-cumento: "para não o matarem, Manuel Lopes desculpou-se d:zendo que .estavam convolando para ir chamar uma mu-lher ... " lndag:!do pelo Missionário, declarou que seu
con-tacto com os rapazes "não foi para ato suldumítico" (sic):
como a Inquisição só considerava crime perfeito de sodomia quando havia "penetração do membro viril desonesto no vaso traseiro com derramação de sement.e", todos os outros jogos eróticos, embora constituíssem pecado mortal, não eram "crime". Quer dizer, a Inquisição perseguia sobretudo a có-pula anal, seja homo seja heterossexual, fazendo olho grosso das práticas hemo-eróticas entre varões. ou viragos, práticas qu.e eram rotuladas pelos tratados de moral como "molice".
A partir de 1646 o lesbianismo deixou de ser considerado
cri-Revista de C. Sociais, Fortaleza, v. 16117 N.o 1/2, 1985/1986 95
pessoas do Reino e do Brasil foram presas, processadas, açoi-tadas, tiveram seus bens confiscados, sendo que quase 2 mil
morreram na fogueira em decorrência de serem culpados de algumas daquelas faltas: ser-em judeus, homossexu ais, feiticei-ros etc. Embora concentrando sua ação sobretudo nas prin-cipais Capitanias e povoações mais ricas, o Santo Ofício pos-suía centenas e centenas de espiões distribuídos por toda a
Colônia - melhor dizendo, por todo o Império português, de
Traz-os-Montes ao Algarve, da Guiné à Goa na fndia, d.e Belém
do Pará ao extremo sul do Brasil. Pernambuco, capitania à アオZセャ@
o Ceará esteve politicamente ligado até 1799, era também sede
Cia espionag-em inquisitorial para esta parte do Nordeste,
es-tendendo seus tentáculos até a Serra da ャ「ゥ。ー。「Zセ@ na
frontei-ra setentrional do Ceará com o Piauí - .este último policiado
pelos comissários e familiares do Santo Ofício do Maranhão
e Grão-Pará . Somente entr-e 1747-1780, período de que ora
nos ocupamos, receberam suas cartas de Familiares e
Comis-sários, em Olinda-Recife, 127 "homens bons" - fora os que,
mais endinheirados, viajaram para Lisboa a fim de solene-mente serem investidos d·e tão cobiçada comenda: como sen-tinelas avançadas da Inquisição por todo território nordestino, tais espiões tinham como obrigação .enviar regularmente in-fcrmações detalhadas sobre os maus costumes, blasfêmias
e
imoralidades de todos os "desviant-es". Até agora só temosnotícia de um funcionário da Inquisição residente no Ceará: o Padre Antonio Lopes Macedo, morador em São José dos
Cariris, que em 1789 recebeu sua patente de Comissário do
Snnto Ofício após haver comprovado não t-er em seus ascen-dentes nenhuma "mistura de sangue impuro de judeu, mouro,
negro ou mulato" f2). Um levantamento mais sistemático na
Torre do Tombo certamente redundará na localização de ou-tros func ionários inquisitoriais.
Onde ョ セッ@ h.:via tais espiõ-es confirmados, os padres. das
freguesias, ュゥ セ ウ ゥg イN£Nイゥッウ@ ambulantes e sobretudo os
Visitado-res enviados pelo 8ispo d-e Olinda encarreg avam-s.e de
des-pachar para Lisboa
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nomes e crimes dos faltosos emmaté-ria de fé e de mor;::l. 83 consultarmos a cronologia do Ceará
arrolada pelo Barão de Studart, notaremos que não se passa-vam dois anos em que um Visitador percorresse uma ou mais freguesias cearenses, devassando os culpados, penitenciando os pecados mais leves e envi an do para a Mesa l'lquisitorial os sumários dos "crimes do conhecimento do Santo Ofício". De-pendendo da gravidade do delito, o Conselho Geral
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nava ou não a prisão do denunciado. Das 7 denúncias vindas do Ceará, apenas um bígamo foi remetido para os cárceres secretos da "Casa do Rocio", a terrível casa do Tribunal In-quisitorial, situada em pleno coração de Lisboa. As demais culpas não foram consideradas suficientemente graves para merecer os gastos de um processo, que implicavam em trans-porte marítimo para o >Reino, alimentação e agasalho do in-feliz faltoso.
As três primeiras denúncias referem-se ao "abominável pecado de sodomia", isto é, a homossexualidade. Herdeira da moralidade sexofóbica do judaísmo, a Igreja Católica opôs-se ten 2.zment-e a todas expressões de sexualidade não reproduti-va, os chamados "pecados contra a natureza", prendendo e queimando centenas de homens de todas as idades e diferen-tes condiçõs sociais e étnicas praticandiferen-tes do homo-erotismo.
Foi em 25 de maio de 1746 qu.e Frei Miguel da Vitória,
ao missionar na Serra da lbiapaba, território das missões je-suíticas, recebeu a delação, da parte de João Reis de Maga-lhães, de que um tal de Manuel Lopes, branco, casado, come-tera o "abominável pecado nefando" com um moleque no lu-gar chamado "a Cabouqueira". Alguns índios da Serra confir-mam a denúncia, acrescentando que também com outros mo-leaues o delatado era infamado de ter mantido relações proi-bidas. Um dos rapazes, Leandro, descreve o sucedido: diz que Manuel Lopes "o chamara para parte esquisita e lhe pu-sera um vintém de cobre na mão, dizendo qu.e queria s.er seu camarc:da, desatando-lhe as ceroulas". Não aceitando a inti-midade, Leandro diz ter dado alguns empurrões no sodomita, e para sua sorte, neste exato momento chegaram alguns ín-dios no local. D-eve ter havido altercação, tanto que diz o do-cumento: "para não o matarem, Manuel Lopes desculpou-se d:zendo que -estavam convolando para ir chamar uma
mu-lher ... "
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pelo Missionário, declarou que seucon-tacto com os rapazes "não foi para ato suldumítico" (sic):
como a Inquisição só considerava crime perfeito de sodomia quando havia "penetração do membro viril desonesto no vaso traseiro com derramação de sement-e", todos os outros jogos eróticos, embora constituíssem pecado mortal, não eram "crime". Quer dizer, a Inquisição perseguia sobretudo a có-pula anal, seja homo seja heterossexual, fazendo olho grosso das práticas homo-eróticas entre varões. ou viragos, práticas qu-e eram rotuladas pelos tratados de moral como "molice".
