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Processo

979/16.0T8PVZ.P1

Data do documento 23 de novembro de 2017

Relator Filipe Caroço

TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO | CÍVEL

Acórdão

DESCRITORES

Competência internacional > Declaração de morte presumida > Declaração de morte > Acção de registo

SUMÁRIO

I - O pedido de declaração de morte presumida do ausente não se confunde com o pedido de declaração de morte. São duas realidades distintas.

II - Se a ação tem por fundamento o disposto no art.º 68º, nº 3, do Código Civil (a declaração da morte de alguém), não tem cabimento a aplicação do processo especial de declaração de morte presumida a que se referem os art.ºs 886º e seg.s do Código de Processo Civil.

III - As ações de registo, ao invés das ações de estado pessoal, não incidem diretamente sobre o facto registado, antes se reportam ao próprio ato de registo em si, visando suprir uma omissão, operar uma reconstituição avulsa, declarar vícios de natureza formal que o afetam, o acerto ou o desacerto de um ato de registo.

IV - A queda em mar alto e o imediato desaparecimento do corpo de uma pessoa que viajava num navio de pesca de matrícula espanhola pode ter ocorrido em circunstâncias que evidenciam a sua morte, devendo esta ser declarada sem aguardar o decurso do prazo para declaração de morte presumida.

V - Respeitando o dito desaparecimento a uma pessoa de nacionalidade portuguesa, pescador, residente em Espanha, ao serviço num barco de matrícula espanhola, de onde foi arrastado por uma onda, não pode funcionar o processo de justificação judicial previsto nos art.ºs 204º, nºs 2 e 3 e 207º, ex vi art.º 233º, nº 1, do Código do Registo Civil.

VI - Neste caso, aplica-se a Convenção nº 10 da CIEC, de que são aderentes Portugal e Espanha, sendo a declaração de óbito da competência das autoridades espanholas, com posterior ingresso no registo civil português, onde o óbito será registado para todos os efeitos legais.

VII - Atribuída assim a competência internacional das autoridades espanholas e não tendo sido invocada qualquer dificuldade significativa na propositura da ação ou na emissão da declaração de óbito naquele país, não funciona o princípio da necessidade que, nos termos da al. c) do art.º 62º do Código de Processo Civil, poderia justificar uma extensão de competência com interposição da ação nos tribunais portugueses.

VIII - Nestas circunstâncias, os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para conhecer

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da ação declarativa comum destinada a obter a declaração de óbito do desaparecido.

TEXTO INTEGRAL

Proc. n.º 979/16.0T8PVZ.P1 (apelação)

Comarca do Porto – Juízo Local Cível da Póvoa de Varzim

Relator: Filipe Caroço Adj. Desemb. Judite Pires

Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de almeida

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.

B..., solteiro, maior, residente em Rua ..., nº .., .., ..., ..., Espanha, e quando em Portugal na Rua..., nº .., .º esq., cidade da Póvoa de Varzim, e

C..., solteiro, maior, residente em Rua ..., nº .., .., ..., ..., Espanha, e quando em Portugal na Rua ..., nº .., .º esq., Póvoa de Varzim, instauraram ação declarativa com processo comum, alegando, aqui no essencial, que são filhos de D... e E... e que o seu pai, nascido a 13 de abril de 1969, pescador, depois de assinar um contrato de trabalho com uma empresa alemã para prestar trabalho numa embarcação de pesca espanhola, sob as ordens e direção de mestres espanhóis, assim partiu para o mar no dia 4.1.2016, no porto ..., seguindo até ao mar alto da Irlanda.

Cerca de um mês após o embarque, no dia 8.2.2016, em pleno mar alto, foi atirado ao mar por uma onda gigante e nunca mais apareceu, a cerca de 280 milhas da costa da Irlanda, não obstante todos os esforços efetuados para o encontrarem.

Tal facto foi presenciado pela tripulação da embarcação, foi objeto de documentação e largamente noticiado, não existindo qualquer dúvida sobre a sua morte.

Afirmando a inadequação e a não aplicação ao caso da Ação de Morte Presumida por via da ausência (art.ºs 114º e seg.s do Código Civil e art.ºs 881º do Código de Processo Civil) e, bem assim, da Justificação Judicial de Morte (art.ºs 207º e 208º do Código do Registo Civil[1]), entenderam os AA. ser adequada forma do processo comum declarativo com vista à declaração judicial da morte de seu pai, para terminar com a situação de incerteza jurídica que perdura desde o dia 8.2.2016, ao abrigo do art.º 68º do Código Civil.

