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Academic year: 2017

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Poéticas Procedurais

um olhar sobre o Pensamento Artístico

e a Expressividade do Meio Digital

Dissertação apresentada à

Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo

como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Artes Visuais.

Área de Concentração: Poéticas Visuais

Orientador:

Prof. Dr. Gilberto dos Santos Prado

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desde que citada a fonte.

Catalogação na publicação Serviço de Biblioteca e Documentação

Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo

Ferreira, Daniel Peixoto

Poéticas procedurais : um olhar sobre o pensamento artístico e a expressividade do meio digital / Daniel Peixoto Ferreira – São Paulo : D.P. Ferreira, 2011.

234 p. : il.

Dissertação (Mestrado) – Escola de Comunicações e Artes / Universidade de São Paulo.

Orientador: Prof. Dr. Gilberto dos Santos Prado

1. Arte 2. Processo criativo 3. Pensamento artístico 4. Arte digital 5. Arte computacional 6. Arte generativa/gerativa 7. Poéticas procedurais 8. Expressividade do meio digital I. Prado, Gilberto dos Santos II. Título

CDD 21.ed. – 709.0408

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Título: Poéticas Procedurais

-um olhar sobre o Pensamento Artístico e a Expressividade do Meio Digital

Dissertação apresentada à

Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo

como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Artes Visuais.

Área de Concentração: Poéticas Visuais

Aprovado em

São Paulo, _____ de ________________ de ___________

Banca Examinadora

Nome e Instituição:__________________________________

Julgamento:_____________ Assinatura:_________________

Nome e Instituição:__________________________________

Julgamento:_____________ Assinatura:_________________

Nome e Instituição:__________________________________

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À companhia e carinho dos meus amigos.

À dedicação, interesse e energia dos parceiros criativos.

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Ao meu orientador Gilbertto Prado a confiança, precisão e diálogo.

Aos professores, colegas, amigos e familiares a discussão, estímulo e inspiração.

A todos que ajudaram com sugestões, críticas e correções.

Ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da ECA/USP a infraestrutura.

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FERREIRA, Daniel Peixoto. Poéticas Procedurais - um olhar sobre o Pensamento Artístico e a Expressividade do Meio Digital. Dissertação (Mestrado) - Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.

O objeto central desta pesquisa são asPoéticas Procedurais, manifestações artísticas baseadas fundamentalmente na programabilidade e autonomia das mídias digitais, e que portanto só po-dem ser realizadas através deste meio (independentemente do suporte de exibição da obra final). Nesta situação, o computador é empregado pelo artista como uma espécie de máquina criadora, contendo em si o projeto da obra na forma de um programa (ou algoritmo). Investigamos como estas práticas criativas específicas, pelo seu caráter de autorreflexão, podem servir como um olhar sobre o pensamento artístico. Também examinamos o papel fundamental destas es-tratégias procedurais de criação na consolidação do meio digital como forma expressiva

independente.

Palavras-chave:

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The object of this research are the Procedural Poetics, artistic manifestations based funda-mentally on the programmability and autonomy of digital media, and therefore that can only be achieved through this medium (regardless of the support of the final work). In this situation, the computer is used by the artist as a kind of creator machine, containing within itself the project of the work in the form of a program (or algorithm). We investigate how these specific creative practices, due to their aspect of self-reflection, can serve asa glimpse into the artistic thinking. We also examine the fundamental role of these procedural strategies of creation in the consolidation of the digital medium as an independent expressive form.

Keywords:

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1 Introdução 17

1.1 Estratégias Procedurais de Criação (exemplos) . . . 21

1.2 Metodologia de Pesquisa . . . 33

1.3 Percurso da Dissertação . . . 37

1.4 Considerações Iniciais . . . 39

2 Fundamentos 43 2.1 Mente Criativa . . . 47

2.1.1 Pensamento Formalizador . . . 48

2.1.2 Criatividade e Poética . . . 49

2.2 Máquina Digital . . . 55

2.2.1 Formalização do Pensamento . . . 57

2.2.2 Natureza do Meio Digital . . . 59

2.2.3 Comunicação Mente-Máquina: Programação e Algoritmos . . . 64

2.2.4 Aspecto Procedural . . . 69

2.3 Arte Computacional . . . 71

2.3.1 Arte e Técnica . . . 72

2.3.2 Origens da Arte Computacional . . . 74

2.3.3 Algumas Considerações . . . 78

3 Processos Criativos em Meio Digital -uma Metodologia de Análise 87 3.1 Processo Criativo . . . 91

3.2 Processos Criativos em Meio Digital . . . 96

3.3 Metodologia de Análise . . . 100

3.3.1 Influências e Contribuições . . . 100

3.3.2 Camadas de Influência . . . 103

3.3.3 Metodologia de Análise . . . 111

4 Poéticas Procedurais 117 4.1 Ideia Como Processo . . . 121

4.1.1 Alguns Esclarecimentos . . . 121

4.1.2 Tradução - da Mente ao Código . . . 126

4.1.3 Scribbles - Algoritmo Comentado . . . 128

4.2 Origens das Poéticas Procedurais . . . 131

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5.1 Um Olhar Sobre o Pensamento Artístico . . . 145

5.1.1 Olhar Procedural . . . 146

5.1.2 Pensamento Artístico . . . 151

5.2 O Meio Digital Como Forma Expressiva . . . 155

5.2.1 Explorando a Proceduralidade . . . 156

5.2.2 Consistência nas Estratégias Procedurais . . . 160

5.2.3 Expressividade do Digital . . . 165

6 Entre Risco e Programa (Considerações Finais) 171

Referências 183

Glossário 190

Lista de Figuras 194

Listas por Categoria 197

APÊNDICE A - Breve História da Arte Computacional 203

APÊNDICE B - Panorama Atual das Poéticas Procedurais 211

APÊNDICE C - Nuvem de Palavras da Dissertação 223

APÊNDICE D - Produção Artística Pessoal 227

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A boa arte tecnológica tem ainda essenciali-dade e eficácia: só poderia ser realizada assim e com esses meios.

(Arlindo Machado In Balaniuk, 2010:27)

O objeto central desta pesquisa são asPoéticas Procedurais, manifestações artísticas baseadas fundamentalmente na programabilidade e autonomia das mídias digitais, e que portanto só podem ser realizadas através deste meio (independentemente do suporte de exibição da obra final).1

Nesta situação, o computador não é empregado unicamente como ferramenta de criação ou meio de armazenamento e transmissão de conteúdo de natureza estática,2 mas sim como uma espécie

de máquina criadora, contendo em si a poética ou “projeto de formação” do artista (Plaza, 2003) de maneira procedural (ou dinâmica), na forma de um programa (ou algoritmo).

Nossa pesquisa culmina em duas reflexões principais: investigamos como estas práticas específi-cas, pelo seu caráter de autorreflexão, podem servir como (1)Um Olhar Sobre o Pensamento Artístico (5.1:145) e examinamos o papel fundamental destas estratégias criativas procedurais na consolidação do (2) Meio Digital Como Forma Expressivaindependente (5.2:155).

Neste capítulo introdutório, inicialmente apresentamos alguns exemplos de obras, artistas, práti-cas e ferramentas representativas das Estratégias Procedurais de Criação (1.1:21). Em seguida, apresentamos a Metodologia de Pesquisa adotada (1.2:33), descrevemos em linhas gerais o Percurso da Dissertação (1.3:37) e realizamos algumas Considerações Iniciais

(1.4:39).

1Consideramos como “poética” um determinado modo de criar ou postura artística, que pode estar associada

a uma obra, artista, prática ou ferramenta (2.1.2:52). Nos aprofundamos sobre as Poéticas Procedurais mais adiante (4:117).