A partir de 1646 o lesbianismo deixou de ser considerado
cri-Revista de C. Sociais, Fortaleza, v. 16117 N.0 112, 1985/1986 95
me pelo Santo Ofício, sendo excluído da categoria de
"so-domia". (3).
Duas outras denúncias de homossexualidade ocorreram na Paróquia de Nos.sa Senhora da Conceição, Ceará Grande, Ribeira do Acaraú, no ano de 1749. Novamente o envolvido é o mesmo Manuel Lopes, agora trabalh ando na fazenda do Ca-pitão-Mór, no lugar chamado Eibiri-Açu. Aí diz.em te-lo fla-grado cometendo o pecado de sodomia com um negro atrás de um curral, tendo fama de ser acostumado nest.e "vício". Apesar de serem duas as denúncias, o Santo Ofício não deu maior atenção ao caso, pois via de regra só mand 3.va prender os susp.eitos quando havia muitas provas de atos sodomíticos consumados, geralmente com depoimentos dos próprios cúm-plices, caso contrário, arquivava-se a denúncia na espera de maiores escândalos. Caso não chegassem mais. provas. o fogo do inferno ou do purgatório se encarreqaria de queimar a concupiscência pecaminosa dos "somítigos" e "fanchonos"
- nomes como os gays eram chamados pelo Brasil afora
nos tempos de nossos antepassados. Nas visões qu.e teve a Venerável Madre Ana de Santo Agostinho (Século XVII), reli-giosa carmelita descalça, disse ter visto "os condenados do pecado nefando sofrendo no inferno com tormentos espanto-sos: um dos quais era ajuntarem-se com os demônios e com
as feras mais horríveis .. . " (4) . As "Constituições. Primeiras
do Arcebispo da Bahia" (1707) emitem outra opinião: dizem que a sodomia é um pecado tão abominável e terrível, que até o demônio foge dele. Tudo faz crer qu.e os lnquisidores acreditavam mais no diabo do que nas Constituições, tanto
que 、ゥカ・セウッウ@ processos na Torre do Tombo relatam .episódios
onde feiticeiros, tanto de Portugal quanto do Brasil, mantive-ram cópula sodomítica com o Rabudo, quer como súcubo,
;quer como incubo (5). Acredite quem quiser!
No mesmo ano acima citado, aos 23 de junho de 1749, outra denúncia é f.eita, esta agora pelo Comissário Padre Fran-cisco Ferreira da Ponte e Silva, provavelmente residente em Pernambuco. O réu é o pr.eto Luis Frasão, escravo da Fazenda dos Araticuns, Ribeira do Acaraú . Este caso seria hoje rotu-lado de "pedofilia", isto é, cópula inter-geracional: segundo era fama pública, o negro forçara para ato sodomítico ao filho de Domingos de Sousa, um rapagote, "deixando-o mal.
tratado e todo ensanguentado". A mãe da vítima fez queixa à
dona do escravo, que de castigo, prendeu-o no tronco enquan-to esperava a volta de seu marido ausente, o qual logo que
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Revista de C. Sociais, Fortaleza, v. 16117 N.0 1/2, 1985/1986
\-chegou, tratou de vender o escravo sodomita, temendo per-dê-lo, seja vingado pelos parentes do coitadinho, seja
se-qüestrado pelo Santo Ofício - aliás, como sucedera poucos
anos antes com o ·escravo Luis da Costa da Mina, que ficou , preso em custódia na cade ia do Recife por ter mantido có-pula sodomítica e molices com seu senhor, Manuel Alvares,
no Sertão do Podi. (6)
A mãe do " paciente" - termo utilizado pelos
inquisido-res para refe rir-se ao receptor - fornece alguns detalhes:
que o rapaz chegou a lutar com o preto para se defender e que ficou " todo fendo a roda", só podendo deitar-se de bar-riga, tamanho o estrago. ("Rod a", segundo o pernambucano
Mário Souto Maior, autor do Dicionário do Palavrão, no
Nor-deste é sinônimo de "ânus" - portanto, uma gíria corrente
quando menos des.de o século XVIII). Como atenuante da vio-lência sexual, há o registro de um gesto amigável do escravo
Frasão: trouxe o rapaz a cavalo para sua casa (7).
Nestes três episódios envolvendo relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo, aparecem alguns detalhes que me. receriam nosso comentário: o homem mais infamado de sodo-mia no Ceará-Colonial o tal Manuel Lopes, era casado, assim como casados foram centenas de sodomitas processados pelo Santo Ofício, entre eles, o 89 Governador Geral do Brasil, Diogo Botelho (1602-1607), responsável inclusive pelo incre-mento do povoaincre-mento e colonização do Ceará, homem valente, casado e prolíf.ero, cuja masculinidade estava acima de qual-quer suspeita, não obstante ter sido denunciado por um seu cúmpl ice como sendo um dos sodomitas mais devassos de nossa história. Numa sociedade onde a rígida divisão sexual do trabalho tornava a vida de um celibatário extremamente difícil e lacunosa, todos deviam se casar, mesmo os aman. tes do "amor que não ous3. dizer o nome", expressão eufê-mica qunhada por Oscar Wilde, ele próprio outro exemplo de homossexual que se casou. Outra observação digna de
re-paro é quanto à prática do hemo-erotismo pelos
"não-bran-cos": dispomos de inúmeras evidências antropológicas e his-tóricas comprovando que a homossexualidade esteve presen-te em todos os continenpresen-tes e etnias, inclusive entre nossos
amerínd ios e negros trazidos d'Africa. (8) Chamar a
homosse-xualidade de "coisa de branco" ou de "vício aristocrático" ou ainda de "símbolo da decadência burguesa" é um erro histó-rico que reflete etnocentrismo e "homofobia" (preconceito anti-gay). Encontramos na papelada inquisitorial inúmeros
so-Revista de C. Sociais, Fortaleza, v. 16117 N.0 112, 1985/1986
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me pelo Santo Ofício, sendo excluído da categoria de "
so-domia" . (3) .
