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O controle judicial nas políticas públicas e o processo constitucional democrático: uma gestão negociada para a construção de uma solução eficaz

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Academic year: 2021

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1 Instituto CEUB de Pesquisa e Desenvolvimento - ICPD

BRUNO ANDRADE COSTA

O controle judicial nas políticas públicas e o processo constitucional democrático: uma gestão negociada para a construção de uma

solução eficaz

Brasília, novembro 2014

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3 BRUNO ANDRADE COSTA

O controle judicial nas políticas públicas e o processo constitucional democrático: uma gestão negociada para a construção de uma

solução eficaz

Dissertação apresentada ao programa de Pós- graduação do Centro Universitário de Brasília - UniCEUB como requisito para obtenção do título de mestre em Direito e Políticas Públicas.

Orientador: Prof. Dr. Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

Brasília, novembro 2014

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5 BRUNO ANDRADE COSTA

O controle judicial nas políticas públicas e o processo constitucional democrático: uma gestão negociada para a construção de uma

solução eficaz

Dissertação apresentada ao programa de Pós- graduação do Centro Universitário de Brasília - UniCEUB como requisito para obtenção do título de mestre em Direito e Políticas Públicas.

Brasília, 24 de novembro de 2014.

BANCA EXAMINADORA

________________________________

Prof. Dr. Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy ________________________________

Prof. Dr. José Levi de Mello do Amaral Júnior ________________________________

Dr. Paulo Gustavo Gonet Branco

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6 Agradecimentos

Agradeço:

Ao professor Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy que acreditou e assumiu a proposta deste trabalho.

Ao professor Jefferson Carús Guedes, cujas preciosas lições levaram a realização dessa dissertação.

Aos colegas de mestrado pelas horas intermináveis de discussões e debates que levaram ao enriquecimento dos nossos trabalhos.

À Eliete Viana Xavier Costa pelo apoio de forma incondicional nessa jornada.

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8 Dedicatória

À minha esposa Eliete Viana Xavier Costa.

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10 Resumo

Ao se trasladar da neutralidade política do Estado Liberal para uma atuação cada vez mais ativa nas ações do Estado, o Poder Judiciário não apenas trouxe à tona a questão da judicialização das políticas públicas, mas fez emergir a problemática de decisões ineficazes e descoladas da realidade. A confiança nas virtudes diferenciadas dos juízes, em seu “ativismo sem fronteiras”, que alguns ainda defendem com ar de novidade, já deixou de ser algo defensável, para se transformar em um pesadelo para os órgãos de execução do Estado, em razão de decisões judiciais prolatadas, sem o auxílio de ninguém (nem mesmo técnico do processo), em escala industrial (alta produtividade), e sem a infraestrutura técnica adequada. Neste sentido a construção da decisão judicial que veicule direitos sociais que irradiem efeitos para coletividade, como instrumento de implementação de políticas públicas deverá ser, primariamente, um processo de construção da realidade, através da participação ativa dos atores das políticas públicas, cabendo ao Poder Judiciário atuar como mediador, a fim de conduzir e impelir o diálogo entre as partes e, se necessário, utilizar-se do exercício da coerção legítima. Sob esta perspectiva, o processo judicial deverá ser uma sequência de atos valorados, que alcançariam a decisão do juízo ou até do acordo entre as partes, cuja formação todos concorreram.

Palavras-chave: Políticas públicas; controle judicial; processo constitucional democrático;

comparticipação; acordo.

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12 Abstract

When you translate the political neutrality of the liberal state to an increasingly active role in the actions of the State, the Judiciary not only brought to light only the issue of legalization of public policies, but did emerge the problem of ineffective decisions and detached from reality. Confidence in differentiated virtues of the judges, in their "activism without borders", which some still argue with an air of novelty, is no longer tenable something to turn into a nightmare for enforcement agencies of the state, due to decision court handed down without the help of anyone (not even the technical process) on an industrial scale (high productivity), and without the appropriate technical infrastructure. In this sense, the construction of the court decision, displaying social rights to collective effects that radiate as a tool for implementing public policies, should be primarily a process of constructing reality through the active participation of actors of public policies, and the Judiciary must act as mediator in order to drive and propel the dialogue between the parties and, if necessary, be used for the exercise of legitimate coercion. From this perspective, the judicial process should be a sequence valued acts which reach the decision of the court or by agreement between the parties, whose formation all contributed.

Key-words: Public policy; judicial control; democratic constitutional process; collective participation; agreement.

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14 Sumário

INTRODUÇÃO ...18

1 OS DIREITOS SOCIAIS COMO FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA ...22

1.1 Anotações preliminares ...22

1.2 O constitucionalismo dos novos tempos e o Estado Social ...23

1.3 O Estado Social e as Políticas Públicas ...28

1.4 Os direitos sociais como direitos fundamentais da pessoa a uma prestação do Estado ...32

1.4.1 Os direitos sociais como irradiação do princípio da dignidade humana ...32

1.4.2 Os direitos sociais como normas de direito fundamental ...34

1.4.3 Os direitos fundamentais sociais como direitos a prestações ...38

1.4.4 Os direitos sociais como direitos subjetivos ...41

1.5 Os direitos fundamentais sociais na Constituição brasileira ...45

1.5.1 Uma análise dos direitos fundamentais sociais na Constituição de 1988 ...46

1.5.2 Uma proposta de classificação dos direitos sociais na Constituição Brasileira ...47

1.5.3 A estrutura material dos direitos sociais ...49

1.5.4 Do regime jurídico-constitucional dos direitos fundamentais sociais ...51

1.5.4.1 Direitos fundamentais sociais como garantias constitucionais qualificadas ...51

1.5.4.2 A aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais sociais ...55

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15 1.5.4.3 A exigibilidade e justiciabilidade dos direitos fundamentais sociais e as normas

programáticas ...57

2 O CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS SOCIAIS: UMA REANÁLISE DO DIREITO PROCESSUAL NO ATUAL ESTADO SOCIAL ...62 2.1 A justiciabilidade dos direitos sociais e das políticas públicas no Brasil ...62 2.1.2 Críticas à justiciabilidade dos direitos sociais e das políticas públicas ...66 2.2 O controle judicial sobre os direitos sociais e das políticas públicas e sua dimensão bifásica ...70 2.2.1 O processo de conhecimento: a fase de declaração do direito fundamental violado e os limites de cognição do Poder Judiciário ...72 2.2.1.1 As políticas públicas e as ações coletivas: um juízo de adequação ...73 2.2.1.2 As políticas públicas e o princípio da demanda: uma reanálise no atual Estado Social .77 2.2.1.3 Os limites de cognição do Poder Judiciário ...82 2.2.2 A fase de cumprimento de decisões judiciais em sede de Políticas Públicas ...87 2.2.2.1 Das espécies de cumprimento de decisões judiciais e seus efeitos ...88

3 AS POLÍTICAS PÚBLICAS E O PROCESSO CONSTITUCIONAL DEMOCRÁTICO:

UMA GESTÃO NEGOCIADA PARA A CONTRUÇÃO DE UMA SOLUÇÃO EFICAZ .96 3.1 O processo constitucional democrático nas políticas públicas ...96