Fizeram culminar a petição inicial com o seguinte pedido:

«Nestes termos e nos melhores de Direito …, deve a presente acção ser julgada procedente, por provados os factos nela constantes e por via disso ser declarada a morte de D... nos termos narrados, assim cessando a situação de incerteza jurídica que perdura desde o dia 8 de Fevereiro de 2016, mais sendo ordenada a emissão da sua certidão de óbito, tudo com as devidas consequências legais.» (sic)

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Por despacho liminar, ordenou-se que a ação passasse seguir os termos do processo especial de justificação de ausência, no caso de morte presumida, previstos nos art.ºs 886º e seg.s do Código de Processo Civil.

Mais se determinou ali a citação do Ministério Público, bem como, por éditos, o ausente e interessados incertos.

O Ministério Público ofereceu contestação, por exceção e por impugnação.

Pela via de exceção, invocou a existência de erro na forma do processo, defendendo que o processo próprio é o de justificação judicial a instaurar na CRC competente para lavrar o registo do óbito, devendo ser julgado a final pelo juiz de direito da comarca ao abrigo do art.º 233º do CRC, uma vez que não há dúvidas sobre a morte. Acrescenta que a ação de estado para declaração de morte presumida está reservada para as situações em que existem dúvidas sobre a verificação da morte, conforme art.ºs 114º, nº 1, do Código Civil e art.ºs 886º e 881º do Código de Processo Civil.

Pretende, assim que, verificada a exceção dilatória invocada, geradora de nulidade de todo o processo, seja o R. absolvido da instância.

Quanto aos factos, declarou desconhecê-los e impugnou-os, assim como o conteúdo dos documentos juntos com a petição inicial, por se desconhecer a respetiva autoria e proveniência nem ter obrigação de saber.

Termina assim:

«Termos em que,

a) _ deve julgar-se procedente a exceção invocada com todas as consequências legais;

b) _ deve a presente ação ser julgada em conformidade com as provas produzidas com todas as demais consequências legais.»

Respondendo à exceção do erro na forma do processo, os AA. referem que apenas pretendem que seja declarado o óbito de seu pai da forma mais célere possível e que o seu interesse se coaduna melhor com a ação especial de justificação judicial de óbito prevista no CRC e que, a ser seguida esta forma de processo, se aproveitem os presentes autos para efeito do art.º 234º daquele mesmo código.

A Ex.ma Juiz conheceu da exceção por despacho de 19.2.2017, julgando-a improcedente, por entender que a Conservatória não é competente para declarar o óbito nos autos, não restando outra forma que não seja o recurso à ação de morte presumida, prevista nos art.ºs 881º e sg.s do Código de Processo Civil. Justifica a decisão essencialmente na consideração de que o presente procedimento não foi desencadeado pelo Conservador nem pelas partes como se impõe no processo de justificação administrativa que no caso caberia, regulado nos art.ºs 241º a 244º do CRC.

Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso desta decisão, mas o Tribunal da Relação rejeitou-o com o fundamento de que a decisão não é suscetível de impugnação autónoma, designadamente por ser absolutamente inútil a sua impugnação com o recurso interposto da decisão final (art.º 644º, nº 1 e nº 2, al. h), “a contrario”, do Código de Processo Civil.

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Foi proferido despacho saneador-sentença, em 10 de junho de 2017 que julgou a ação totalmente improcedente e, em consequência, não declarou a morte de D..., por falta de requisitos para declaração da morte presumida, exigidos pelo art.º 114º do Código Civil.

Da sentença, recorreram o Ministério Público e os AA.

O Ministério Público alegou com as seguintes CONCLUSÕES:

«1_ Os AA., filhos do falecido D..., alegam que no dia 08 de fevereiro de 2016, em pleno alto mar da Irlanda, a 458Km da costa, e quando seguia a bordo da embarcação espanhola “F...”, o progenitor caiu ao mar e não foi resgatado apesar dos esforços desenvolvidos pelos companheiros que presenciaram a ocorrência.

2_ O Ministério Público invocou a exceção de erro na forma do processo dado que, segundo alegam os AA., é indiscutível a verificação do óbito (facto sujeito a registo) e não há dúvidas de que o facto, na realidade, ocorreu, pelo que o suprimento da omissão do registo deve ser requerido mediante processo de justificação, instaurado na Conservatória competente para o lavrar e julgado a final peio juiz de direito da comarca cfr. art. 233° do Código do Registo Civil.