Duas outras denúncias de homossexualidade ocorreram na Paróquia de Nos.sa Senhora da Conceição , Ceará Grande, Ribeira do Acaraú, no ano de 1749. Novamente o envolvido é o mesmo Manuel Lopes, agora trabalh ando na fazenda do Ca-pitão-Mór, no lugar chamado Eibiri-Açu. Aí diz.em te-lo fla-grado cometendo o pecado de sodomia com um negro atrás de um curral, tendo fama de ser acostumado nest.e " vício". Apesar de serem duas as denúncias, o Santo Ofício não deu maior atenção ao caso, pois via de regra só mand 3.va prender os susp.eitos quando havia muitas provas de atos sodomíticos consumados, geralmente com depoimentos dos próprios cúm-plices, caso contrário, arquivava-se a denúncia na espera de maiores escândalos. Caso não chegassem mais. provas. o fogo do inferno ou do purgatório se encarreqaria de queimar a concupiscência pecaminosa dos "somítigos" e "fanchonos"
- nomes como os gays eram chamados p-elo Brasil afora
nos tempos de nossos antepassados. Nas visões qu.e teve a Venerável Madre Ana de Santo Agostinho (Século XVII), reli-giosa carmelita descalça, disse ter visto "os condenados do pecado nefando sofrendo no inferno com tormentos espanto-sos: um dos quais era ajuntarem-se com os demônios e com
as feras mais horríveis .. . " (4). As "Constituições. Primeiras
do Arcebispo da Bahia" (1707) emitem outra opinião: dizem que a sodomia é um pecado tão abominável e terrível, que até o demônio foge dele. Tudo faz crer qu.e os lnquisidores acreditavam mais no diabo do que nas Constituições, tanto que diversos processos na Torre do Tombo relatam .episódios ond-e feiticeiros, tanto de Portugal quanto do Brasil,
mantive-ram cópula sodomítica com o Rabudo, quer como súcubo,
;quer como íncubo (5). Acredite quem quiser!
No mesmo ano acima citado, aos 23 de junho de 1749, outra denúncia é f-eita, esta agora pelo Comissário Padre Fran-cisco Ferreira da Ponte e Silva, provavelmente residente em Pernambuco. O réu é o pr.eto Luis Frasão, escravo da Fazenda dos Araticuns, Ribeira do Acaraú . Este caso seria hoje rotu-lado de "pedofilia", isto é, cópula inter-geracional: segundo era fama pública, o negro forçara para ato sodomítico ao filho de Domingos de Sousa, um rapagote , "deixando-o mal.
tratado e todo ensanguentado". A mãe da vítima fez queixa à
dona do escravo, que de castigo, prendeu-o no tronco enquan-to esperava a volta de seu marido ausente, o qual logo que
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chegou, tratou de vender o escravo sodomita, temendo per-dê-lo, seja vingado pelos parentes do coitadinho, seja
se-qüestrado pelo Santo Ofício - aliás, como sucedera poucos
anos antes com o ·escravo Luis da Costa da Mina, que ficou , preso em custódia na cade ia do Recife por ter mantido có-pula sodomítica e molices com seu senhor, Manuel Alvares,
no Sertão do Podi. (6)
A mãe do " paciente" - termo utilizado pelos
inquisido-res para referir-se ao receptor - fornece alguns detalhes:
que o rapaz chegou a lutar com o preto para se defender e que ficou " todo fendo a roda" , só podendo deitar-se de bar-riga, tamanho o estrago. ("Rod a", segundo o pernambucano
Mário Souto Maior, autor do Dicionário do Palavrão, no
Nor-deste é sinônimo de "ânus" - portanto, uma gíria corrente
quando menos desde o século XVIII). Como atenuante da vio-lência sexual, há o registro de um gesto amigável do escravo
Frasão: trouxe o rapaz a cavalo para sua casa (7).
Nestes três episódios envolvendo relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo, aparecem alguns detalhes que me-receriam nosso comentário: o homem mais infamado de sodo-mia no Ceará-Colonial o tal Manuel Lopes, era casado, assim como casados foram centenas de sodomitas processados pelo Santo Ofício, entre eles, o 89 Governador Geral do Brasil, Diogo Botelho (1602-1607), responsável inclusive pelo incre-mento do povoaincre-mento e colonização do Ceará, homem valente, casado e prolífero, cuja masculinidade estava acima de qual-quer suspeita, não obstante ter sido denunciado por um seu cúmplice como sendo um dos sodomitas mais devassos de nossa história. Numa sociedade onde a rígida divisão sexual do trabalho tornava a vida de um celibatário extremamente difícil e lacunosa, todos deviam se casar, mesmo os aman. tes do "amor que não ous3. dizer o nome", expressão eufê-mica qunhada por Oscar Wilde, ele próprio outro exemplo de homossexual que se casou. Outra observação digna de
re-paro é quanto à prática do homo-erotismo pelos
"não-bran-cos": dispomos de inúmeras evidências antropológicas e his-tóricas comprovando que a homossexualidade esteve presen-te em todos os continenpresen-tes e etnias, inclusive entre nossos
amerínd ios e negros trazidos d'Africa. (8) Chamar a
homosse-xualidade de "coisa de branco" ou de "vício aristocrático" ou ainda de "símbolo da decadência burguesa" é um erro histó-rico que reflete etnocentrismo e "homofobia" (preconceito anti-gay). Encontramos na papelada inquisitorial inúmeros
so-Revista de C. Sociais, Fortaleza, v. 16117 N.0 1/2, 1985/ 1986 97
demitas escravos, nobres, vaqueiros, índios, governadores, ma-rinheiros, soldados, até funcionários da Inquisição predomi-nando, contudo, os eclesiásticos. Não é sem razão que du-rante a Idade Média ao pecado nefando era chamado popular-mente de "vício dos clérigos". Voltemos ao Ceará.
