EDUCAÇÃO
EM DEBATE
Daise Rosas da Natividade e Henrique Cunha Ir.'MLKJIHGFEDCBA
L u g a r d o s
n e g r o s
n a e d u c a ç ã o
- d a
t r a n s i ç ã o
d o s é c u l o
X I X a o X X
[BCH-UFC
i
Resumo
o
hgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAp r e s e n t e t r a b a l h o a p r e s e n t a u m a r e fl e x ã o s o b r e a e d u c a ç ã o b r a s i l e i r a a o l o n g o d o p e r í o d o q u e v a i d o fi n a l d o s é c u l o X I X a o s i n í c i o s d o s é c u l o X X . P r i v i l e g i a a s p o l í t i c a s d i r i g i d a s a c r i a n ç a sea d o l e s c e n t e s , e s p e c i a l m e n t e à q u e l a s p e r t e n c e n t e s a o g r u p o é t n i c o n e g r o n a c i d a d e d o R i o d e j a n e i r o . A p a r t i r d a a n á l i s e d e p e r i ó d i c o s d a é p o c a , l e i s p r o m u l g a d a s , i c o n o g r a fi a s ep u b l i c a ç õ e s d e a c a d ê m i c o s , d e s v e l a a r e l a ç ã o d o e s c r a v i s m o c r i m i n o s o ed o c a p i t a -l i s m o r a c i s t a n e s t e p r o c e s s o .P a l a v r a s - c h a v e : E d u c a ç ã o p a r a n e g r o s n o B r a s i l , e d u c a ç ã o n o R i o d e j a n e i r o , c r i a n ç a s ea d o l e s c e n t e s n e g r o s n o s s é c u l o s X I X eX X .
Abstract
The Place of Blacks in Education: the Transition from the 19th to the 20th century
T h i s w o r k r e fl e c t s u p o n B r a zi l i a n e d u c a t i o n d u r i n g t h e p e r i o d t h a t g o e s fr o m t h e 1 9t h to t h e b e g i n n i n g
o f t h e 2 0t h c e n t u r y . I t s t r e s s e s t h e p o l i t i c s d i r e c t e d to c h i l d r e n a n d
a d o l e s c e n t s , e s p e c i a l l y t h o s e fr o m b l a c k e t h n i c g r o u p s i n t h e c i t y o f R i o d e j a n e i r o . T h e s t u d y isb a s e d o n p e r i o d i c a l s o f t h a t t i m e s , l a w s t h a t w e r e p r o m u l g a t e d , a n d a c a d e m i c p u b l i c a t i o n s , a n d its h o w s t h e r e l a t i o n s h i p b e t w e e n c r i m i n a l s l a v e r y a n d r a c i s t c a p i t a l i s m o
K e y - w o r d s : E d u c a t i o n fo r b l a c k i n B r a z i l , e d u c a t i o n i n R i o d e j a n e i r o , c h i l d r e n a n d a d o l e s c e n t s .
IDaise Rosas da Natividade, mestra em Educação pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, é professora da Faculdade São José - FSJ e da Universidade da Força Aérea - UNIFA. E-mail: daronabr@yahoo.com.br. Henrique Cunha Jr. Professor Titular da Universidade Federal do Ceará e presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros. E-mail: hcunha@ufc.br.
1 I n t r o d u ç ã ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Compreender a trajetória da população
afrodescendente na educação brasileira impõe-nos
recuar ao período do processo abolicionista e do
pós-abolição. Encontramos evidências de negros
nas letras brasileiras, no funcionalismo público,
nas artes, nas oficinas gráficas no período que
vai de 1850 a 1990. Mas impõe-nos examinar tam-bém as idéias vigentes antes da inclusão do
ne-gro na educação nacional, no período posterior a
1950, considerando a urbanização do país, a
in-dustrialização capitalista e o chamado processo
de universalização do ensino público.
Embora constasse do "estatuto" do
escra-vismo a proibição de dar instrução aos
escraviza-dos, as comunidades negras romperam barreiras
e a implantaram por caminhos diversos. Um dos
indícios dessa instrução ministrada aos negros se
depreende dos diversos anúncios na imprensa,
dando conta da fuga de escravos, nos jornais
es-palhados pelo país, chamando a atenção para o
fato de serem alfabetizados.
As conhecidas irmandades de negros: a do
Rosário, a de São Benedito, Nossa Senhora da
Conceição, Santa Efigênia e Misericórdia
exerce-ram decisiva influência na ministração dessa
instrução, vista também como forma de libertação
dos escravizados, ou pelo menos como forma de
romper os limites impostos pelo escravismo. São
diversas as situações que nos levam a supor a
organização de sistemas de educação básica
in-troduzidos nessas irmandades entre as atividades
religiosas. O compromisso da Irmandade do
Ro-sário, Rio de Janeiro, ou de Estância, Sergipe, são
exemplos de preocupação com a educação (Livro
de Termo - 1772-1827). Pensando nas
comuni-dades negras urbanas antes da abolição, e vendo
a sua estrutura de profissões e atividades de
tra-balho, e mesmo as organizações sociais, elas
sem-pre nos revelam uma complexidade social e
eco-nômica, além da dualidade escravizado -liberto.
