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Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

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Tribunal da Relação de Évora Processo nº 322/16.9PAPTM.E1

Relator: CARLOS BERGUETE COELHO Sessão: 26 Março 2019

Votação: UNANIMIDADE

Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: NEGADO PROVIMENTO

RECEPTAÇÃO DIREITO AO SILÊNCIO

DECLARAÇÕES DE CO-ARGUIDO PRESUNÇÕES

Sumário

I - A génese do direito ao silêncio não reside em beneficiar o arguido silente, decorrendo, antes, do princípio do acusatório, segundo o qual se impõe à acusação o dever de provar os factos que lhe são imputados, obstando a que se auto-incrimine. Tal não significa que esse direito redunde no direito a que contra o arguido não seja produzida prova.

II - Perante um conjunto de indícios plurais, contemporâneos e inter-

relacionados que se reflectem, e no contexto vivenciado, sem que se depare com a presença de contra-indícios que os contradigam, o tribunal estabeleceu uma legítima conclusão quanto aos factos integrantes do crime, por lógica e racional, assente na normalidade das coisas e do acontecer.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

1. RELATÓRIO

Nos presentes autos, de processo comum, perante tribunal singular, que correu termos no Juízo Local Criminal de Portimão do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, o Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos

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PP e RP, imputando, ao primeiro, a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de receptação, p. e p. pelo art. 231.º, n.º 1, do Código Penal (CP) e, ao segundo, a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de receptação, p. e p. pelo art. 231.º, n.º 2, do CP.

Os arguidos não apresentaram contestação.

Realizado o julgamento e proferida sentença, decidiu-se julgar a acusação procedente, por provada, e consequentemente,

- condenar o arguido PP, pela prática em autoria material de um crime de receptação, p. e p. pelo artigo 231.º, n.º 1, do CP, na pena de 7 (sete) meses de prisão;

- condenar o arguido RP, como autor material de um crime de receptação, p. e p. pelo artigo 231.º, n.º 2, do CP, na pena de 60 (sessenta) dias de multa à razão diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz o montante de € 360,00.

Inconformado com tal decisão, o arguido RP interpôs recurso, formulando as conclusões:

1. O presente recurso vai interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, que condenou o recorrente como autor material de um crime de

receptação p. p., pelo artigo 231.º, 2 do CP, na pena de 60 dias de multa, com o quantitativo diário de 6,00 €.

2. Fundamentando tal decisão, com o facto de ao recorrente ter sido proposta a venda de um telemóvel Samsung usado.

3. Contudo, o recorrente considera que em audiência de julgamento, o

Tribunal a quo não fez qualquer prova, de que o arguido RP tenha praticado algum ilícito.

4. Ao ter condenado o arguido pelo crime de que vinha indiciado, sem prova, o Tribunal a quo, violou o princípio da livre apreciação da prova, nos termos do disposto no artigo 127.º CPP.

5.Porquanto em audiência de julgamento, não se fez prova de que o recorrente tenha praticado o crime de receptação.

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6. Sendo certo que não se fez prova directa ou indirecta dos factos, pois

aquela prova que o Tribunal apresenta, não tem nada a ver com o recorrente, mas sim com o arguido PP.

7. A prova existente nos autos, nomeadamente a documental refere-se ao outro arguido PP.

8. Não foi feita prova testemunhal.

9.O recorrente não prestou declarações em audiência de julgamento.

10.Na audiência de julgamento o douto Tribunal não conseguiu fazer prova de que o recorrente sabia da proveniência ilícita do telemóvel.

11. Ademais, não se fez prova do valor actual do telemóvel Samsung

inexistindo laudo ou exame que ateste o seu real valor, pois só assim se podia ter afirmado que o arguido e recorrente teve uma vantagem patrimonial.

12.Também não se fez prova de que o recorrente suspeitou, quando lhe foi proposta a venda do telemóvel pelo arguido PP, que aquele objecto podia ter origem ilícita.

13.Em teoria, mesmo que o recorrente tivesse suspeitado que o arguido PP tinha adquirido o telemóvel de forma ilícita, o que não se concebe, o mesmo não podia saber que o mesmo tinha adquirido através da prática de um crime contra o património.

14.O recorrente, nada sabia sobre o PP, o sujeito que lhe fez a proposta de venda do telemóvel, não era seu amigo, parente ou conhecido.

15.O exposto supra, não foi contraditado ou desmentido por qualquer prova arrolada para os autos pelo MP ou pelo Tribunal.

16. Contudo, mesmo com todas estas evidências, o douto Tribunal condenou o recorrente.

17.E ao fazê-lo, o douto Tribunal fez uma errada interpretação dos factos e uma errada apreciação da prova produzida em audiência de julgamento.

18.Por esta razão o recorrente vem impugnar os pontos 5, 9 e 12 de fls 3, 4 e 5

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da sentença recorrida, dos factos que o Tribunal a quo, deu como provados.

19.Atenta a matéria de facto dada como provada, verifica-se a nosso ver, erro notório na apreciação da prova, e insuficiência para a decisão, da matéria de facto dada como provada, artigo 410.º,2, a) CPP.

20.Porque se tivesse feito um juízo correcto, o Tribunal a quo teria

obrigatoriamente de ter dado como não provados os pontos 5, 9 e 12, de fls. 3, 4 e 5 da douta sentença, ao contrário do que decidiu.

21.Deste modo o douto Tribunal violou o princípio in dubio pro reo. Com efeito a jurisprudência do S.TJ, pronunciou-se no seguinte sentido:“.. existe erro na apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta com toda a evidência a

conclusão contrária à que chegou o tribunal. Nesta perspectiva, a violação do princípio in dubio pro reo pode e deve ser tratada como erro notório na

apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida se extrair, por forma mais que óbvia, que o colectivo optou por decidir, na dúvida, contra o arguido.” (neste sentido Ac. STJ de 15 de Abril de 1998; BMJ, 476, 82).

22.Assim tendo em conta a motivação apresentada na sentença recorrida, é notório que o douto Tribunal, valorou negativamente o silêncio do arguido, decidindo contra o arguido, aplicando ao caso o princípio in dubio contra reum, proibido no nosso direito constitucional.

23.O silêncio do arguido valorado negativamente, ou seja quem cala consente, viola assim o artigos 61.º,1, d) e 345.º,1 e 4 do CPP, sendo por isso prova

proibida.

24.Concretamente, o douto Tribunal alega a fls. 22 da sentença recorrida, que

“não manifestou arrependimento”, como é que se mostra arrependimento por algo que não se praticou?

25.Efectivamente tal alegação, leva-nos a concluir que como já se alegou na motivação, que o douto Tribunal fez uma apreciação errada da prova

produzida na audiência de julgamento, valorando negativamente o silêncio do arguido, considerando-o culpado porque se recusou a prestar declarações sobre os factos.

26.No mesmo sentido e também em fls 22 da sentença recorrida, o Tribunal

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afirma que o recorrente: “reconhece em abstrato o desvalor do ilícito praticado.”

27.Assim, como o arguido não prestou declarações, esta conclusão resulta inequivocamente da interpretação que o douto Tribunal fez do “silêncio” do arguido.

28. É entendimento da doutrina e da jurisprudência maioritária, que nós acompanhamos:

”O direito do arguido ao silêncio impõe que essa circunstância não pode ser valorada contra si, como indício de culpabilidade: do silêncio do arguido não pode concluir-se que é ele o autor do furto porque “quem não deve não teme”, ou porque não apresentou qualquer justificação para o facto de ter na sua posse os objetos furtados.Ac.TRP.Proc.136/06.4GAMCD.P1 de 11.01-2012.

29.O douto Tribunal tinha desde o início uma convicção pessoal, emotiva, de que o recorrente tinha praticado o ilícito, logo era culpado, fundamentando essa conclusão, com a sua conduta anterior (antecedentes), conforme alega a fls. 22 da sentença recorrida.