2Empregamos o termo “estático” como sinônimo de “rígido” ou “linear” - um filme, por exemplo, apesar de

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(21)

1.1 Estratégias Procedurais de Criação (exemplos)

De forma a apresentar e contextualizar as estratégias criativas que tomamos com objeto deste estudo, nas páginas a seguir examinamos algumas obras, artistas, práticas e ferramentas que re-presentam o emprego do meio digital através da sua proceduralidade. Os exemplos apresentados vem tanto das artes quanto de outras áreas criativas e expressivas, como a tipografia e os jogos (retomamos alguns dos exemplos em maior profundidade na medida em que forem relevantes às discussões).

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Aaron (Harold Cohen, 1973-)

Harold Cohen começou o seu percurso acadêmico e artístico nas belas artes, atuando principal-mente como pintor. No final da década de 60, teve o seu primeiro contato com a computação, posteriormente se aprofundando na área da inteligência artificial, no início dos anos 70.

Em 1973, Cohen iniciou o desenvolvimento de Aaron, um sistema computacional para geração de imagens (ou “pinturas”) originais, dotadas de determinadas características específicas (ou “estilo”). As criações de Aaron geralmente consistem de figuras humanas posicionadas ao lado de vasos de plantas, embora existam variações ao longo das diferentes versões do sistema (fig. 1:23).3

A intenção de Cohen com Aaron não reside exclusivamente no sistema como um fim em si, mas sim nas reflexões que ele permite sobre uma série de questões, como o que faz com que um conjunto de traços possa ser considerado “uma imagem”, qual a função do artista na sociedade e a investigação da mente humana como entidade criativa. A poética procedural que guia o comportamento do sistema guarda uma forte analogia com o funcionamento dos mecanismos mentais humanos e com o estilo do seu próprio criador.

Aaron pode atuar como um meio de produção de obras (os desenhos gerados, de natureza estática), ou então como uma obra em si mesmo (de natureza procedural), nas ocasiões em que o sistema é exibido em museus e galerias.

Quando Aaron é exibido enquanto gera os desenhos, novas questões emergem - trata-se de uma instalação ou de uma performance?; os desenhos produzidos nesta situação são obras por si só?; o valor artístico destas obras é menor ou maior do que o da exposição de Aaron?; como elas se comparam aos desenhos produzidos fora do contexto do espaço expositivo?; e assim por diante.

Fazemos referência a este projeto diversas vezes ao longo desta dissertação, principalmente por se tratar de um caso particularmente representativo e didático do emprego expressivo do meio digital, bem como historicamente relevante. Além disso, a estética singular das produções de Aaron serve de inspiração para as nossas próprias investigações e reflexões sobre as intersecções entre arte e tecnologia, e entre o humano e o maquínico.4

3As imagens representam fotografias de desenhos produzidos por Aaron e pintados por Cohen (nesta fase o

sistema ainda não havia sido programado para colorir).

4URL (endereço eletrônico online) do projeto Aaron: www.kurzweilcyberart.com (para informações sobre

(23)

(a)Two Friends with Potted Plant (1991) (b) Aaron, with Decorative Panel (1992)

(c) Theo (1992) (d) Standing Figure with Decorated Background (1993)

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Façade (Michael Mateas e Andrew Stern, 2005)

Eu gosto de pensar em [Façade] como o avião dos irmãos Wright da narrativa interativa.

(Chris Crawford In Rohrer e Crawford, 2009:17m37s)5

Façade é uma narrativa procedural interativa sobre relacionamentos, psicologia e problemas conjugais. É um dos casos mais bem sucedidos do emprego de estratégias procedurais para a produção de uma experiência expressiva no gênero. O interator controla o protagonista em uma visita a um casal de amigos (Trip e Grace, personagens controlados pelo sistema de inteligência artificial), que gradualmente se revelam frustrados com o seu casamento. É possível conversar com cada um dos personagens individualmente, e mesmo participar das discussões do casal (fig. 2:25).

A complexidade e a dimensão deste projeto o tornam um objeto de análise potencialmente valioso em diversas áreas de estudo, desde a inteligência artificial, passando pela criação procedural de conteúdo e até mesmo a psicologia. Sua relevância em nossa pesquisa está principalmente no seu emprego da inteligência artificial como estratégia de expressão poética na produção de uma narrativa procedural.

Façade também serve como referência para a discussão sobre a questão da recepção das Poéticas Procedurais. O projeto é um admirável empreendimento técnico e teórico, mas cujo valor e relevância se concentra na área acadêmica, uma vez que não atende de maneira plena às expec-tativas pré-existentes do público em geral.

Na citação no topo desta página, o designer de jogos Chris Crawford se refere aos irmãos Wright, os responsáveis pela invenção e construção do que muitos consideram como o primeiro avião capaz de voar. A analogia com Façade se deve ao fato de ambos serem pioneiros em suas respectivas áreas, embora ainda não cumpram plenamente seus objetivos fundamentais.6

(25)

Figura 2– Façade (Michael Mateas e Andrew Stern, 2005) - narrativa procedural interativa

Figura 3– debris (farbrausch e .theprodukkt, 2007) - demo

(26)

Demoscene

A Demoscene define uma prática específica na programação criativa de computadores, com

ênfase na produção de apresentações procedurais que primam pela sua excelência técnica. Essas produções, chamadas demos, geralmente não são interativas e envolvem a geração em tempo

real de conteúdo visual e sonoro (ao ato de produzirdemos denomina-se “demoing”).

A origem das demos remonta às apresentações que acompanhavam os “cracks”, aplicativos que

permitiam remover a proteção contra pirataria de softwares comerciais - as apresentações serviam para informar ao usuário quem era o autor do “crack”. Assim, muitos não consideram ademoing

uma prática artística, por conta da sua ênfase nos aspectos técnicos e pela existência do elemento competitivo. Um dos critérios valorizados, por exemplo, é a elegância e eficiência do código produzido.

O coletivo farbrausch é uma das principais referências na área. Entre as suas produções estão debris (farbrausch e .theprodukkt, 2007), uma demo visualmente impressionante, mostrando

formas geométricas abstratas navegando por uma cidade tridimensional (fig. 3:25), e kkrieger (farbrausch e .theprodukkt, 2004), um jogo de tiro em primeira pessoa com gráficos e efeitos sonoros de qualidade comparável à de muitas produções comerciais do gênero. Todas estas pro-duções chamam a atenção devido à quantidade e qualidade de conteúdo gerado em comparação ao volume de código - por exemplo, o arquivo executável de kkrieger, isto é, todo o código necessário para a execução do jogo, ocupa apenas 96 kilobytes de memória.7

Independentemente de serem considerados “artistas” ou não, os participantes da Demoscene

possuem uma forte conexão com o que há de mais essencial no meio digital e no seu potencial expressivo, servindo de inspiração e referência entre programadores, designers e artistas da área.8

7URL do coletivo farbrausch: www.farbrausch.de

8Segundo o designer de jogos Will Wright, as estratégias procedurais de criação - e mais especificamente a

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Jogos - Agência Expressiva

Consideramos como jogos as criações de natureza procedural cuja característica predominante é a sua jogabilidade - apesar desta definição soar redundante, ela é necessária para esclarecer algumas intersecções que costumam ocorrer nesta área.

A maior parte dos jogos, mesmo os mais simples, contém algum tipo de elemento artístico ou expressivo, seja nos gráficos, som, diálogos ou enredo. Entretanto, estes elementos estão sempre a serviço da jogabilidade, ou são secundários em relação a ela - por definição, um jogo precisa conter metas ou desafios, testar o raciocínio ou os reflexos do jogador.9 Em nossa análise,

nos interessa a situação na qual a mecânica do jogo, isto é, sua lógica ou comportamento, é empregada de maneira poética ou expressiva.