Duas outras denúncias referem-se a outro tipo de com-portamento considerado imoral pela lnquis.ição: dois sacerdo-tes do Ceará são acusados de "solicitação", isto é, aprovei-tando-se da intimidade do confessionário, solicitaram suas penitentes a atos sexuais. Considerando que na sociedade colonial as mulheres viviam confinadas ao recesso do lar, so-mente dirigindo a palavra a outras mulheres ou aos homens
de sua família - ao pai, irmãos e mais tarde, ao marido
-era no confessionário onde muitas e muitas de nossas donze-las tiveram a oportunid :>de única de falar e manter um
con-tacto "tête-a-tête" e "vis-a-vis" com um homem estranho à
sua parentela: a grade do confessionário era o único obstáculo
às duas almas cuja sexualidade era zelosamente vigiada pela sociedade. Do lado do sacerdote idem, pois sendo obrigado a vestir sempre a batina e trazer a tonsura ("coroinha") na ca-beça, seu ir e vir era constantemente observado e qualquer freqüência repetida em casa de viúvas, mulheres cujos mari-dos estavam ausentes ou em casebres de mulheres-da-vida, logo era motivo de falação e perigosos cas.tigos quando das visitações dos enviados do Bispo. O Santo Ofício chamou a si o castigo dos presbíteros que solicitassem no ato da con-fissão, seja antes, durante ou depois do sacramento da peni-tência, considerando muito grave tal indisciplina pois amea-çava a confiabilidade de um sacramento que a duras penas a cristandade aceitou, e cuja finalidade é exatamente lavar a alma dos pecados, e não fornecer ocasião para o represen-tante de Cristo levar as ovelhas para o abismo.
Nos "Cadernos dos Solicitantes" da Torre do Tombo e da Biblioteca Nacional de Lisboa há várias centenas de no:.. mes de sacerdotes envolvidos com imoralidades no
Confessio-nário: à folha 356 encontramos a denúncia contra o Padre
Antônio José de Miranda Henriques, da freguesia de Aracatr, "a maior vila e mais populosa, comerciante e florescente elo Ceará, situada a 8 milhas acima da embocadura do rio
Ja-guaribe." (9) Este padre, que em 1752 era Coadjutor na Matriz
de Fortaleza (10), é acusado de ter solicitado à Tomásia
Fran-cisca, escrava, solteira, mandando-lhe um recado através de seu irmão. Revoltada e ultrajada, Tomásia foi à Igreja onde em
98 Revista de C. Sociais, Fortaleza, v. 16117 N.0 1/2, 1985/1986
altas vozes "esculhambou" 0 sacerdote, dando publicidade ao
seu indecoroso convite. Negando autoria da solicitação, o Confessor retrucou chamando a escrava de atrevida, repre-endendo-a pela falta de respeito. Onde já se viu, uma negra escrava colocar em dúvida a autoridade sacrossanta de um sacerdote ! Tamanha ousadia tinha razão de ser, pois a negra não seria tão insensata para enfrentar uma autoridade ecle-siástica levianamente. O leviano era mesmo o Padre Henri-ques, tanto que num outro Caderno dos Solicitantes (N9
1221) localizamos uma confissão do referido sacerdote,
data-da de 20 de agosto de 1762, portanto dois anos após o
epi-sódio com Tomás.ia, onde o mesmo declara que no Sertão do
Acaracu, entre 1759-1760, "por tentação do Demônio, disse à
parda Antonia Bezerra, in loco confessionis, que me quizesse
bem". (Tal era a fórmula nos tempos coloniais, de iniciar-se uma "paquera" ou "amizade ilícita"). Confessou mais: que repetiu o mesmo convite amoroso para outras duas
confes-sandas, a uma outra parda cujo nome ignorava e "à preta
Tomásia" . Diz mais o ap.:lixonado sacerdote que estando a
260 léguas distante de Olinda, não havia nenhum Comissário
próximo a quem confessasse suas. faltas, e, talvez conhece-dor que já tinha seu nome delatado na Inquisição, resolveu confessar para assim demonstrar suas boas intenções. Os. lnquisidores tratavam com maior indulgência os que se acu-savam espontaneamente, mesmo depois de denunciados. Con-clui sua carta ':prometendo emenda e não confessar mais
mu-lheres valente Deo", isto é, se Deus ajudar. Após ter
decla-rado tão virtuosas intenções, lembrou-se de mais um
peca-dilho que escreve no pé da página: "solicitei também
Lucia-ninha, que vive fora de seu marido ... "
No mesmo ano da confissão deste fogoso vigário da Fre-guesia de N. Senhora da Conceição da Amontada do Acaracu, outro presbítero, Pe. Bernardo Luis da Cunha tem seu nome
in-cluído no lascivo Caderno dos Solicitantes (N9 1221). Era
vi-gário na "Freguesia do Cariri de Fora, Ceará, Ribeira do
Ca-pibaribe" (sic). Seu pecado: "tratos ilícitos e tocamentos com
os pés em Maria Monteira, escrava do Tenente João
Fernan-des, mês de abril de 1782". Neste mesmo ano, fez visita
pas-toral à freguesia de Russas o Pe. Dr. Veríssimo Rodrigues
Ran-gel, segundo informação do B. de Studart (p. 301). Consultamos
o Dicionário Morais - cujo Autor era residente na freguesia
de Moribeca, em Pernambuco, e também ele teve sérios
pro-blemas com a Inquisição, acusado d-e ateu e libertino - para
,.--demitas escravos, nobres, vaqueiros, índios, governadores, ma-rinheiros, soldados, até funcionários da Inquisição predomi-nando, contudo, os eclesiásticos. Não é sem razão que du-rante a Idade Média ao pecado nefando era chamado popular-mente de "vício dos clérigos". Voltemos ao Ceará.
Duas outras denúncias referem-se a outro tipo de com-portamento considerado imoral pela lnquis.ição: dois sacerdo-tes do Ceará são acusados de "solicitação", isto é, aprovei-tando-se da intimidade do confessionário, solicitaram suas penitentes a atos sexuais. Considerando que na sociedade colonial as mulheres viviam confinadas ao recesso do lar, so-mente dirigindo a palavra a outras mulheres ou aos homens
de sua família - ao pai, irmãos e mais tarde, ao marido
-era no confessionário onde muitas e muitas de nossas donze-las tiveram a oportunid ade única de falar e manter um
con-tacto "tête-a-tête" e "vis-a-vis" com um homem estranho à
sua parentela: a grade do confessionário era o único obstáculo às duas almas cuja sexualidade era zelosamente vigiada pela sociedade. Do lado do sacerdote idem, pois sendo obrigado a vestir sempre a batina e trazer a tonsura ("coroinha") na ca-beça, seu ir e vir era constantemente observado e qualquer freqüência repetida em casa de viúvas, mulheres cujos mari-dos estavam ausentes ou em casebres de mulheres-da-vida, Jogo era motivo de falação e perigosos cas.tigos quando das visitações dos enviados do Bispo. O Santo Ofício chamou a si o castigo dos pr-esbíteros que solicitassem no ato da con-fissão, s.eja antes, durante ou depois do sacramento da peni-tência, considerando muito grave tal indisciplina pois amea-çava a confiabilidade de um sacramento que a duras penas a cristandade aceitou, e cuja finalidade é exatamente lavar a alma dos pecados, e não fornecer ocasião para o represen-tante de Cristo levar as ovelhas para o abismo.