3_ A Mma Juíza, porém, entendeu que “não se verificando competência da conservatória para declarar o óbito alegado nos autos não resta senão o recurso à ação de morte presumida, prevista nos artigos 881° e Segurança Social do Código de Processo Civil, ainda que à face da lei substantiva a mesma tenha de improceder (o que irá por termo ao processo).

4_ o Ministério Público interpôs recurso de tal Despacho mas o Tribunal da Relação não o recebeu (alegadamente por ser de decisão interlocutória que não punha termo ao processo).

5_ Entretanto, foi proferida Sentença a julgar a ação improcedente por ausência de pressupostos para declaração de óbito em processo de justificação judiciai e não se verificarem os pressupostos de morte presumida.

6_ É do assim decidido que vai interposto o presente Recurso.

7_ O óbito é um facto jurídico sujeito a registo obrigatório, quando referente a nacionais portugueses, independentemente de ocorrer em Portugal ou no estrangeiro.

8_ Atentos os factos alegados, nos termos do disposto no art. 231° do CRC, há que aplicar subsidiariamente o Código de Processo Civil quanto ao regime da competência internacional dos tribunais portugueses.

9_O princípio da necessidade (fórum necessitatis) p. no art. 62°, ai. c) do Código de Processo Civil, alarga a competência internacional dos tribunais portugueses às situações em que o direito invocado apenas se

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possa efetivar por meio de ação proposta em território português, por nenhuma ordem jurídica tutelar a situação jurídica em causa, ou a ordem jurídica portuguesa tenha com a ação algum elemento ponderoso de conexão pessoal ou real e não seja exigível ao autor a propositura da ação no estrangeiro.

10_ Os princípios constantes do art. 62° do Código de Processo Civil não exigem, todavia, que a relação jurídica substancial ou material pleiteada esteja sob o domínio de aplicação da lei portuguesa, segundo as regras de conflitos do direito internacional privado [Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1996, pág.93].

11_ Trata-se de evitar a denegação da justiça, obstando a que um direito subjetivo fique desprovido de tutela judiciária [cfr. António Ferrer Correia, Lições de Direito Internacional Privado”, pág445].

12_ Assim sendo, atentas as regras de competência internacional dos tribunais portugueses p. nos arts.

62° e 63° do Código de Processo Civil, existe competência para a ação (quer seja declarativa como conceberam os AA., ou de justificação judicial a instruir na Conservatória do Registo Civil e a decidir a final pelo Tribunal como é nosso entendimento em face da certeza do óbito).

13_ O Tribunal “a quo” laborou em erro ao mandar convolar a ação declarativa proposta para o processo especial de justificação de ausência no caso de morte presumida para a qual _ sabia_ não estarem preenchidos os respetivos pressupostos.

14_ Sequentemente, ao proferir a douta sentença sob recurso violou a lei, designadamente o disposto nos artigos 114° e 115° do C. Civil, 881° e Segurança Social do Código de Processo Civil, 231º, 233° e 234° do Código do Registo Civil e 62° do Código de Processo Civil pelo que tal decisão deve ser revogada e substituída por outra que observe as supra citadas normas legais com vista ao deferimento da pretensão e registo do óbito do cidadão português D....» (sic)

Os segundos (demandantes), nas suas alegações da apelação, formularam as seguintes CONCLUSÕES:

«a) Os Autores são filhos de D..., o qual embarcou a trabalho para o mar a 04 de Janeiro de 2016;

b) Durante essa viagem no mar, concretamente a 08 de Fevereiro de 2016, a embarcação onde seguia D...

foi coberta por uma onda gigante que atirou dois homens ao mar, sendo um deles D...;

c) Não foi possível resgatar D..., nem o seu corpo, face às condições adversas que se faziam sentir na altura dos factos;

d) No local onde o mesmo submergiu a profundidade é de cerca de 7.000 metros, o mar é turbulento, apenas existindo terra a 458,33 km, 280 milhas, sendo impossível a sobrevivência de qualquer ser humano sem qualquer ajuda nas referidas condições;

e) G..., irmão de D..., assistiu à submersão deste no mar, sendo o seu testemunho prova mais que evidente da morte de D...;

f) A 8 de Fevereiro de 2016 D... faleceu no mar da Irlanda apesar de nunca se ter resgatado o seu corpo;