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16 3.2 O Poder Judiciário como agente catalizador para o consenso entre atores das políticas

públicas ...100 3.3 Dos meios e instrumentos judiciais de comparticipação dos atores e interessados nas políticas públicas sociais ...103 3.3.1 A audiência pública ...106 3.3.2 A participação direta dos atores sociais na instrução processual ...110 3.4 A construção do acordo judicial entre os atores das políticas públicas: os direitos

indisponíveis e o mínimo existencial ...115 3.4.1 A instrumentalização do acordo e o termo de ajustamento de conduta ...118 3.4.2 Dos legitimados ao acordo e a participação obrigatória do Ministério Público e da

Advocacia Pública ...120 3.4.2.1 Dos legitimados ativos no termo de ajustamento de conduta ...120 3.4.2.2 Dos legitimados passivos no termo de ajustamento de conduta ...122 3.4.2.3 A participação do Ministério Público e da Advocacia Pública nos termos de ajustamento de conduta ...123 3.4.3 O momento adequado para a celebração do termo de ajustamento de conduta e sua

eficácia ...128 Conclusão ...131 Referência Bibliográfica ...137

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18 Introdução

A preocupação com os direitos voltados para a sociedade decorreu da falência de um modelo liberal que, embasado no individualismo e no absenteísmo estatal, fez eclodir graves desigualdades sociais e impeliu o Estado a repensar sua própria função política, através de um novo delineamento das funções dos poderes constituídos ainda nos estertores do século XIX. Todavia, o passo decisivo para a elevação dos direitos sociais como direitos de hierarquia constitucional somente se deu após a Segunda Guerra Mundial, e em reação aos acontecimentos desse conflito, em um processo de reconstitucionalização da Europa em que se determinou a influência do direito constitucional sobre as instituições contemporâneas, o que induziu o Poder Judiciário deixar de lado a neutralidade política dos tempos do liberalismo para assumir uma ativa postura em relação às ações do Estado.

Imbuído por essa nova visão do Direito Constitucional, a Constituição da República de 1988 rompe em definitivo com o modelo Liberal e inaugura uma nova fase do Estado brasileiro, o Estado Social Democrático de Direito, e fez emergir uma nova gama de direitos, os direitos sociais.1 Em razão da centralidade que esses direitos ocuparam em nossa Carta Constitucional, eles se constituem como o vetor de agir do Estado e a sua própria razão de ser, na medida em que se busca agora, não apenas uma igualdade formal, mas uma igualdade material entre os componentes do corpo social.2

Esse ímpeto pela realização do Estado Social, e promoção da justiça social no Brasil, fez com que tal tarefa ocupasse boa parte dos objetivos da república, e trouxesse para a nossa atual Constituição um conjunto extenso e bem diversificado de direitos sociais que tratam, em verdade, de bens soberanos de toda a humanidade, cuja proteção é condição para a erradicação da miséria e de toda forma de poder arbitrário. Não obstante, ao passo que os direitos sociais foram politicamente garantidos, mediante declaração expressa dos bens jurídicos que protegiam, verifica-se, igualmente, o estabelecimento de mecanismos formais de implementação desses direitos, através de normas de princípios programáticos, que se traduzem nas ações de

1 ALMEIDA, Renato Franco. Princípio da demanda nas ações coletivas do Estado Social de Direito. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo: RT, v.13, n.52, jul./set 2005, p. 3.

2 GRINOVER, Ada Pellegrini. O Controle de Políticas Públicas pelo Poder Judiciário. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, São Paulo, v. 30, p. 8-30, 2009, p. 8.

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19 programas do Estado. Assim, em razão do comando constitucional, impôs-se ao Estado a promoção e a concretização dos direitos sociais, notadamente através de políticas públicas, cuja elaboração e efetivação estão aneladas a atuação proativa dos Poderes Executivo e Legislativo.

Todavia, em razão dos resquícios do liberalismo, aliado ao passado de um regime de exceção cuja preocupação com o social não passava de repositórios de promessas vagas, observou-se, de início, um ciclo de baixa normatividade dessas disposições de cunho programático que veiculavam os direitos sociais. Ocorre que, em razão dos graves problemas sociais que assolaram e ainda assolam o nosso país, houve uma preocupação crescente da doutrina e da jurisprudência acerca da falta de eficácia e efetividade dessas normas, pois muitas vezes as políticas públicas do Estado são omissas ou incapazes de realizar de forma satisfatória os direitos fundamentais sociais, razão pela qual, emergiu um forte movimento em que se afirma caber ao Poder Judiciário a correção e o realinhamento dessas políticas.

Diante disso, o direito constitucional moderno impeliu uma mudança de visão relativa aos direitos fundamentais sociais de duas ordens: sob o aspecto material, tendo em vista que se passou a reconhecer aqueles direitos, mesmo os veiculadores de princípios programáticos, dotados dos atributos de aplicabilidade imediata, eficácia plena e exigibilidade, e também sob o aspecto processual, na medida em que o processo judicial funciona como instrumento para a concreção dos direitos sociais. Assim, sob o manto do chamado neoconstitucionalismo, que acabou permeando nosso sistema jurídico, percebeu-se que uma vez que os direitos sociais estavam inseridos em nossa Lei Fundamental, e que o Poder Judiciário possui competência para exercer o controle de constitucionalidade, tornou-se um órgão capaz de influenciar nas políticas públicas do Estado para a concreção dos direitos sociais previstos pelo constituinte. Desta feita, o Estado Social brasileiro teve de aprofundar sua relação com o processo judicial, como instrumento de sua própria realização. A política passou a ser objeto de escrutínio da jurisdição, de forma que a judicialização das políticas públicas se tornou realidade no atual cenário político.

Com efeito, houve o deslocamento do eixo da questão, que antes gravitava em torno da aptidão para a produção de efeitos jurídicos, e agora passa a orbitar sobre quais efeitos jurídicos podem ser produzidos. Entretanto, em razão da diversidade e da abertura estrutural que os direitos sociais adquiriram no Brasil aliada a uma ausência de regulamentação processual

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20 específica sobre a matéria, trouxe-se à tona a problemática da prolação de decisões judiciais que versem sobre políticas públicas que acabam por estabelecer soluções iníquas, desproporcionais ou desarrazoadas no caso concreto, isto é, descoladas da realidade, e que terminam por impactar em outras políticas prioritárias.

Ante tal fato, é de curial importância enxergar o processo judicial que verse sobre políticas públicas como um processo de construção da realidade, através da participação dos atores envolvidos nas políticas públicas (atores públicos e sociedade civil) na construção de uma solução eficaz, ou seja, que atenda aos interesses sociais, mas que seja exequível no plano fático, sem prejuízo de outros programas de Estado. No entanto, essa comparticipação apenas poderá ser possível por meio de um processo constitucional democrático, onde o Poder Judiciário deverá atuar como mediador, a fim de conduzir e impelir o diálogo entre as partes e, somente se necessário, utilizar-se do exercício da coerção legítima.