No jogo Prince of Persia (Ubisoft, 2008) é possível verificar esta integração entre a jogabilidade e os aspectos poéticos e narrativos, na relação entre o protagonista e um dos personagens, como mostra Daniel Galera:

O início de Prince of Persia (...) estabelece não apenas as bases do enredo e as motivações dos personagens principais, mas sobretudo a relação entre os dois pro-tagonistas numa dimensão que ultrapassa o conceito clássico de narrativa que está presente no jogo em forma de diálogos automáticos e sequências cinemáticas. Você sabe que Elika precisa de você porque teve de carregá-la desfalecida nos braços após ela ter voado nos ares para te salvar; não é algo que te disseram, é algo que você fez controlando diretamente o personagem. (Galera, 2010:10)

A personagem Elika acompanha o jogador em sua jornada e lhe presta socorro quando este se vê em uma situação de perigo. Esta característica da “personalidade” desta personagem tem um importante papel nos momentos finais do jogo, quando o interator se vê diante de múltiplas cópias de Elika e precisa descobrir quem é a verdadeira. Para solucionar este problema, Galera relata que o jogador precisa saltar para a morte, sabendo que apenas a verdadeira Elika irá em seu socorro. Este evento não é explicado explicitamente em nenhum momento, mas emerge da dinâmica entre os personagens na mecânica do jogo.

O emprego expressivo que Prince of Persia faz da proceduralidade, entretanto, ainda é relati-vamente limitado - na maior parte do tempo, trata-se de um jogo de ação tradicional. Esta abordagem tem sido mais significativa entre as produções independentes, como é o caso de Braid (Jonathan Blow, 2008) (fig. 4:25) - à primeira vista, este parece se tratar de um “jogo de plataforma” tradicional, baseando grande parte da sua mecânica, personagens e mesmo enredo no clássico Super Mario Bros. (Nintendo, 1985).10

9Como exemplo, podemos citar as “cutscenes” (porções narrativas não interativas), que não são consideradas

como parte do jogo em si, mas sim elementos secundários, de apoio. Por conta disso, seu uso excessivo tende a ser criticado.

10O termo “jogo de plataforma” (ou “platform game”) é utilizado para denominar o gênero cuja mecânica

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Porém em Braid o jogador pode manipular o tempo de diversas formas, incluindo inverter o fluxo dos acontecimentos. Na prática, isso significa a possibilidade de desfazer erros, evitar perigos e experimentar novas possibilidades.

O que torna Braid particularmente relevante ao nosso estudo é que esta mecânica de “reversão do tempo” se integra à própria narrativa do jogo, que aborda temas como arrependimento, frustração e memória. Isto é, a poética se vê representada de maneira procedural, nas leis fundamentais que regem o próprio universo do jogo.

Quando você joga Braid, entra em um relacionamento com o seu criador não pela vir-tude da “história” que está sendo contada a você pelos fragmentos [de texto], nem pe-los quebra-cabeças que compõem suas fases. Ao invés,temas alegóricos emergem da dinâmica temporal do jogo, respondendo à questão “e se eu pudesse fazer isso de novo?” (Bogost, 2010)11

O tema da reversão do tempo define de maneira dramática os momentos finais do jogo, quando a princesa finalmente é encontrada, em poder do seu sequestrador. Ela consegue se soltar e corre acompanhada pelo jogador, que enfrenta uma série de perigos para garantir sua segu-rança. Porém, ao chegar no que parece ser o final da fase (e do jogo), a mesma situação se repete, mas ao contrário - a princesa agora escapa do protagonista e, no final, se joga nos braços de quem antes era considerado o vilão da história, seu verdadeiro herói.12

Outra situação que pode ser identificada na área de jogos é aquela na qual o aspecto poético ou expressivo predomina sobre o elemento da jogabilidade. É o que acontece em produções como Blueberry Garden (Erik Svedäng, 2009), cujo enredo deriva exclusivamente das regras do mundo virtual, The Graveyard (Tale of Tales, 2008), no qual o interator encarna uma senhora idosa a caminho da morte e Passage (Jason Rohrer, 2007), uma jornada cheia de simbolismo pelas várias etapas da vida de um homem. Geralmente se emprega uma terminologia diferente para designar este tipo de experiência, como Game Art (ou Arte de Jogo), por exemplo.13

A abordagem expressiva e artística à jogabilidade sempre existiu de alguma maneira e em alguma medida, mas nunca a produção nesta área foi tão fértil e amplamente discutida em um contexto acadêmico quanto nos últimos anos (APÊNDICE B:213).

11Grifo nosso. Documento digital sem numeração de páginas. Texto original: “When you play Braid, you enter

into a relationship with its creator not by virtue of the ’story’ being told to you through fragments, nor by the puzzles that comprise its levels. Rather, allegorical themes emerge from the game’s temporal dynamics, each of which answers the question, ’what if I could do it over again?”’

12Há um vídeo exibindo a situação descrita no seguinte URL:www.youtu.be/f1hRReQkaBs

13Para uma relação completa dos jogos, obras e outras referências citadas ao longo da dissertação, consulte as

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Agente de Linguagem Coreográfica (Random Dance)

O Choreographic Language Agent (CLA; ou “agente de linguagem coreográfica”) é um aplicativo voltado à criação de coreografias de dança. Representa um caso de emprego das estratégias procedurais como ferramenta de auxílio ao processo criativo, mas não diretamente na produção ou exibição de uma obra.

Descrito pelos seus criadores como um sistema “inteligente”, capaz de colaborar com um coreó-grafo, o CLA foi desenvolvido com a intenção de funcionar como uma extensão do processo criativo para a área da dança. Para isso, toma como base um determinado vocabulário de movi-mentos (as “palavras”) e propõe soluções de combinações (as “frases”). O sistema funciona a partir de uma gramática simples, e que toma como base o método criativo de um determinado artista (fig. 5:30).

Ao invés de tentar produzir um modelo geral de movimento, coreografia e sentido, esta ferramenta foca nos métodos individuais e mesmo idiossincráticos de um dado sistema de linguagem de movimento. (Downie et al., 2010)14

Além de servir como uma ferramenta de composição coreográfica, permitindo ao artista explorar e dialogar com as suas próprias ideias, o CLA também funciona como uma ponte entre o coreó-grafo e o dançarino, oferecendo um canal de formalização e materialização desta troca criativa.

A companhia Random Dance foi fundada nos anos 90 por Wayne McGregor, coreógrafo britânico conhecido pela maneira intensa e original pela qual explora as possibilidades expressivas do corpo humano através da dança. Suas produções tendem a amplificar a performance dos dançarinos, integrando à dança linguagens que vão desde o Cinema, passando pelas Artes Visuais, até a Música. McGregor trabalha na intersecção entre Arte, Ciência e Tecnologia, tendo explorado temas em áreas como a Psicologia, Biologia e Neurociência.15

O sistema CLA foi desenvolvido em parceria com o grupo OpenEnded, especializado no desen-volvimento de soluções de tecnologia para projetos de arte, e foi empregado no processo criativo da última produção da companhia, Far (2011).

Esta abordagem pragmática (e programática) na dança também pode ser identificada em outros artistas e pesquisadores, como o coreógrafo americano Merce Cunningham (1919-2009), criador do aplicativo de composição DanceForms, e a brasileira Analivia Cordeiro, que desenvolveu, juntamente com o programador Nilton Guedes, o sistema de notação Nota-Anna (baseado na notação para dança Laban).16

14Documento digital sem numeração de páginas. Texto original: “Rather than attempting to produce a general

model of movement, choreography, and meaning, this tool focuses on the individual and even idiosyncratic methods of a given language movement system.”

15URL da companhia Random Dance:

www.randomdance.org

16Note que o CLA difere destas abordagens essencialmente estáticas, no sentido em que o sistema é proposto

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(a)“Frase” sendo editada no aplicativo

(b)Registro de performance

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RandomFonts(Letterror)

RandomFonts trata-se de uma série de fontes do grupo Letterror baseada em estratégias proce-durais de criação. Nela, os caracteres não existem de maneira estática, mas sim como descrições (ou algoritmos). Cada elemento é gerado dinamicamente, à medida que é invocado na com-posição do texto.