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g) A Lei Portuguesa define o óbito como um acto sujeito a registo obrigatório, art. 1º alínea p) do CRC;

h) Neste sentido os Autores propuseram uma acção declarativa de simples apreciação para que nos termos do artigo 68º do CPC, fosse declarada a morte de seu pai;

i) Recebidos os autos foi ordenada pela Mmª Juiz a quo a alteração da forma de processo, o qual passou a correr termos sob a forma de Processo Especial de Justificação de Ausência no caso de morte presumida, mais tendo sido publicados éditos;

j) Forma de processo que não é adequada aos factos vertidos, violando o disposto no artigo 547º do CPC;

k) D... nunca esteve numa situação de ausência, bem sabendo os seus familiares onde o mesmo estava e porque motivo não havia voltado, sendo inadequada a forma de processo escolhida para os factos narrados;

l) O Ministério Público citado, invocou o erro na forma de processo por considerar ser de aplicar ao caso concreto o processo especial de Justificação Judicial previsto e regulado no Código de Registo Civil, artigo 207º e segts;

m) Os Autores não se opuseram ao invocado pelo Ministério Público;

n) A Mmª. Juiz a quo não concordando com a excepção invocada confirmou pela manutenção da forma de processo por si escolhida, apesar de a mesma ter que improceder por falta de verificação dos pressuposto que fazem depender aquele instituto;

o) Desta conclusão o Ministério Publico recorreu, sendo no entanto o recurso negado por só ser admitido a final;

p) Assim, por decisão de 10 de Junho de 2017, da qual se recorre, foi o pedido dos Autores declarado improcedente mais sendo os mesmos condenados quanto ao pagamento das custas da acção;

q) No caso concreto, a Mmª. Juiz a quo não aceitou a forma de processo proposta pelos Autores, nem aceitou posteriormente a forma de processo proposto pelo Ministério Publico, apesar de saber que com a forma por si escolhida a acção sempre teria que improceder;

r) Com a escolha da forma do processo nos termos supra narrados há uma verdadeira denegação de justiça, ficando o pedido dos Autores desprovido de tutela judiciária;

s) Para a situação sub judice, e salvo melhor entendimento, a lei fornece três vias possíveis:

1 - A Acção Declarativa de Simples Apreciação, subsumindo-se os factos ao artigo 68º do CPC;

2 - O Processo de Justificação Judicial previsto e regulado no Código de Registo Civil;

3 - A Acção Declarativa, subsumindo-se os factos ao artigo 1º da Convenção Relativa à Verificação de Certos Óbitos assinada em Atenas a 14 de Setembro de 1966, à qual Portugal aderiu em 1981.

t) Estas três vias foram devidamente invocadas pelos Autores junto do Tribunal a quo antes da prolação da sentença;

u) Tal exposição não surtiu qualquer efeito, tendo sido violado, com a sentença proferida, o disposto no artigo 2º, nº 2 do CPC que nos diz que, “ A todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo”;

v) Mais tendo sido violado o disposto no artigo 7º, nº 2 do CPC que refere que “ O Juiz pode, em qualquer altura do processo, ouvir as partes, seus representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes”;

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w) E ainda o art. 202º, nº 2 da Constituição da Republica Portuguesa que prescreve que “Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”.

x) Com a prolação da sua decisão a Mmª. Juiz a quo, demonstrou não ter ouvido as partes intervenientes, nomeadamente os Autores e o Ministério Público, que se manifestaram por diversas vezes contra a forma de processo escolhida;

y) Não atribui aos factos trazidos a juízo, e salvaguardando respeito por melhor opinião, a correspondente acção capaz de o reconhecer em juízo;

z) Bem como, não assegurou a defesa e os interesses quer dos Autores quer do estado Português, que também tem interesse na declaração de óbito de D..., cidadão Português.»

Manifestam, assim, os AA. discordância com a forma de processo escolhida pela Ex.ma Juiz, que deve ser corrigida, e insistem pela declaração do óbito de seu pai.

Estes recursos foram admitidos como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Não foram oferecidas contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

*

II.

As questões a decidir são as que resultam das conclusões das duas apelações (do Ministério Público e dos AA.) e ainda as que sejam do conhecimento oficioso, já que são aquelas que delimitam o objeto do recurso, acima transcritas (cf. art.ºs 608º, nº 2 e 635º, nºs 3 e 4 e 639º do Código de Processo Civil).

1. Da apelação do Ministério Público que recai sobre a decisão final:

Saber se, perante uma situação de indiscutibilidade do óbito, que no caso ocorre, a forma de processo adequada é a ação declarativa comum ou o suprimento da verificação do registo a requerer mediante processo de justificação judicial.