Diante disso, o presente estudo opta por uma metodologia estruturada com base teórica e análise de casos, tendo como proposta, enfrentar o atual problema de decisões tomadas de forma isolada, sem a estrutura técnica adequada e que acabam por gerar nefastos impactos de ordem social, política e econômica. Todavia, não basta a mera proposição da participação dos atores envolvidos nas políticas públicas na construção de uma solução dotada de efetividade, sem que haja uma análise acerca da dinâmica e estrutura que os direitos sociais adquiriram no Brasil, bem como sobre um detido estudo de adequação processual para veicular as demandas que versem sobre direitos sociais e políticas públicas, a fim de dar concretude a esses direitos constitucionalmente previstos.

Nesse sentido, o trabalho se apresenta como um itinerário que se inicia na busca das razões que conduziram o Poder Judiciário da neutralidade política no liberalismo, para a sua ativa participação no cenário político no atual Estado Social, notadamente sobre as ações que tratam sobre políticas públicas. O primeiro capítulo se dedica ainda a um estudo aprofundado dos direitos sociais, onde se tratou dos principais aspectos referentes a esses direitos que exercerão influência decisiva sob o aspecto de sua judicialização, e é dividido em duas partes. A primeira parte se debruça sobre um estudo geral dos direitos sociais, e serve como base teórica para a análise dos direitos sociais na Constituição brasileira. Na segunda parte, tratou-se sobre um

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21 estudo acerca dos direitos sociais na constituição brasileira, onde se conclui pela exigibilidade dos direitos sociais, inclusive das normas de princípios programáticos, e, portanto, pela sua justiciabilidade.

Já no segundo capítulo realiza-se uma análise sobre a questão da judicialização das políticas públicas no Brasil, onde se busca demonstrar que a tradicional sistemática do Direito Processual Civil não mais se mostra suficiente para o realinhamento e a correção dos programas de ação estatal em sede de ações judiciais, que versem sobre a realização progressiva de direitos sociais fundamentais constitucionalmente previstos, que irradiem efeitos para determinada coletividade. Em razão disso, propõe-se um novo delineamento do processo judicial, a fim de veicular esses tipos de demandas.

O terceiro capítulo defende o tratamento das ações que versem sobre políticas públicas sociais sob a perspectiva de um processo constitucional democrático. Em razão das peculiaridades e distorções sistêmicas constatadas, propõe-se a participação dos atores das políticas públicas (atores públicos e sociedade civil) na construção de uma solução dotada de efetividade, por meio de um procedimento judicial que permita a participação dos atores envolvidos nas políticas de Estado defendendo-se, inclusive, a possibilidade de acordo entre as partes.

A conclusão, de forma objetiva, procura demonstrar que o processo judicial deve ser um processo de construção da realidade, onde a participação dos atores das políticas públicas é de fundamental importância para uma construção de uma solução que seja dotada de efetividade sem que haja um desgoverno.

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22 Capítulo 1 - Os direitos sociais como fundamentais na Constituição da República

1.1 Anotações preliminares

O avanço alcançado pelo Direito Constitucional é resultado, em boa parte, da afirmação dos direitos fundamentais como núcleo de proteção da dignidade da pessoa e da visão de que a Constituição é o local adequado para positivar as normas asseguradoras dessas pretensões, na medida em que se percebeu que os valores mais caros da existência humana merecem estar resguardados em um documento jurídico com força vinculativa máxima, e indene às maiorias ocasionais formadas na efervescência de momentos adversos ao respeito devido ao homem.3

Nesse sentido, o desenvolvimento do Estado e de sua estrutura na Idade Contemporânea foi ladeado pelo início e evolução de uma teoria de direitos fundamentais, que buscou agregar em suas Leis Fundamentais, direitos e garantias que representavam o anseio da sociedade em cada momento histórico. Assim, se por um lado o reconhecimento dos direitos fundamentais do homem em enunciados explícitos é um fato recente, por outro, denota-se que está longe de se esgotarem suas possibilidades, já que a cada passo na etapa da evolução da humanidade importa na conquista de novos direitos.4

Sob essa inspiração, o atual modelo de Estado Social no Brasil, consagrado em sua plenitude em nossa Constituição de 1988, representou o rompimento com o liberalismo político, notadamente marcado pelo individualismo e absenteísmo estatal, e trouxe consigo a ampliação dos tradicionais direitos do homem de caráter liberal-individualista agregando, para tanto, uma nova gama de direitos os quais se embasa a própria razão de ser daquele modelo: os direitos sociais.

3 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 231.

4 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19 ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2001, p.

153.

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23 Todavia, embora possa parecer óbvio, existem segmentos na doutrina que negam aos direitos sociais a condição de direitos fundamentais, e ressaltam que apenas os direitos civis e políticos gozam dessa condição. Em razão disso, torna oportuno tratar do assunto sob uma perspectiva dogmático-jurídica norteada pela necessidade de uma leitura constitucionalmente adequada da própria fundamentação, tanto da designada fundamentalidade, quanto do próprio conteúdo dos direitos sociais,5 a fim de concebê-los como direitos dotados de efetividade.

1.2 O constitucionalismo dos novos tempos e o Estado Social6

Preliminarmente, cumpre-se salientar que a sedimentação de determinados direitos como normas fundamentais e obrigatórias é resultado de maturação histórica, o que permite compreender que certos direitos fundamentais não sejam os mesmos em todas as épocas.7

Em uma breve contextualização histórica, aponta-se que a gênese dos direitos fundamentais, embora existam na doutrina menções quanto a premissas sobre a proteção do indivíduo desde a história antiga, decorreu com o fim do modelo de Estado absoluto e o advento do Estado Liberal, quando determinados direitos assumiram posição de definitivo realce na sociedade ao se inverter a tradicional relação entre Estado e indivíduo, e se reconheceu que o indivíduo tem, primeiro, direitos, e, depois, deveres perante o Estado, e que os direitos que o Estado tem em relação ao indivíduo se ordenam ao objetivo de melhor cuidar das necessidades dos cidadãos.8 Nesse quadro, o Bill of Rights de Virgínia de 1776, e a Declaração francesa de

5 SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos sociais como direitos fundamentais: seu conteúdo, eficácia e efetividade no atual marco jurídico-constitucional brasileiro. In: SALERT, I., LEITE, G. (coord.). Direitos fundamentais e estado constitucional: estudos em homenagem a J. J. Gomes Canotilho. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2009, p. 217.

6 O presente trabalho não pretende discutir o que se reputou chamar de neoconstitucionalismo, mas apenas os reflexos trazidos pela nova tendência do Direito Constitucional após a Segunda Guerra Mundial. Não obstante, Miguel Carbonell assevera que grande parte dos autores como Luigi Ferrajoli, Robert Alexy, Paolo Camanducci, Alfonso Garcia Figueroa, dentre outros, estão de acordo com as modificações operadas sobre o paradigma do Estado Constitucional após o Grande Conflito, de forma que se pode falar de um Estado neoconstitucional, ou até de vários Estados neoconstitucionais, dada a complexidade da matéria. Cf. CARBONELL, Miguel. Neoconstitucionalismo(s).

9. ed. Madrid: Trota, 2009.

