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Processo 0865/15

Data do documento 12 de julho de 2017

Relator

Carlos Carvalho

SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO | ADMINISTRATIVO

Acórdão

DESCRITORES

Responsabilidade civil extracontratual do estado > Nulidade de sentença > Dano não patrimonial

SUMÁRIO

I - Não é gerador da nulidade de sentença prevista na al. b) do n.º 1 do art. 668.º do CPC um eventual erro ou discordância quanto à fundamentação de facto e de direito dela constante, visto apenas a falta absoluta de fundamentação preenche tal alínea.

II - Não ocorre a nulidade inserta na al. c) do mesmo preceito se analisada a estrutura global da decisão judicial impugnada a respetiva conclusão decisória está logicamente encadeada com a motivação fáctico- jurídica nela desenvolvida, estando fora do âmbito da nulidade em análise pretensas situações de erro ou deficiente julgamento de facto e sua motivação/fundamentação.

III - No caso do falecimento de militares portugueses, ocorrido na Bósnia-Herzegovina, justifica-se que, de acordo com uma jurisprudência atualista, a indemnização por danos não patrimoniais seja arbitrada aos progenitores do militar solteiro em 25.000,00 € para a mãe e em 20.000,00 € para o pai, e para o cônjuge e filho do outro militar, respetivamente, em 25.000,00 € e em 20.000,00 €, tudo tal como se mostra peticionado.

TEXTO INTEGRAL

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

1.1. A………., B………, casados entre si, e C……….., viúva, por si e em representação do filho menor D…………, [doravante «AA.»], devidamente identificados nos autos, instauraram no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [TAC/L] a presente ação declarativa de condenação com processo comum, forma ordinária, nos termos dos arts. 71.º e ss. da LPTA, contra o “ESTADO PORTUGUÊS”

(2)

[doravante «R.»], peticionando, pelos fundamentos aduzidos no articulado inicial de fls. 02/19 dos autos, a condenação do R. no “… pagamento de uma indemnização repartida por danos patrimoniais relativos aos montantes que cada um deles auferia fora e dentro do serviço militar e à contribuição que cada um dava para os respetivos agregados familiares e danos não patrimoniais relativos ao direito à vida dos militares falecidos e ao sofrimento dos seus sucessores em: … Esc. 20.000.000$00 - [99.759,58 €] - para os 1.ºs AA., Esc. 10.000.000$00 - [49.879,79 €] - a título de danos patrimoniais e Esc. 10.000.000$00 - [49.879,79 €] - a título de danos não patrimoniais; … Esc. 20.000.000$00 - [99.759,58 €] - para os 2.ºs AA., também dividida em Esc. 10.000.000$00 - [49.879,79 €] - a título de danos patrimoniais e Esc. 10.000.000$00 - [49.879,79 €] - a título de danos não patrimoniais”, montantes estes acrescidos de juros de mora à taxa legal a contar da data de citação.

1.2. Na sua contestação o R. apresentou defesa [por exceção (prescrição) e por impugnação], pugnando pela absolvição do pedido [cfr. fls. 29 e segs.].

1.3. Foi proferido despacho saneador que improcedeu a exceção de prescrição e fixou matéria de facto assente e base instrutória, determinando o prosseguimento dos autos [cfr. fls. 226 e segs.], decisão essa que não foi alvo de qualquer impugnação.

1.4. Realizada a instrução e julgamento de facto através da decisão de fls. 364/367 dos autos, veio a ser proferida a sentença recorrida [cfr. fls. 377 e segs.], datada de 19.07.2011, a julgar a presente ação parcialmente procedente, condenando o R. no pagamento a cada uma das AA. [1.ª e 2.ª A.] da quantia de 10.000,00 €, quantia essa devida a título de danos não patrimoniais e que era acrescida de “juros de mora contados desde a data da sentença”, e absolvendo do demais pedido o R..

1.5. Os AA., inconformados, interpuseram recurso jurisdicional, concluindo nos termos de síntese conclusiva que se reproduz [cfr. fls. 403 e fls. 409 e segs.]:

“...

1.ª - Os recorrentes, considerando a data da ocorrência dos factos (janeiro de 1996), a entrada da ação em juízo (janeiro de 2001) a data da prolação do douto despacho saneador (outubro de 2008), a data do início da audiência e discussão em Julgamento (setembro de 2010), e a prolação da douta sentença (setembro de 2011), não podem deixar de destacar a dificuldade, a controvérsia e o melindre das questões que se levantaram acerca da matéria que consta dos autos;

2.ª - Começam por lamentar a postura que o Estado Português teve no que diz respeito à sonegação do processo de inquérito, aquele que elucidava as famílias dos militares desaparecidos, acerca de como os factos ocorreram;

3.ª - E não fora a destreza mental que os recorrentes acabaram por revelar, concretamente na procura dos factos através da análise do processo que serviu de base à instrução na Caixa Geral de Aposentações da atribuição da pensão preço de sangue, ou o recurso a alguma diligência judicial prévia à instalação da ação judicial, não teriam os recorrentes factos para articular na petição inicial;

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4.ª - O Estado Português ao longo da sua história, sempre se tem revelado através de comportamentos, muitas vezes altivos e nobres, mas muitas outras vezes também, através de comportamentos menos dignos e altamente censuráveis;

5.ª - E não se diga que o Estado tem que ter sempre esta postura por se tratar de matéria de natureza militar, a qual é sempre tratada sob grande sigilo, apenas ao alcance de muito poucos cidadãos - não - quando se trata de militares enviados em missão, filhos, pais e irmãos de outros concidadãos, recai sobre ele a obrigação de informar, pelo menos, aqueles entes mais próximos se alguma coisa corre mal;