Há os escravos livres de duas gerações, que têm
significado e encaixe social diferenciado do
re-cém-liberto. Tivemos escravizado com autonomia
de trânsito no espaço, dado pela condição de
ganho. A sociedade era composta de africanos
re-cém-chegados e de africanos com longa estada,
de descendentes de primeira, segunda e de mais
gerações de africanos. Essa diversidade
transcre-ve-se nas diferentes formas de acesso à educação
de base. O debate se enriquece quando olhamos
para histórias particulares, que descrevem
gera-ções de escravizados letrados, trabalhando na
pro-priedade da Igreja Católica de São Bemardo do
Campo, São Paulo.
O ensino privado, por meio de classes em
torno de um professor, foi um dos recursos
uti-lizados pela população negra para a
escola-rização, como nos mostra o estudo de Adriana
Silva (Silva 2000). Esse estudo segue a
tra-jetória de uma escola para crianças negras e
par-das, estabelecida pelo professor negro
Pre-destato, a pedido dos pais dessas crianças por
meio de um abaixo-assinado. Evidencia-se nos
documentos desse estudo, a existência de
ou-tros professores negros na cidade do Rio de
Ja-neiro. A propósito deste exemplo, vem-nos
tam-bém a figura da professora negra e escritora do
Maranhão, Maria Firmina dos Reis, que viveu
entre 1825 e 1917. Foi nomeada professora de
escola pública e fundou, em 1880, uma escola
para crianças pobres (Dicionário Mulheres do
Brasil, 2000). Onde teriam estudado esses
ne-gros e negras ilustres é uma questão que nos
remete a uma das preocupações deste trabalho.
Qual foi a posição do Estado, em face da
neces-sidade de escolarização da população negra na
transição entre o escravismo e o capitalismo?
Aqui a pista seguida foi elaborada por Lídia
Nunes Cunha (NUNES CUNHA, 1999) para o
Recife, no período da Primeira República, ou seja, que um dos lugares do negro na educação estava
associado à educação para o trabalho, que
ocor-ria nas instituições públicas, tentando-se dar
res-postas aos socialmente abandonados, aos jovens
vistos como perigosos e problemáticos para a
so-ciedade branca (NATIVIDADE, 2002).
As evidências diversas, principalmente as
fotográficas, nos deixam compreender que as
ins-tituições reformatórias, ao longo de mais de um
século, foram locais de recolhimento de crianças
negras. Embora os discursos não façam menção
específica às etnias, as práticas caracterizam seus
fins e determinam a clientela. Portanto, dentro
do processo de transição entre o escravismo e o
denominado trabalho livre, da desestabilização
de um sistema e consolidação de outro, decorre
quase um século. No período, temos uma
histó-ria social que nos ajuda a compreender a posição
das populações negras na sociedade brasileira.
Para efeito do balizamento das questões da
in-fância, da parte da população afrodescendente, a
Lei do Ventre Livre, de 1871, é um bom ponto de partida. Neste estudo, apresentamos um pa-norama de como foi enfocada a problemática da infância dos descendentes de escravizados entre o Ventre Livre e a Primeira República. As evidên-cias, empíricas, sobre a população neste estudo, afIoram na cidade do Rio de Janeiro.
2
MLKJIHGFEDCBAA L e i d o V e n t r e L i v r e e o d e s t i n o d a sc r i a n ç a s n e g r a s ( d e s v a l i d a s )
o
ano é 1871, a data, vinte e oito de setem-bro. É promulgada a Lei do Ventre Livre, tam-bém conhecida como Lei Rio Branco, denomina-da assim em homenagem ao principal preceptor de sua promulgação, o Barão do Rio Branco.O texto legal declarava em seu primeiro artigo:hgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
l i v r e s o s fi l h o s d a m u l h e r e s c r a v a , d e t e r m i n a n d o q u e
fi c a s s e m emp o d e r es o b a a u t o r i d a d e d o s s e n h o r e s de
s u a s m ã e s , o s q u a i s s e r i a m o b r i g a d o s a c r iá - lo s e
t r a t á - I o s a t é a i d a d e de 21 a n o s o u e n t r e g a - l o s a o E s t a d o , r e c e b e n d o u m a i n d e n i za ç ã o n o v a l o r de
6 0 0 $ 0 0 ( s e i s c ~ n t o s mil r é i s ) , p a g o s em t í t u l o s de
r e n d a c o m j u r o a n u a l de6%, o s q u a i s s e c o n s i d e r a -r i a m e x t i n t o s n u m p r a zo de3 0 a n o s " . (SCINIO,
1997, p.199).
A Lei do Ventre Livre firmou-se após inú-meras discussões, desde a primeira metade do século XIX, quando o fim do tráfico foi decre-tado em 1831, findando apenas em 1850.
Até a efetivação de sua promulgação, vá-rios projetos visando enfocar a situação de vida dos menores descendentes de escravizados e dos pauperizados, foram apresentados, como o de Caetano Alberto Soares, em 1845, José Pereira da Silva Guimarães em 1850, Perdigão Malhei-ros em 1862 e Pimenta Bueno, em 1865
(MARTINEZ, 1997), tendo sido este último en-carregado pelo Imperador de estudar a questão profundamente, resultando daí cinco projetos que se tornariam centrais para sua elaboração. Cabe ressaltar que as Leis 1775 e 1823 já vigoravam considerando livres todas as crianças enjeitadas, fossem pardas ou negras.