7 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Ob. cit., p. 231

8 IDEM, pp. 232/233.

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24 1789, deram início a “era das constituições”, ou constitucionalismo, e representaram a universalização e marcos na positivação desses direitos tido como inerentes ao homem.9

Inspirada pelo lema revolucionário francês de liberdade, igualdade e fraternidade, que exprimiu os princípios cardeais dos direitos fundamentais, a Declaração Francesa ganhava em abrangência em relação à Declaração Americana que a antecedeu, tendo em vista que tinha por destinatário o gênero humano, ao passo que a Carta de Virgínia se restringia a um determinado povo que se libertava politicamente de outro país.10 Com efeito, descoberta a fórmula de generalização e universalidade dos direitos inerentes ao homem, restava apenas seguir os caminhos que consentissem inserir na ordem jurídica positiva de cada ordenamento político os direitos e conteúdos materiais referentes àqueles postulados11.

Neste cariz, o liberalismo recém-inaugurado, sob a influência da Revolução Francesa, e calcado nas teorias contratualistas, baseou-se na submissão da autoridade política à primazia que se atribui ao indivíduo sobre o Estado, que tem o dever de servir o cidadão e lhes garantir direitos básicos que fixavam uma esfera de autonomia pessoal, que se traduziram nos direitos civis e políticos expressos em diversas constituições,12 na busca de uma ruptura com os arbítrios do período absolutista que o antecedeu.

A proteção direta e imediata dos direitos civis e políticos, assim como das garantias que evitavam a indiscriminada ingerência estatal, por meio de uma Constituição, tinham por função primordial agir contra fatores desestabilizantes, de forma que se mostrou um mecanismo poderoso de segurança e conservação do Estado de Direito.13

Todavia, com o colapso do liberalismo, delineou-se uma nova relação entre Estado e sociedade, a fim de se aplacar as desigualdades sociais que restaram acentuadas pelo modelo liberal prevendo-se, para tanto, uma nova gama de direitos constitucionais que traziam valores a regular as ações estatais por meio de prestações com vistas a se alcançar uma igualdade

9 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 7. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p.33.

10 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26 ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 562.

11 Idem, pp. 562/563.

12 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Ob. cit., p. 232/233.

13 BONAVIDES, Paulo. Ob. cit., p. 533.

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25 material, como o direito a saúde, a educação, a moradia, a segurança, ao trabalho, dentre outros, mas que não excluíram o núcleo duro dos direitos dos indivíduos alcançados no Estado Liberal.

O reconhecimento em nível constitucional “dessas escolhas valorativas” que determinam condutas, limites e atuações do Estado tem sua origem nas Constituições Mexicana (1917) e, notadamente, na Constituição de Weimar (1919). Tal concepção foi embasada na teoria constitucional das garantias institucionais formulada, basicamente, por juristas da República de Weimar, em que se reconhecia que determinadas instituições jurídicas deveriam ser resguardadas de uma supressão ou ofensa ao seu conteúdo medular, por parte do Estado, sobretudo do legislador ordinário.14

Deste modo, se antes as atenções constitucionais do liberalismo convergiam para os polos da liberdade individual, com a assunção do Estado Social houve a cristalização progressiva dos direitos voltados à sociedade, aos grupos, às instituições, ao pluralismo das formações políticas e sociais, a ação intervencionista do Estado, de maneira a reformar a índole das Constituições e dar mais segurança aos direitos fundamentais, ampliando tecnicamente em número e variedade os instrumentos jurisdicionais de proteção daqueles direitos.15

Entretanto, o passo decisivo para o reconhecimento da fundamentalidade desses direitos somente se deu após a Segunda Guerra Mundial, e em razão dela, em um processo de reconstitucionalização da Europa em que se determinou a influência do direito constitucional sobre as instituições contemporâneas promovendo a constitucionalização do direito, em um movimento que grande parte da doutrina denominou de neoconstitucionalismo.16 A reação aos acontecimentos desse conflito levou à adoção de um novo sistema ético de referência, baseado na proteção intransigente dos direitos humanos, que culminou em 1948 com a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Não obstante, o reconhecimento de que a miséria foi uma das causas determinantes para o surgimento de ideais totalitários ensejou a afirmação dos direitos civis e políticos, bem como dos direitos sociais como princípios de ordem substancial, de forma que não

14 BONAVIDES, Paulo. Ob. cit., p. 541.

15 Idem, pp. 536/537.

16 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 80.

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26 bastava a mera formalização desses direitos nas Constituições, devia-se ter sua efetivação por meio de ações afirmativas.17

Deste modo, o constitucionalismo moderno conformou o Estado Democrático e Social de Direito dando aos princípios que veiculam direitos fundamentais sociais eficácia de normas jurídicas, o que acaba por irradiar consequências sobre todo o ordenamento jurídico.

Assim, se sob o ponto de vista do vista material passou-se a reconhecer tais direitos como verdadeiras normas jurídicas, sob o ponto de vista procedimental o processo judicial deveria funcionar como instrumento para a concreção dos direitos sociais.

Nesse contexto, viu-se a proliferação de Cortes e Tribunais Constitucionais, em um movimento de absorção das questões políticas pelo Poder Judiciário, já que o modelo reativo de justiça não conseguia impedir as graves injustiças cometidas durante o período de Estado Liberal e o Poder Executivo não atuava adequadamente na realização das promessas do Estado Social.18 Ao longo desse processo, destaca-se a evolução dos sistemas de controle de constitucionalidade, que buscavam garantir, de fato, as constituições rígidas que se formavam como instrumentos dos direitos fundamentais.19

O controle de constitucionalidade altera o papel do Poder Judiciário, reservando-lhe a palavra final nos atos praticados pelas outras formas de expressão do poder estatal assumindo, assim, o papel de intérprete das grandes decisões políticas, antes reservado apenas aos Poderes Legislativo e Executivo,20 transformando-se um mecanismo, por excelência, pelo qual se torna possível uma mudança estrutural da sociedade pelo Direito.21

Por este prisma, denota-se que a substituição da estabilidade objetivada, por meio da liberdade quase total de mercado e dos meios de produção, no Estado Liberal, pelo dirigismo estatal com os objetivos traçados pelo Pós-Guerra, alterou de forma profunda a concepção da teoria da separação dos poderes com o movimento neoconstitucional. Diante disso,

17 CANELLA JUNIOR, Osvaldo. Controle judicial de políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 71.

18 ZANETI JR., Hermes. A Teoria da separação de Poderes e o Estado Democrático Constitucional. Revista Brasileira de Direito Processual. Belo Horizonte, ano 18, n. 70, abr./jun. 2010, p. 4.

19 Idem, ibidem.

20 CANELLA JUNIOR, Osvaldo. Ob. cit., p. 74/75.

21 GALVÃO, Jorge Octávio Lavocat. O neoconstitucionalismo e o fim do Estado de Direito. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 168.

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27 Jorge Lavocat22 destaca que, embora haja um dissenso na doutrina acerca de uma única concepção sobre o neoconstitucionalismo, Miguel Carbonell23 consegue decantar três elementos básicos que caracterizam esse fenômeno e explicam a mudança do comportamento do Estado e a afirmação de um modelo Social:

a) A inclusão nas Constituições do pós-guerra de direitos fundamentais de ordem substantiva, notadamente os direitos sociais, que condicionam a atuação do Estado por meio da ordenação de certos fins e objetivos;

b) Práticas judiciais mais complexas a partir da construção de parâmetros interpretativos adequados para lidar com essa axiologia do texto constitucional com a utilização de princípios em prol da otimização e efetivação do texto constitucional, o que acarreta a explosão da atividade judicial e requer um Judiciário mais ativo;

c) Desenvolvimento de novas teorias dos textos constitucionais fortemente substantivos que não pretendem explicar o fenômeno jurídico, mas também contribuem decisivamente na sua modificação.