6.ª - A inocência e a ingenuidade com que preparou em 1994/1995 os diversos militares cuja missão já se antevia para os países Balcãs é: simplesmente aterradora e grosseira;

7.ª - Na realidade, a título de exemplo, sabendo-se de antemão que nos países em questão, nos meses de inverno, muitas vezes, por longos períodos de tempo as temperaturas não sobem para cima dos 0 graus, sendo frequente a manutenção de temperaturas negativas, não levarem na sua bagagem equipamento adequado para suportar a simples existência do ser humano é… deveras aterrador;

8.ª - Embora não se tenha discutido nos presentes autos a matéria acabada de descrever, eram frequentes à data, os relatos dos militares através dos meios de comunicação social e veiculados, muitas das vezes por familiares, para que nenhum procedimento disciplinar lhes fosse infligido;

9.ª - Fazer deslocar militares para solo estrangeiro em 1995/1996, tendo-lhes ministrado instrução militar com armas provenientes da Guerra do Ultramar é, ou melhor, construi ACTO SUICIDA;

10.ª - E na falta de se encontrarem os verdadeiros responsáveis por aquela missão suicida, quase todos eles, provavelmente já aposentados e muito bem pagos, EM ÚLTIMA INSTÂNCIA, É O ESTADO PORTUGUÊS responsável por atos cometidos por ação e por omissão por chefias militares e agentes políticos, todos eles conhecedores da insuficiência da instrução militar que estava a ser ministrada;

11.ª - Como sempre, ao bom espírito português - que se vai acabando por desenrascar - acabaram os militares enviados para aqueles países, naquelas primeiras missões, por ter beneficiado do fator sorte;

12.ª - Em questões dessa natureza, não pode, em qualquer circunstância sempre o Estado «pensar» que o fator sorte acompanhará os militares portugueses, como tivessem sobre a sua cabeça alguma «estrelinha»;

13.ª - O falecimento destes dois militares, praticamente uma semana após ter dado início à primeira missão nos países Balcãs, o que constituía de algum modo novidade, considerando ser esta a primeira missão militar, após a Guerra no Ultramar, teve como consequência, muito provavelmente o salvamento de muitas outras vidas;

14.ª - Os militares em causa colocados a limpar umas antigas instalações para ali se instalarem, as quais já tinham sido objeto de despistagem de material militar, procederam na íntegra em obediência da instrução que lhes fora ministrada;

15.ª - Apanharam objetos que desconheciam a sua origem e para que é que serviam, tendo-os colocado no cimo de um muro;

16.ª - Deram conhecimento ao seu comandante, em obediência às regras que lhes acabaram de ser ensinadas: em material que se desconhece, a regra é nunca mexer e, não trazer para casa troféus de guerra, sendo certo que no primeiro deles, efetivamente de natureza militar, já quanto ao segundo, o mesmo faz parte de frases alusivas a não mexer em património que é alheio;

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17.ª - Só após o seu comandante, um oficial, lhes ter dado permissão e assentimento de que poderiam manusear os objetos estranhos acabado de encontrar é que eles se permitiram a tal liberdade;

18.ª - Ou seja, os militares fizeram tudo o que estava ao seu alcance e que lhe fora ensinado: respeitar na íntegra a cadeia hierárquica de comando;

19.ª - A mais não estavam obrigados, correspondendo versão contrária, a uma autêntica violência, proporcional à aquela que acima se fez alusão, do envio de militares para solo estrangeiro, para longe do seio das suas famílias sem que levassem equipamento suficiente para se defender... até do frio;

20.ª - Frisa-se que só após a explosão, é que o objeto foi identificado como um engenho militar. Se a instrução militar tivesse sido adequada, reconhecendo que simples soldados, fora da sua especialidade, pudessem não ter capacidade de discernimento para avaliar se o objeto poderia ou não ser manuseado - já um oficial teria outra obrigação, concretamente a de saber identificar o referido objeto e lhe dar o tratamento adequado;

21.ª - Verifica-se deste modo que os oficiais intermédios, aqueles que estão no campo a chefiar batalhões e pelotões com centenas de homens, também não tinham conhecimento da origem daquele objeto - o que poderia ter sido evitado se as chefias militares, em permanente reuniões com oficiais de outros países tivessem feito «o trabalho de casa»;

22.ª - Que existem culpados em concreto, existem, e encontravam-se, se o Estado procedesse a um inquérito rigoroso. À falta dele, atenta e considerando a negligência com que se atuou, tem o Estado de ser responsabilizado e assumir sua obrigação;

23.ª - Os recorrentes trouxeram para a petição inicial factos que traduzem a forma séria, honesta, humilde e discreta com que trataram toda a situação;

24.ª - Não participaram criminalmente de ninguém, não deram espetáculos na comunicação social, descreveram o seu sofrimento de forma digna, tendo revelado grande maturidade e respeito por toda a gente que à volta do caso gravitava;

25.ª - As alíneas RR), os militares falecidos à data do óbito eram jovens saudáveis; SS) o E………. era o mais velho de três irmãos e o F…………. tinha constituído família, composta por mulher e filho de meses;

UU) eram ambos jovens bem integrados na sociedade, aceites e respeitados por todos; VV) e especialmente acarinhados no seio das respetivas famílias; WW) a mãe do E……….., primeira Autora, desde a data do falecimento, passou noites sem dormir; XX) a esposa do F……….., segunda Autora após o seu falecimento passou noites sem dormir;