A primeira fonte produzida pelo grupo a partir desta técnica foi a Beowolf. Seus caracteres e símbolos possuem uma aparência rústica e fragmentada, e cada instância gerada possui um contorno único, mesmo no caso de múltiplas instâncias de um mesmo caractere (fig. 6:32).17

O elemento aleatório não é o único empregado nas fontes procedurais do Letterror. Na fonte Twin, por exemplo, a geração dos caracteres se baseia nas características climáticas de uma determinada cidade, como a temperatura e o clima. Assim como em Beowolf, os caracteres da Twin possuem um contorno (ou aparência) dinâmica.

Assim, as RandomFonts tratam-se de um desvio do processo criativo tradicional. Após a definição do conceito ou aparência geral de uma determinada fonte, o que se segue não é a criação de letras, números e outros caracteres estáticos, mas sim a produção de algoritmos que descrevem estes elementos.18

Live Coding

Uma prática artística essencialmente voltada para a performance, no Live Coding os artistas

criam música, sons e imagens em tempo real através de programação. Geralmente são empre-gadas linguagens e plataformas de desenvolvimento específicas à apresentação ao vivo. Todo o processo é projetado em telões, nos quais o público pode ver o código sendo criado e mo-dificado pelo “performer programador” simultaneamente à sua execução - incluindo os erros e experimentos frustrados (fig. 7:32).

Embora os sistemas empregados noLive Codingnão sejam necessariamente limitados a

apresen-tações públicas, o ato da performance carrega um forte significado. Como o ato da programação e as demais manipulações realizadas pelo artista são constantemente visíveis ao público, fica evidente a primazia do processo (ou ideia) sobre o resultado final. A prática do Live Coding

celebra o processo criativo - a serendipidade é flagrada simultaneamente por todos os presentes, levando a uma cumplicidade única entre público e artista.

17Fontes de aparência irregular são comuns no design gráfico, como as que simulam a aparência de spray ou

stencil. Porém geralmente estas tratam-se de fontes estáticas - isto é, a irregularidade de cada caractere é sempre a mesma em todas as suas instâncias. Como vimos, este não é o caso da Beowolf.

18URL do grupo Letterror: www.letterror.com. Existem aplicativos que permitem ao público leigo criar fontes

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Figura 6– Beowolf (Letterror), da série RandomFonts - tipologia procedural

Figura 7– Registro de performance do coletivo de música e Live Coding slub (no detalhe, a

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1.2 Metodologia de Pesquisa

A seguir, apresentamos a metodologia que adotamos neste estudo, incluindo os critérios de seleção das referências e demais materiais consultados. Também fazemos uma introdução à dis-ciplina dos Estudos do Software (ou Software Studies), cujo enfoque cultural à tecnologia e ao software é referência à nossa própria abordagem. Convém notar que, enquanto o objeto desta pesquisa é de natureza essencialmente prática, a nossa perspectiva de análise sobre o tema é predominantemente analítica e teórica.

Esta pesquisa foi marcada por uma postura exploratória, principalmente nas etapas iniciais de leitura, fichamento e análise das referências. À medida que a estrutura e o recorte da disser-tação se definiam, a ênfase passou ao desenvolvimento e aprofundamento dos tópicos e temas identificados, garantindo a coesão e fechamento do texto.19

Baseamos nossas investigações na leitura e análise crítica de livros, periódicos (incluindo jornais e revistas), catálogos de exposições e congressos, artigos e outras publicações especializadas, além de palestras em áudio e vídeo, documentários e programas de televisão e rádio.20

As referências consultadas se concentram principalmente na área de intersecção definida pelo termo “Arte e Tecnologia”, incluindo Arte Computacional, jogos e outros temas relacionados às mídias digitais em geral, bem como no processo criativo de uma maneira mais ampla. Adicional-mente, consultamos referências de natureza técnica, principalmente relacionadas a linguagens de programação e algoritmos, bem como algumas fora da nossa área de atuação e experiência, como na Filosofia e nas Ciências Cognitivas.

Muitas das referências teóricas consultadas vêm dos próprios artistas, na forma de textos, artigos e relatos sobre o seu processo criativo. A produção criativa destes artistas também foi uma valiosa fonte de investigação e ponto de partida para as reflexões.21

19No final da dissertação propomos possíveis desenvolvimentos futuros aos tópicos tratados (pág. 181). 20Algumas destas referências foram consultadas online - nestes casos, o URL está indicado na bibliografia.

Este foi o caso da maioria das referências em áudio e vídeo (note que, apesar do suporte digital, algumas destas referências são denominadas como “programas de televisão” ou “programas de rádio”, principalmente por conta da similaridade no formato destes tipos de conteúdo com os correspondentes de natureza similar em meios tradi-cionais).

21Embora a abordagem desta pesquisa seja predominantemente teórica, minha própria produção artística e

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Estudos do Software

A disciplina dos Estudos do Software (ou Software Studies), sobre a qual baseamos nossa abor-dagem de estudo nesta pesquisa, se define como uma perspectiva cultural ao software e à pro-gramação. Assim, se opõe ao olhar técnico característico de áreas como a engenharia e a com-putação propriamente dita. O termo “estudos do software” foi empregado pela primeira vez pelo pesquisador Lev Manovich:

Para entender a lógica das novas mídias precisamos nos voltar à ciência da com-putação. É aí que podemos esperar encontrar os novos termos, categorias e operações que caracterizam as mídias que se tornaram programáveis. Dos estudos de novas mídias, passamos a algo que pode ser chamado de estudos do software; da teoria das mídias - à teoria do software. (Manovich, 2001:65)22

Manovich explica que a característica principal que define o meio digital - ou novas mídias - é a sua programabilidade. Assim, se por um lado a capacidade de armazenagem e velocidade de acesso aos dados e mesmo a interatividade são elementos significativos nas mídias digitais, por outro residiria na proceduralidade o seu diferencial sobre os meios tradicionais.23 Esta mudança

é tão significativa que o autor sugere a necessidade desta área de estudos específica, que possa fornecer os mecanismos teóricos e operacionais necessários para lidar com esta nova situação que se apresenta.24

Além de Manovich, entre os estudiosos atuando diretamente na área, ou de certa forma rela-cionados a ela, estão Noah Wardrip-Fruin (diretor associado da iniciativa Software Studies na Calit2, ao lado de Manovich), John Maeda (diretor associado de pesquisa do MIT Media Lab), Ben Fry e Casey Reas (criadores da linguagem de programação Processing, voltada para de-signers e artistas, tratada mais adiante nesta dissertação - pág. 133), entre outros. No Brasil, a iniciativa é coordenada por Cicero Silva, pesquisador e professor no Instituto de Artes e Design, na pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora, e curador de Arte Digital no Fórum da Cultura Digital Brasileira.

22O trecho em negrito aparece originalmente sublinhado. Texto original: “To understand the logic of new

media we need to turn to computer science. It is there that we may expect to find the new terms, categories and operations which characterize media which became programmable. From media studies, we move to something which can be called software studies; from media theory - to software theory.”

23O termo “novas mídias” (ou“new media”) denomina todo conteúdo midiático que se baseia fundamentalmente

nas mídias digitais e nas características que lhe são próprias. Assim, enquanto o Cinema e a Música estão relacionadas a mídias tradicionais, conteúdo procedural como aplicativos de computador, obras de Arte Generativa e jogos referem-se às “novas mídias” (2.2.2:62).

24Lev Manovich é autor e palestrante na área de novas mídias, professor de Artes Visuais na University of

(35)

Em 2008 a disciplina dos Estudos do Software passou a ser representada em uma série da editora MIT Press. O trecho a seguir faz parte do texto de introdução desta série:

O software está profundamente entrelaçado com a vida contemporânea - economi-camente, culturalmente, criativamente, politicamente - de maneiras tanto óbvias quanto praticamente invisíveis. Todavia, enquanto muito se escreve sobre como o software é utilizado, e as atividades que ele suporta e molda, o pensar sobre o soft-ware em si tem permanecido predominantemente técnico pela maior parte da sua história.25

A primeira publicação na série foi Software Studies: A Lexicon (Fuller, 2008), com textos de diversos autores em diferentes áreas e tópicos. Além de apresentar e explorar os fundamentos da disciplina, o livro serve como uma amostra das diferentes perspectivas e abordagens através das quais é possível estudar o software e a tecnologia de uma maneira mais ampla. Desde a análise do algoritmo como forma de arte, passando pelos aspectos sociais e políticos relacionados ao software, até discussões sobre técnicas de compressão, formatos de arquivo e tecnologias de transmissão de dados - sempre a partir de um enfoque cultural.