30.Ora corolário do princípio da legalidade, a culpa, só existe se o facto for típico e ilícito, o que no caso em crise não se verifica, pois o tipo não está preenchido.

31.Não havendo ilícito, não há culpa, porquanto a conduta concreta do arguido RP, não é censurável, uma vez que o tipo objectivamente e subjectivamente não está preenchido.

32.Acresce que a culpa do arguido foi fundamentada também, com os antecedentes criminais, aplicando o douto Tribunal aplica a máxima: o

condenado é sempre condenado, violando entre outros os artigos 70.º e 71.º CP.

33.A douta sentença recorrida viola o artigo 10.º,1 e o 1.º, 1, do Código Penal.

34.O douto Tribunal violou o artigo 231.º,2 CP.

35.O douto Tribunal violou o princípio da livre apreciação da prova artigo 125.º e 127.º CPP.

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36.O douto Tribunal violou o artigo 355.º CPP.

37. O douto Tribunal violou o artigo 345.º1 e 4 CPP.

38.O douto Tribunal violou o artigo 32.º,2 da CRP.

39.O douto Tribunal violou o artigo 11.º da DUDH.

40.O douto Tribunal violou o artigo 6º da C.E.D.H.

41.O douto Tribunal violou o artigo 14.º do Pacto I.D.C.P.

42.O douto Tribunal violou o artigo 70.º e 71.º do CP.

43.O douto Tribunal violou o artigo 379.º, 1 c) do CPP, sendo a sentença

recorrida nula, por excesso de pronúncia (nomeadamente por pronuncia sobre questões que não tomar conhecimento, ao nível da prova, 345.º, 4 e 355.º CPP).

44.Termos em que o presente recurso deve ser considerado procedente, sendo o arguido ora recorrente absolvido do crime pelo qual foi condenado, com as consequências legais.

TERMOS EM QUE

SE REQUER SEJA CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO REVOGANDO-SE A DOUTA DECISÃO RECORRIDA FAZENDO ASSIM OS SENHORES VENERANDOS JUÍZES DESEMBARGADORES “A COSTUMADA JUSTIÇA!”

O recurso foi admitido.

O Ministério Público apresentou resposta, concluindo:

Analisada a sentença recorrida, não se vislumbra a existência de qualquer vício, nomeadamente os previstos no artigo 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal, nem a violação do princípio in dubio pro reo, não merecendo a sentença qualquer censura, pois bem ajuizou a prova produzida em audiência, fazendo a correcta qualificação dos factos e aplicando correctamente a pena.

Nestes termos, não deverá ser concedido provimento ao recurso, mantendo-se

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a douta sentença recorrida.

Neste Tribunal da Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso.

Observado o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal (CPP), nada foi acrescentado.

Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo das

questões de conhecimento oficioso, como sejam, as nulidades da sentença (art.

379.º, n.º 1, do CPP) e as previstas no art. 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP, conforme, designadamente, jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ n.º 7/95, de 19.10, in D.R. I-A Série de 28.12.1995 e, ainda, acórdão do STJ de 12.09.2007, no proc. n.º 07P2583, in www.dgsi.pt; Simas Santos/Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 3.ª edição, pág. 48, e Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 1994, vol. III, págs. 320/321.

Assim, delimitando-o, reside em apreciar:

A) - da nulidade da sentença;

B) - da proibida valoração da prova;

C) - da impugnação da matéria de facto;

D) - da consequente absolvição.

Ao nível da matéria de facto, consta da sentença recorrida:

Factos provados:

1. No dia 6 de Março de 2016, pelas 06h00, MM saiu do interior do

estabelecimento de diversão nocturna denominado «Bar Seven», sito na Rua Vista Mar, zona da Praia da Rocha, em Portimão, sendo que, por ter ingerido diversas bebidas alcoólicas acabou por se sentar num passeio ali existente.

2. De seguida, foi abordado por um indivíduo do sexo masculino conhecido pela alcunha de «Black Jesus», o qual, em circunstâncias não exactamente

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apuradas, logrou MM convencer aquele a entrar para o interior de uma

viatura automóvel conduzida pelo arguido PP, também conhecido pela alcunha de “pituga”.

3. No interior da referida viatura automóvel, para além do arguido PP, faziam- se transportar o aludido «Black Jesus», assim como, OM, BQ e um outro

indivíduo do sexo masculino cuja identidade se desconhece e, bem ainda, que ficou sentado ao colo de um destes últimos quatro, MM.

4. Acto contínuo, ao chegarem às imediações exteriores do Centro Comercial Aqua, sito em Portimão, os aludidos indivíduos disseram a MM para

abandonar o interior da viatura, o que este fez, assim como, aqueles, com excepção do arguido PP que permaneceu ao volante do veículo.

5. No momento em que MM já se encontrava no exterior da viatura automóvel, um ou mais dos indivíduos que também saiu do exterior daquela mas que não se logrou exactamente apurar qual, apoderou-se do casaco que o mesmo trazia vestido, com o valor de €30,00 e dos objectos que se encontravam no interior daquela peça de roupa, a saber:

- Um telemóvel da marca e modelo «Samsung Galaxy GrandPrime», com o valor de €191,08;

- Uma capa de telemóvel, com o valor de €12,50;

- Um par de óculos escuros, com o valor de €5,00.

6. Na posse de tais objectos, que fizeram seus, os sobreditos indivíduos abandonaram o local, bem sabendo que aqueles não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade e em prejuízo do legítimo proprietário dos mesmos.

7. De tais factos, até porque estava presente quando os mesmos ocorreram, tinha perfeito conhecimento o arguido PP que, em circunstâncias e data não exactamente apuradas, mas posteriormente às 06h00 do dia 6 de Março de 2016, aceitou receber e ficar com o aludido telemóvel, que lhe foi entregue por um desses indivíduos que se havia apoderado do aparelho em causa.

8. Em data não exactamente apurada, mas posterior às 06h00 do dia 6 de Março de 2016 e anterior ou contemporânea ao dia 28 de Maio de 2016, o arguido PP, em Portimão, propôs ao arguido RP a aquisição do telemóvel identificado sob o ponto 5., pelo preço de €50,00.

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9. Não obstante, o arguido PP não ter apresentado qualquer documento

relativo à aquisição do sobredito aparelho ou tampouco o carregador deste, o arguido RP, aceitou a proposta que lhe foi feita e adquiriu tal telemóvel,

pagando ao primeiro o valor de €50,00.

10. O arguido PP estava perfeitamente ciente do modo como havia sido obtido o telemóvel em causa, sabendo que o mesmo não era seu e pertencia a MM.

11. Agiu de forma livre e deliberada, visando com a sua conduta obter um benefício económico indevido no seu património, sendo certo que, estava perfeitamente ciente da reprovabilidade do seu comportamento e, bem ainda, que o mesmo é proibido e punido por lei.

12. O arguido RP, agiu de forma livre e deliberada, conhecendo a

reprovabilidade do seu comportamento, manifestando uma total falta de cuidado, que o dever de previdência aconselha e que devia e podia ter, em face quer do modo como lhe foi oferecido o sobredito telemóvel, quer da contrapartida exigida, quer ainda do respectivo valor de mercado, para evitar a aquisição de tal aparelho, obtido pelo modo acima descrito e, assim, a

manutenção do prejuízo patrimonial de MM, resultado esse que de igual forma podia e devia ter previsto e previu, pois que representou como provável que tal objecto tivesse proveniência criminosa e conformou-se com essa

possibilidade, não se coibindo de ficar com ele e com isso obter uma indevida vantagem patrimonial, correspondente à diferença entre o respectivo valor de mercado e o preço que pagou.

13. O referido telemóvel foi no dia 10 de Maio de 2017 encontrado na posse do arguido RP e, nessa sequência, apreendido e devolvido ao seu legítimo

proprietário.