Sob essa perspectiva, segundo Osvaldo Canela,24 no Estado liberal, o objetivo da teoria da separação dos poderes era o de evitar a concentração do poder estatal, a fim de que os direitos fundamentais de primeira geração fossem assegurados. No Estado Social, este objetivo permanece, mas a ele é acrescentado a obrigatoriedade legal de realização dos direitos sociais, com o propósito de assegurar a igualdade substancial entre os cidadãos. Desta forma, de uma conduta meramente passiva, o Estado passa assumir uma postura proativa com seus órgãos trabalhando para a concreção dos objetivos constitucionais. Entretanto, com um novo componente adicionado à equação, com a assunção, pelo Poder Judiciário, de uma relevante atribuição constitucional: o controle judicial da política através da concretização dos princípios fundamentais Constitucionais, notadamente, dos direitos sociais.

Todavia, para a consecução desses novos direitos voltados para a sociedade o Estado teve que repensar sua forma de agir, de forma que a ideia de direitos sociais passou a estar anelada a ações de planejamento estatal.

22 Idem, pp. 57/58.

23 CARBONELL, Miguel. Ob. cit., pp. 198-201.

24 GALVÃO, Jorge Octávio Lavocat. Ob. cit., p. 72.

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28 1.3 O Estado Social e as Políticas Públicas

As mudanças estruturais ocorridas no seio do Estado consolidaram o Estado Social no pós-guerra, mas, nem por isso, conseguiram compatibilizá-los plenamente com os direitos sociais. Ocorre que, de uma concepção inicial do Estado Social, que buscava se comprometer, de maneira cada vez mais abrangente, com a paz social e a existência digna para todos, acabou por agregar uma série de outras demandas ligadas a esses direitos. Novas responsabilidades surgiram com relação à política educacional, científica e cultural; depois, veio a incrementar uma previdência social bastante ampla, realizando também política de trabalho e econômica, desenvolvimento urbano e regional, assim como fomento a técnica; por fim, o Estado assume tarefas relacionadas ao meio ambiente.25

Com o incremento dessas tarefas do Estado ao longo dos anos, que agregou uma nova gama de direitos, e apesar da consolidação do Estado Social, não se conseguiu compatibilizá-lo plenamente com esses novos direitos. Diante disso, já no final da década de 1970, e início da década de 1980, começaram a surgir nos países centrais os primeiros indicadores de uma crise do Estado de Bem-Estar Social, que se caracterizou, fundamentalmente, pela “incapacidade financeira do Estado para atender às despesas sempre crescentes da providência estatal, tendo presente o conhecido paradoxo de esta ser tanto mais necessária quanto piores são as condições para financiar”.26

Esse excesso de tarefas para o atendimento dos direitos sociais, além de causar um inchaço nas contas públicas, fez com que o Estado se tornasse grande e burocrático, um aparelho “pesado e moroso”. Segundo Saravia,27 com essa excessiva burocratização do Estado, e suas reações lentas em face das “mudanças profundas e rápidas do contexto econômico e institucional”, aliadas à “necessidade de competir na economia mundial e à internacionalização

25 HÖFFE, Otfried. A Democracia no Mundo de Hoje. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 180.

26 SANTOS, Boaventura de Sousa; MARQUES, Maria Manuel Leitão; PEDROSO, João. Os tribunais nas sociedades contemporâneas. Disponível em <http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs 00 30/rbcs30 07.htm>. Acesso em: 07/06/2014.

27 SARAVIA, Enrique. Introdução à teoria da política pública. In: Enrique Saraiva e Elisabete Fernandes, Orgs.

Políticas Públicas, vol. I. Brasília: ENAP, 2006, pp. 24/25.

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29 de muitos assuntos que anteriormente era preocupações domésticas”, exigiram do Estado a

“adoção de formas mais flexíveis de planejamento e administração”.

Nesse diapasão, a partir de 1980, ganhou força a “fórmula ultraliberalista” de interpretação da realidade do Estado, que aduzia ser irracional um modelo de Estado e da sociedade baseado na valorização do trabalho e do emprego, na concessão de políticas sociais e assistenciais generosas, na distribuição de riqueza através de políticas de intervenção estatal em cenário de acentuadas mudanças tecnológicas e de gestão de empresas, da globalização e do agravamento da concorrência internacional.28 Em síntese, o Estado Social teria se tornado obsoleto e incapaz de enfrentar os desafios da nova economia capitalista globalizada.

Em resposta a crise estrutural do Estado Social, as ideias em torno de um Estado Neoliberal passaram a ter força, de forma que a década de 80 do século pretérito marcou o advento de uma nova ideologia: o neoliberalismo, que influenciou grande parte dos países do globo que, se não o adotaram por completo, aplicaram vários princípios que acabaram por redesenhar o Estado Social, e que projetaram o Poder Judiciário ao atual protagonismo dos dias atuais.

A ideologia neoliberal contemporânea prega um liberalismo econômico que exalta o mercado, a concorrência e a liberdade de iniciativa privada, rejeitando-se veemente a intervenção estatal na economia. Renegando as formas socialdemocratas que acompanham o estágio intensivo do Estado Social, nega a crise estrutural e histórica do capitalismo e se volta às origens desse, do tempo do liberalismo, porém com uma nova roupagem, e com o nome de neoliberalismo.

Em sua aplicação prática, a construção do neoliberalismo iniciou-se ao final dos anos 70, quando foi eleita Margaret Thatcher em 1979 na Inglaterra, e Ronald Reagan em 1981 nos Estados Unidos.29 Tais políticas consistiram, basicamente, em uma tentativa de recompor a

28 DELGADO, Maurício Godinho; PORTO, Lorena Vasconcelos. O Estado de bem-estar social no capitalismo contemporâneo. In: DELGADO, Maurício Godinho; PORTO, Lorena Vasconcelos (org.). O estado de bem- estar social no século XXI. 1ª ed. São Paulo: LTR, 2007, p. 25.

29 Idem, p. 25.

(30)

30 primazia de uma política econômica voltada para o mercado ao tempo que aliviava o peso das medidas assistenciais e sociais por parte do Estado com o objetivo de equilibrar o déficit público.

É pertinente salientar que a ideologia neoliberal tornou-se hegemônica para boa parte dos países que anteriormente tinham como paradigma o Estado de Bem-Estar Social.