Embora a Lei de 28 de setembro fosse con-siderada inoperante pelos abolicionistas da época, foi patamar para grandes discussões e preocupa-ções em todos os ângulos. Tanto pelos senhores - políticos abolicionistas, ou não - quanto pelos
simpatizantes da República, educadores, juris-tas, médicos e outros atores sociais da época, que direcionavam seus olhares para a infância pobre e em especial as crianças negras que, a partir do texto legal, de 1871, engrossariam provavelmente as ruas e os cortiços ou quaisquer outros locais considerados insalubres e inadequados para a formação humana.
Como a própria redação previa, em seu primeiro parágrafo, caberia ao Estado a utilização dos serviços do menor em caso de desinteresse do senhor da mãe escrava, após este completar oito anos.
" O s d i t o s fi l h o s m e n o r e s fi c a r ã o emp o d e r es o b a a u t o r i d a d e d o s s e n h o r e s des u a s m ã e s , o s q u a i s t e -r ã o o b -r i g a ç ã o d e c r i á - I o s e t r a t â - l o s a t é a i d a d e de
o i t o a n o s c o m p l e t o s . C h e g a n d o ofi l h o d a e s c r a v a a e s t a i d a d e , os e n h o r d a m ã e t e r á a o p ç ã o , o u der e c e -b e r do E s t a d o a i n d e n i za ç ã o des e i s c e n t o s mil r é i s o u de u t i l i za r - s e d o s s e r v i ç o s do m e n o r a t é a i d a d e
de 21a n o s c o m p l e t o s " (SCÍNIO, 1997 p.199).
Como podemos inferir nos três próximos parágrafos, constata-se que não só o Estado se responsabilizaria financeiramente pelo menor, como determinaria o destino do mesmo, cabendo aos juízes de órfãos encaminhá-los e inspecionar os estabelecimentos públicos ou associações a que eles se destinavam, como também a Casa dos Expostos ou pessoas a quem o juiz estipulasse educar o contingente de menores que surgiria com a promulgação da Lei.
" A s a s s o c i a ç õ e sdeq u e t r a t a op a r á g r a fo a n t e c e d e n t e s e r ã o s u j e i t a s à i n s p e ç ã o d o s j u i ze s deó r fã o s , q u a n t o a o s m e n o r e s . 3 0 . p a r á g . A d i s p o s i ç ã o d e s t e a r t i g o é
a p l i c á v e l à s c a s a s dee x p o s t o s , eà s p e s s o a s a q u e m o s j u i ze s deó r fã o s , e n c a r r e g a r e m a e d u c a ç ã o d o s d i t o s m e n o r e s , n a fa l t a dea s s o c i a ç õ e s o u e s t a b e l e c i -m e n t o s c r i a d o s p a r a t a l fi m . 4 .0 p a r á g . F i c a s a l v o
a o g o v e r n o od i r e i t o dem a n d a r r e c o l h e r o s r e fe r i d o s m e n o r e s a o s e s t a b e l e c i m e n t o s p ú b l i c o s , t r a n s fe r i n
-d o - s e n e s t e c a s o p a r a oE s t a d o , a s o b r i g a ç õ e s q u e o p a r á g r a fo 10
• i m p õ e à s a s s o c i a ç õ e s a u t o r i za d a s ."
(SCÍNIO, 1997, p.200).
O texto legal e seus preâmbulos possuem algumas semelhanças com o Código de Menores de 1927, o qual discutiremos adiante, no que tange
àparticipação do Estado como tutor, à relação educacional vinculada ao trabalho, aos
cimentos públicos destinados aos menores e à
internação de uma clientela majoritariamente
negra, em instituições agrícolas.'
Também esta década de 1870 foi marcada
por um aumento significativo de crianças pardas
e negras enjeitadas, entregues à Santa Casa da
Misericórdia, através da Roda dos Expostos, "de
1864 a: 1881, o número de crianças entregues à
Santa Casa praticamente dobrou, no caso de
par-dos (de + / - 130 para 260 por ano), e triplicou no
caso dos negros (de+/- 30 para 90 por ano)"
(LIMA, VENÂNCIO, 1988, p.28), apontando
para a evolução nada coincidente com os
núme-ros registrados no livro de batizados dos
expos-tos (1864 a 1881), enquanto o número de
crian-ças brancas expostas é diminuído pela metade.
A decorrência deste evento deve-se
tam-bém ao fato dos senhores abandonarem os
"ingênuos", como eram chamados os filhos das
escravas beneficiadas pela Lei de 1871,
denomi-nação cunhada pelo Ministro do Império e alto
Conselheiro da Coroa, Carlos Leôncio de
Car-valho, que ainda nessa década, defendia a
edu-cação, inclusive para as crianças beneficiadas
pela Lei Rio Branco, argumentando "que a
pro-pagação da educação não significava um ato de
humanidade. Era, ao contrário, justificada pela
existência de inúmeros menores abandonados à
ignorância, verdadeiro 'perigo' para o Estado"
(MARTINEZ, 1997, p.12). Acresceu ainda que
os pais desses ingênuos já eram considerados
perigosos, inclusive pela ausência da instrução
básica, não sendo conveniente aumentar esta
população já tão extensa.
Não muito distante deste período, os
mes-mos menores seriam chamados de desvalidos.
Denominação idêntica foi concebida para as
pes-soas com mais de sessenta anos, após a
promul-ção da Lei do Sexagenário, ocorrida em 28 de
setembro de 1885, pela pouca lucratividade que
poderiam auferir seus senhores da sua venda ou
o próprio trabalho escravo. O termo "desvalido" ( em-valor), passa a ser utilizado para descrever
relação de posse/capital que o senhor
manti-nha com um grupo de escravos. Ora, tornar livre
o filho da escrava, cabendo ao seu proprietário
icamente uma indenização do Estado, ou a
utilização da mão-de-obra do mesmo até os 21
anos, significava perder patrimônio.