14. O arguido PP confessou integralmente os factos, reconhecendo o erro de sua conduta e denotando arrependimento.

Da evolução pessoal, situação socioeconómica e antecedentes criminais do arguido PP

15. O arguido PP é o único filho do casal de progenitores, existindo outros irmãos mais velhos, fruto de anterior relação do pai, com quem nunca manteve vivência em comum. É referida uma situação económica estável, sendo o pai empresário no ramo da construção civil e a mãe doméstica, sendo

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uma família considerada com recursos de suporte e protecção em termos económicos e afectivos, embora se tenha sempre afigurado excessiva a permissividade e o proteccionismo sobre o arguido.

16. Iniciou a escolaridade em idade própria, concluindo o 9.º ano, embora com um percurso escolar pautado pelo insucesso e absentismo. A passagem para o secundário agravou o seu desinteresse, não tendo obtido aproveitamento nem na escola convencional, nem nos vários cursos de cariz profissional por que passou, acabando sempre por desistir.

17. Nesta fase da adolescência passou a privilegiar a companhia do grupo de pares, indivíduos com iguais comportamentos disruptivos, junto dos quais iniciou o consumo de haxixe.

18. A sua integração no mercado de trabalho nunca foi estruturada, mantendo actividades pontuais na construção civil, privilegiando um modo de vida

ocioso, com registo de períodos prolongados em que não estudava nem trabalhava, persistindo um padrão de inactividade, sem grande empenho ou interesse em aderir a actividades organizadas.

19. Aos 18 anos de idade, fruto de uma relação de namoro com jovem da sua idade, foi pai de gémeos, tendo a relação durado cerca de dois anos.

20. Chegou então a viver com a namorada e os filhos, primeiro em casa de seus pais, depois em casa dos avós dela, mas durante pouco tempo, não se capacitando para as exigências da situação.

21. Regulado judicialmente o exercício das responsabilidades parentais, as crianças ficaram à guarda a ex-namorada, com permanências regulares na casa do arguido que, coadjuvado pela sua mãe, assegurava os cuidados. Da mesma forma, a obrigação de alimentos foi cumprida graças ao contributo dos seus pais. Actualmente os menores têm cinco anos de idade, mantendo-se a situação parental referida.

22. Posteriormente, manteve outras relações afectivas, de cariz superficial e de curta duração.

23. Os hábitos de consumo de substâncias aditivas, nomeadamente bebidas alcoólicas em excesso e haxixe, foram relevantes para o seu envolvimento em situações de violação da lei, incluindo posse ilegal de produtos

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estupefacientes, tráfico de menor gravidade e furtos para obtenção de

dinheiro para fins de consumo, desde muito jovem, registando o seu primeiro contacto com o sistema judicial com apenas 16 anos.

24. Foi detido pela primeira vez em 2016, com 22 anos de idade, situação que mantém no presente e desde 20.05.2016.

25. À data da sua detenção permanecia a viver em Portimão com os progenitores, sem nunca ter conseguido a sua autonomia. Permanecia

desempregado, sendo o seu sustento assegurado pela reforma do progenitor e o trabalho da progenitora que ainda mantém actividade laboral como ajudante de cozinha numa unidade hoteleira.

26. O seu quotidiano era centrado na companhia do grupo de pares, mantendo um modo de vida ocioso e sem ambição, registando consumo regular de haxixe e bebidas alcoólicas em excesso.

27. Não obstante, o arguido não aceita a sua dependência, nem atribuiu uma relação única do cometimento de crimes, desvalorizando a necessidade de sujeição a tratamento e ainda que tenha comparecido em consultas, não chegou a envolver-se num tratamento ou a motivar-se para a mudança.

Presentemente e desde que iniciou o cumprimento da pena afirma-se completamente abstinente.

28. Embora reconheça a negatividade dos vários factos de que vem acusado e aceite a oportunidade da intervenção do sistema de justiça, adopta

relativamente à sua situação uma postura de inércia. Tende a justificar a sua actividade criminal como resultante de necessidades advindas de um passado sem restrições, legitimando assim os seus comportamentos, sem preocupação com o dano de terceiros.

29. Ao longo da reclusão tem mantido o apoio dos pais que o visitam nos Estabelecimento prisional com alguma regularidade, por vezes fazendo-se acompanhar pelos seus filhos gémeos.

30. O arguido não denota dificuldades de adaptação no contexto institucional, cumprindo as normas internas, considerando que a sua detenção permitiu a interrupção de um ciclo negativo e promoveu uma mudança no seu anterior modo de vida, revelando-se assim um factor positivo.

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31. Encontra-se no estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz desde

Dezembro de 2017, transferido do Estabelecimento Prisional de Silves. Na EP de origem esteve a trabalhar mas no actual EP ainda não foi integrado a este nível, permanecendo desocupado. Refere que já manifestou o seu interesse em prosseguir os estudos para concluir o 12.º ano de escolaridade.

32. Permanece em regime celular normal, sem ter usufruído até ao momento de medidas de flexibilização da pena.

33. Face ao futuro mostra-se pouco consistente num propósito de mudança, revelando pouca noção das dificuldades e pouco interesse em alterar as suas condições de vida.

34. Do Certificado do Registo Criminal do arguido PP constam averbadas as seguintes condenações:

i. Por sentença transitada em julgado a 02.12.2011, proferida no Processo n.º ---/10.1PAPTM, do Juízo Local criminal de Portimão, Juiz 3, pela prática a 27.05.2010 de um crime de consumo de estupefacientes, na pena de 100 dias de multa, pena essa convertida em prisão subsidiária e entretanto já declarada extinta pelo cumprimento;

ii. Por sentença transitada em julgado a 22.05.2012, proferida no Processo n.º ----/10.5PAPTM, do extinto 2.º Juízo Criminal do Tribunal da Comarca de

Portimão, pela prática a 14.12.2010 de um crime de furto qualificado e de um crime de consumo de estupefacientes, na pena de 350 dias de multa;

iii. Por sentença transitada em julgado a 27.05.2013, proferida no Processo n.º ---/13.1 PAPTM, do extinto 2.º Juízo Criminal do Tribunal da Comarca de

Portimão, pela prática a 12.03.2013 de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 320 dias de multa;

iv. Por sentença transitada em julgado a 06.03.2014, proferida no Processo n.º ----/13.1TAPTM, do juízo Local Criminal de Portimão, Juiz 3, pela prática a 07.12.2013 de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 250 dias de multa, pena essa convertida em, prisão subsidiária e já declarada extinta pelo cumprimento;

v. Por sentença transitada em julgado a 15.07.2015, proferida no Processo n.º --/14.2PAPTM, do Juízo Local Criminal de Portimão, Juiz 3, pela prática a

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08.01.2014 de um crime de consumo de estupefacientes e de um crime de furto qualificado, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova;

vi. Por sentença transitada em julgado a 09.09.2015, proferida no Processo n.º ----/13.5PAPTM, do Juízo Local Criminal de Portimão, Juiz 3, pela prática a 05.12.2013 de um crime de furto na forma tentada e de quatro crimes de furto qualificado na forma tentada, bem como pela prática a 14.12.2013 de um crime de dano, na pena de 3 anos e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova;

vii. Por sentença transitada em julgado a 19.01.2016, proferida no processo n.º ---/14.6GAMMV, do Juízo de Competência Genérica de Montemor-o-Velho, pela prática a 15.09.2014 de um crime de furto qualificado, na pena de 2 anos e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com

regime de prova;

viii. Por sentença transitada em julgado a 25.11.2016, proferida no processo n.º ---/14.5PAPTM, do Juízo Local Criminal de Portimão, Juiz 1, pela prática a 03.06.2014 de um crime de furto qualificado, na pena de 18 meses de prisão;

ix. Por sentença transitada em julgado a 02.02.2017, proferida no processo n.º ---/15.3PAPTM, do Juízo Local Criminal de Portimão, Juiz 3, pela prática a 06.04.2014 de um crime de receptação, na pena de 6 meses de prisão;

posteriormente, efectuado o cúmulo jurídico desta pena e das aplicadas nos processos n.ºs ---/14.6GAMMV e ---/14.5PAPTM, foi condenado na pena única de 4 anos e 2 meses de prisão;

x. Por acórdão transitado em julgado a 12.07.2017, proferido no Processo n.º --/16.7PAPTM, do Juízo Central Criminal de Portimão, Juiz 1, pela prática a 23.05.2016 de um crime de furto qualificado, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão;

xi. Por sentença transitada em julgado a 27.11.2017, proferida no processo n.º ---/16.7GBSLV, do Juízo de Competência Genérica de Silves, Juiz 1, pela prática a 28.02.2016 de um crime de furto qualificado, na pena de 4 anos de prisão.