26.ª - Esta matéria vinha encadeada nos artigos 76.º e seguintes da petição inicial constando no artigo 86.º, que o seu falecimento constituiu uma perda irreparável que ainda hoje e até ao fim da vida qualquer dos Autores não esquece, nem esquecerá e no artigo 87.º, passando os progenitores do primeiro Autor noites sem dormir, especialmente a mãe, o mesmo acontecendo com a esposa do F……… a segunda Autora mulher;

27.ª - O facto de parte desta matéria não ter sido transposta para matéria controvertida da base instrutória, cuja responsabilidade também reconhece, passou pelos Autores, não é razão suficiente para se atribuir «apenas» 10.000,00 € a cada uma das Autoras mulheres, excluindo-se os Autores, respetivamente pai e filho dos falecidos;

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28.ª - Os Autores aceitam o raciocínio constante da douta sentença, como correto, ou seja, a pensão preço de sangue é adequada para ressarcir danos patrimoniais; a quantia entregue no âmbito no DL n.º 324/85 de 6 de agosto é adequada a ressarcir o direito à vida dos militares, ou dano morte; faltando, pois, os sucessores legais serem ressarcidos a título de danos não patrimoniais que sofreram, pelo falecimento dos militares;

29.ª - Considerando a falta de critério objetivo no que diz respeito à atribuição de indemnização por danos não patrimoniais «manda» a lei que o valor dessa indemnização seja encontrado à luz do caso concreto, da culpa do agente, situação económica, entre outros;

30.ª - A indemnização deve ser equitativa por norma a minorar os danos sofridos por aqueles que cá ficam para que de alguma maneira possam viver com menos sofrimento, e com mais alegria;

31.ª - Considerando os critérios que a Jurisprudência dos Tribunais Superiores tem aplicado, até mesmo na sinistralidade automóvel, se outro sofrimento mais extenso e mais profundo não resultar provado, é adequado atribuir-se à recorrente B……….. e à recorrente C……….. (porque relativamente a estas, mais prova se produziu), a quantia de 25.000,00 €, mostrando-se, pois, insuficiente a quantia atribuída pela douta sentença, de 10.000,00 €;

32.ª - Mostra-se adequado, o valor a ser atribuído ao Autor A……… e Autor D…………, quantia não inferior a 20.000,00 € para cada um;

33.ª - Na realidade, a prova feita relativamente a cada um destes Autores poderá ter sido reduzida, mas mostra-se suficiente e capaz para que lhes seja atribuída indemnização, e não terem sido excluídos como a douta decisão acabou por fazer;

34.ª - Está-se aqui a falar do desaparecimento de dois jovens, ambos com 24 anos de idade, bem integrados na sociedade, aceites e respeitados por todos e especialmente acarinhados no seio das respetivas famílias;

35.ª - Esta matéria revela-se capaz e suficiente para alicerçar a tese de todos os recorrentes, incluindo uma criança que perdeu o Pai com 10 meses de idade, tendo a respetiva ação judicial dado entrada em juízo ainda o mesmo não tinha 6 anos de idade;

36.ª - Face ao exposto deve o valor atribuído a título de indemnização por danos não patrimoniais às Autoras B………. e C………. ser elevado de 10.000,00 € para 25.000,00 € a cada uma delas, e ser atribuído aos Autores A………. e D……….., uma indemnização pelos mesmos danos das coautoras, no valor de 20.000,00 € para cada um deles, alterando-se, por conseguinte, a douta decisão ...”.

1.6. O R., de igual modo inconformado, interpôs recurso jurisdicional, concluindo nos termos de síntese conclusiva que se reproduz [cfr. fls. 404 e fls. 442 e segs.]:

“...

1) A sentença recorrida é nula, padecendo de erro de fundamentação, tendo, por isso, violado o disposto no artigo 668.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil.

2) Viola, assim, o disposto no artigo 668.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil.

3) Viola, ainda, o disposto no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de novembro de 1967 ...”.

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1.7. Devidamente notificado o R. veio produzir contra-alegações [cfr. fls. 451] nas quais, sem formular qualquer quadro conclusivo, refere que “reproduz aqui, para todos os efeitos legais, as motivações de recurso por si apresentadas, reafirmando, em síntese, que: (…) não se está perante a obrigação de indemnizar por parte do Estado Português, porquanto não se verificaram, cumulativamente, os pressupostos de responsabilidade civil previstos no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de novembro de 1967”.

1.8. Também devidamente notificados os AA., aqui ora recorridos, vieram produzir contra-alegações [cfr.

fls. 485 e segs.] nas quais, concluem nos termos seguintes:

“…

01ª - O recorrente Estado Português veio no seu recurso impugnar a matéria de facto, concretamente, no ponto III «Impugnação da Decisão de Facto», não tendo, conforme ónus que lhe cabe, nos termos do artigo 640.º, do NCPC apontado os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; não apontou os concretos meios probatórios constantes do processo ou de gravação nele realizado que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; não procedeu à transcrição da prova gravada muito embora tivesse feito referência ao depoimento prestado por testemunhas, pelo que, nos termos daquele dispositivo legal e de outros dispositivos análogos constantes de Códigos de Processo Civil anteriores, quando a matéria de facto é impugnada, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição o que acima se identifica, devendo pois o recurso interposto pelo Estado Português ser rejeitado;

02ª - Ainda assim, à cautela, os recorridos procederam à transcrição do depoimento das testemunhas, as quais são unânimes em referir a falta de preparação e formação adequada que não foi ministrada em período anterior à sua deslocação para solo estrangeiro em missão das Nações Unidas, concretamente, todas elas dizendo que a base dessa formação assentou em armamento utilizado nas décadas de 60 e 70 na Guerra do Ultramar, do passado século XX;