Nos. "Cadernos dos Solicitantes" da Torre do Tombo e da Biblioteca Nacional de Lisboa há várias centenas de no:.. mes de sacerdotes envolvidos com imoralidades no
Confessio-nário: à folha 356 encontramos a denúncia contra o Padre
Antônio José de Miranda Henriques, da freguesia de Aracati, "a maior vila e mais populosa, comerciante e florescente elo Ceará, situada a 8 milhas. acima da embocadura do rio
Ja-guaribe." (9) Este padre, que em 1752 era Coadjutor na Matriz
de Fortaleza (lQ), é acusado de ter solicitado à Tomásia
Fran-cisca, escrava, solteira, mandando-lhe um recado através de
seu irmão. Revoltada e ultrajada, Tomásia foi à Igreja ond.e em
98 Revista de C. Sociais, Fortaleza, v. 16117 N.0 1/2, 1985/1986
altas vozes "esculhambou" 0 sacerdote, dando publicidade ao
seu indecoroso convite. Negando autoria da solicitação, o Confessor retrucou chamando a escrava de atrevida, repre-endendo-a pela falta de respeito. Onde já se viu, uma negra escrava colocar em dúvida a autoridade sacrossanta de um sacerdote! Tam anha ousadia tinha razão de ser, pois a negra não seria tão insens.ata para enfrentar uma autoridade ecle-siástica levianamente. O leviano era mesmo o Padre Henri-ques, tanto que num outro Caderno dos Solicitantes (N9
1221) localizamos uma confissão do referido sacerdote,
data-da de 20 de agosto de 1762, portanto dois anos após o
epi-sódio com Tomásia, onde o mesmo declara que no Sertão do
Acaracu, entre 1759-1760, "por tentação do Demônio, disse à
parda Antonia Bezerra, in loco confessionis, que me quizesse
bem". (Tal era a fórmula nos tempos coloniais, de iniciar-se uma "paquera" ou "amizade ilícita"). Confessou mais: que repetiu o mesmo convite amoroso para outras. duas
confes-sandas, a uma outra parda cujo nome ignorava e
"à
pretaTomásia" . Diz mais o apaixonado sacerdote que estando a
260 léguas distante de Olinda, não havia nenhum Comissário
próximo a quem confessasse suas faltas, e, talvez conhece-dor que já tinha seu nome delatado na Inquisição, resolveu confessar para assim demonstrar suas boas intenções. Os. lnquisidores tratavam com maior indulgência os que se acu-savam espontaneamente, mesmo depois de denunciados. Con-clui sua carta ':prometendo emenda e não confessar mais
mu-lheres valente Deo", isto é, se Deus ajudar. Após ter
decla-rado tão virtuosas intenções, lembrou-se de mais um peca-dilho que escreve no pé da página: "solicitei também Lucia-ninha, que vive fora de seu marido ... "
No mesmo ano da confissão deste fogoso vigário da Fre-guesia de N. Senhora da Conceição da Amontada do Acaracu, outro presbítero, Pe. Bernardo Luis da Cunha tem seu nome
in-cluído no lascivo Caderno dos Solicitantes (N9 1221). Era
vi-gário na "Freguesia do Cariri de Fora, Ceará, Ribeira do
Ca-pibaribe" (sic). Seu pecado: "tratos ilícitos e tocamentos com
os pés em Maria Monteira, escrava do Tenente João
Fernan-des, mês de abril de 1762". Neste mesmo ano, fez visita
pas-toral à freguesia de Russas o Pe. Dr. Veríssimo Rodrigues
Ran-ge!, segundo informação do B. de Studart (p. 301). Consultamos
o Dicionário Morais - cujo Autor era residente na freguesia
de Moribeca, em Pernambuco, e também ele teve sérios
pro-blemas com a lnquisiç,ão, acusado de ateu e libertino - para
saber o que significava na época " tratos ilícitos" : Tratos tem como sinônimos, "pegar, manusear, trazer entre as mãos, ter intimidad-e, conversação carnal". Como foram esses " tra-tos ilícitra-tos", a documentação não esclarece. Na vizinha fre-guesia do Assu, no 'Rio Grande do Norte, alguns anos antes, o carmelita Frei Inácio de Jesus acusou-se de que "teve uma pulsão nas mãos de Isabel Pereira, mulher casada" (fi. 165). Se um frade, que tinha o voto de castidade, .era culpado de tamanha · impudicícia, do que não seria capaz um sacerdote secular para quem o celibato era apenas uma imposição dis-ciplinar e não uma opção espiritual? Centenas de sacerdotes acusaram-se ou foram denunciados de terem mantido cópula com suas penitentes nos lugares mais insólitos: dentro do con-fessionário, atrás dos altares, na sacristia etc. Apes:tr das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia castigarem severamente os padres amancebados, assim como a suas con-cubinas, e a crendice popular defender que mulher de padre vira "mula-sem-cabeça", nossa história eclesiástica .está re-pleta de padres que seguiram à risca a ordem divina do "cres-cei e multiplicai-vos", sendo alguns deles filhos e pais ou avós de outros sacerdotes.