Uma das estratégias, que este novo senhor
(sobretudo o urbano) passou a montar para
maximizar os lucros provenientes da mão-de-obra
da mãe escrava, era alugá-Ia como ama-leiteira, o
que lhe conferiria uma rentabilidade de 500$000
a 600$000 por ano, melhor do que efetuar a
'tro-ca de títulos oferecidos pelo Estado, com juros
anuais de 6% sobre a indenização de 600$000,
correspondente a limitados 36$000 anuais,
dife-rença substancialmente ínfima àanterior (LIMA,
1988, p. 30). É a partir desse raciocínio que se
pode entender o aumento do abandono das
cri-anças negras.
Apresenta-se com esta lei um novo
direcio-namento para a infância, sob a competência do
Estado, saindo do âmbito familiar e caritativo
(leia-se a Igreja), para daí a não muito distante significar a garantia da ordem e/ou da paz social.
Este comportamento, ao longo dos anos,
tornou-se uma missão saneadora e civilizadora,
princi-palmente pelos discursos higienistas e eugenistas da época.
No final do século XIX, na década de
no-venta, Moncorvo Filho protagonizava a inserção
da higiene e o conceito eugênico de Cesare
Lom-broso, penetrando nos pensares coletivos, por
diversas vezes manifestos e profanados pelos
políticos, sanitaristas, médicos, juristas, entre
outros segmentos sociais.
As idéias européias, como a de Lombroso,
encontravam aqui solo fértil para sua
dissemina-ção, pois havia o interesse de aproximar-se
da-quele povo considerado culto, havendo uma
re-lação de dependência, ainda que tênue.
A teoria lombrosiana defendia que o ser
humano poderia ser explicado a partir e e
caráter, biotipo, tendências e comporramen o,
vendo direta correlação entre a hered.irariedade e
o meio. Daí o perigo iminente, ten o em vista o
temor de que as crianças fossem contaminadas
pelos seus familiares, por procedimentos vis e
danosos à sociedade, ou mais do que isso, à
nação. Explica-se assim a necessidade de salvar a
criança, uma vez que por meio dela se estaria sal-vando a nação. Sendo esta missão de cunho
na-- Chamamos atenção para o grande número de estrangeiros no pais, neste período, segundo dados aferidos pelo recenseamento do mGE (IBGE/RJ, 1996), conseqüência do início de uma futura imigração maciça de portugueses e italianos, conseqüente de uma política higienista, de "branqueamento da raça", que vinha sendo colocada em prática no final do século XIX.
cional, não mais seria possível àcriança
perma-necer sob a tutela religiosa ou familiar, já que
havia uma dimensão política muito mais ampla a
que somente o Estado teria condições de
cum-prir, sob a justificativa de defesa da sociedade.
Ao descrever a nova política que passa a
dominar o país, Rizzini (1995, p. 209) avalia:
"concebia-se que vícios e virtudes eram, em parte,
originários dos ascendentes;" ou socialmente
adquiridos, "assim, os filhos nascidos de 'boas
famílias' teriam um pendor natural a serem
vir-tuosos, ao passo que os que traziam a má
he-rança, seriam obviamente vistos inclusive para si
próprios como portadores de 'degenerescência'."
3
MLKJIHGFEDCBAA L e i d o V e n t r e L i v r e e o D i s c u r s o P e d a g ó g i c oMuitos foram os críticos da Lei, que se re-velou capenga, pois dos "400 mil ou mais
ingê-nuos registrados até 1885, apenas 118 haviam
sido confiados ao governo" (LIMA, 1988).
Es-ses registros, tanto dos nascituros, quanto dos
óbitos, estavam previstos na Lei que deveriam
ser efetuados pelos párocos, estando a omissão
sujeita àmulta de cem mil réis.
André Rebouças, engenheiro negro
reno-mado da época, criticava não somente o
"parasi-tismo burocrático" da Santa Casa, como também
a ociosidade dos menores por ela abrigados,
su-gerindo a criação de orfanatos-escolas rurais, onde
famílias tomariam conta deste grupo, sendo
be-neficiadas como proprietárias diretas da terra.
Como nos revela Rizzini (1995, p.105)
foi elaborado um Decreto n''. 1331A, datado de
17/02/1854, que tinha por instituto
regulamen-tar a reforma do ensino primário e secundário
do Município da Corte, sem que tivesse entrado
em vigor, conseguindo alcançar sua concretização
apenas após a elaboração da Lei de 28 de
setem-bro de 1871, destinando-se a atender exatamente
a mesma clientela do então Asilo dos Meninos
Desvalidos. Antes, no período do Decreto, a
res-salva de atendimento era auferida, somente para
as criançashgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAv a c i n a d a s e livres, não portadoras de
doenças contagiosas. Seria tão ingênuo quanto
os ingênuos da Lei crer na ocasional idade da
efetivação deste Decreto após a Lei Rio Branco.
A década de 1870 inaugura a criação de
Instituições direcionadas aos menores
abando-nados. Uma das primeiras foi a Associação
Protetora àInfância Desvalida, criada em 1871
pelo Presidente da Câmara Municipal do Rio de
Janeiro, Dr. Antonio Ferreira Viana, juntamente
com outros cidadãos, objetivava dar condições e
garantias da freqüência escolar das crianças
li-bertas e livres.