03ª - Os militares falecidos cuja especialidade era de apoio à Brigada Aerotransportada, consistindo a sua missão em dar apoio logístico às tropas que estavam na linha da frente, não estavam os mesmos familiarizados com engenhos explosivos, porquanto, a formação aconteceu em forma de palestras sobre várias áreas, uma vez que os mesmos não iriam ter contacto habitual com material de guerra;

04ª - As tarefas que lhe foram incumbidas naquele dia, de limpeza de um telhado num imóvel onde iriam ficar instalados, para além de já terem sido dadas como limpas pelo contingente italiano, existia sobre o mesmo telhado um manto de neve de quase um metro de altura, não correspondendo essa tarefa propriamente dita com a sua especialidade militar e a pouca formação lhes fora ministrada;

05ª - Considerando o elevado número de objetos ainda encontrado naquele telhado, todos eles foram arremessados para o solo e colocados em cima de um muro, tendo os militares dado a conhecê-los aos superiores hierárquicos que, todavia, não identificaram aquele objeto em concreto como um engenho explosivo se tratasse;

06.ª - Quer isto dizer que os militares falecidos cumpriram escrupulosamente os seus deveres de militares na medida em que face a objetos desconhecidos, os deram a conhecer a superiores hierárquicos, não

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tendo estes em alguma ocasião lhes dado qualquer ordem para que não fossem portadores do mesmo para qualquer local, incluindo a caserna;

07.ª - O objeto desconhecido que mais tarde foi identificado como engenho explosivo era do conhecimento do Estado-Maior, mas que, tal informação não foi convenientemente transmitida para os oficiais subalternos, sargentos, cabos e praças que se encontravam no terreno, denotando deste modo falha grave na falta de passagem de informação extremamente relevante para que se pudessem precaver situações como aquela que acabou por ocorrer;

08.ª - Ao contrário do que o recorrente afirma, o objeto em causa não constituía um troféu de guerra, posto que dado a conhecer aos superiores hierárquicos, não o identificaram como tal e não lhes deram a ordem para que não os pudessem manusear, não tendo, pois, infringido qualquer regra que constasse do pequeno manual que lhes fora fornecido antes da sua deslocação para solo estrangeiro;

09.ª - A fatalidade ocorreu por um conjunto de circunstâncias assentes na falta de preparação e formação que não lhes foi ministrada em momento anterior à sua missão; por haver falta de correspondência entre a especialidade militar e as tarefas concretas de que foram incumbidos, tendo a zona sido dada como limpa de materiais explosivos; por falta de identificação por parte dos superiores hierárquicos daquele objeto como um engenho explosivo, tendo os militares respeitado o dever de obediência quando isolaram o objeto no cimo de um muro, o deram a conhecer a superiores hierárquicos, não tendo recebido qualquer ordem em contrário quanto ao seu manuseamento, sendo do conhecimento das chefias militares a sua existência, que por incúria, constitui informação que não foi transmitida a quem se encontrava no terreno, oficias subalternos, sargentos, cabos e praças.

Face ao exposto, a douta sentença não é nula, não padece de erro de fundamentação, não tendo violado o disposto nas alíneas b) e c), do n.º 1, do artigo 668.º do CPC em vigor à altura nem violado o disposto no artigo 9.º, do DL n.º 48051 de 2l de novembro de 1967, pelo que, por conseguinte, deve o recurso interposto pelo Estado Português ser julgado totalmente improcedente …”.

1.9. Foi proferido despacho a fls. 454 dos autos sustentando a improcedência das nulidades que haviam sido invocadas pelo R. nas suas alegações.

1.10. Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir em Conferência.

2. DAS QUESTÕES A DECIDIR

Presentes os termos dos recursos jurisdicionais que se mostram interpostos nos autos importa que se aprecie:

a) quanto ao recurso interposto pelos AA., do alegado erro de julgamento assacado à sentença por infração ao preceituado nos arts. 494.º e 496.º do CC;

b) quanto ao recurso interposto pelo R. dirigido à mesma decisão, para além da questão prévia relativa à inadmissibilidade do recurso no segmento em que se visou impugnar o julgamento de facto,

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ainda das alegadas nulidades de decisão [dada a infração das als. b) e c) do n.º 1 do art. 668.º do CPC], e do alegado erro de julgamento de direito [dada a ausência de verificação in casu dos requisitos exigidos pelo art. 09.º do DL n.º 48051] [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].

3. FUNDAMENTAÇÃO 3.1. DE FACTO

Resulta como assente na decisão judicial recorrida o seguinte quadro factual:

I) Os 1.ºs AA. são pais de E………….. e os 2.ºs AA. são viúva e filho de F………. [cfr. docs. de fls. 22/23 dos autos];

II) E……… e F………… integravam o contingente português na Bósnia - Herzegovina, ao serviço da

«IFOR»;

III) Foram contratados para prestação de serviços pelo Ministério da Defesa Nacional ao abrigo do DL n.º 34-A/90, de 24.01, e embarcaram para a Bósnia-Herzegovina a 16.01.1996;

IV) Os militares identificados em II) eram ambos 1.ºs cabos, o 1.º com especialidade em abastecimento aéreo, paraquedista e condutor auto e o 2.º paraquedista e identificavam-se com os n.ºs mecanográficos

………. e …………, respetivamente;

V) Foram colocados no teatro de operações da «IFOR», na zona afeta à Brigada Italiana, em Vogosca, arredores de Sarajevo, no edifício de uma antiga escola convertido em aquartelamento do batalhão Logístico Italiano;

VI) Foi-lhes ordenada a remoção de escombros numa fábrica pertencente à «Volkswagen», nos arredores de Sarajevo, para permitir a instalação do destacamento de apoio e serviços;