Entretanto, em que pese tais propostas tenham se mantido firmes, enfáticas e até agressivas, notadamente no plano discursivo e político-institucional, não alcançaram efeitos profundos no plano concreto dos principais países envolvidos.30

Assim, aqueles países que melhor haviam estruturado o Estado de Bem-Estar Social, as mudanças realizadas não foram capazes de desconstruir o padrão civilizatório alcançado, assim como de modificar as bases e princípios estruturais desse modelo de Estado, apesar das mudanças tópicas realizadas embasadas pela ideologia neoliberal.31

Em razão disso, viu-se que em vários países houve a manutenção do Estado de Bem-Estar Social com alguns elementos, em maior ou menor grau, de políticas neoliberais. Sob esta perspectiva, Esping-Andersen32 propõe a seguinte classificação, para o que chamou de regimes de Welfare States:

1. O welfare state liberal “em que predominam a assistência aos comprovadamente pobres, reduzidas transferências universais ou planos modestos de previdência social. Os benefícios atingem principalmente uma clientela de baixa renda, em geral da classe trabalhadora ou dependentes do Estado. Neste modelo de Estado, o progresso da reforma social foi severamente limitado pelas normas tradicionais e liberais da ética do trabalho.” São seus exemplos típicos:

Estados Unidos, Canadá e Austrália;

2. O welfare state conservadores e fortemente corporativistas onde “a obsessão liberal com a mercadorização e a eficiência do mercado nunca foi marcante e, por isso, a concessão de direitos sociais não chegou a ser uma questão seriamente controvertida. O que predominava era a preservação das diferenças de status”. Incluem-se aqui, como casos típicos, Áustria, França, Alemanha e Itália;

30 Idem, p. 22.

31 Idem, ibidem.

32 ESPING-ANDERSEN, Gosta. As três economias políticas do Welfare State. Tradução de Dinah de Abreu Azevedo. Lua Nova: Revista de Cultura e política, São Paulo, nº 24, 1991, pp. 108/109.

(31)

31

3. Os regimes socialdemocratas, “evidentemente o menor grupo de países com o mesmo regime compõe-se de nações onde os princípios de universalismo e desmercadorização dos direitos sociais estenderam-se também às novas classes médias”. Não restam dúvidas de que Esping- Andersen está falando aqui de um número limitadíssimo de países escandinavos.

Apesar desse contexto de crise paradigmática, o que importa ressaltar, é que se tornou urgente repensar a concepção de Estado-Prestador. Não se trata, em verdade, de uma verdadeira morte do Estado de Bem-Estar Social, mas do aparecimento de um novo modelo de Estado prospectivo ou planificador em que se agregaram elementos da novel teoria neoliberal, onde a “ação baseada no planejamento deslocou-se para a ideia de políticas públicas”,33 que se revelam como elemento de interlocução entre o Estado e a sociedade para a promoção do bem comum. Alguns autores ressaltam que tal reconfiguração do Estado de Bem-Estar Social fez surgir um novo modelo: o Estado Pós-Social, que possui a atribuição precípua do Legislativo e do Executivo de levar a efeito as políticas públicas necessárias para a satisfação espontânea dos direito fundamentais sociais constitucionalmente previstos.34

Portanto, parafraseando Hermes Zaneti Júnior,35 o Estado Pós-Social é o modelo de Estado que consolidam as conquistas liberais (direitos fundamentais de primeira dimensão – liberdades negativas), as conquistas decorrentes do surgimento da questão social, entendidas como conquistas igualitárias, de busca de uma igualdade substancial (direitos fundamentais de segunda dimensão – preocupação promocional do direito e liberdades positivas), as conquistas da solidariedade e da comunidade (direitos difusos e coletivos, que formam os direitos fundamentais de terceira dimensão), e elementos das ideias neoliberais que levaram o Estado a repensar seu papel puramente de providência e centralizador, por meio de uma gestão planificada e com a participação democrática dos destinatários do ato final de decisão.

Nesse modelo reconfigurado do Estado de Bem-Estar Social, chamado por alguns de Estado Pós-Social, as políticas públicas passaram a ter um papel decisivo, na medida em que se constituem em “um sistema de decisões públicas que visa a ações ou omissões, preventivas ou corretivas, destinadas a manter ou modificar a realidade de um ou vários setores

33 SARAVIA, Enrique. Ob. cit., p. 26.

34 ZANETI JR., Hermes. Ob. cit., p. 5.

35 Idem, p. 6.

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32 da vida social, por meio da definição de objetivos e estratégias de atuação”,36 com a meta precípua de consolidar e irradiar os direitos sociais.

Ocorre que, o fato dos direitos sociais consistirem em sua grande maioria por normas que exigem uma prestação por parte do Estado, notadamente por meio de políticas públicas, acabou por gerar diversos dissensos na doutrina sobre sua exigibilidade. Nesse sentido, na medida em que esses direitos se constituem, por regra, em um agir do Estado, e que ainda vários deles se apresentam sob a forma de princípios, iniciou-se um debate acerca de que tais direitos, por sua estrutura, não podem ser considerados como direitos fundamentais, não são direitos subjetivos, não possuem eficácia, e por tais razões, não podem ser exigíveis perante o Estado.

Por este prisma, mostra-se de curial importância um detido estudo sobre o regime jurídico constitucional dos direitos sociais, a fim de explorar e apontar os fundamentos que levaram o constitucionalismo moderno a tratar os direitos sociais como direitos dotados de normatividade.

1.4 Os direitos sociais como direitos fundamentais da pessoa a uma prestação do Estado

1.4.1 A dignidade humana como princípio irradiador dos direitos sociais

Destaca-se, por relevante, que para uma melhor compreensão da origem e desenvolvimento daqueles direitos que se reputou designá-los como “direitos fundamentais”, deve-se buscar, primeiramente, seu substrato material.

Nesse sentido, e não obstante a inevitável subjetividade envolvida nas tentativas de discernir a nota de fundamentalidade em um direito, tem-se que é no princípio da dignidade

36 SARAVIA, Enrique. Ob. cit., p. 29.

(33)

33 humana que se inspiram os típicos direitos fundamentais, ainda que de forma indireta ou sob um vetor interpretativo, atendendo a exigência do respeito a uma vida digna, de forma que os direitos fundamentais, em sentido material, são pretensões que, em cada momento histórico, se descobrem a partir da perspectiva do valor da dignidade humana.37

Tal irradiação que o princípio da dignidade humana produz, enquanto valor histórico e filosófico, resulta em sua vinculação essencial aos direitos fundamentais, e conduz ao significado de universalidade inerente a esse direito como ideal de um indivíduo.38 Assim, torna- se inexorável a ligação entre a dignidade humana com os direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à participação política, e aos direitos sociais, como saúde, educação, moradia, trabalho, sem os quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive.39

Igualmente nessa linha, José Afonso da Silva aduz que os direitos fundamentais, além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas.40 Desta feita, denota-se que tais direitos não são obras da natureza, mas fruto das necessidades humanas, norteados por uma existência digna, ampliando-se ou limitando-se a depender do influxo do fator social cambiante.

Não obstante, há que se ressaltar que o catálogo dos direitos fundamentais vem- se avolumando, de acordo com as exigências específicas de cada momento histórico, de forma que a classe dos direitos que são tidos por fundamentais não tende à homogeneidade,41 conforme se depreende de alguns dos modernos direitos da quarta e quinta geração que são ligados à tecnologia e à informação. Ante tal fato, aqui não se quer dizer que todo e qualquer direito fundamental apresenta um entrelaçamento intrínseco com o princípio da dignidade humana, pois se assim fosse, há que se concordar com Canotilho que tal concepção “expulsa do catálogo

37 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Ob. cit., p. 237

38 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26 ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 562.

39 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Ob. cit., p. 237.

40 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. Ob. cit., p. 182.