2. Da apelação dos AA. que recai sobre a decisão final:

Saber se, em lugar da forma de processo que foi seguida pelo tribunal e que conduziu à improcedência da ação, deve ser seguida uma das seguintes três formas processuais:

1 - A ação declarativa de simples apreciação, subsumindo-se os factos ao artigo 68º do Código Civil;

2 - O processo de justificação judicial previsto e regulado no Código de Registo Civil;

3 - A ação declarativa, subsumindo-se os factos ao artigo 1º da Convenção Relativa à Verificação de Certos Óbitos assinada em Atenas a 14 de Setembro de 1966, à qual Portugal aderiu em 1981.

*

*

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III.

São os seguintes os factos alegados pelos AA. que o tribunal considerou relevantes para proferir a decisão final[2]:

1. D... deu entrada no barco de pesca F... no dia 4 de Janeiro de 2016, no Porto ... assim seguindo até ao mar alto da Irlanda.

2. Volvido cerca de um mês após o embarque, a 8 de Fevereiro de 2016, e em pleno mar alto, na posição ..., por volta das 16 horas e 40 minutos, foi a embarcação onde ele se encontrava e toda a tripulação coberta por uma onda de grandes proporções que causou danos no barco e atirou dois homens ao mar.

3. Um dos homens atirados ao mar era o pai dos Autores, D....

4. De imediato os tripulantes, a salvo na embarcação, tentaram resgatar os dois homens naufragados, atirando-lhes bóias de salvação.

5. Um dos dois pescadores caídos ao mar conseguiu chegar perto do barco tendo sido resgatado pelos companheiros a bordo.

6. O outro, D..., pelo contrário, com a grande dimensão das ondas afastou-se cada vez mais da embarcação.

7. Cerca de 10 minutos depois do sucedido, foi enviado via rádio pedido de “socorro” e alerta de homem ao mar para as entidades competentes, nomeadamente para o Centro de Resgate Marítimo de Valencia, (Marine Rescue Centre at Valentia), e ainda para todas as embarcações que se encontrassem nas proximidades.

8. Uma vez que o local onde a embarcação se encontrava era muito distante da zona terreste, cerca de 458 km da costa, ou seja, aproximadamente 280 milhas, as entidades competentes da Irlanda informaram que era impossível enviar o avião de resgate e salvamento, enviando em alternativa por volta das 17h o

“AIRCRAFT C-252”.

9. Avião que, ficou a sobrevoar o local até cerca das 23 horas e 55 minutos, altura em que regressa a terra continuando a embarcação com as buscas de D... até às 17h00 do dia seguinte, altura em que se perfazerem as 24 horas sobre a queda do homem ao mar.

10. Apesar dos esforços empregados, quer pelos companheiros de bordo, quer pelo avião enviado, apenas se conseguiu resgatar um dos dois homens caídos ao mar.

11. Depois de muitos esforços e volvidas muitas horas de resgaste e busca, concluem as autoridades que, face às condições do mar, nada mais haveria a fazer, procedendo-se no dia seguinte, 9 de Fevereiro, ao desancoramento da embarcação que seguiu para o Porto ....

12. Perante a perda de D... no mar, e ainda não tendo a tripulação chegado ao Porto ... para desembarque, a 12 de Fevereiro, enviaram os donos da embarcação à mãe de D..., Sra. D. H..., uma missiva de pêsames, na qual lamentavam a perda de seu filho.

13. Posteriormente, a 17 de Fevereiro de 2016, o aludido Capitão Sr. I..., procedeu junto da Capitania do Porto ... à elaboração da Carta de Protesta, documento no qual descreve a situação atrás relatada e no qual explica a chegada da embarcação ao Porto com menos um dos tripulantes embarcados.

14. A 19 de Abril de 2016 a Guarda Costeira da Irlanda elabora um relatório no qual descreve a situação

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aqui narrada da queda ao mar de D..., dos procedimentos de busca levados a cabo, seu posterior encerramento e ainda envio de pesares à família.

15. Este relatório foi reconhecido pelo Cônsul Honorário de Espanha destacado na Irlanda, Exmo. Senhor J....

*

Incidindo ambos os recursos, essencialmente, sobre a mesma questão --- o erro na forma do processo e a (in)sustentabilidade da decisão recorrida --- vamos apreciá-los em conjunto.