O penúltimo episódio cearense que encontramos na Torre
do Tombo leva-nos igualmente à capitania vizinha dos Reis
Magos: em 1765, na freguesia de N. Senhora do Carmo dos
lnhamuns, na Ribeira de Quixaboa (sic), foi denunciado o
pardo Fu!gêncio Francisco da Palma, casado com uma mame-luca, por trazer uma partícula consagrada numa bolsinha dependurada no pescoço. Várias dezenas de brasileiros, so-bretudo das camadas mais baixas da sociedade colonial, fo-ram castigados por esta devoção que os lnquisidores consi-deravam susp-eita e supersticiosa. Somente os sacerdotes podiam tocar no Santíssimo Sacramento: quem pegasse numa hóstia consagrada ou a trouxesse dentro de um '"patuá" ou "bolsa de mandinga" .era culpado de grave sacrilégio. Tanto que a própria mulher do denunciado se opusera a que o mes-mo carregasse a bolsinha no braço, comes-mo costumavam faz-er os africanos e seus descendentes com amuletos e talismãs, seja de orígem fetichista, seja islâmica. A razão alegada por Fulgêncio para trazer a bolsa com a hóstia foi: "ele se diz forrado para não entrar xumbo nem ferro" . Jesus sacramenta-do funcionaria como verdadeiro escusacramenta-do contra os ataques sacramenta-dos inimigos . A crença em tais amuletos era generalizada no Brasil antigo: nesta mesma página do Caderno do Promotor
100 Revista de C. Sociais, Fortaleza, v. 16117 N.0 1/2, 1985/1986
(nQ 128), há notícia de que um tal Pedro Alvares Correia " valentão que se gaba de beber xumbo e balas derretidas, traz uma oração qu.e lhe deu o Padre André Sepúlveda, do Apodi, para não morrer de xumbo nem de bala." Esta " oração forte " , provavelmente a chamada "Justo Juiz" ou " São Cipria-no" , custara-lhe 7 bois. A denúncia é do Padr-e José de Frei-tas que completa informando estarem esses sertões infesta-dos de feiticeiros e feiticeiras, que têm com seus malefícios levado à morte muitas pessoas, sobretudo negros e índios, inclusive um seu escravo que ficou doente de feitiço. Pudera: se o mau exemplo das superstições vinha do próprio clero ganancioso, negociando a preços exorbitantes não só indul-gências, relíquias, mas inclusive orações fortes proibidas pelo próprio Santo Ofício, clero também inculpado em graves indisciplinas -em matéria de moral, o que esperar de um re-banho tão amestiçado e heterodoxo, quando os pastores têm tanta culpa no cartório inquisitorial?!
O último episódio referente ao Ceará por nós encontra-do na Torre encontra-do Tombo é o mais grave de toencontra-dos, pois impli-cou na prisão e degredo do culpado. Trata-se de outro caso de bigamia, portanto, acrescido aos outros dois citados sem maiores detalhes pelo Barão de Studart, p-erfaz três proces-sos de bigamia ocorridos nesta região sertaneja.
O réu .era um português - como os dois precedentes de
1761 - natural da Ilha da Madeira, que em momentos de
bo-nança chegou a ser Juiz Ordinário e Juiz dos órfãos no Cea-rá. Seu nome de batismo: José Luiz Pestana. De estudante de Gramática Latina em Funchal tornou-se comerciante no Recife, aí casando-se com Maria Nazaré, da qual teve dois filhos.
Após
to
anos de Brasil, sofreu bancarrota em seus negócios,"falido de bens e fugindo às vexações dos seus credores", es. condeu-se primeiro na Bahia, fixando depois residência no Dis-trito de Sobral do Acaraú, onde passou a apresentar-se com o nome falso de Polinardo Caetano Cesar de Ataíde. No Ceará, estabeleceu-se na fazenda Quitéria, a 18 léguas da vila de Sobral, " a segunda vila da Província em grandeza, comércio e população. No seu distrito está a capela de Santa Quitéria." (Aires de Casal, 1817: 288).
Aí se casou segunda vez com Isabel Pinto, filha do Sar-gento-Mor João Pinto de Mesquita, comprovando ser solteiro mediante juramento falso de dois amigos do Recife. P-elo in-terior do Brasil, a falta de brancos puros, reinóis, fazia com que os recém-chegados tivessem grande facilidade em
saber o que significava na época "tratos ilícitos": Tratos tem como sinônimos, "pegar, manusear, trazer entre as mãos, ter intimidad-e, conversação carnal" . Como foram esses "tra-tos ilíci"tra-tos", a documentação não esclarece. Na vizinha fre-guesia do Assu, no 'Rio Grande do Norte, alguns anos antes, o carmelita Frei Inácio de Jesus acusou-se de que "teve uma pulsão nas mãos de Isabel Pereira, mulher casada" (fi. 165). Se um frade, que tinha o voto de castidade, .era culpado de tamanha · impudicícia, do que não seria capaz um sacerdote secular para quem o celibato era apenas uma imposição dis-ciplinar e não uma opção espiritual? Centenas de sacerdotes acusaram-se ou foram denunciados de terem mantido cópula com suas penitentes nos lugares mais insólitos: dentro do con-fessionário, atrás dos altares, na sacristia etc. Apes:tr das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia castigarem severamente os padres amancebados, assim como a suas con-cubinas, e a crendice popular defender que mulher de padre vira "mula-sem-cabeça", nossa história eclesiástica .está
re-pleta de padres que seguiram à risca a ordem divina do
"cres-cei e multiplicai-vos", sendo alguns deles filhos e pais ou avós de outros sacerdotes.
O penú!timo episódio cearense que encontramos na Torre
do Tombo leva-nos igualmente à capitania vizinha dos Reis
Magos: em 1765, na freguesia de N. Senhora do Carmo dos
lnhamuns, na Ribeira de Quixaboa (sic), foi denunciado o
pardo Fu!gêncio Francisco da Palma, casado com uma mame-luca, por trazer uma partícula consagrada numa bolsinha dependurada no p-escoço . Várias. dezenas de brasileiros, so-bretudo das camadas mais baixas da sociedade colonial, fo-ram castigados por esta devoção que os lnquisidores consi· deravam susp-eita e supersticiosa. Somente os sacerdotes podiam tocar no Santíssimo Sacramento: quem pegasse numa hóstia consagrada ou a trouxesse dentro de um '"patuá" ou "bolsa de mandinga" .era culpado de grave sacrilégio. Tanto que a própria mulher do denunciado se opusera a que o mes-mo carregasse a bolsinha no braço, comes-mo costumavam faz.er os africanos e seus descendentes com amuletos e talismãs, seja de origem fetichista, seja islâmica. A razão alegada por Fulgêncio para trazer a bolsa com a hóstia foi: "ele se diz forrado para não entrar xumbo nem ferro" . Jesus sacramenta-do funcionaria como verdadeiro escusacramenta-do contra os ataques sacramenta-dos inimigos. A crença em tais amuletos era generalizada no Brasil antigo: nesta mesma página do Caderno do Promotor
100 Revista de
c.