41 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Ob. cit., p. 236.

(34)

34 material dos direitos todos aqueles que não tenham um radical subjetivo, isto é, não pressuponham a ideia-princípio da dignidade da pessoa humana”.42

Entretanto, é inegável a influência decisiva de tal princípio na formulação de quase todos os direitos fundamentais, notadamente em relação aos direitos sociais, cuja evolução e desenvolvimento tiveram o princípio da dignidade humana como norte interpretativo, a exemplo das paradigmáticas decisões do Supremo Tribunal Federal que envolveram cotas raciais (ADPF 186), união homo afetiva (ADPF 132/RJ e ADI 4.277/DF), fornecimento gratuito de medicamentos (v.g. RE 393175/RS, Pet 1.246/SC, etc), dentre outras.

1.4.2 Os direitos sociais como normas de direito fundamental

Conforme salientado, os direitos sociais trazidos pelo modelo de Estado Social passaram a coexistir no âmbito constitucional com os clássicos direitos civis e políticos de origem liberal. Todavia, esses novos direitos possuem uma estrutura muito diferente dos já conhecidos direitos advindos do modelo Liberal, o que ainda causa alguma resistência quanto a sua aceitação como direitos fundamentais.

Quanto a essa diferença estrutural, Alexy assevera que, enquanto os direitos civis e políticos constituem direitos de defesa do cidadão contra o Estado, isto é, são direitos

“negativos”, pois se tratam de abstenções, os direitos sociais constituem seu contraponto, pois gera o dever, como regra, a uma prestação “positiva” do Estado, ou seja, um direito a uma ação Estatal.43 Ocorre que, são justamente nesses novos direitos que se baseia o Estado Social.

Não obstante, antes de se analisar as razões que conduzem os direitos sociais a se constituírem em direitos fundamentais, há que se verificar quais os requisitos para que um direito seja considerado como “fundamental”.

42 GOMES, CANOTILHO, José Joaquim. Direito constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1998, p. 373.

43 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 433.

(35)

35 Na busca de um conceito de norma de direitos fundamentais, Alexy44 encontrou um sistema compatível com a coerência do sistema jurídico Alemão, que a exemplo do nosso sistema constitucional, prevê em seu texto os direitos sociais.

Como premissa, e sob a ótica de uma fundamentalidade formal, o autor defende que normas de direito fundamental são aquelas expressas diretamente por enunciados da Constituição.45

Todavia, prossegue o doutrinador alemão, alguns enunciados constitucionais possuem conceitos indeterminados, e poderia se indagar, se alguns deles expressariam normas de direito fundamentais. Para tanto, recorre-se à interpretação do Poder Judiciário, a fim de eliminar a indeterminação das normas, notadamente quando se tem de aplicá-las no caso concreto, o que acaba criando outras normas, que embora não sejam estabelecidas diretamente pela Constituição, são atribuídas à norma diretamente estabelecidas pela Constituição, o que justificaria chamá-las de “normas atribuídas”.

Desta feita, Alexy conclui que, as normas de direitos sociais serão tidas como fundamentais, caso estabelecidas diretamente pelo texto constitucional ou através das normas de direito fundamentais atribuídas pelo Poder Judiciário, por meio de interpretação da própria Lei Fundamental em um dado caso.

Por este prisma, tem-se que, se por um lado a elevação dos direitos sociais ao patamar constitucional se torna decisiva para a atribuição do caráter de fundamentalidade, por outro lado, torna-se necessário esclarecer qual o real significado dessa positivação, e como tais direitos podem modular o agir do Estado.

Para tanto, ao tratar da fundamentalidade dos direitos fundamentais, Alexy dispõe que o significado das normas de direitos fundamentais para um sistema jurídico é resultado da soma de dois fatores: da fundamentalidade formal, que decorre de sua posição no ápice da estrutura escalonada do ordenamento jurídico, isto é, de inseri-los na Constituição, conforme já foi dito, mas também de sua fundamentalidade substancial, onde existem normas

44 Idem, pp. 69/73.

45 Idem, p. 69.

(36)

36 materiais inseridas na constituição que vinculam o legislador, e a partir das quais pode ser derivado o conteúdo de qualquer norma do sistema jurídico.46 Assim, para um direito ser considerado fundamental e produzir efeitos deverá estar disposto na Constituição (fundamentalidade formal) e seu conteúdo deverá vincular o legislador, mesmo que indiretamente (fundamentalidade substancial).

Ainda sob essa concepção trazida por Alexy, se tomarmos como exemplo os casos extremos, em uma constituição puramente formal, os direitos fundamentais são previstos na Constituição, mas possuem uma influência apenas indireta no conteúdo daquilo que se torna direito positivo, de forma que esses direitos não teriam força vinculante em face do legislador, pois estes teriam a competência para restringi-los conforme sua vontade; por outro lado, em uma constituição puramente substancial, a constituição apresenta apenas normas materiais, de forma que vinculam o legislador, que se limita à meramente declarar aquilo que já foi determinado pela Constituição.47

Sob essa perspectiva, chega-se a conclusão que para uma correta leitura dos direitos fundamentais em um determinado país, há que se debruçar, primeiramente, em uma teoria da Constituição, tendo em vista que ela que determinará a concepção do Estado, sua estrutura, quais serão os direitos fundamentais, e a extensão de seu conteúdo. Nestes termos, afirma Paulo Bonavides, in verbis:

“Toda interpretação dos direitos fundamentais vincula-se, de necessidade, a uma teoria dos direitos fundamentais; esta por sua vez, a uma teoria da Constituição – a uma indeclinável concepção do Estado, da Constituição e da cidadania, sem a qual aquelas doutrinas em sentido político, jurídico e social mais profundo, ficariam de todo ininteligíveis.”48

Portanto, a decisão tanto sobre a adoção do modelo Social de Estado, como a de se atribuir a fundamentalidade aos direitos sociais é de cunho político, pois caberá ao Constituinte elevar esses direitos ao grau constitucional (fundamentalidade formal), assim como atribuir seu respectivo conteúdo (fundamentalidade substancial).

46 Idem, pp. 520/522.

47 Idem, pp. 520/522.

48 BONAVIDES, Paulo. Ob. cit., p. 534

(37)

37 Por esse prisma, e tomando por base a nossa Constituição, denota-se que o Poder Constituinte Originário acabou por reconhecer a fundamentalidade formal dos direitos sociais ao inseri-los no corpo do texto da Constituição. Não obstante, e ainda para reforçar a tese da fundamentalidade dos direitos sociais, foi o próprio Constituinte que lhes atribuiu a condição de direitos fundamentais ao inseri-los, em sua maior parte, no Título II da Constituição da República, sob a rubrica dos “direitos e garantias fundamentais”, em que pese existirem outros espalhados na Carta, a exemplo daqueles constantes no Título VIII, relativos a “Ordem Social”, como o direito à saúde (arts. 196 a 200), o direito à educação (arts. 205 a 214), e o direito à cultura (arts. 215 e 216).