Com proposta diferente, mas com
possibi-lidade de atender ao mesmo público, tínhamos
no cenário, a Escola de Aprendizes de
Marinhei-ros, que surgiu na década de 1840, tendo
pas-sado por transformações indeléveis, após o
pe-ríodo da Guerra do Paraguai (1864 a 1870). Até o
período anterior àGuerra, a Escola era formada
de jovens voluntários, mas com a necessidade de
arregimentar um maior número deste grupo da
população, para servir nas frentes de batalhas,
na guerra, os jovens passaram a ser pegos nas
ruas independentemente do que ali estivessem
fazendo, caracterizando todos os jovens
desacom-panhados como abandonados ou vadios.
Diante de tal fato, e de outros que se
apre-sentavam, como o receio do perigo de
arregi-mentar força de trabalho, um autor desconhecido, que se auto-intitulava 'Amigo do Brasil",
elabo-rou um projeto denominado "Fazenda Escola ou
Colônia Agrícola", destinado aos meninos
aban-donados, órfãos ou sem trabalho, "após
referir-se àrecente liberdade concedida aos filhos
nas-cidos de ventre cativo", exprime seu receio: "O
que, pois, a agricultura receia é que o governo os
mande para os Arsenais de Marinha de Guerra,
ou que se lhes dê uma educação inteiramente
es-tranha àvida dos campos" e continua: "a criação
da fazenda-escola, que propiciaria uma instrução
séria, compatível com as necessidades da
agri-cultura e do país ... nas nossas mãos temos um
paliativo, senão um remédio, para os males que
possam cair sobre a agricultura: temos os
me-ninos do país, que podem tornar-se excelentes
obreiros, bons agricultores; temos todos os criou-linhos libertos ... " (LIMA, et al. p.31)
Os senhores da época sentiam-se
amea-çados pela Escola de Aprendizes de Marinheiros,
em seu propósito de direcionar aos ingênuos
li-bertos pela Lei do Ventre Livre e aos menores
abandonados, a manutenção do estado servil
des-se grupo infantil, com a proposta de e d u c a r p a r a o t r a b a l h o , mais precisamente para a lavoura. A
ameaça provinha da mudança no formato inicial
da Escola de Aprendizes, a partir de então
aten-dendo voluntários e crianças abandonadas.
Nos dois próximos anos (1873/1874), foi
criado o Asilo Agrícola Santa Isabel, alicerçado
pela Associação Protetora da Infância
ada, que tinha como presidente o Conde
'Eu. Já o Asilo de Meninos Desvalidos,
locali-- do em Vila Isabel, criado em 1875, tinha
mo obrigatoriedade o trabalho realizado nas
dnas das escolas e abrigava menores com
ida-e dida-e 6 a 12 anos, com a incumbência de
educá-o até a idade de 21 anos, podendo estudar do
, eI primário ao secundário. Aos poucos
jo-vens que haviam sido entregues aos cuidados
o Estado, caberia a inserção em oficinas
públi-ou particulares, sob a fiscalização dos juízes
e órfãos.
Tratava-se do redimensionamento com a
. dusão das várias instituições para a infância
o cenário social, um novo pensar do lugar edu-cacional. Os menores poderiam dedicar-se ao
tra-balho agrícola e artesanal, sobretudo o vínculo
ehgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAe d u c a r p a r a o t r a b a l h o , e ocupando lugar
es-pecial das atenções, as crianças negras, que
em-bora não se constituíssem ainda em grande
nú-mero nos estabelecimentos públicos, a elas
des-tinadas pela Lei, traziam na cor da pele o receio
da marginalização. Os trabalhadores agrícolas se
sobrepunham na maioria dos Estados brasileiros,
sendo os estados do Rio de Janeiro e de Minas
Gerais, os detentores de um número
significa-tivo deste grupo.
Esta é uma tradição que podemos creditar,
ao aqui já mencionado Leôncio de Carvalho e às
elites deste período, fosse pelo processo de
higie-nização, presente nas ideologias sanitaristas da
época, fosse nos valores culturais, religiosos,
en-tre outras manifestações, próprias desse grupo,
dos quais, pouco aceito pela população abastada:
"em última instância, o que estava em jogo era a
delimitação de uma outra relação, ... a intenção
de atribuir significados idênticos às expressões
'classes pobres'/ 'classes ignorantes'/ 'classes
perigosas" (MARTINEZ, 1997, p.17).
Tais expressões foram depois, em 1883,
sintetizadas, pelo próprio Leôncio de Carvalho,
em seu discurso "Educação da Infância
Desam-parada" sob a designação genérica "infância
de-samparada". Éa partir de então, que se propõem
várias terminologias para distinguir a infância, em
sua maior abrangência vinculadas às crianças
negras e pobres. Nas distinções dos menores
es-tavam presentes os termos "desvalidos" e "ingê-nuos da lei de 1871", como infâncias distintas, o
que defendo serem ambas pertencentes ao mesmo
grupo de menores, ou seja, crianças negras livres
pela Lei do Ventre Livre, por terem sido assim
denominadas, pelo seu ínfimo valor para os
se-nhores da época, como foi demonstrado
ante-riormente. Outro fator que valida a nossa
pro-posta de classificação é a criação de várias
insti-tuições para crianças desvalidas após a
promul-gação da Lei.