Sociais, Fortaleza, v. 16!17 N.0 1/2, 1985/1986(n9 128), há notícia de que um tal Pedro Alvares Correia " valentão que se gaba de beber xumbo e balas derretidas, traz uma oração qu.e lhe deu o Padre André Sepúlveda, do Apodi, para não morrer de xumbo nem de bala." Esta " oração forte" , provavelmente a chamada " Justo Juiz" ou " São Cipria-no" , cus.tara-lhe 7 bois. A denúncia é do Padr.e José de Frei-tas que completa informando estarem esses sertões inf-esta-dos de feiticeiros e feiticeiras, que têm com seus malefícios levado à morte muitas pessoas, sobretudo negros e índios, inclusive um seu .escravo que ficou doente de feitiço. Pudera: se o mau exemplo das superstições vinha do próprio clero ganancioso, negociando a preços exorbitantes não só indul-gências, relíquias, mas inclusive orações fortes proibidas pelo próprio Santo Ofício, clero também inculpado em graves indisciplinas -em matéria de moral, o que esperar de um re-banho tão amestiçado e heterodoxo, quando os pastores têm tanta culpa no cartório inquisitorial?!
O último episódio referente ao Ceará por nós encontra-do na Torre encontra-do Tombo é o mais grave de toencontra-dos, pois impli-cou na prisão e degredo do culpado. Trata-s.e de outro caso de bigamia, portanto, acrescido aos outros dois citados sem maiores detalhes pelo Barão de Studart, p-erfaz três proces-sos de bigamia ocorridos nesta região sertaneja.
O réu .era um português - como os dois precedentes de
1761 - natural da Ilha da Madeira, que em momentos de
bo-nança chegou a ser Juiz Ordinário e Juiz dos órfãos no Cea-rá. Seu nome de batismo: José Luiz Pestana. De estudante de Gramática Latina em Funchal tornou-se comerciante no Recife, aí casando-se com Maria Nazaré, da qual teve dois filhos. Após 1.0 anos de Brasil, sofr.eu bancarrota em seus negócios, "fal ido de bens e fugindo às vexações dos seus credores", es. condeu-se primeiro na Bahia, fixando depois residência no Ois· trito de Sobral do Acaraú, onde passou a apresentar-se com o nome falso de Polinardo Caetano Cesar de Ataíde. No Ceará, estabeleceu-se na fazenda Quitéria, a 18 léguas da vila de Sobral , "a segunda vila da Província em grandeza, comércio e população. No seu distrito está a capela de Santa Quitéria." (Aires de Casal, 1817: 288).
Aí se casou segunda vez com Isabel Pinto, filha do Sar-gento-Mor João Pinto de Mesquita, comprovando ser solteiro mediante juramento falso de dois amigos do Recife. Pelo in-terior do Brasil, a falta de brancos puros, reinóis, fazia com que os recém-chegados tivessem grande facilidade em
trar casamento com as filhas de fazendeiros brancos, que pre-feriam conservá-las solteironas ou enviarem-nas para um mos-teiro, do que ver sua estirpe misturar-se com mestiços. Como demorava às vezes anos chegar o at-estado de batismo do rei-nei comprovando que era solteiro, os sacerdotes aceitavam, mediante o pagamento de polpuda espórtula, que o casamen-to fosse realizado com o juramencasamen-to de test-emunhas, de que conheciam o pretendent.e e atestavam ser solteiro. Tal foi o artifício usado por José Luiz, vulgo Polinardo, para conseguir a mão da filha do Sargento-Mor. Por nove anos viveu na doce tranqüilidade do anonimato, de cujo consórcio teve três filhos, até que um religioso abelhudo, Frei Antonio, do Convento da Boa Vista do Recife, esmolando pelo sertão, espalhou a notícia
comprometedora - Polinardo tinha se casado com falsa
iden-tidade. O boato chega ao Comissário do Santo Ofício do Re-cife que, após conferir o livro de Casamento da Igreja onde se r-ealizou o primeiro sacramento, faz uma secreta consulta ao vigário de Sobral, Padre João Ribeiro Pessoa, que em
1778 lhe confirma ter realizado o matrimôn io de Polinardo há 8 anos passados. E joga mais lenha na fogueira: diz ter re-cebido notícia que no Pajeú, anos antes, o réu tentara casar-se mas ao descobrirem que tinha mulher viva no Recife, teve de fugir para que os parentes da noiva iludida não o matassem. Fazem então a comparação de uma página manuscrita de Po-linardo de Sobral, com uma antiga carta de José Luis do Re-cife, e constata o Comissário-Detetive tratar-se da mesma pes-soa, acrescida a prova pela verificação de que em amb as as partes ele era desembaraçado na fala e um pouco cu idadoso em pagar o que deve .. . " Trocado em miúdos: desbocado e caloteiro .
Preso, foi embarcado para os cárceres secretos da lnaui-sição de Lisboa, ond-e confessou seu crime. Após quase doi3 anos de processo, no Auto de Fé de 20 de junho de 1780 teve sua sentença publicada em praça pública: 6 anos de degredo
para Angola e mais a dívida de 11$052 reis com os gastos de
seu processo. Se morreu na Africa ou se r.etornou ao Brasil, o processo não informa. Tendo sido considerado nulo o
se-gundo casamento, ipso facto seus três filhos cearenses., netos
do Sargento-Mor Pinto de Mesquita passaram à infamante con-dição de bastardos, e sua infeliz ex-mulher, d-e matrona trans-forma-se em reles mãe-s.olteira. Só no caso de morte da pri-meira esposa é que pod.er-se-ia regularizar a situação infa-mante desta infeliz família que teve sua pacata trajetória
br:.Js-102 Revista de C. Sociais, Fortaleza, v. 16117 N.0 1/2, 1985/1986
camente infelicitada p.ela Inquisição, guardiã da moral e dos bons costumes. Hoje, com o divórcio, a Igreja continua esper-neando e condenando ao fogo do inferno os que se casam pela segunda vez, mas felizmente, perdeu o direito de pren-der, açoitar, degredar e queimar os judeus, mouros, homos-sexuais, bígamos e feiticeiros. Mas continua proibindo o filme de Godard!