Da evolução pessoal, situação socioeconómica e antecedentes criminais do arguido RP

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35. O arguido RP reside desde há alguns meses em quarto arrendado, juntamente com a senhoria e outra inquilina.

36. Provém de agregado familiar adequado e normativo, embora seja aludida a existência de algumas tensões parentais e consumos excessivos de bebidas alcoólicas por parte do pai, as quais culminaram na separação dos pais há cerca de quatro ou cinco anos atrás. O progenitor regressou pouco depois ao Brasil e não existe relação de proximidade/contactos regulares entre os dois.

37. Há cerca de um ano o arguido autonomizou-se da casa da mãe, com a qual mantém contactos regulares e relação de proximidade afectiva.

38. O seu percurso escolar terminou após a conclusão do 6.º ano de escolaridade e pautou-se por várias retenções, marcado desinteresse e elevado absentismo.

39. Em termos laborais o arguido trabalhou durante alguns anos de forma sazonal na restauração e no presente encontra-se empregado de forma estável, há mais de um ano, tendo recentemente celebrado contrato de trabalho a tempo incerto, igualmente no sector da restauração e bebidas - empregado de bar e mesa - em unidade hoteleira, auferindo mensalmente cerca de € 850,00.

40. Ocupa os seus tempos livres fundamentalmente no espaço casa e na companhia da namorada de há vários anos.

41. Revela consciência da ilicitude e do desvalor das condutas que lhe são imputadas.

42. A alteração de residência, o distanciamento de antigo grupo de pares com comportamentos desviantes e/ou práticas criminais, a consolidação da relação amorosa e a empregabilidade mais regular, têm-se constituído como factores estabilizadores da vivência do arguido.

43. Do Certificado do Registo Criminal do arguido constam averbadas as seguintes condenações:

i. Por sentença transitada em julgado a 25.09.2013, proferida no Processo n.º ---/12.8PAPTM, pela prática a 06.08.2012 de um crime de furto simples, na pena de 100 dias de multa, já declarada extinta pelo pagamento;

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ii. Por sentença transitada em julgado a 26.01.2018, proferida no processo n.º ---/15.8PAPTM, do Juízo Local criminal de Portimão, Juiz 1, pela prática a 13.05.2015 de um crime de furto qualificado, na pena de 2 anos e 7 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova.

Factos não provados:

Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão, para além dos já mencionados, designadamente não resultaram provados os

seguintes factos:

44. Sem prejuízo do referido sob o ponto 8., que o arguido RP tenha comprado o telemóvel em data contemporânea ao dia 29 de Novembro de 2016.

Indicação e exame crítico das provas que serviram para fundamentar a convicção:

Na formação da sua convicção o Tribunal atendeu aos meios de prova disponíveis, atentando nos dados objectivos fornecidos pelos documentos juntos aos autos e efectuando a análise das declarações do arguido PP.

Toda a prova produzida foi apreciada segundo as regras da experiência

comum e lógica do homem médio, suposto pelo ordenamento jurídico, fazendo o Tribunal, no uso da sua liberdade de apreciação, uma análise crítica das provas produzidas.

Concretizando.

O arguido PP, assumindo uma postura colaborante e de contrição, confessou de forma livre, integral e sem reservas os factos, esclarecendo que na ocasião lhe perguntaram se queria ficar com o telemóvel por € 20,00 e que tal aceitou, vendendo-o a RP para ganhar dinheiro porque na altura se encontrava

desempregado.

O arguido RP, no exercício de direito que legalmente lhe é conferido, optou por não prestar declarações quanto aos factos que lhe são imputados.

O Tribunal atentou ainda na documentação junta aos autos, nomeadamente no auto de denúncia de fls. 8 a 9 (respeitante à queixa apresentada a 07.03.2016 pela subtracção do telemóvel e demais objectos por parte do ofendido MM); a factura de fls. 11 (respeitante à aquisição pelo ofendido do telemóvel pelo

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valor de € 191,08); a informação prestada pela MEO a fls. 41/42 (quanto ao IMEI e cartão de telemóvel utilizados no telemóvel do ofendido após

08.03.2016 e carregamentos efectuados); a informação bancária de fls. 65 a 67 (na qual se identifica a mãe do arguido como sendo a titular da conta

bancária através da qual foi efectuado o carregamento a 28.05.2016 do cartão utilizado naquele telemóvel, do que resulta que este se encontrava na sua posse pelo menos desde essa data); o auto de apreensão de fls. 100 (que

atesta da apreensão ao arguido RP do telemóvel pertença de MM); o termo de entrega de fls. 113 (do telemóvel apreendido ao seu proprietário MM).

Que dizer em face da prova assim produzida?

Que da análise conjugada das declarações do arguido PP, que nos mereceram credibilidade pelas razões já supra adiantadas, com os elementos documentais supra referidos que as reforçam, tanto mais que o telemóvel em questão foi efectivamente apreendido na posse do arguido RP o que corrobora a versão de PP de que lhe vendeu sem exibir qualquer comprovativo de que dele fosse proprietário, sem que o mesmo se encontrasse acompanhado do respectivo carregador e por um preço bastante inferior ao real de mercado, sendo certo que numa venda deste tipo e efectuada nestas circunstâncias um homem médio medianamente diligente necessariamente suspeitaria da proveniência ilícita dos objectos, sendo que o arguido RP que denota ser pessoa sem

dificuldades de entendimento e com experiência de vida, não pôde ter deixado representar que tal telemóvel pudesse ser de proveniência ilegítima, sendo que conformando-se claramente com essa possibilidade e pensando apenas no lucro que com tal negócio poderia obter, ainda assim o adquiriu, quando é do conhecimento do mais mediano cidadão que a aquisição de objectos

ilicitamente apropriados configura a prática de um acto proibido e punido por lei, o que o arguido não podia desconhecer.

Como assim e por todo o exposto, o Tribunal dúvidas não teve em dar como provada a factualidade referida sob os pontos 1. a 14. e, consequentemente, como não provada a factualidade referida sob o ponto 44. (atenta a prova da aquisição pelo telemóvel por parte de Rulik em data anterior ou

contemporânea a 28.05.2016).

Quanto à situação socioeconómica e evolução pessoal do arguido PP, o

Tribunal teve em consideração o relatório social elaborado pela DGRSP de fls.

184 e ss.

Quanto à situação socioeconómica e evolução pessoal do arguido RP, o

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Tribunal teve em consideração o relatório social elaborado pela DGRSP de fls.

206 e ss., complementado pelas declarações do arguido.

Quanto aos antecedentes criminais dos arguidos, o Tribunal teve em

consideração os respectivos Certificados do registo Criminal juntos aos autos.

Apreciando:

A) - da nulidade da sentença:

O recorrente entende que a sentença padece de nulidade, por excesso de pronúncia, nos termos do art. 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP.

Concretiza a sua perspectiva na circunstância do tribunal recorrido ter tomado conhecimento de questões ao nível da prova, indicando para o efeito os arts. 345.º,4 e 355.ºCPP.

Ora, o alegado excesso de pronúncia existe quando o tribunal “conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”, o que tem de interpretar-se de harmonia com o objecto da causa sub judice e no sentido de se assumir, em função dele, como relevante.