Na avaliação de Leôncio (op. cit.), o ensino
primário, seria o subsídio inicial para inserir o
menor no trabalho, tido como instrumento capaz
de regenerar e educar, viabilizando hábitos
acei-tos pelos intelectuais que compartilhavam deste
mesmo ideário, como o do Ministro do Império. De volta a 1874, pode-se dizer que este ano carregou em si o marco de um acréscimo das
es-colas públicas, que saltam de 77 unidades
esco-lares para 113, não tendo as matrículas alcançado
a mesma proporção (MARTINEZ, 1997).
Apesar das características fenotípicas não
fazerem parte da documentação oficial do
Ensi-no Público, o Relatório da Comissão de
Profes-sores sobre as escolas da Corte, continham
infor-mações sobre as características de cor, de maioria
branca e pequena quantidade de alunos pardos e
negros. De fato, a Escola Pública atendia uma
população majoritariamente branca, embora
po-bre, enquanto aos negros era proposta a Escola
Agrícola. A idéia de formação profissional,
utili-zação de mão-de-obra barata e forte no campo,
ainda permanece associada às populações negras,
caracterizando as diferenciações existentes nos
espaços destinados ao "espaço do letramento" x
"espaço do labor".MLKJIHGFEDCBA
4 O s m e n o r e s e o c o t i d i a n o
Os menores constituídos por negros,
par-dos, brancos, este último grupo em sua maioria
imigrantes portugueses e italianos, eram presos
pelos motivos mais diversos, desde os pequenos
furtos, desordens, vadiagem, mendicância,
injú-rias, prostituição, crimes de roubo e capoeiragem,
como demonstra Soares (1994, p. 105),
infor-mando que as "maltas chefiadas por velhos
afri-canos, cujo comando se exercia sobre o mais
va-riado público (crioulos, livres, libertos, brancos
brasileiros e imigrantes, etc.), serão uma
cons-tante nos anos de 1870, época-chave na história
cultural da capoeira ... A faixa etária abaixo dos
15 anos (os moleques que se iniciavam) era
to-talmente coberta por crioulos e pardos".
Nos idos de 1881, algumas maltas como a "Caldeira da Senhora" eram constituídas
dominantemente por jovens de 15 a 20 anos, com-pondo 77,3% do total de seu grupo. A alta porcen-tagem de menores levava um contingente conside-rável para o Campo de Santana, onde treinavam
seus primeiros passos, tornando-os alvos fáceis
para os detentores do poder, para fazer valer a lei
da higienização e os padrões educacionais que se
entrincheiravam na sociedade, encaminhando-os
para escolas agrícolas, com o intuito de lhes ofere-cer novos conceitos educacionais e/ou eram sim-plesmente presos na Casa de Correção da Corte.
Após um ano de inserção das escolas agrí-colas no Império, foram criadas as esagrí-colas profis-sionais. O ano de 1875 traz a fundação do Asilo de Meninos Desvalidos, alicerçado pela discussão em ebulição na época, no que tangia à libertação dos
escravos, contribuindo com a hipótese de que a
instituição e a educação, na década de setenta do
século XIX "foram considerados vias possíveis para
a reorganização das relações de trabalho e de
con-trole social" (MARTINEZ, 1997 p. 15).
5
MLKJIHGFEDCBAA L e i d o V e n t r e L i v r e a c a m i n h o d aa b o l i ç ã o e s u a s i m p l i c a ç õ e s p o l í t i c a s
n o p e r í o d o d o I m p é r i o
A Lei do Ventre Livre abre a discussão so-bre a situação dos escravos em todos os segmen-tos da sociedade, sejam políticos, religiosos,
edu-cacionais, jurídicos, médicos, predominando, no
círculo de conversas, a possibilidade de
amplia-ção das Leis, que vinham arrefecendo até mesmo
entre os escravos ainda existentes, a premissa de
uma possível libertação total. Cabia, então, aos
formadores de opinião da época, preocuparem-se
com o destino dos menores, com a proposta de
atingirem um patamar diferenciado de seus
fami-liares. Tentando incutir-lhes valores que
deveri-am ser absorvidos na escola, como será possível
conferir, mais adiante, o ambiente de instrução
para as crianças pobres, o qual possuía
diferencia-ções bem delimitadas, demarcando o espaço de
instituições para menores negros e para brancos.
Analisando o contexto histórico, é
relevan-te o fato de os negros constituírem a maioria da
população e isto representar um perigo
adicio-nal, "no censo de 1776 na Comarca de Vila Rica em Minas Gerais, 65.939 negros e pardos contra
12.679 brancos" (Rizzini, 1995, p. 186).
O receio de uma rebelião assolava o país.
Tal apreensão vinha desde a década de 1820,
principalmente devido às tradicionais formas de re-sistência dos escravos, ocorridas nos anos vinte e oitenta daquele século, tendo sido ambas as déca-das marcadéca-das pelas maiores sublevações, como a revolta da Limeira, em 1879, além das várias cons-pirações e rebeliões que datam de 1881 a 1883. Estes
acontecimentos confirmariam substancialmente a
observação de um deputado de São Paulo, em 1878, com respeito à escravidão: "não há dúvida ... que estamos à beira do abismo, ou pisando sobre um vulcão" (ANDREWS, 1998, p. 71).
Sendo o "perigo" iminente no pensar deste
deputado, como demonstrado também
anterior-mente por outros membros sociais, era
necessá-rio cuidar do aprisionamento dos negros, assim
como dos pobres, sujeitos às delinqüências, tendo
em vista a proximidade dos locais que
freqüen-tavam e a semelhança da pauperização.