Segundo Matthew Fuller, editor da compilação, a intenção é causar um estranhamento perante a tecnologia, e principalmente de levar a uma postura reflexiva diante do software. Desta maneira, indo além das questões técnicas geralmente enfatizadas nas discussões nesta área, é possível ado-tar um ponto de vista mais crítico e informado. O autor identifica dois extremos que considera perigosos no emprego do meio digital: de um lado, a pretensão de acreditar que através do software é possível dominar a realidade, de outro, a limitação de se render à terminologia de especialistas e realizar apenas o que já se conhece.

No mesmo ano de 2008, Manovich lança um livro dando seguimento ao seu estudo sobre as novas mídias, tema cada vez mais onipresente e relevante, à medida que aumenta a importância e o papel da tecnologia na sociedade. O autor também trata das mudanças de paradigma causadas pelo processo de “softwarização” (ou “softwarization”) da cultura, além da influência das novas

interfaces e ferramentas - do que Manovich denomina como “software cultural” - na estética contemporânea.26

25FULLER, Matthew; MANOVICH, Lev; WARDRIP-FRUIN, Noah. Texto de apresentação da série Software

Studies (MIT Press). 2009. URL:http://mitpress.mit.edu/catalog/browse/browse.asp?btype=6&serid=179. Acesso em dez. 2011. Texto original: “Software is deeply woven into contemporary life - economically, culturally, creatively, politically - in manners both obvious and nearly invisible. Yet while much is written about how software is used, and the activities that it supports and shapes, thinking about software itself has remained largely technical for much of its history.”

26De acordo com o autor, o software cultural é uma categoria específica de aplicativos, pelos quais é possível

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Do início dos anos 90 até a metade da década de 2000, o software cultural substituiu a maior parte das demais tecnologias de mídia que emergiram nos séculos 19 e 20. A maior parte da cultura atual é criada e acessada através do software cultural - e ainda assim, surpreendentemente, poucas pessoas conhecem a sua história. (Manovich, 2008)27

É possível traçar um paralelo entre esta “softwarização da cultura” da qual trata Manovich e o conceito da “tecnologia branda” do artista e pesquisador Paulo Laurentiz (Laurentiz, 1991). Segundo Manovich, além da cultura estar se tornando software, as próprias funções do hardware se interiorizam (ou virtualizam), levando a uma existência e a interações cada vez mais “moles” (“soft”), e talvez assim mais humanas. Laurentiz sugere um percurso similar, ao falar do

“abran-damento” da relação entre o ser humano e a máquina, permitindo ao indivíduo sobressair-se à técnica (3.1:95).

Tomamos a abordagem e o contexto dos Estudos do Software como referência em nossa própria investigação sobre os processos criativos em meio digital, enfatizando o emprego expressivo da tecnologia e as implicações e significados que emanam do relacionamento entre artista e máquina. Além dos diálogos com autores, publicações e outras referências diretamente associadas à área, o enfoque particular desta disciplina permite uma leitura única de produções das mais diferentes áreas, inclusive lançando novos olhares a textos já conhecidos.

27Documento digital sem numeração de páginas. Texto original: “Between early 1990s and middle of the 2000s,

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1.3 Percurso da Dissertação

Nesta seção, apresentamos uma breve descrição da estrutura e do percurso desta dissertação, incluindo as principais referências empregadas. Os termos em negrito dentro de cada capítulo representam seções (subseções, quando existem, são indicadas em itálico).

1) Introdução

Trata-se do presente capítulo, apresentando asEstratégias Procedurais de Criação, através de alguns exemplos de obras, artistas, práticas e ferramentas (1.1:21), a Metodologia ado-tada na pesquisa (1.2:33) e esta descrição doPercursoda dissertação. Também inclui algumas

Considerações Iniciais(1.4:39) gerais relacionadas à pesquisa e sobre alguns dos tópicos recor-rentes.

2) Fundamentos

Conceitos e questões essenciais relacionadas às duas principais entidades envolvidas nas práticas criativas em meio digital - a Mente Criativa do artista (2.1:47) e a Máquina Digital, ou computador (2.2:55). Também são apresentadas as origens e fundamentos daArte Computa-cional(2.3:71).28

A Mente é tratada a partir da perspectiva doPensamento Formalizador,e são analisados alguns

conceitos relativos à Criatividade e Poética (Giannetti, 2006; Laurentiz, 1991; Cohen, 1999).

A Máquina Digital é examinada a partir da perspectiva da Formalização do Pensamento, são

apresentados aspectos fundamentais relacionados àNatureza do Meio Digital e a Comunicação Mente-Máquina, bem como a discussão sobre oAspecto Procedural, que distingue este meio dos

demais (Murray, 2003; Mateas e Stern, 2005; Mateas, 2003b). Por fim, a Arte Computacional é examinada, inicialmente a partir da relação mais fundamental entreArte e Técnica, seguida de

uma análise dasOrigens destas práticas artísticas em meio digital (Popper, 1993; Stiles e Selz,

1996; Couchot, 2003). Também são apresentadasAlgumas Considerações relevantes.

3) Processos Criativos em Meio Digital - uma Metodologia de Análise

São examinados aspectos fundamentais relacionados ao Processo Criativo (3.1:91) de uma maneira geral (Pareyson, 1989; Salles, 2009), bem como especificamente em Meio Digital

(Moles, 1990; Plaza e Tavares, 1998) (3.2:96). É proposta uma Metodologia de Análise

(3.3:100) sobre estas práticas - partimos da consideração das diferentes Influências e Con-tribuiçõesdos diversos elementos e participantes envolvidos no processo criativo, propondo uma

classificação deCamadas de Influência, que por sua vez serve de base à Metodologia de Análise.

28Este capítulo contém a maior parte dos conceitos fundamentais empregados ao longo da pesquisa. Desta

(38)

4) Poéticas Procedurais

Apresentação do objeto central desta pesquisa, a partir da noção da Ideia Como Processo

(4.1:121). São feitos Alguns Esclarecimentos com relação às Poéticas Procedurais e discute-se

a questão da Tradução (da Mente ao Código). Como recurso didático, é apresentado Scribbles

(um Algoritmo Comentado).

Também são examinadas as Origens das Poéticas Procedurais (4.2:131), bem como algu-mas Perspectivas de Análise(4.3:135) sobre estas práticas.

5) Reflexões

Neste capítulo são desenvolvidas as duas reflexões principais desta pesquisa. Primeiro, emUm Olhar Sobre o Pensamento Artístico (5.1:145) examinamos a perspectiva única que um

Olhar Procedural pode oferecer sobre os fenômenos do mundo e a mente humana, e a aplicação

desta estratégia investigativa sobre o Pensamento Artístico(em geral ou sobre práticas, obras e

artistas específicos).

A segunda reflexão trata sobre o papel fundamental das Poéticas Procedurais na consolidação do

Meio Digital Como Forma Expressivaindependente (Murray, 2003; Mateas e Stern, 2005) (5.2:155), propondo uma investigação sobre a Proceduralidade, um aspecto ainda relativamente

inexplorado nas mídias digitais. Também é abordado o tema da Consistência nas Estratégias Procedurais, bem como o contraste entre subjetividade e objetividade na Expressividade do Di-gital.

6) Entre Risco e Programa (Considerações Finais)

Recapitulação dos principais tópicos e discussões realizadas ao longo da dissertação e apre-sentação de algumas considerações e reflexões finais a partir da perspectiva mais ampla do relacionamento entre o ser humano e a máquina (pág. 171). Também são sugeridos possíveis futuros desenvolvimentos para esta pesquisa.