NOTAS E BIBLIOGRAFIA
セQ I@ Studart, Guilherme, História do Ceará, Tipografia Studart, Fortaleza,
1896, 295 p .
(2) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Lisboa, Habilitações do Santo Ofício.
(3) Mott, Luiz. Da fogueira ao fogo do inferno : A discriminalização do les-bianismo em Portugal, 1646. Comunicação, lnternational Conference on
Lesbian and Gay History, Toronto, Canadá, julho, 1985.
(4) Padre Manuel Bernardes. Pão partido em pequeninos. D. Barreira Ed., Porto, 1940, : 126.
(5) Mott, Luiz. " Etno-demonologia : Aspectos da vida sexual do diabo no mundo Ibero-Americano, Séculos XVI-XVIII", Religião e Sociedade, 1985, p . 12.
16) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Inquisição de Lisboa, Proc .. . n .• 45 , 23-7-1743.
(7) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Cadernos do Nefando, n.• 20, fls. 95 , 100, 101 .
(!') Mott, Luiz. " Relação racial entre homossexuais no Brasil Colonial", Re-vista Brasileira de História, n .• 10, 1985.
t9 Aires de Casal. Corografia Brasí/ica, (1817), Ed. ltatiaia-USP, 1976, : 287 tlO) Studart, G.: Op. Cit, p . 253.
trar casamento com as filhas de fazendeiros brancos, que pre-feriam conservá-las. solteironas ou enviarem-nas para um mos-teiro, do que ver sua .estirpe misturar-se com mestiços. Como demorava às vezes anos chegar o at.estado de batismo do rei-nei comprovando que era solteiro, os sacerdotes aceitavam, mediante o pagamento de polpuda espórtula, que o casamen-to fosse realizado com o juramencasamen-to de testemunhas, de que conheciam o pretendent-e e atestavam ser solteiro. Tal foi o artifício usado por José Luiz, vulgo Polinardo, para conseguir a mão da filha do Sargento-Mor. Por nove anos viveu na doce tranqüilidade do anonimato, de cujo consórcio teve três filhos, até que um religioso abelhudo, Frei Antonio, do Convento da Boa Vista do Recife, esmolando pelo sertão, espalhou a notícia comprometedora- Polinardo tinha se casado com falsa iden-tidade. O boato chega ao Comissário do Santo Ofício do Re-cife que, após conferir o livro de Casamento da Igreja onde se realizou o primeiro sacramento, faz uma secreta consulta ao vigário de Sobral, Padre João Ribeiro Pessoa, que em 1778 lhe confirma ter realizado o matrimôn io de Polinardo há 8 anos passados. E joga mais lenha na fogueira: diz ter re-cebido notícia que no Pajeú, anos antes, o réu tentara casar-se mas ao descobrirem que tinha mulher viva no Recife, teve de fugir para que os par-entes da noiva iludida não o matassem. Fazem então a comparação de uma página manuscrita de Po-linardo de Sobral, com uma antiga carta de José Luis do Re-cife, .e constata o Comissário-Detetive tratar-se da mesma pes-soa, acrescida a prova pela verificação de que em amb as as partes ele era desembaraçado na fala e um pouco cu idadoso em pagar o que deve .. . " Trocado em miúdos: desbocado e caloteiro .
Preso, foi embarcado para os cárceres secretos da lnaui-sição de Lisboa, ond.e confessou seu crime. Após quase dois anos de processo, no Auto de Fé de 20 de junho de 1780 teve sua sentença publicada em praça pública: 6 anos de degredo para Angola e mais a dívida de 11$052 reis com os gastos de seu processo. Se morreu na Africa ou se retornou ao Brasil, o processo não informa. Tendo sido considerado nulo o
se-gundo casamento, ipso facto seus três filhos cearenses., netos
óo Sargento-Mor Pinto de Mesquita passaram à infamante
con-dição de bastardos, e sua infeliz ex-mulher, de matrona trans-forma-se em reles mãe-s.olteira. Só no caso de morte da pri-meira esposa é que pod-er-se-ia regularizar a situação infa-mante desta infeliz família que teve sua pacata trajetória
br:Js-102 Revista de C. Sociais, Fortaleza, v. 16117 N.O 1/2, 1985/1986
camente infelicitada p.ela Inquisição, guardiã da moral e dos bons costumes. Hoje, com o divórcio, a Igreja continua esper-neando e condenando ao fogo do inferno os que se casam pela segunda vez , mas felizmente, perdeu o direito de pren-der, açoitar, degredar e queimar os judeus, mouros, homos-sexuais, bígamos e feiticeiros. Mas continua proibindo o filme de Godard!
NOTAS E BIBLIOGRAFIA
セQI@ Studart, Guilherme, História do Ceará, Tipografia Studart, Fortaleza, 1896, 295 p .
(2) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Lisboa, Habilitações do Santo Ofício.
(3) Mott, Luiz. Da fogueira ao fogo do inferno: A discriminalização do les-bianismo em Portugal, 1646. Comunicação, lnternational Conference on
Lesbian and Gay History, Toronto, Canadá, julho, 1985.
(4) Padre Manuel Bernardes. Pão partido em pequeninos. D. Barreira Ed., Porto, 1940, : 126.
(5) Mott, Luiz. " Etno-demonologia: Aspectos da vida sexual do diabo no mundo Ibero-Americano, Séculos XVI-XVIII", Religião e Sociedade, 1985, p. 12.
C6) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Inquisição de Lisboa, Proc .. . n.' 45, 23-7-1743.
(7) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Cadernos do Nefando, n.• 20, fls. 95, 100, 101 .
(!') Mott, Luiz. " Relação racial entre homossexuais no Brasil Colonial", Re-vista Brasileira de História, n .' 10, 1985 .
セY@ Aires de Casal. Corografia Brasílica, (1817), Ed. ltatiaia-USP, 1976, : 287 セ@10) Studart, G.: Op. Cit, p . 253 .