Apesar de todo o receio presente,
podem-se contabilizar, nos anos que antecederam a
Abolição, três fatores preponderantes para a
efetivação da mesma: o primeiro em 1841,
"substituiu os juízes de paz eleitos no âmbito
locais por magistrados profissionais indicados
pelo Ministro da Justiça" (Andrews, 1998, p.
67). Tal medida criou, para a população
escra-va, a possibilidade de advogados abolicionistas
que os defendessem das exigências e
imposi-ções da escravidão, como o fez Luís Gama,
ad-vogado negro, durante as décadas de 1860 e
1870, tomando por base advocatícia a
legisla-ção de 1831, quando foi elaborado um tratado
anti-escravidão com a Grã-Bretanha, jamais
cum-prido pelo governo, sendo os anos de 1845 a
1850 o auge do tráfico negreiro.
O segundo deu-se com o fim efetivo do trá-fico escravo para o Brasil, em 1850; e o terceiro veio com a Lei do Ventre Livre, em 1871, bastante
mencionada neste texto.
A década de oitenta do século XIX foi
bas-tante conturbada e reinvidicatória por parte dos
escravos e abolicionistas, tendo surgido aí os
pri-meiros protagonistas de fugas maciças das
fa-zendas, a ponto das "tropas imperiais chegarem
pra reforçar a força policial, mas, quando
con-frontados com a tarefa impossível de apreender
milhares de fugitivos, seus oficiais requereram
formalmente à monarquia serem dispensados
desta atribuição." [declarando que] "se os
se-nhores de escravos quisessem usar a força para
segurar seus escravos, eles mesmos teriam que
aplicá-Ia" (Ibidem).
A partir de então, fica inevitável a abolição,
diante da inabalável resistência dos escravos de
se submeterem por mais tempo ao cativeiro.
São Paulo foi uma das cidades precursoras na abolição - ressalvando que o Ceará aboliu seus escravos no ano de 1884, após a iniciativa
cora-josa de Francisco Nascimento, conhecido como
o Dragão do Mar, que se recusou a desembarcar
mais escravos no porto - tendo formalmente
abo-lido a escravidão em 14 de março, do mesmo
ano da assinatura da Lei Áurea (1888),
ratifican-do a desorganização já profunda do trabalho
es-cravo, como confirma o editorial de 1898,
cele-brando a primeira década pós-abolição, "a
es-cravidão acabou-se porque o escravo não quis
mais ser escravo, porque o escravo rebelou-se
contra seu senhor e contra a lei que o
escravi-zara" (Rebate, 1889, p.1).
6
MLKJIHGFEDCBAA E b u l i ç ã o d a A b o l i ç ã ohgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA" A 8d e m a i o e n t r a e m t r a m i t a ç ã o n a C â m a r a , p r o j e t o d e l e i e x t i n g u i n d o , e m t o d o o p a í s , q u a l q u e r fo r m a d e e s c r a v i d ã o , ... u m a r e p r e s e n t a ç ã o d e 5 m i l a b o l i c i o n i s t a s q u e s e p o s t a m a o r e d o r do e d i fí c i o d a C â m a r a c o n d u zi n d o e s t a n d a r t e e b a n d a d e m ú s i c a "
(LOUZEIRO, 1968, p. 127) e provocam
verda-deira ebulição em prol da Abolição. O clima fes-tivo que ocorre após a votação por 89 votos a
favor da Lei e 9 contra, segue pelo inigualável
discurso proferido por Joaquim Nabuco e pelo
acatamento da Lei pelo Senado.
O mês de maio do ano de 1888,
confor-me observou um cético Machado de Assis, mais
precisamente o dia l3, foi "o único delírio
popu-lar que me lembro de ter visto". Semelhantes
in-formações surgiram nos jornais da época, como
no periódico dirigido por José do Patrocínio, C i
-d a -d e doR i o , que traz em sua manchete "Glória
Eterna", e nos destaques, um entre os muitos
abolicionistas, João Clapp (1889), que escreve:
"Treze de Maio. Salve. Data gloriosa, da
redempção da nação opprimida, e de inicio da
paz, da civilização e do progresso desta pátria,
que só começou a ser livre quando nesse grande
dia, os poderes públicos constituídos vieram
sagrar na lei, à vontade da nação" ( C i d a d e d o R i o ,
1889, p.l ) sendo este, um raro momento de
pre-ponderância da vontade do povo, até então
sub-metido aos interesses das elites, viabilizando a
participação ativa nas políticas com sucesso.
A queda da escravidão antecipou,
segun-do alguns historiasegun-dores, a derrubada da
monar-quia, pois os fazendeiros de maior destaque
es-tavam dispostos a não permitir que fatos
contrá-rios aos seus interesses terminassem de forma
semelhante à Abolição, e, para tanto, iniciaram
"projetos" visando "estruturar arranjos políticos,
sociais e econômicos da pós-abolição, de maneira
a garantir que seus interesses jamais voltassem a
ser tão diretamente desafiados pelas forças
populares" (ANDREWS, 1998, p. 77).
Um ano e meio após a Abolição, em 15 de
novembro de 1889, a República é proclamada,
" c o m p l e t a m e n t e c o n t r o l a d a e d o m i n a d a p e l a s e l i t e s a g r á -r i a s d o s E s t a d o s ." , tendo recebido a ajuda dos
mi-litares que também estavam insatisfeitos com a
monarquia.