Deste modo, analisada a sentença, não se descortina minimamente que tivesse excedido a apreciação da acusação, que delimitava aquele objecto, sem

prejuízo do que decorreu da discussão da causa, pelo que é manifesto não se estar em presença da invocada nulidade (ou de outra).

Transparece, sim, que a alegação do recorrente confunde a situação de nulidade da sentença, na vertente apontada, com a diversa temática da valoração das provas a que os indicados preceitos legais se reportam, o que merecerá abordagem subsequente e nada tem a ver com aquela suposta nulidade.

B) - da proibida valoração da prova:

Segundo o que é perceptível da motivação oferecida, o recorrente insurge-se contra a circunstância, como refere, de que o tribunal valorou negativamente o seu silêncio, por referência, como da mesma consta, aos arts. 61.º, 1, d) e 345.º,1 e 4, sendo por isso prova proibida.

No essencial, questiona, pois, a validade da valoração da prova, seja na

vertente da interpretação do seu silêncio, seja no âmbito da conjugação deste

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com as declarações do arguido PP.

Vejamos.

O recorrente, tal como consta da sentença, “no exercício de direito que legalmente lhe é conferido, optou por não prestar declarações quanto aos factos que lhe são imputados”, sem que desta referência se possa extrair que ao seu silêncio se atribuiu juízo negativo, no sentido de ter merecido, como pretende sublinhar, valoração negativa, como que reconduzindo-se ao ditado quem cala consente.

Na verdade, o direito ao silêncio do arguido, que se constitui como garantia de defesa - art. 32.º, n.º 1, Constituição da República Portuguesa (CRP) -, surge concretizado no invocado art. 61.º, n.º 1, alínea d), do CPP.

Assume-se como corolário do princípio da não auto-incriminação do arguido, abreviadamente designado como nemo tenetur, assente na ideia de que não está obrigado a contribuir para a sua própria incriminação, não recaindo sobre ele o dever de colaborar na descoberta da verdade material.

A génese desse direito ao silêncio não reside em beneficiá-lo, decorrendo, antes, do princípio do acusatório, segundo o qual se impõe à acusação o dever de provar os factos que lhe são imputados, obstando a que se auto-incrimine.

Todavia, se assim é, tal não significa que esse direito redunde no direito a que contra o arguido não seja produzida prova.

Conforme ao acórdão do Tribunal Constitucional n.º 133/2010, de 14.04, in D.R. 2.ª série, n.º 96, de 18.05.2010, o arguido, cada arguido, é senhor da decisão, que deve ser inteiramente livre e esclarecida, de prestar ou não prestar declarações. E isso quer os factos lhe sejam imputados apenas a si, quer respeitem também a outros arguidos. Cada arguido decide, como melhor lhe convier, se presta ou não declarações. E se as prestar serão valoradas, quanto a todos os factos sobre que versem, de acordo com o princípio da liberdade objectiva do juízo de prova. De modo algum, a circunstância de as declarações de um dos arguidos poderem ser valoradas contra os demais afecta a livre decisão destes de optarem pelo silêncio. Pode é a estratégia destes revelar-se menos adequada, mas isso é inerente à normal evolução da produção de prova. Pode suceder com esse ou com qualquer outro meio de prova, que os arguidos que exercem o direito ao silêncio acabem por ver-se na necessidade ou conveniência de modificar essa opção face à evolução da

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produção da prova.

Não se descortina que o tribunal a quo não tivesse, afinal, respeitado o direito ao silêncio do recorrente.

Nem seria pela circunstância de o respeitar, como sucedeu, que ficaria inquinada a valoração da prova em audiência, designadamente, das

declarações produzidas pelo co-arguido PP, por via do alegado art. 345.º, n.º 4, do CPP, que dispõe que “Não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos n.ºs 1 e 2”.

Desde logo, resulta do sumário do acórdão do STJ de 27.11.2007, no proc. n.º 07P3872, in www.dgsi.pt, que Não há qualquer impedimento legal em que as declarações dos co-arguidos sejam valoradas, segundo o prudente critério do tribunal, em conjunto com os outros meios de prova. O art. 133º do CPP apenas proíbe que os arguidos sejam ouvidos como testemunhas uns dos outros, ou seja, que lhes seja tomado depoimento sob juramento, mas não impede que os arguidos de uma mesma infracção possam prestar declarações no exercício do direito, que lhes assiste, de o fazerem em qualquer momento do processo, nada impedindo que o arguido preste declarações sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova, ou seja, tanto sobre factos que só ele digam directamente respeito, como sobre factos que respeitem a outros arguidos.

Acerca da mesma temática, decorre do mencionado acórdão do Tribunal Constitucional n.º 133/2010:

«Sem recusar a admissibilidade e a idoneidade probatória de tal meio de prova, de acordo com a regra da não taxatividade ou não tipicidade dos meios de prova (artigo 125.º do CPP), deparam-se, contudo, entendimentos

diferenciados quanto ao seu modo de valoração, ou seja, quanto à aplicação do princípio da livre apreciação a este tipo de prova.

Não tem faltado quem sustente que a prova por essa via obtida, padece de uma debilidade congénita. Sustenta-se que, ainda que não se trate de um meio de prova em abstracto proibido, é uma prova de diminuída credibilidade, que merece reservas e cuidados muito especiais de admissibilidade e valoração (p.

ex. Teresa Beleza, “ «Tão amigos que nós éramos»: o valor probatório do depoimento do co-arguido no processo penal português”). À genérica

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subordinação da prova por declarações do co-arguido ao princípio da livre apreciação pelo julgador, opor-se-iam por um lado, “as variadas e turvas

razões” que podem mover um arguido a declarar a comprometer outros, e que podem ir desde o desejo de vingança até à satisfação de vê-los arrastados para a sua mesma desgraça, do afastamento da própria responsabilidade até à esperança de uma pena reduzida pela colaboração. A estas razões intrínsecas de suspeição relativamente a esse meio de prova acrescenta-se o que pode considerar-se uma razão extrínseca: a circunstância de o arguido declarante não estar sujeito a juramento e ao constrangimento para falar verdade

inerente à ameaça penal para as falsas declarações.

Por força disso, tem-se subordinado a valoração das declarações desfavoráveis do co-arguido a várias cautelas, uma das quais é a chamada técnica da

corroboração (…). Na falta de dois meios de prova independentes tendo por objecto a demonstração da existência ou inexistência do mesmo facto

(“verificação cruzada”), exigem-se elementos que, embora não tendo por objecto o conteúdo da declaração probatória, consintam a verificação da sua veracidade (elementi di riscontro). Trata-se de adquirir por outro meio a prova de factos que, embora não coincidindo com aquele cuja demonstração está directamente em causa, permite deduzir que o sujeito que afirmou a realidade deste outro facto disse sobre ele a verdade. Nesta orientação, as declarações do co-arguido só podem fundamentar a prova de um facto criminalmente relevante quando existe “alguma prova adicional a tornar provável que a história do co-arguido é verdadeira e que é razoavelmente seguro decidir com base nas suas declarações” (…).

Não importa qualificar esta exigência acrescida para saber se ela significa um desvio (qualitativo) ao princípio da livre apreciação da prova ou se, afinal, não é senão a concretização de regras de experiência para a correcta realização da livre apreciação, em ordem a que esta se não apresente como arbítrio do julgador, antes consubstancie o resultado de uma actividade susceptível de se credenciar racionalmente perante o auditório de pessoas prudentes,

experientes das coisas da vida e de recta intenção. Como também não é indispensável decidir se a existência de elementos de corroboração das declarações de um arguido desfavoráveis a outro, face às garantias

constitucionais do processo penal, constitui complemento integrador sine qua non da sua atendibilidade. No caso, o entendimento normativo adoptado foi o de que “… a doutrina da corroboração deve aqui desempenhar um papel, pois não estando o co-arguido sujeito a juramento, nem ao dever de verdade com cominação de sanção criminal, deve exigir-se alguma prova no sentido da

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comprovação das declarações do co-arguido”, pelo que é sobre ele que vai exercer-se o juízo de conformidade constitucional.».