VII) No dia 24.01.1996 os militares identificados em II), por ordem superior, colocaram-se no teto das instalações da fábrica com a finalidade de recolherem chapas de alumínio (…) para cobrir os buracos existentes;

VIII) O militar E……….. recolheu alguns objetos do referido teto e lançou-os ao solo;

IX) Os referidos objetos foram recolhidos para o cimo de um muro ali existente;

X) Tendo o E………., quando desceu do telhado, guardado alguns deles, que transportou para o interior da camarata onde dormiam;

XI) Ao final do dia, encontravam-se os militares a discutir, no interior da camarata, acerca de um dos objetos recolhidos, estando o E………., o F……….. e um dos soldados italianos sentados em cada uma das camas, que se encontravam dispostas umas em frente às outras, e o outro militar italiano de pé;

XII) G……….. estava a cerca de 03 metros do local, à porta da caserna;

XIII) O E…………. segurava o objeto na mão;

XIV) E o militar italiano que se encontrava junto dele mexia num mecanismo existente no topo desse objeto;

XV) Após o que o referido objeto explodiu;

XVI) Da explosão resultaram lesões graves nos militares ali presentes;

XVII) Que resultaram na morte do E………., do F………….. e de um soldado italiano;

XVIII) O objeto que explodiu era um engenho explosivo de reduzidas dimensões;

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XIX) E encontrava-se oxidado por ferrugem e não era visível qualquer pedaço de tecido de onde se pudesse concluir que com a sua remoção viesse a explodir;

XX) Um dos militares presentes puxou o pedaço de tecido provocando a explosão do objeto;

XXI) No relatório final elaborado pelo Ministério da Defesa consta que as causas do acidente foram: (1) curiosidade por parte do 1.º cabo/paraquedista E………… em descobrir que tipo de engenho se tratava; (2) desconhecimento do sistema de funcionamento do engenho; (3) desconhecimento dos efeitos;

XXII) Não houve autorização superior para que o objeto mencionado em XVIII) fosse transportado de um lado para o outro;

XXIII) O R. reconheceu que a morte dos militares ocorreu em serviço, nas circunstâncias previstas no art.

02.º/1/a) do DL n.º 404/82, de 24.09;

XXIV) E enquadrou os referidos militares e os seus sucessores com direito a pensão de preço de sangue, por Resolução do Conselho de Ministros;

XXV) Os l.ºs AA. recebiam, à data da propositura da ação, a título de pensão por preço de sangue, a quantia de 254.39 € [127,70 € cada um];

XXVI) E os 2.ºs AA. recebiam 354.15 € [178,07 € para cada um];

XXVII) O R. entregou aos 1.ºs AA. e aos 2.ºs a quantia de 50.000,00 € através dos despachos conjuntos n.ºs 893/99 e 894/99, de 30.09, nos termos do disposto nos arts. 01.º e 03.º do DL n.º 324/85, de 06.08, e art. 03.º do DL n.º 215/87, de 29.05;

XXVIII) Os militares contavam, à data do falecimento, 24 anos de idade;

XXIX) No cartão individual para praças, entregue a todos os militares que participavam naquela missão humanitária, constava a seguinte regra: “Não recolher troféus de guerra” [fls. 122];

XXX) Os militares falecidos foram incorporados no corpo de tropas paraquedistas a 08.02.1992 e colocados na base escola de tropas paraquedistas;

XXXI) Onde foram sujeitos a instrução, treino e formação;

XXXII) E frequentaram vários cursos e estágios de formação profissional militar [fls. 123-136];

XXXIII) Em fevereiro de 1994 essas tropas passaram a integrar o exército, no Comando das Tropas Aerotransportadas;

XXXIV) A duração máxima permitida para o serviço efetivo em regime de contrato era de 08 anos, nos termos do art. 03.º da LSM, na redação dada pela Lei n.º 22/91, de 19.06;

XXXV) Os militares falecidos iniciaram os respetivos contratos a 01.02.1993;

XXXVI) Auferiam, como vencimento, no ano de 1996 e estando no território nacional, a quantia de 596.56

€ ilíquidos [fls. 138];

XXXVII) E em território bósnio, a título de ajudas de custo, a quantia de 704,80 € [fls. 139-140];

XXXVIII) Cada contingente cumpria apenas 06 meses em território bósnio [fls. 139-140];

XXXIX) Os soldados falecidos deslocaram-se ao território bósnio no âmbito das funções que exerciam;

XL) O engenho explosivo identificado em XVIII) deflagra por efeito do embate em superfícies duras;

XLI) Os militares em causa nunca tinham estado no teatro de operações em qualquer parte do mundo;

XLII) O engenho que foi encontrado nunca fez parte dos manuais de instruções dos militares portugueses;

XLIII) Apenas após o acidente, o engenho foi identificado como um engenho explosivo;

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XLIV) Os militares falecidos, à data do óbito, eram jovens saudáveis;

XLV) O E…………. era o mais velho de 03 irmãos e o F………… tinha constituído família, composta por mulher e filho de meses;

XLVI) O E……….. e o F…………. eram, antes de cumprirem o serviço militar obrigatório, empregados de hotelaria;

XLVII) Eram ambos jovens bem integrados na sociedade, aceites e respeitados por todos;

XLVIII) E especialmente acarinhados no seio das respetivas famílias;

XLIX) A mãe do E……….., 1.ª Autora, desde a data do falecimento, passou noites em dormir;

L) A esposa do F………….., 2.ª Autora, após o falecimento passou noites sem dormir;

LI) O E……… prestava ajuda financeira à família;

LII) Os sucessores do soldado italiano receberam, ambos, a quantia total de 77.468,47 € [doc. de fls. 354];

LIII) Em todas as circunstâncias, no teatro das operações, perante objetos estranhos e desconhecidos, a regra é nunca mexer;

LIV) A tropa aerotransportada é uma tropa especial cuja função, naquela missão, era assegurar a ligação entre o desembarque e o transporte até à base logística.