Alguns negros, principalmente os
letra-dos, posicionaram-se a favor da República,
en-quanto que os libertos, pela então Lei Áurea,
não se deixaram entusiasmar, tendo em vista
que o regime vigente era de fato dos
fazendei-ros, a quem os ex-escravos conheciam muito
bem o pensar e agir. Assim, a República era "ideal
para os proprietários de terra, em que eles
man-tinham pleno controle sobre o Estado e a
polí-tica nacional" (ANDREWS, 1998, p. 78).
Muitos negros não viam com bons olhos a
República, devido àrepresentação política àqual
estava vinculada e pelas "benesses" que os
mes-mos delegavam à Monarquia, como as Leis do
Ventre Livre e do Sexagenário e a própria
Aboli-ção, além da possibilidade de muitas vezes
impe-trarem recursos judiciais em defesa de seus
di-reitos contra os senhores. Havia um sentimento
monarquista entre a população negra. Cabe
res-saltar que, apesar das posições monarquista e
republicana serem as mais presentes, havia
tam-bém um complexo de situações, às quais os
ne-gros lutavam para conseguir acesso, como posse
da terra, justiça social, entre outros benefícios,
com os quais não foram contemplados em
ne-nhum desses sistemas ditos e tidos como
con-servadores. A Guerra de Canudos(1896)
inicia-da com Antonio Conselheiro, a Revolta da
Chi-bata (1910) por João Cândido, foram, como
ou-tros episódios, insuflados pela disposição de
con-quistas ainda inatingíveis. Exemplo disto é a
Guarda Nacional Negra, criada ainda na década
de 1870 pelo jornalista José do Patrocínio, que
tinha por finalidade proteger a família imperial
de ser derrubada por ex-proprietários de terras,
insatisfeitos com o momento que viria a ser
de-nominado Lei Áurea, tendo sua existência
per-sistido após a queda da Monarquia.
Com a proclamação da República
fizeram-se necessárias leis que regulamentassem as
normativas nacionais, tendo sido criada a
primei-ra Constituição republicana em 1890,
constan-do nela a proibição da imigração africana e
asiá-tica para o país, mas em contrapartida, tanto o
governo federal como o estadual fizeram de tudo
para tornar a imigração européia atrativa e
colo-car em prática todas as técnicas higienistas e
eugenistas já presentes e aguçadas com a
abo-lição. Diz Andrews (1998, p. 90)hgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A R e p ú b l i c a i r i a s o l i d i fi c a r o d o m í n i o d o p r o p r i e t á r i o
d e t e r r a s , e d e p o i s s e e n v o l v e r e m u m a c a m p a n h a
n a c i o n a l p a r a e u r o p e i za r o B r a s i l , u m a c a m p a n h a
e m q u e o e m b r a n q u e c i m e n t o d a p o p u l a ç ã o n a c i o n a l e
a s u b s t i t u i ç ã o d a h e r a n ç a r a c i a l a fr i c a n a p e l a e u r o
-p é i a , a s s u m i r i a m u m p a p e l p r o e m i n e n t e .
Todo este processo irá, como veremos a
seguir, permear o pensamento e o agir da
polí-tica nacional, sabendo-se que os fazendeiros são
exatamente os mandatários das regras vigentes.
Sendo o foco de nossa atenção as crianças,
es-sas serão também, vítimas deste jogo político,
assim como os negros adultos eram "presos pela
polícia em uma proporção de mais que o dobro
daquela de sua representação na população
como um todo" (RIBEIRO, 1995, p. 81),
em-bora tanto Andrews (1998), quanto Ribeiro
(1995), descrevam que a natureza dos crimes
por eles praticados, poderia ser considerada
re-lativamente inócua.'
Alicerçados pela Constituição de 1891, que
trazia o rebaixamento da idade penal de 14 para
9 anos, os policiais trataram as crianças de forma
semelhante aos adultos, diante das políticas que
acenavam no cenário social, dentre elas a
educa-cional que, em nosso país, tornou-se questão
importante no orçamento, somente a partir da
segunda década do século XX.MLKJIHGFEDCBA
C o n c l u s ã o
Acompanhamos aqui o curso das ações e
pensamentos de um complexo movimento
so-cial e jurídico-sanitarista que regulamentaram,
por meio de regras e normas legalistas, o
aprisio-namento do público infanto-juvenil e a
deter-minação do "espaço do labor" em detrimento
do "espaço da educação", minimizando a
opor-tunidade do acesso à escola ao longo desses
anos. Evidenciamos as correlações étnicas deste
sistema na sua relação com abolição do
es-cravismo criminoso e das visões das elites
so-bre o trabalho e a infância dos descendentes de
escravizados.
R e f e r ê n c i a s b i b l i o g r á f i c a s
ANDREWS, George Reid. N e g r o s eB r a n c o s emS ã o
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Universitária Santa Úrsula e Amais Livraria e
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3A palavra crime nesse contexto é usada como repetição do vocabulário da época e igualmente dos documentos, pois muitas das ações impetradas contra os negros eram oriundas de ações que se caracterizavam como legítima defesa.
TIVIDADE, Daise Rosas.hgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAA C o r do T r a b a l h o : b u s c a d a c i d a d a n i a p a r a a d o l e s c e n t e s q u e c u m p r e m
d i d a s s ó c i o - e d u c a t i v a s e m l i b e r d a d e a s s i s t i d a .
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