Quanto à fundamentalidade material dos direitos sociais, tem-se que seus componentes, a exemplo da Constituição Alemã, é formado pelas normas de direito fundamentais inseridas na Constituição, algumas expressas e outras em forma de princípios, assim como pelos dispositivos sobre os objetivos do Estado, de forma que possuem o condão de vincular o legislador, em maior ou menor grau, a depender da força normativa de cada norma.49 Não obstante, aduz-se que, independentemente de sua localização, de seu conteúdo, se sediados no Título II da Constituição Federal (dos direitos e garantias fundamentais) ou em outras partes do texto, já de sua origem as normas de direitos sociais receberam, no momento do pacto constitucional fundante, a proteção e normatividade reforçada peculiar dos direitos fundamentais pela relevância dos bens jurídicos, e que se refletem no art. 3º, da Constituição Federal, que fixou os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil,50 os quais necessitam, em regra, de um fazer e prestar do Estado para a sua consecução.51

Doravante, e norteado pela classificação constitucional em formal e material, constata-se do exame do nosso texto constitucional, que o Poder Constituinte atribuiu aos direitos sociais uma fundamentalidade de natureza híbrida, tanto pelo fato dos direitos fundamentais se

49 ALEXY, Robert. Ob. cit., p. 522.

50 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

51 GRINOVER, Ada Pellegrini. O Controle de Políticas Públicas pelo Poder Judiciário. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, São Paulo, v. 30, 2009, p. 9.

(38)

38 encontrarem elencados na Constituição, como em razão deles expressarem um conteúdo que vincula o Estado em maior ou menor grau e que, em virtude de certas peculiaridades do direito constitucional nacional, poderá adquirir um feixe de posições que por vezes terá características tanto de direito defesa como de direitos a uma prestação do Estado, os quais, estes últimos, constituem-se os direitos sociais por concepção.

1.4.3 Os direitos sociais como direitos a prestações

Conforme dito anteriormente, os direitos sociais se baseiam como regra a uma ação positiva do Estado, ou seja, é um direito a uma prestação estatal, o que é exatamente o oposto à concepção de direito de defesa, no qual se incluem os direitos civis e políticos originários do liberalismo, os quais pressupõe uma abstenção estatal.

Em razão desse conhecido conceito geral e abstrato, quando se fala em direitos sociais, de imediato se associa a ideia de um direito a uma prestação, e na maioria das vezes a expressão “direito a prestações” é ligada à noção de um direito a algo que o titular do direito poderia obter de outras pessoas privadas se dispusesse de recursos suficiente e se houvesse no mercado uma oferta que atendesse à demanda,52 a exemplo do direito de uma criança ter acesso à educação fundamental ou a construção de um hospital para atender a demanda de enfermos de uma cidade, entretanto, isto representa apenas uma parte dos direitos a prestações.

Nesse sentido, destaca-se que a escala de ações estatais positivas que podem ser objeto de um direito a prestação pode se estender desde a proteção do cidadão contra outros cidadãos por meio de normas, passando pelo estabelecimento de normas organizacionais e procedimentais, e alcança até prestações em dinheiro ou outros bens, razão pela qual, Alexy

52 ALEXY, Robert. Ob. cit., p. 442.

(39)

39 concebeu a classificação dos direitos a prestações em: direitos a proteção, direitos a organização e procedimento, e direitos a prestação em sentido estrito.53

Os direitos a prestação de proteção54 são entendidos como os direitos constitucionais do titular de direitos fundamentais em face do estado a que este o proteja, por meio da configuração e aplicação da norma jurídica, contra intervenções de terceiros. Tais direitos a proteção podem ter os mais diferentes objetos, e são albergados por tudo aquilo que seja digno de proteção, a partir do ponto de vista dos direitos fundamentais, como a liberdade, a família, o trabalho, mas que possuem como ponto em comum o fato de que são direitos subjetivos constitucionais a ações fáticas ou normativas em face do Estado, bem como a exigibilidade e realização de demarcação das esferas dos sujeitos de mesma hierarquia.

Não raras as vezes, os direitos a prestação de proteção são confundidos com os direitos de defesa, tendo em vista que ambos dizem respeito a uma defesa, de forma que cabe aqui, uma breve explanação sobre o núcleo básico que os diferencia. Neste cariz, cumpre-se esclarecer que, enquanto o direito de defesa é um direito em face do Estado, o direito a prestação de proteção é um direito em face do Estado a que ele zele para que terceiros não intervenham.55 Assim, quando o Estado não cumpre de forma suficiente seu dever de proteção de uma pessoa ou grupo de pessoas contra terceiros, ocorre a violação de um direito fundamental.

Já os direitos a procedimentos56 “podem ser tanto direitos à criação de determinadas normas procedimentais quanto a direitos a uma determinada interpretação e aplicação concreta de normas procedimentais”. Desta forma, as normas de organização e procedimento devem ser criadas de forma a que o resultado seja, com suficiente probabilidade e em suficiente medida, conforme os direitos fundamentais.

Sob tal prisma, o Tribunal Constitucional Federal alemão chegou a conclusão de que a todo direito fundamental são atribuídos direitos a procedimentos, já que precisamos de

53 Idem, pp. 442/444.

54 Idem, p. 450/451.

55 Idem, p. 454.

56 Idem, p. 474.

(40)

40 normas de procedimentos para assegurar o exercício de um direito fundamental,57 por uma questão de consequência lógica.

Por fim, existem os direitos a prestação em sentido estrito, que são os direitos fundamentais sociais por excelência, onde se encaixa a concepção mais conhecida, e já mencionada, de que se trata de direitos do indivíduo, em face do Estado, a algo que se dispusesse de meios financeiros suficientes e se houvesse uma oferta suficiente no mercado, poderia também obter de particulares.58 Alexy aduz ainda, que “quando se fala em direitos fundamentais sociais, como, por exemplo, direitos à assistência à saúde, ao trabalho, à moradia e à educação, quer-se primariamente fazer menção a prestação em sentido estrito”.59

Embora Alexy classifique, em essência, os direitos fundamentais sociais apenas como direitos a prestação em sentido estrito, tomando-se por base a Constituição da Alemanha, há que respeitar a vontade expressamente enunciada do nosso Constituinte, no sentido de que o qualificativo de social não está exclusivamente vinculado a um direito a prestação em sentido estrito na promoção e na garantia de proteção e segurança social, como instrumento de compensação de manifestas desigualdades fáticas, a fim de se assegurar um patamar mínimo de condições para uma vida digna.60

Conforme esclarece Ingo Sarlet,61 a partir do exame dos direitos sociais esculpidos em nossa Constituição, verifica-se que tais direitos abrangem tanto direitos a ações positivas quanto direitos a ações negativas. Neste ponto, e sob a perspectiva da classificação de Alexy, denota-se que a nossa Constituição adotou um modelo de direitos a prestação em sentido amplo, pois sob o manto dos direitos sociais se inserem direitos a proteção, direitos a organização e procedimento, e direitos a prestação em sentido estrito.

Ademais, e em razão da extensa temática de direitos fundamentais sociais trazida por nosso constituinte, percebe-se, também, que algumas disposições relativas a esses

57 Idem, p. 476.

58 Idem, p. 499.

59 Idem, ibidem.

60 SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos sociais como direitos fundamentais: seu conteúdo, eficácia e efetividade no atual marco jurídico-constitucional brasileiro. Ob. cit., p. 220.

61 Idem, p. 218.

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