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1.4 Considerações Iniciais

Nesta seção final da introdução, apresentamos algumas considerações relativas a determinados temas recorrentes na dissertação, ou que de alguma forma se aplicam à pesquisa de uma maneira mais ampla.29

Poética e Arte

A ênfase desta pesquisa está principalmente no processo criativo, isto é, se refere mais às noções de poética e expressividade (bem como à noção mais ampla de criatividade) do que ao conceito de Arte, considerada como instituição, envolvendo aspectos sociais e comerciais, por exemplo. Assim, nas ocasiões em que tratamos de arte, o fazemos principalmente do ponto de vista da relação entre artista e meio produtivo, em contraste à relação entre o público (ou a crítica) e a obra, por exemplo.30

Conteúdo e Suporte

A investigação que realizamos sobre as obras e demais produções criativas e expressivas tratadas nesta pesquisa não se limita a tipos específicos de conteúdo - examinamos produções de natureza textual, visual, sonora, e assim por diante.31 Também não nos limitamos a um tipo de suporte ou

forma de exibição particular - nos interessa tanto uma obra procedural exibida em meio digital, quanto uma imagem gerada proceduralmente exibida em formato impresso, por exemplo -desde que sua poética predominante seja procedural.32 Isto é, nosso foco não se encontra na

materialidade das obras em si, mas sim nas estratégias expressivas envolvidas na sua concepção e criação.

Técnica e Poética

Em alguns momentos tratamos de aspectos técnicos relacionados às práticas, ferramentas e obras investigadas (como componentes físicos, algoritmos e linguagens de programação específicas). Entretanto, o fazemos sempre do ponto de vista do processo criativo e da sua relação com a poética do artista, a partir de uma perspectiva reflexiva. Assim, embora a tecnologia e a lógica computacional sejam um forte componente das práticas criativas examinadas, nosso foco de investigação se concentra principalmente nas questões poéticas.

29Seguem algumas informações sobre esta dissertação: documento criado com base nas diretrizes para

apresen-tação de dissertações da Universidade de São Paulo (URL:www.teses.usp.br); todas as citações estrangeiras são em inglês e foram traduzidas por nós; todas as transcrições de vídeo e áudio são nossas; todas as URLs e demais referências online foram acessadas e verificadas pela última vez em Dezembro de 2011; algumas das referências internas ao texto estão em formato condensado - por exemplo, “3.1:91” indica o capítulo 3, seção 1, página 91; a capa deste trabalho é uma composição com instâncias de execução do algoritmo Scribbles, de Adrian Ward (4.1.3:128) - cada cópia impressa desta dissertação possui uma capa única.

30Aprofundamo-nos sobre esta questão mais adiante (2.3.3:78). Para mais informações sobre a maneira como

empregamos determinados termos ao longo da dissertação, consulte o glossário (pág. 190).

31Também não fazemos distinção quanto ao formato ou natureza do conteúdo em si. Uma figura pode existir

em formato vetorial ou bitmap, e um conteúdo sonoro pode estar representado em forma de onda ou MIDI, por exemplo. Quanto à natureza, uma imagem pode representar uma estética fotográfica, de pintura ou de colagem, um arquivo sonoro pode conter uma composição musical, voz ou qualquer outro tipo de som, e assim por diante.

32Mais adiante retomamos esta diferença entre o emprego do computador como meio de produção ou design, e

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Objetividade e Subjetividade

Apesar de empregarmos uma abordagem predominantemente objetiva e sistemática em nossas investigações, isso não significa ou implica necessariamente que o pensamento, a expressividade ou a poética sejam desta mesma natureza. Como veremos mais adiante, da mesma forma que o alfabeto, um sistema de signos objetivo e discreto, pode representar os pensamentos subjetivos de um poeta (decodificados pelo leitor no momento da recepção), o estudo sobre a poética também pode ser de natureza sistemática (5.1.2:154).

Exploração e Reflexão

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No contexto desta pesquisa, o processo criativo é visto principalmente a partir do relacionamento entre umaMente Criativa(representando o artista) e aMáquina Digital (ou computador). Priorizamos esta perspectiva ao invés de outras abordagens, como a social, a institucional ou a técnica, por exemplo. Embora estes outros aspectos sejam certamente relevantes, nosso foco se encontra nos processos mentais do artista, na lógica do meio numérico e nas correspondências conceituais entre estes dois sistemas.

Este recorte foi definido por conta da natureza particular dos mecanismos envolvidos nas Poéti-cas Procedurais, manifestação criativa que tomamos como objeto central desta pesquisa. Como veremos mais adiante, as estratégias expressivas procedurais são baseadas na noção da ideia criativa considerada como processo, e traduzida (direta ou indiretamente) para a forma de al-goritmos em meio digital (4:117). Em outras palavras, refere-se à perspectiva da poética vista como metacriação.

Neste capítulo tratamos individualmente das características e elementos fundamentais das duas principais entidades envolvidas nas práticas criativas em meio digital - a Mente Criativa

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2.1 Mente Criativa

A mente humana é um universo vasto e ainda inexplorado em sua maior parte. Em nossa análise, não pretendemos nos aprofundar em aspectos psicológicos ou neurológicos, mas sim examinar a mente criativa especificamente a partir dos aspectos e elementos relevantes ao nosso objeto de estudo.

Nesta seção abordamos a tendência natural da mente humana à formalização do mundo, bem como alguns aspectos e conceitos fundamentais à atividade artística. Realizamos esta investi-gação a partir de um olhar predominantemente objetivo e sistemático.33

Para os propósitos desta pesquisa, assumimos como “mente” todos os processos envolvidos no pensamento humano, tanto consciente como inconsciente. Também consideramos, por motivos práticos, que estes processos ocorrem no substrato físico do corpo, principalmente no cérebro e no restante do sistema nervoso.

33A abordagem sistemática sobre o estudo da mente humana pode ser observada em uma diversidade de áreas,

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2.1.1 Pensamento Formalizador

A mente humana tem uma tendência natural a organizar os fenômenos e estímulos que nela adentram e transitam. A formalização destes estímulos, através dos mecanismos mais funda-mentais da percepção, da linguagem, dos pensamentos lógico e científico, a assim por diante, torna esta conteúdo acessível e manejável pelos processos mentais. Este aspecto também in-fluencia, modela e condiciona os estímulos que emergem do próprio processamento interno da mente, tanto em um nível consciente como inconsciente, na forma de pensamentos objetivos e subjetivos, incluindo os criativos, poéticos e artísticos.

Estudos nas áreas da Psicologia e da Neurociência têm mostrado que, mesmo nos níveis mais fundamentais e inconscientes, o cérebro humano possui mecanismos de categorização e orga-nização de informações. Estes mecanismos formalizadores não se tratam necessariamente de camadas adicionais, atuando sobre processos mentais supostamente “mais primitivos”, mas sim de uma característica da própria lógica de funcionamento da mente.

De acordo com o processo ou atividade realizada pela mente, é possível identificar diferentes níveis de formalização. Por exemplo, um sorriso pode comunicar felicidade ou satisfação, porém uma ideia complexa dificilmente poderia ser comunicada sem o emprego de uma linguagem formal que permita algum tipo de construção semântica. Isto é, para comunicar determinada ideia ou informação é necessário empregar uma linguagem que seja adequada à mensagem e compartilhada com o interlocutor.

Por outro lado, o pensamento racional, isto é, o ato individual de pensar objetivamente sobre algo (como resolver um problema de lógica, ou planejar a rota para uma viagem), geralmente acontece em um nível “abaixo” - ou mais fundamental - daquele da comunicação verbal. Assim, a princípio, não exige um tipo específico de formalização (de certa forma, esta situação equivale a uma comunicação entre duas entidades que compartilham plenamente do mesmo repertório).34

Em um grau de formalização ainda mais fundamental estariam os processos inconscientes, ina-cessíveis ao pensamento objetivo, porém de alguma forma organizados de acordo com a estrutura de funcionamento da mente.