E mais adiante:

«Seguramente que, submetidas a estas exigências de exame crítico e

fundamentação acrescidas, as declarações do co-arguido são meio probatório idóneo de um processo penal de uma sociedade democrática. O processo penal destina-se à realização da justiça penal e seria comunitariamente insuportável negar valor probatório a declarações provindas de quem tem com os factos em discussão maior proximidade apenas pela circunstância de ser seu autor um dos arguidos quando essas declarações são emitidas livremente e, num

escrutínio particularmente exigente, se conclui não haver razão para duvidar da sua correspondência à realidade.

Decisivo é que o arguido contra quem tais declarações sejam feitas valer não tenha sido impedido de submetê-las ao contraditório, como resulta do acórdão n.º 194/97 (…)».

Já Teresa Beleza, na Revista do Ministério Público, ano 19, n.ºs 58 e 59, referia que:

«O depoimento de co-arguido, não sendo, em abstracto, uma prova proibida em Direito português, é no entanto um meio de prova particularmente frágil, que não deve ser considerado suficiente para basear uma pronúncia; muito menos para sustentar uma acusação.

Não tendo esse depoimento sido controlado pela defesa do co-arguido atingido nem corroborado por outras provas, a sua credibilidade é nula.

Na medida em que esteja totalmente subtraído ao contraditório, o depoimento de co-arguido não deve constituir prova atendível contra o(s) co-arguido(s) por ele afectado(s).

A sua valoração seria ilegal e inconstitucional».

Também Medina de Seiça, in “O Conhecimento Probatório do Co-Arguido”, Coimbra Editora, 1999, pág. 206, apesar de legitimamente valorável e assumir diversas vezes um significado precioso para a descoberta da verdade, constitui uma máxima da experiência (nesse sentido naturalmente fundada) que a

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informação probatória dos co-arguidos, na parte em que se refere aos outros, há-de rodear-se de particular dúvida.

E ainda, acompanhando o acórdão do STJ de 12.03.2008, no proc. n.º 08P694, in www.dgsi.pt:

(…) importa precisar alguma confusão que está subjacente à cruzada empreendida contra o arguido que produz depoimento incriminatório. Na verdade uma coisa são proibições de prova que são verdadeiros limites à descoberta da verdade, barreiras colocadas à determinação dos factos que constituem objecto do processo e outra, totalmente distinta a valoração da prova. Nesta última está implícita uma apreciação da credibilidade da prova produzida em termos legais.

Portanto a questão que se coloca é tão só, e singelamente, saber se é válida processualmente a admissibilidade do depoimento do arguido que incrimina os restantes coarguidos. A resposta é, quanto a nós, frontalmente afirmativa e dimana desde logo da regra do artigo 125 do Código Penal que dispõe que são admitidas as provas que não forem proibidas por lei; por outro lado não se sente qualquer apoio numa interpretação rebuscada da Constituição que

aponte a inconstitucionalidade de uma tal interpretação. Bem pelo contrário, a consideração de que o depoimento do arguido que é, antes do mais, um

cidadão no pleno uso dos seus direitos, reveste à partida de uma “capitis diminutio” só pelo facto de ser arguido ofende o princípio da igualdade dos cidadãos. Portanto a questão que se coloca neste caso é, como em relação a todos os meios de prova, uma questão de credibilidade do depoimento do coarguido. Esta credibilidade, como adiante precisaremos, só pode ser

apreciada em concreto face às circunstâncias em que é produzida. O que não é admissível é a criação de regras abstractas de apreciação da credibilidade retornando ao sistema da prova tarifada, opção desejada pelo sistema

inquisitorial. Assim, dizer em abstracto e genericamente que o depoimento do coarguido só é válido se for acompanhado de outro meio de prova é uma

subversão das regras da produção de prova sem qualquer apoio na letra ou no espírito da lei. (…) estamos em crer que o eixo fundamental da mesma questão reside no facto de o depoimento incriminatório estar sujeito às mesmas regras de outro e qualquer meio de prova, ou seja, a sua sujeição à regra da

investigação, da livre apreciação e do princípio in dubio pro reo. Assegurado que esteja o funcionamento de tais princípios e o exercício do contraditório, nos termos preconizados pelo artigo 32 da Constituição nenhum argumento subsiste à validade de tal meio de prova. Aliás, a partir do momento em que o

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arguido depõe no exercício do seu direito de defesa é evidente que as suas palavras têm uma dupla conotação: sendo emergentes de um inviolável direito de defesa elas são também um meio de prova. Não é possível, em termos

práticos, separar aquela realidade concreta que é o depoimento do arguido considerando ora como um exercício legítimo de um direito ora como meio de prova. Tal visão, para além de um inequívoco maniqueísmo, esquece que o processo penal visa a descoberta da verdade material e não de tantas

realidades quanto aquelas que interessam aos diversos sujeitos processuais.

E em sintonia com o entendimento nele expendido, assinala Oliveira Mendes, in “Código de Processo Penal Comentado”, Almedina, 2.ª edição, pág. 1059, As declarações do arguido constituem um meio de prova plenamente válido, pelo que o tribunal as pode e deve valorar, de acordo com a credibilidade que lhes atribuir, com a limitação prevista no nº 4 (do art.345.º do CPP), segundo a qual não valem como meio de prova as declarações de co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando o primeiro se recusar a responder às perguntas que lhe sejam feitas, quer pelo tribunal quer pelo Ministério Público, advogado do assistente e defensores. Trata-se aqui de retirar valor probatório a

declarações totalmente subtraídas ao contraditório.

É este o sentido, e não outro, desse art. 345.º, n.º 4, sobre o qual, o recorrente, nada diz, limitando-se a invocar violação do mesmo, aparentemente pela mera circunstância do arguido PP ter prestado

declarações, que foram valoradas, sem que, da sentença, se retire que, ao fazê-lo, inviabilizou a sujeição ao devido contraditório.

Acresce que, analisado o exame crítico da prova em audiência, decorre que esta não se cingiu, no que ao recorrente concerne, às declarações de PP, se bem que entenda, mas incorrectamente, que a restante prova não lhe diz respeito.

Conclui-se, assim, sem embargo do que adiante se apreciará, que nenhum obstáculo legal existe à valoração da prova indicada na sentença.

C) - da impugnação da matéria de facto:

Aparentemente, o recorrente pretende impugnar a matéria de facto, incidindo nos factos dados por provados em 5, 9 e 12, quer pela via de vícios da decisão, quer pela vertente de erros de julgamento que decorram de reapreciação da prova.

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Para tanto, no respeitante a tais vícios, invoca a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e o erro notório na apreciação da prova, previstos no art. 410.º, n.º 2, alíneas a) e c), do CPP.

Esses vícios, a existirem, têm de resultar “do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum”, como dispõe o

referido art. 410.º, n.º 2, o que significa que não relevam aspectos que digam respeito a avaliação da prova enquanto retratando o que, na perspectiva do recorrente, deveria o tribunal ter valorado de forma diferente daquela que ficou reflectida na sentença e, daí, extrair diversas conclusões quanto aos factos provados.

Assim, a insuficiência para a decisão da matéria de facto ocorre quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar solução de direito ou, nas palavras de Germano Marques da Silva, ob. cit., pág. 325, é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito, ou seja, quando o tribunal a quo deixou de apurar matéria de facto que lhe cabia apurar, dentro do objecto do processo, tal como este está enformado pela acusação e pela defesa, sem prejuízo do mais que a prova produzida em audiência justifique.

Significa, conforme ao acórdão do STJ de 20.04.2006, no proc. n.º 06P363, in www.dgsi.pt, que os factos apurados são insuficientes para a decisão de

direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem - absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. - e isto

porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos

relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, vista à sua importância para a decisão, por exemplo, para a escolha ou determinação da pena.

Não se confunde com a insuficiência da prova para a decisão, uma vez que a tónica do vício se prende tão-só com a insuficiência de factos aferida pelo objecto do processo.