*

3.2. DE DIREITO

Presente o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação dos recursos jurisdicionais e questões que nos mesmos se mostram postas, apreciação essa que se fará começando pelo recurso interposto pelo R. pelas consequências ou implicações advenientes duma eventual procedência das questões que no mesmo foram suscitadas.

*

3.2.1. DO RECURSO JURISDICIONAL INTERPOSTO PELO R.

I. Argumentam os AA./recorridos que o recurso jurisdicional interposto pelo R. no segmento relativo à impugnação do julgamento de facto deve ser rejeitado já que o R. incumpriu o ónus que lhe era imposto pelos arts. 690.º e 690.º-A do CPC ex vi dos arts. 01.º e 102.º da LPTA [atuais arts. 639.º e 640.º, do CPC/2013], visto não haver indicado os concretos pontos de facto que reputa de incorretamente julgados, nem também indicou os concretos meios probatórios a considerar.

II. Derivava do art. 690.º-A do CPC, no que releva para a apreciação da questão sob análise, que “[q]uando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” [n.º 1],

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sendo que “[n]o caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na ata, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C” [n.º 2].

III. E em aplicação do ali previsto este Supremo afirmou que a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto faz impender sobre o recorrente “a obrigação de especificar ou indicar, sob pena de rejeição, quer «os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados» (al. a), quer os

«concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida» (al. b))” [cfr., entre outros, Acs. de 03.07.2007 - Proc. n.º 01107/06, de 09.10.2012 - Proc. n.º 0565/12 in:

«www.dgsi.pt/jsta» - sítio a que se reportarão todas as demais citações de acórdãos deste Tribunal sem expressa referência em contrário].

IV. No caso vertente percorridas as alegações de recurso produzidas pelo R. constata-se que, pretendendo impugnar o julgamento de facto [cfr. seu ponto III], fá-lo, é certo, de forma que prima pouco pela perfeição e que está longe de constituir um modelo, já que, para além de enunciar vários pontos de facto que se mostram fixados e com os quais concorda, de aludir a depoimentos de determinadas testemunhas e de reproduzir ou ater-se a vários trechos da sentença [desenvolvidos a propósito da análise dos requisitos/pressupostos responsabilidade civil extracontratual relativos à ilicitude e à culpa do R. e dos soldados falecidos - cfr. fls. 446/449 - trechos esses da sentença respeitantes ao enquadramento jurídico da causa], afirma, sem concretamente indicar ou especificar qual das alíneas dos factos provados que supra se mostram reproduzidos, que mal andou “a sentença recorrida, ao dar como provado que o Estado Português não formou adequadamente os soldados portugueses que integravam o batalhão enviado para a Bósnia e do qual faziam parte os soldados falecidos”, concluindo, assentar a mesma “em factos incorretamente apreciados e julgados, bem como em manifesta contradição entre a matéria fáctica e o Direito”, e, como tal, padecer de nulidade dada a infração às als. b) e c) do n.º 1 do art. 668.º do CPC [cfr.

conclusões 1) e 2)].

V. Ora, no caso, o que se constata é que o R. identificou ou especificou aquela concreta realidade de facto que o mesmo afirma na sentença constar como provada, e que o fez, é certo, sem, todavia, aludir à concreta alínea dos factos em que a mesma figura, e sem levar às conclusões do seu recurso tal realidade impugnatória dado apenas haver concluído pela existência de nulidades de decisão.

VI. Ocorre que, ainda que se aceite poderem estar cumpridos, com a suficiência bastante, os requisitos formais decorrentes do quadro normativo em referência, temos que, para além não se descortinar a existência de nenhum facto dado como provado com tal teor uma vez cotejada a factualidade assente, resulta, ainda, que a concreta impugnação do julgamento de facto tido por realizado não figura da síntese conclusiva produzida pelo R./recorrente e, nessa medida, do objeto de pronúncia deste Tribunal, presente

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que, face ao disposto no art. 690.º-A do CPC, no âmbito do recurso de impugnação da decisão da matéria de facto, nem sequer teria de haver “despacho de convite ao aperfeiçoamento das respetivas alegações”

[cfr. o Ac. deste STA de 09.10.2012 - Proc. n.º 0565/12].

VII. Assim, como tudo o alegado pelo R. neste âmbito foi ou se mostra reconduzido às nulidades de sentença será, pois, nesse quadro, que, já de seguida, passaremos à sua análise.

VIII. E para, desde logo, concluir pela sua total improcedência.

IX. Com efeito, analisada a sentença sob recurso temos que, por um lado, a mesma se mostra dotada, com um mínimo de suficiência e de explicitação, dos fundamentos de facto e de direito que a justificam, não sendo gerador da nulidade prevista na al. b) do n.º 1 do art. 668.º do CPC um eventual erro ou discordância quanto à fundamentação de facto e de direito dela constante como invoca o R. visto apenas a sua falta absoluta preenche tal alínea.

X. E, por outro lado, não se descortina que o silogismo lógico-jurídico em que a mesma se estribou enferme de qualquer vício integrador da al. c) do mesmo preceito, já que analisada a estrutura global da decisão judicial impugnada temos que a respetiva conclusão decisória está logicamente encadeada com a motivação fáctico-jurídica nela desenvolvida, na certeza de que o âmbito da nulidade em análise não abarca pretensas situações de erro ou deficiente julgamento de facto e sua motivação/fundamentação como aquela que se mostra invocada pelo R./recorrente.