Como mostram os estudos sobre a percepção, mesmo em um nível neural é possível identificar elementos de formalização, e que podem se refletir diretamente em níveis superiores do pensa-mento. Por exemplo, é possível identificar que um certo grupo de neurônios é ativado sempre que uma determinada configuração visual é percebida, como uma figura destacada diante de um fundo homogêneo.

34Note que estes diferentes níveis de abstração não correspondem necessariamente a graus de complexidade.

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De qualquer maneira, esta é uma construção mental criadaapós a observação deste fenômeno. Palavras e conceitos (como “figura” e “fundo”) não existem de maneira inata no cérebro, embora sejam geradas por ele e nele armazenadas.

Assim, teorias da mente, como as da Forma Visual, apesar de descreverem processos que podem ser verificados no cérebro e nos órgãos de percepção de um ser humano, não se tratam de “leis do mundo” - são maneiras como a mente formaliza, ou “esquematiza”, os fenômenos que lhe chegam, tornando-os “legíveis” (Moles, 1990:92).

Enfim, independentemente dos significados ou intenções específicas por trás destes atos de for-malização, é através deles que a mente se organiza e se comunica (com outras mentes e, como veremos adiante, com as máquinas).

2.1.2 Criatividade e Poética

Tratamos a seguir de alguns aspectos ou conceitos associados à mente criativa, e que consi-deramos particularmente relevantes para as discussões abordadas nesta dissertação - são eles:

criatividade,insight,intenção,poética,autoria eestilo.

Primeiro, analisamos a maneira como estes conceitos se relacionam entre si, e seu papel no pen-samento do artista e ao longo do processo criativo. Em seguida, examinamos cada um destes elementos individualmente (lembrando que todas estas definições se referem especificamente a um contexto criativo ou artístico).35

Oinsightconsiste no processo mental fundamental que leva ao surgimento de uma ideia inédita (pode ser involuntário ou dotado de alguma motivação específica). Esta ideia pode se desenvolver e dar início a um pensamento ou processo criativo.

Nesta pesquisa, consideramos o processo criativo de uma maneira fundamental, associado ao conceito da criatividade, isto é, não restrito às práticas artísticas (embora nossa perspectiva seja principalmente do ponto de vista poético, como veremos mais adiante). Note que “processo criativo” pode ser considerando tanto como o conceito em si, em relação a um determinado estilo ou gênero, ou então de maneira mais específica, referindo-se ao modo de fazer de um indivíduo, ou associado a uma produção específica.

Estiloou idioleto são formas particulares de se pensar e agir criativamente, embora geralmente estejam associadas a práticas artísticas, como o traço de um desenhista ou o ritmo de um músico.

35Esta análise não deve ser tomada de maneira rígida, uma vez que trata de conceitos relativamente subjetivos,

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O pensamento criativo - ou ideia - pode levar à definição de uma poética propriamente dita, quando há esta intenção por parte do artista. A poética é um determinado “modo de criar”, ou “programa operacional”, que descreve uma certa postura, gesto ou objeto (neste sentido, o desenvolvimento de uma poética também pode ser interpretado como um ato de metacriação). A execução desta poética, por sua vez, leva à materialização do gesto ou obra, com a qual o artista tem uma relação deautoria.

Fica estabelecida desta forma em linhas gerais a relação entre estes diferentes conceitos e aspec-tos da mente criativa. A seguir, aprofundamo-nos individualmente sobre estes elemenaspec-tos.

Insight

O insight pode ser visto como a manifestação mais fundamental da criatividade - é o momento no qual uma nova ideia surge, a partir da associação de ideias pré-existentes. No contexto desta pesquisa, o insight nos interessa sempre de maneira secundária, associado à questão do embate entre o artista e o meio digital (por exemplo, na análise da influência que uma determinada linguagem de programação pode ter sobre a formação de novas ideias).

Criatividade

A criatividade se refere à capacidade da mente de gerar novas ideias a partir da combinação, reorganização e transformação de ideias pré-existentes (isto é, a capacidade de produzir insights). De um ponto de vista mais amplo, seria a capacidade de dar origem, inventar ou imaginar algo (poético ou não). A criatividade também pode ser interpretada como um equilíbrio entre criação e redundância - se por um lado sua essência está no estabelecimento de associações inéditas, por outro, um mínimo de ordem e redundância é necessário para que as novas ideias possam ser materializadas ou comunicadas. Isto é, além de originais, as ideias devem ser “válidas” (Tijus, 1988).

Douglas Hofstadter, estudioso na área das Ciências Cognitivas, define criatividade a partir de um conceito mais subjetivo de harmonia, que se estabelece entre as ideias e a própria estrutura de funcionamento da mente. Segundo o autor, trata-se de um processo inapreensível, de certa forma “misterioso”, mas ao mesmo tempo uma manifestação humana tão objetiva (e mesmo mecânica) quanto um soluço (Hofstadter, 1979:673).

(51)

A nossa própria abordagem à criatividade é similar à do estudioso Harold Cohen, que evita o uso do termo “criatividade”, justamente por conta da sua multiplicidade de definições e da ambiguidade inerente ao conceito em si.

Mas o autor reconhece a existência do que ele chama de um “comportamento x” (ou “behaviour

x”), distinto da inteligência, e que possui determinadas características e aspectos particulares que podem ser de certa forma relacionados ao que seria um “comportamento criativo” (Cohen, 1999).36

Estilo

O estilo é definido por Umberto Eco como um “modo de formar” - uma marca reconhecível de um artista ou obra (Eco, 1981). Sua existência depende da repetição, e assim implica necessa-riamente algum grau de redundância (Bense, 1971).37

Alguns autores associam estilo à noção de “imperfeição”, isto é, a maneira particular pela qual um determinado artista “foge à regra” ou às formas convencionadas. Sob este ponto de vista, as ferramentas podem ser interpretadas como uma ameaça ao estilo, uma vez que seu uso tende a eliminar a subjetividade de determinadas etapas do processo criativo. Na Arte Computacional, por conta da alta complexidade das ferramentas envolvidas, esta questão se torna particularmente evidente e relevante.38

O estilo também se relaciona ao conceito de idioleto, definido como um emprego específico de uma determinada linguagem. Ambos influenciam diretamente a identidade criativa de um indivíduo, porém, o idioleto não se encontra necessariamente associado à noção de inovação ou subversão em relação às convenções da linguagem.39

36Os elementos fundamentais que caracterizam a existência deste “comportamento x” na mente de um indivíduo

seriam: a (1)emergênciade algo que não existia previamente de maneira explícita, a (2) consciência deste acontecimento por parte do indivíduo (conceito de “consciência” é empregado aqui no sentido de “percepção”, do termo em inglês “awareness”) e (3) amotivaçãode agir a partir das suas implicações (a motivação também pode ser relacionada ao conceito da intenção, tratado mais adiante). Também é necessário que o indivíduo tenha um (4)conhecimentomínimo, que sirva de base e ponto de partida para o processo.

37Wassily Kandinsky também define o estilo como a forma de um artista associada a um tempo (ou momento)

específico - sob esta perspectiva, um movimento artístico seria o “espírito de uma época” (Kandinsky, 1968).

38Examinamos esta questão em maior profundidade mais adiante, quando tratamos a respeito das diversas

influências e contribuições envolvidas nos processos criativos em meios digitais (3.3.1:100).

(52)

Poética

A poética pode ser definida como uma postura ou “modo de criar” único, essencialmente distinto daquele associado à criatividade de uma maneira mais ampla e às demais atividades humanas consideradas “não artísticas”. Pode estar associada a um determinado artista, obra ou série de produções, bem como a uma prática criativa específica, um movimento ou escola artística.

A existência de uma intenção poética diferencia a obra de arte de produções criativas em outras áreas, como na engenharia ou arquitetura, por exemplo.