Ora, a alegação do recorrente incorre nessa confusão, uma vez que, afinal, não mais do que se reporta a diversa valoração da prova, entendendo, segundo refere, que a prova documental diz respeito ao arguido PP, e não a si, e que

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não se fez prova do valor actual do telemóvel e da suspeita que esse objecto podia ter origem ilícita.

Aliás, como sublinha Pereira Madeira, in “Código de Processo Penal

Comentado” cit., pág. 1274, Quando se afirma apenas que a matéria de facto provada é insuficiente para a condenação proferida, não se está a proceder à invocação deste vício, antes, em suma, a afirmar que o tribunal errou na aplicação do direito aos factos provados, o que nada tem a ver com vícios da matéria de facto.

Neste âmbito, a alegação resume-se à manifesta discordância, o que é bem diferente da insuficiência como vício decisório.

Acerca do invocado erro notório na apreciação da prova, o mesmo haverá de ser interpretado como o tem sido o facto notório em processo civil, isto é, como o facto de que todos se apercebem directamente ou que, observado pela generalidade dos cidadãos, adquire carácter notório (acórdão do STJ de

06.04.1994, in CJ Acs. STJ, ano II, tomo II, pág. 185).

Consubstancia, como referem Simas Santos/Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 7.ª edição, Rei dos Livros, págs. 77/78, falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos

incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente

inaceitável. Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo

contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis. Erro notório, no fundo, é, pois, a desconformidade com a prova produzida em audiência ou com as regras da experiência (decidiu-se contra o que se provou ou não provou ou deu-se como provado o que não pode ter acontecido).

Ainda, segundo Maria João Antunes, in “Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, ano 4 (1994), pág. 120, verifica-se «sempre que, para a

generalidade das pessoas, seja evidente uma conclusão contrária à exposta

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pelo tribunal, nisto se concretizando a limitação ao princípio da livre

apreciação da prova estipulada no art.127º do CPP, quando afirma que a prova é apreciada segundo as regras da experiência».

Não, porém, com o sentido atribuído pelo recorrente.

Na verdade, resulta, mais uma vez, que acaba por reconduzir esse vício a diversa perspectiva de valoração da prova, já que não se descortina, através do exame crítico a que o tribunal procedeu, que tivesse atentado contra as regras de avaliação subjacentes àquele princípio, pese embora a discordância trazida ao recurso.

Concretizando, o recorrente preconiza que os factos não poderiam ter sido considerados como provados, porque alicerçados nas declarações do arguido Pedro Serro, por assentarem em prova documental inexistente, por se terem bastado com indícios e presunções e, além do mais, em violação do princípio in dubio pro reo.

Deste modo, não se vê, pois, como sustentar legitimamente o alegado vício.

No tocante às declarações de PP, já ficou analisada a sua possibilidade legal de valoração.

Quanto à prova documental, é manifesto que, pelo menos em parte, se reporta ao recorrente, como referido na sentença.

Sobre a ausência de prova directa, também não constitui afastamento da regra geral consagrada no art. 125.º do CPP, como o recorrente, aliás, implicitamente reconhece, pelo que, sem mais, não pode significar que as regras da experiência não tivessem sido respeitadas.

Afastada, assim, a viabilidade de modificação dos factos por apelo aos

suscitados vícios ou, acrescente-se, a qualquer outro que se vislumbre, resta a impugnação, ampla, atinente à referida reapreciação probatória, por

referência ao art. 412.º, n.º 3, do CPP, que o recorrente expressamente menciona.

Não obstante, tendo-se reportado, pois, àqueles factos provados em 5, 9 e 12, pretendendo que o juízo de avaliação seja revertido e no sentido de se

haverem como não provados, apenas alude a que não existe prova

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testemunhal e que a prova documental, que indica, não os suporta.

Conforme se colhe do acórdão do STJ de 10.03.2010, in CJ Acs. STJ ano XVIII, tomo I, pág. 219, Como o Supremo Tribunal de Justiça tem reafirmado o

recurso da matéria de facto perante a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento não existisse, tratando-se de um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento (…) O objeto do 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não é a pura e simples repetição das audiências perante a Relação, mas, mais singelamente, a deteção e

correção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento (…) A intromissão da Relação no domínio factual cingir- se-á a uma intervenção "cirúrgica", no sentido de delimitada, restrita à

indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de

julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correção, se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação (…) A juzante impor-se-á um último limite que tem a ver com o facto de a reapreciação só poder determinar alteração à matéria de facto assente se o Tribunal da Relação concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitam uma outra decisão.

Por seu lado, através do acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 3/2012, de 08.03, in DR I Série n.º 77, de 18.04.2012, em presença da sua fundamentação, ficou bem reflectida a temática da impugnação, mormente quanto ao adequado cumprimento das condições a que processualmente se sujeita.

No caso, para além da impugnação se apresentar tendencialmente genérica, resume-se à avaliação da referida prova documental que foi atendida pelo tribunal e ao sublinhar que apenas se conclui que o arguido PP adquiriu o telemóvel dos indivíduos (ou individuo) que furtaram este objecto ao ofendido MM.

Assim, invoca, no tocante à prova documental, que tão-só a informação bancária de fls. 65 a 67 e o auto de apreensão de fls. 100 têm a ver consigo.

Assim é, directamente, mas sem que se dissociem da realidade de como acedeu ao telemóvel e de que telemóvel se tratava (factura de fls. 11), detendo-o em seu poder e, por isso, depois entregue ao ofendido conforme termo de entrega de fls. 113.

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Quanto ao facto provado em 5, insurge-se contra o valor atribuído ao

telemóvel, entendendo que Não ficou provado em audiência de julgamento, qual o valor actual deste telemóvel, pois não existe laudo ou exame do seu valor actual, tendo em conta o estado do telemóvel e o valor de mercado de um telemóvel usado e como é público e notório, qualquer objecto (ou a maioria) começa a desvalorizar logo após a transação.

O valor considerado correspondeu àquele por que havia sido adquirido pelo ofendido, de acordo com a mencionada factura de fls. 11, pelo que nada tem de arbitrário, sendo que, para o efeito, se revelou, e bem, como adequado, sem necessidade de qualquer outra prova.

Se bem que o telemóvel tivesse sido adquirido, conforme à factura, em Outubro de 2015, entre esta data e a da aquisição pelo recorrente, entre Março e Maio de 2016, decorreu período de tempo não consentâneo, como o recorrente pretende, com desvalorização desse valor que se tornasse

relevante, a não ser que algum outro elemento de prova fosse em sentido diverso, o que não sucede.

Relativamente ao facto provado em 9, refere que Não ficou provado em

audiência de julgamento (nem existem outro tipo de prova nos autos), que … tenha suspeitado, da proveniência ilícita do objecto, e que o mesmo provinha de um crime contra o património.

Limita-se a concluir como refere, sem que, aliás, desse facto provado conste alusão à suspeita da proveniência ilícita, mas sim que aceitou a proposta e adquiriu o telemóvel pelo valor de € 50,00, “Não obstante o arguido PP não ter apresentado qualquer documento relativo à aquisição do sobredito aparelho ou tampouco o carregador deste”, o que ficou reflectido nas declarações desse arguido.

Relacionando-o com o provado em 12, o recorrente insiste na ausência de prova, quer a documental, já antes analisada, quer por via de crítica à falta de apuramento do valor de mercado do telemóvel ou de conhecimento de quem era PP, alegando que o tribunal se bastou com prova indiciária para decidir contra si, com valoração essencialmente subjectiva.

Ora, no que tange ao valor de mercado, se bem que não expresso,

implicitamente assentou no valor atribuído e dentro dos parâmetros referidos.

(29)

O alegado desconhecimento da pessoa de PP constitui, contrariamente ao recorrente, situação que exigiria um diferente cuidado na aquisição, aliado, como o tribunal assinalou, ao “modo como lhe foi oferecido”.