X I . Soçobram, por conseguinte, as nulidades invocadas pelo R. nas conclusões 01.ª) e 02.ª) das suas alegações.

XII. E idêntica conclusão teremos de chegar quanto à alegada violação do art. 09.º do DL n.º 48051 por parte da sentença recorrida [conclusão 03.ª], porquanto esta em momento algum fez alusão e/ou aplicação ao preceito em referência, sendo que a presente ação condenatória mostra-se deduzida contra o R. para efetivação da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito e na culpa daquele à luz do que são os respetivos requisitos/pressupostos insertos, nomeadamente, nos arts. 02.º a 06.º daquele DL em conjugação com os arts. 483.º e segs. do CC e não nos da responsabilidade civil por facto lícito insertos no referido art. 09.º, que nem sequer foi invocado ou convocado em momento algum dos autos como se extrai da mera leitura dos articulados produzidos, tal como, aliás, resulta da própria contestação produzida pelo R. [cfr. seus arts. 18.º e segs.].

XIII. Improcede, assim, in totum o presente recurso.

*

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3.2.2. DO RECURSO JURISDICIONAL DOS AA.

XIV. Insurgem-se os AA. contra o que se mostra julgado na sentença apenas nos segmentos em que na mesma, por um lado, se fixou o quantum indemnizatório arbitrado às AA. a título de danos não patrimoniais em 10.000,00 € para cada uma, valor que reputam de insuficiente e desadequado já que o acertado seria de 25.000,00 € para cada uma, e, por outro lado, se improcedeu o pedido indemnizatório deduzido pelos demais AA. a esse título, já que também os mesmos os sofreram e devem assim ser ressarcidos com quantia não inferior a 20.000,00 € para cada um.

XV. Extrai-se, naquilo que constitui objeto de impugnação da sentença recorrida, por um lado, a fixação na mesma do valor de 10.000,00 € a título de danos não patrimoniais para cada uma das AA. mercê dos sofrimentos físicos e psíquicos sofridos com a perda do respetivo familiar, mormente, as noites sem dormir na sequência de tal perda inesperada e, por outro lado, que “não resultou provado nos autos que o Autor A………, pai do soldado E…………, e o Autor D……….., filho do soldado F…………, tenham sofrido danos não patrimoniais, os quais não foram objeto de alegação e prova”, termos que “impendendo sobre o lesado o ónus da prova dos danos por si sofridos, impõe-se julgar improcedente o pedido indemnizatório formulado por aqueles”.

XVI. É certo que para haver obrigação de indemnizar constitui condição essencial que o facto ilícito e culposo tenha gerado um prejuízo a alguém, sendo que a indemnização deve, sempre que possível, reconstituir a situação que existiria não tivesse ocorrido o facto danoso (situação hipotética) [cfr. arts.

562.º, 563.º e 566.º do CC].

XVII. O dever de indemnizar compreende não só os danos patrimoniais, mas, também, os danos não patrimoniais, importando quanto a estes atender ao regime legal que decorre, nomeadamente, do art.

496.º do CC.

XVIII. Decorre deste preceito que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito [n.º 1], sendo o seu montante fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.º, isto é, tomando em consideração o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso [n.º 3].

XIX. A lei não enuncia ou enumera quais os danos não patrimoniais indemnizáveis antes confiando aos tribunais, ao julgador, o encargo ou tal tarefa à luz do que se disciplina no citado art. 496.º, n.º 1, do CC.

XX. Na caraterização deste tipo de danos poderá partir-se do axioma que estabelece que tal prejuízo é o sofrimento psicossomático experimentado pelo lesado ou pessoas que tenham direito a indemnização por esse tipo de dano à luz dos normativos próprios.

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XXI. Os mesmos traduzem-se nas lesões que não implicam diretamente consequências patrimoniais imediatamente valoráveis em termos económicos, lesões essas que abarcam as dores físicas, o desgosto pela perda, o sofrimento psicológico, um injusto turbamento de ânimo na vítima ou nas pessoas supra aludidas e que atingem bens, como a vida, a saúde, a integridade física, a perfeição física, a liberdade, a honra, o bom nome, a reputação, a beleza.

XXII. Resulta para a decisão a proferir no que respeita à valoração pecuniária dos danos não patrimoniais que o tribunal, em cumprimento do normativo legal que o manda julgar e de harmonia com a equidade, deverá atender aos fatores expressamente referidos na lei e, bem assim, a outras circunstâncias que emergem da factualidade provada.

XXIII. Tudo com o objetivo de, após a adequada ponderação, poder concluir a respeito do valor pecuniário que considere justo para, no caso concreto, compensar o lesado pelos danos não patrimoniais que sofreu.

XXIV. Tal como constitui entendimento comum ao nível doutrinal a “… gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objetivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de fatores subjetivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada) ...” [cfr. Pires de Lima e Antunes Varela in: “Código Civil Anotado”, vol. I, 4.ª edição, nota 1, pág. 499; M. Almeida e Costa in: “Direito das Obrigações”, 11.ª edição, revista e aumentada, págs.

602/603; Antunes Varela in: “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 10.ª edição, pág. 606].