À atividade artística é indispensável uma poética, explícita ou implícita, já que o artista pode passar sem um conceito de arte mas não sem um ideal, expresso ou inexpresso, de arte. (Pareyson, 1989:26)

É fato que, em áreas não-artísticas, o indivíduo criativo muitas vezes tem um “plano de criação”. Entretanto, este plano não se encontra necessariamente carregado de uma intenção artística ou expressiva. A postura poética se caracteriza como uma forma estética e de expressão que não poderia se manifestar de nenhuma outra maneira, conferindo à arte uma visão única do mundo.

No contexto desta dissertação, nos interessa particularmente a perspectiva da poética ou ideia do artista considerada como um programa, lei ou norma, a partir da qual um determinado gesto ou obra pode ser executado.

[A poética é um] programa operacional que o artista se propõe de cada vez, o projeto de obra a realizar tal como é entendido, explícita ou implicitamente, pelo artista. (Eco, 2003:24)

O filósofo Luigi Pareyson, por sua vez, define poética como um “programa de arte [que] traduz em termos normativos e operativos um determinado gosto, que, por sua vez, é toda a espiritualidade de uma pessoa ou de uma época projetada no campo da arte.” (Pareyson, 1989:21)

O autor apresenta uma noção dinâmica de obra de arte, como um organismo com “vida própria”, dotado de uma “legalidade interna” (Pareyson:33). Não se trata de uma lei no sentido estrito da palavra, mas sim de uma regra de formação própria.

Na arte a lei geral é a regra individual da obra a ser feita. (...)[A] única lei da arte é o critério do êxito. (...) Em arte, (...) a obra triunfa porque triunfa: triunfa porque

resulta tal como ela própria queria ser (...); desejada, na sua realidade, pelo autor, mas na sua interna coerência, por si mesma. (Pareyson:139)40

40Retomamos esta questão da coerência mais adiante, ao tratar sobre a consistência no contexto das Poéticas

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Evidentemente esta “legalidade interna” não existe de fato na obra em si, mas sim na forma de uma estratégia criativa na mente do artista. Isto é, mesmo que a lei de formação de uma obra possa ser deduzida a partir da sua estrutura, a referência original e definitiva é sempre o artista.

Retomamos esta perspectiva da poética como um “programa operacional” mais adiante, ao examinarmos as Poéticas Procedurais (4:117).41 Esta prática criativa, relativamente nova e

pouco explorada, dá seguimento a uma tendência de autorreflexão na arte, de se debruçar sobre os seus próprios mecanismos da criação, enfatizando o processo sobre o objeto.

A [articulação] da arte contemporânea que, cada vez mais, é reflexão de seu próprio problema (poesia de fazer poesia, arte sobre a arte, obra de arte como poética de si própria) leva-nos a dar-nos conta do facto de, em muitos dos produtos estéticos modernos, o projeto operativo que exprimem, a idéia de um modo de formar que realizam em concreto, se tornar cada vez mais importante para a compreensão do objecto formado (...) (Eco, 1981:123)

Intenção

A Intenção é um elemento fundamental à atividade artística. A princípio, para que uma deter-minada produção seja considerada uma obra de arte é necessário que haja intenção poética na sua idealização ou feitura, seja diretamente nos gestos envolvidos, ou na forma de um programa operacional mais amplo (Eco, 1981).42

Na arte de apropriação muitas vezes a participação do artista se dá quase exclusivamente na forma de uma declaração de intenção poética. Por exemplo, na obra Fountain, de Marcel Duchamp (1917), o objeto consiste basicamente de um urinol assinado com o nome “R. Mutt”. O urinol é reconhecido como uma obra de arte quase que exclusivamente por conta da existência desta intenção artística a ele associada.43

A questão da intenção é particularmente relevante nas práticas criativas relacionadas às Poéticas Procedurais, nas quais a obra é produzida por um computador, a partir de um programa ou processo definido pelo artista. Para muitos autores, este é um caso de coautoria entre o artista e o computador, ou mesmo de “criatividade artificial”. Outros discordam, uma vez que a máquina apenas executa o programa, isto é, não temintenção (esta, só poderia emanar do artista).

41Nesta situação, os dois sentidos pelos quais empregamos o termo “programa” - como poética (na mente do

artista) e como algoritmo (executável no computador) - de certa forma coincidem, ou se interseccionam. Além disso, a própria poética pode ser vista como uma espécie de metacriação, uma vez que contém em si os modos de fazer, leis e mecanismos para novas criações (Cramer, 2005).

42A intenção também se relaciona à idéia demotivação, bem como à noção de arbítrio, que seria a escolha

realizada a partir da vontade própria de um indivíduo (note que o conceito de arbitrariedade é muitas vezes tomado erroneamente como sinônimo de “aleatoriedade”, ou mesmo de ausência de critério).

43Não são apenas as produções da arte de apropriação que tem seu valor associado à intenção do artista por

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Autoria

Autoria é a relação que se estabelece entre o artista e sua obra. É um tema especialmente relevante na investigação do processo criativo, especificamente no que se refere à análise da natureza e intensidade das diferentes contribuições envolvidas na idealização e feitura de um determinado trabalho. No caso de uma obra produzida a partir da parceria entre dois artistas, geralmente a autoria é dividida entre ambos. Mas esta divisão não é tão clara no caso de um artista que delega a produção de suas obras a assistentes, por exemplo.

As próprias ferramentas representam potenciais situações de coautoria, na medida em que tratam-se de materializações de saberes e técnicas que antes habitavam a mente de outros indivíduos. Neste sentido, a máquina digital, como veremos a seguir, é uma espécie de “gesto humano depositado”, que existe não apenas de forma estática, mas como processo, de maneira dinâmica, levando a novas possibilidades e, consequentemente, novas complexidades.44

Ao longo desta seção, examinamos algumas características fundamentais da mente humana, além de conceitos e aspectos relacionados ao pensamento criativo e artístico. Na próxima seção, investigamos como as ferramentas e máquinas que criamos refletem, reproduzem, dão seguimento e expandem a natureza inerentemente formalizadora da mente humana.

44Alguns fatores a se considerar são a intenção de cada participante do processo, sua contribuição na poética

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2.2 Máquina Digital

A máquina é um gesto humano depositado, fixado, que se tornou estereotipia e poder de repetição.

(Simondon, 196945 apud Santos, 1994:48)

Desde o uso da pedra lascada, há milhões de anos, o ser humano tem criado ferramentas que lhe permitem exceder as limitações de força, resistência e precisão do corpo. Com a evolução destas invenções, também passaram a ser superados os limites damente, através de ferramentas capazes de realizar com precisão atividades complexas ou repetitivas, desde a caneta tinteiro, passando pela prensa, até a máquina digital (fig. 8:56).46

A máquina funciona como um “gesto humano depositado”, que se encontra deslocado para fora do corpo e da mente do indivíduo que a projetou ou construiu, e portanto independente da sua presença ou proximidade espacial ou temporal (isto é, o indivíduo não é mais necessário para a reprodução do gesto). Na máquina digital, este gesto torna-se programável, pode ser representado na forma de processo e ganhar autonomia.47

Nesta seção, tratamos de alguns conceitos e características fundamentais à máquina digital, relacionando a lógica do meio numérico com os mecanismos da mente humana, investigando a comunicação entre estas duas entidades por meio da programação. Por fim, apresentamos o elemento essencial que distingue o meio digital dos demais - o seuaspecto procedural.

45SIMONDON, Gilbert. Du mode d’existence des objets techniques. Aubier-Montaigne, 1969. (Coleção

Analyse et raisons, v. 1)

46O significado do conceito de “máquina” costuma variar entre diferentes autores. No contexto desta pesquisa,

consideramos “máquina” como uma ferramenta complexa, geralmente constituída de diferentes partes (os dispo-sitivos) que se comunicam entre si de forma a executar uma determinada atividade ou ação.

47Este “gesto” deve ser considerado de um ponto de vista estritamente prático - um certo movimento de mão,

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Referências

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