E não releva, pois, que não soubesse como o telemóvel chegara à posse de PP, sendo que se deu, sim, como provado, que representou como provável que tal objecto tivesse proveniência criminosa e conformou-se com essa possibilidade, aferida pela forma como o obteve.

Bem como não era necessário, para o efeito, qualquer especial relacionamento com PP.

Alude, então, neste âmbito, à prova indiciária, assim como à utilização de presunção judicial, apresentando doutrina e jurisprudência que as vêm tratando.

No entanto, esquece que a prova não se limitou à dita prova indiciária (ou indirecta), uma vez que, também, as declarações de PP, aliadas à referida documentação, foram atendidas.

Veja-se o que ficou fundamentado na sentença:

“Que dizer em face da prova assim produzida?

Que da análise conjugada das declarações do arguido PP, que nos mereceram credibilidade pelas razões já supra adiantadas, com os elementos documentais supra referidos que as reforçam, tanto mais que o telemóvel em questão foi efectivamente apreendido na posse do arguido RP o que corrobora a versão de PP de que lhe vendeu sem exibir qualquer comprovativo de que dele fosse proprietário, sem que o mesmo se encontrasse acompanhado do respectivo carregador e por um preço bastante inferior ao real de mercado, sendo certo que numa venda deste tipo e efectuada nestas circunstâncias um homem médio medianamente diligente necessariamente suspeitaria da proveniência ilícita dos objectos, sendo que o arguido RP que denota ser pessoa sem

dificuldades de entendimento e com experiência de vida, não pôde ter deixado representar que tal telemóvel pudesse ser de proveniência ilegítima, sendo que conformando-se claramente com essa possibilidade e pensando apenas no lucro que com tal negócio poderia obter, ainda assim o adquiriu, quando é do conhecimento do mais mediano cidadão que a aquisição de objectos

ilicitamente apropriados configura a prática de um acto proibido e punido por lei, o que o arguido não podia desconhecer”.

(30)

Como não podia deixar de ser, a prova foi conjugada e aferida pelas regras da experiência comum, ainda que mediante inferência que se estabeleceu,

sobretudo na vertente subjectiva de que aquela suspeita foi pelo recorrente representada, através de adequada presunção.

Os aspectos versados no facto provado, pelo menos em parte, por se reconduzirem ao âmbito da consciência e da vontade de decisão do ora recorrente, assumem a particularidade de não terem resultado de prova directa, tal como acontece na grande maioria das situações, porque

comportando factores psíquicos, relacionados com a representação e fixação dos fins do crime, com a selecção dos meios e com a aceitação dos resultados da acção.

Como tal, a prova respectiva assentou em inferência extraída do conjunto dos factos materiais, analisados à luz da globalidade da prova produzida e das regras de experiência comum e, neste sentido, como prova indirecta, que não contendeu, em concreto, com os limites definidos para a livre apreciação do julgador.

Além do mais, é sabido, Na formação da convicção judicial intervêm provas e presunções, sendo certo que as primeiras são instrumentos de verificação directa dos factos ocorridos e as segundas permitem estabelecer a ligação entre o que temos por adquirido e aquilo que as regras da experiência nos ensinam poder inferir (Conselheiro Santos Cabral, ”A Prova indiciária e as novas formas de criminalidade”, in Estudos Jurídicos/Direito e Processo Penal, acessível em www.stj.pt).

As presunções, que são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, como decorre do art. 349.º do Código Civil, reconduzem-se, afinal, ao produto das regras da experiência, através das quais o julgador conclui que a existência de certo(s) facto(s) conhecido(s) denuncia a verificação de outro(s), inserindo-se nos

procedimentos lógicos da prova indiciária ou indirecta, penalmente permitida (arts. 124.º a 126.º do CPP).

Já Vaz Serra, in BMJ n.º 110, “Provas (Direito Probatório Material)”, salientava que Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou

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regra da experiência (…) ou de uma prova de primeira aparência.

Entre outros, no acórdão do STJ de 21.10.2004, in CJ Acs. STJ ano XII, tomo III, pág. 199, acentuou-se que as presunções simples ou naturais (…) são simples meios de convicção, pois que se encontram na base de qualquer juízo.

O sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um facto desconhecido para um facto conhecido; toda a prova indirecta se faz através desta espécie de presunções.

E conforme Germano Marques da Silva, ob. cit., Editorial Verbo, 1993, vol. II, pág. 82, É clássica a distinção entre prova directa e prova indiciária. Aquela refere-se imediatamente aos factos probandos, ao tema da prova, enquanto a prova indirecta ou indiciária se refere a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação quanto ao tema da prova. Assim, se o facto probatório (meio de prova) se refere

imediatamente ao facto probando, fala-se de prova directa, se se refere a outro do qual se infere o facto probando, fala-se em prova indirecta ou indiciária.

Dir-se-á que, na passagem do facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido, intervêm juízos de avaliação, produzidos

através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não

anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural

consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.

Nisso reside a concretização das presunções que, como doutrinariamente sedimentado, têm de ser graves, precisas e concordantes: graves, quando as relações do facto desconhecido com o facto conhecido são tais que a

existência de um estabelece, por indução necessária, a existência do outro;

precisas, quando as induções, resultando do facto conhecido, tendem a estabelecer, directa e particularmente, o facto desconhecido; concordantes, quando, tendo todas uma origem comum ou diferente, tendem pelo conjunto e harmonia, a afirmar o facto que se quer provar.

As exigências relativas à sua admissibilidade reflectem que haverão de ser impostas com relativa segurança, denotando percurso intelectual e lógico e sem soluções de descontinuidade, isto é, sem relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido.

(32)

Ainda, acompanhando o Conselheiro Santos Cabral, estudo cit., é a

compreensão global dos indícios existentes, estabelecendo correlações e lógica intrínsecas que permite e avaliza a passagem da multiplicidade de probabilidades, mais ou menos adquiridas, para um estado de certeza sobre o facto probando.

Revertendo ao caso, dispõe-se de prova directa demonstrativa de que o

recorrente detinha em seu poder o telemóvel, que adquirira pelo mencionado valor, sem que lhe tivesse sido apresentado qualquer documento relativo à aquisição do mesmo.

Nada fez, que se saiba, no sentido de averiguar da respectiva origem e não conhecia a pessoa que o apresentava para venda.

Estes aspectos, inseridos na situação, revelam conexão de sentido que não se pode descurar, se se pretende a desejável compreensão à luz da experiência.

E assim, perante o conjunto de indícios plurais, contemporâneos e inter- relacionados que se reflectem, e no contexto vivenciado, sem que se depare com a presença de contra-indícios que os contradigam, afigura-se que o tribunal estabeleceu legítima conclusão, por lógica e racional, assente na normalidade das coisas e do acontecer.

Contrariamente ao que transparece da posição do recorrente, saliente-se que a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode assentar, simplisticamente, no ataque da fase final de tal convicção, antes havendo que residir na violação de passos para a formação da mesma, sob pena de inadequada interpretação do disposto naquele art. 127.º do CPP, não obstante a liberdade de apreciação esteja limitada por critérios de legalidade, da lógica, da experiência, dos conhecimentos científicos e, assim,

configurando uma liberdade de acordo com um dever (Figueiredo Dias, in

“Direito Processual Penal”, Coimbra Editora, 1974, 1.º vol., pág. 202).

Isso ficou realçado, mormente, no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 1165/96, de 19.11, in www.tribunalconstitucional.pt, O actual sistema da livre apreciação da prova não deve definir-se negativamente pela ausência das regras e critérios legais predeterminantes do seu valor, havendo antes de se destacar o seu significado positivo. Acompanhando Figueiredo Dias, ob. loc.

cit., dir-se-á que «o princípio não pode de modo algum querer apontar para

Referências

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Aliás, foi já fixada jurisprudência pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão nº 5/2009 (publicado no DR nº 55, 1ª Série A, de 19-03-2009), onde se pode ler que:

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