XXV. Também ao nível jurisprudencial o mesmo entendimento tem sido acolhido e defendido [cfr., entre outros, Acs. deste STA de 31.05.2005 - Proc. n.º 0127/03, de 29.06.2005 - Proc. n.º 0395/05, de 08.11.2007 - Proc. n.º 0643/07, de 06.03.2008 - Proc. n.º 0865/07, de 14.07.2008 - Proc. n.º 0572/07, de 01.10.2008 - Proc. n.º 063/08, de 12.11.2008 - Proc. n.º 0682/07, de 07.10.2010 - Proc. n.º 0870/09].

XXVI. Centrando-nos no caso vertente importa, então, determinar e apurar da correta fixação do

“quantum” indemnizatório levado a cabo na decisão judicial recorrida em relação aos danos não patrimoniais sofridos pelas AA..

XXVII. Dúvidas não existem quanto à caraterização e qualificação dos danos descritos conjugada e articuladamente sob os factos provados n.ºs XXVIII), XLIV), XLV), XLVII) a L) como integrando danos de natureza não patrimonial, danos esses que atingem clara e inequivocamente o substrato de relevância exigido pelo art. 496.º do CC em termos de gravidade.

XXVIII. Já quanto ao cômputo quantitativo se nos afigura ocorrer erro, pois, não se tem como adequado e equilibrado o valor fixado na decisão judicial recorrida.

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XXIX. A determinação das indemnizações por danos não patrimoniais é sempre controversa e árdua, posto que o montante delas, como supra já aludimos, deve ser “fixado equitativamente” [cfr. n.º 3 do citado art.

496.º], na certeza de que não se trata de uma atividade arbitrária, pois que importa ponderar a gravidade dos danos, os fins gerais e especiais a que se inclinam as indemnizações daquele tipo e a prática jurisprudencial em situações similares.

XXX. Nessa medida importa ter presente o entendimento jurídico dogmático que a natureza do dano não patrimonial vem assumindo na jurisprudência com uma dimensão quantitativa proporcional à relevância que a sociedade dá aos valores do dano, o que aponta para a aplicação de indemnizações “não miserabilistas” e que, assim, se mostrem ajustadas à realidade e a compensar, com dignidade, os padecimentos causados.

XXXI. Assim presente o quadro factual logrado provar e do qual deriva afetação intensa e profunda das AA.

com as mortes havidas [do sofrimento e sentimento de perda para uma mãe do filho e para um esposa do marido], temos que tal afetação/lesão se revela como dotada da magnitude de «gravidade» tutelada pelo art. 496.º, n.º 1 do CC e para cuja reparação equitativa se entende como adequado, de harmonia com o disposto no n.º 3 do mesmo normativo e ainda do art. 566.º do mesmo Código, fixar o montante de indemnização devido a cada um das AA. a esse título em 25.000,00 € [cfr., por exemplo, o Ac. deste Supremo de 14.04.2010 - Proc. n.º 0751/07; vide, também, o Ac. do STJ de 31.05.2012 - Proc. n.º 14143/07.6TBVNG.P1.S1 in: «www.dgsi.pt/jstj»], procedendo neste âmbito o recurso que se nos mostra dirigido.

XXXII. Mas assistirá razão aos recorrentes quanto ao outro segmento de que divergiram do julgado quando neste se improcedeu o pedido indemnizatório a título de danos não patrimoniais?

XXXIII. Resulta apurado que os soldados falecidos tinham ambos 24 anos de idade, sendo, respetivamente, um filho do A. A……… e o outro pai do A. D…………., estando integrados na sociedade, onde eram aceites e respeitados por todos e especialmente acarinhados no seio das respetivas famílias [cfr. n.ºs XXVIII), XLVII) e XLVIII) da factualidade apurada].

XXXIV. Ora de tal realidade poderemos extrair com segurança que, sendo os falecidos tão acarinhados no seio das respetivas famílias, a perda gerada com a sua morte nos AA. foi e é necessariamente causadora de enorme sofrimento, desgostos e dor, dum sentimento de privação da companhia e do apoio, e quanto ao A. D……….., de privação também daquilo que eram os conselhos, os ensinamentos e o acompanhamento por parte do seu progenitor.

XXXV. Nessa medida e ao invés do que se concluiu na sentença recorrida resulta demonstrada a existência e verificação de danos não patrimoniais na esfera jurídica dos referidos AA., danos esses que assumem da gravidade tutelada pelo citado art. 496.º, n.º 1 do CC e para cuja reparação equitativa se

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entende como adequado, de harmonia com o disposto no n.º 3 do mesmo normativo e ainda do art. 566.º do mesmo Código, fixar o montante de indemnização devido a cada um dos AA. a esse título em 20.000,00

€.

XXXVI. Face ao exposto importa julgar procedente o recurso jurisdicional interposto pelos AA..

4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em:

A) julgar totalmente improcedente o recurso jurisdicional interposto pelo R.;

B) conceder total provimento ao recurso jurisdicional deduzido pelos AA. e, em conformidade, revogar parcialmente a sentença recorrida, condenando-se o R. no pagamento de indemnização, a título de danos não patrimoniais, na quantia de 25.000,00 € para cada uma das AA. e na quantia de 20.000,00 € para cada um dos AA., quantias essas acrescidas de juros de mora contados desde a data da presente decisão, mantendo-se no mais o decidido.

Não são devidas custas neste Supremo dada isenção subjetiva de que gozava e ainda goza o R.

[cfr. art. 02.º, n.º 1, al. a), do então CCJ (na redação inserta no DL n.º 224-A/96 com a redação dada pelo DL n.º 320-B/2000), então vigente à data da propositura da ação, e art. 08.º, n.º 4, da Lei n.º 7/2012, de 13.02].

D.N.

Lisboa, 12 de julho de 2017. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Jorge Artur Madeira dos Santos.

Fonte: http://www.dgsi.pt

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