O tribunal recorrido entendeu que, na falta de competência da Conservatória do Registo Civil para declarar o óbito de D..., aos AA., seus filhos, resta o recurso à ação de morte presumida, prevista nos art.ºs 881º e seg.s do Código de Processo Civil, cujos termos ordenou que se passassem a seguir. Julgou depois a ação improcedente por não se verificarem, no caso, os requisitos da declaração da morte presumida, mormente o decurso do prazo de 10 anos sobre a data das últimas notícias do ausente, conforme prevê o art.º 114º, nº 1, do Código Civil.

O instituto da ausência está previsto nos art.ºs 89º e seg.s do Código Civil.

A pessoa singular está ausente quando não é possível entrar em contacto com ela para que providencie sobre o exercício dos seus direitos e o cumprimento das obrigações, em virtude de haver desparecido sem notícias, de se ignorar o seu paradeiro. Não é necessário saber se é viva ou morta. Gera-se então uma situação semelhante à incapacidade: para que o exercício dos direitos ou cumprimento das obrigações se não paralise com prejuízo para todos, a lei prevê meios e forma de suprimento da ausência, em três fases sucessivas: a ausência presumida (art.ºs 89º a 98º), a ausência declarada ou justificada (art.ºs 99º a 113º) e a morte presumida (art.ºs 114º a 119º).

Tecnicamente, a ausência traduz uma situação de ignorância geral do paradeiro de pessoa singular, e consequente impossibilidade de contacto com ela. Normalmente, a ausência resulta da quebra de ligação entre o domicílio e a pessoa.[3]

A causa de pedir e o pedido definem e delimitam o objeto da ação.

O pedido é o corolário ou a consequência lógica da causa de pedir ou dos fundamentos em que assenta a pretensão do autor, do mesmo modo que, num silogismo, a conclusão deve ser a emanação lógica das premissas.

Os AA. instauraram ação declarativa comum tendo em vista a declaração da morte de seu pai[4]; não a declaração de morte presumida. Para tal efeito, não alegaram os fundamentos que a lei civil prevê no art.º 114º, nº 1 ou nº 2, ou seja, uma situação de ausência, de simples desconhecimento do paradeiro, de afastamento da pessoa relativamente ao seu domicílio, sem dar notícia, nem a necessidade de suprir essa ausência com declaração de morte presumida (com ultrapassagem das fases da curadoria provisória e da curadoria definitiva), para poderem suprir essa ausência e providenciar sobre o exercício dos direitos do ausente.

O que os AA. alegam na ação não é uma situação de ausência, mas uma situação de morte que se propõem justificar, comprovar, para dela extraírem as devidas consequências, designadamente desbloquear o exercício dos seus próprios direitos à obtenção de indemnizações ou compensações a que o

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óbito de seu pai, regularmente registado, dá origem. Para tanto, alegam na petição inicial a impossibilidade de sobrevivência humana nas circunstâncias do desaparecimento de D..., juntam vários documentos e arrolam testemunham que terão assistido aos factos concretos que justificam a morte.

Para os AA. a verificação do óbito é indiscutível. Diferentemente, na ação para declaração da morte presumida, o pressuposto é a não evidência do óbito.

Sendo à face da causa de pedir e do pedido que se define o objeto do processo e a providência processual adequada à resolução da pretensão do autor, ao caso não poderia servir o processo de justificação da ausência previsto nos art.ºs 881º e seg.s, designadamente no art.º 886º, do Código de Processo Civil, para as situações em que se pede a declaração de morte presumida, ao abrigo do art.ºs 114º, nºs 1 e 3, do Código Civil.

A situação sempre seria de procedência ou improcedência da pretensão dos AA. Não pode concluir-se a ação com a declaração ou não declaração da morte presumida com base nos fundamentos previstos no citado art.º 114º, quando o pedido não se destina a obter essa declaração e tem por fundamento (bem diferente) a norma do art.º 68º, nº 3, do Código Civil, ou seja, a declaração do óbito da pessoa cujo cadáver não foi encontrado ou reconhecido, quando o desaparecimento se tiver dado em circunstâncias que não permitam duvidar da morte dela. Nesta ação o facto juridicamente relevante é a morte e não a ausência, uma evidência, não uma presunção.

Assim, ao contrário do que foi decidido no despacho de fl.s 19, a ação não tinha que prosseguir nem devia ter prosseguido os termos do processo especial de justificação da ausência por morte presumida, dos art.ºs 886º e seg.s do Código de Processo Civil.

Vejamos agora se os AA. propuseram a ação na forma adequada, declarativa de apreciação positiva, ou se deveriam ter instaurado uma ação de registo, mais especificamente, uma ação de justificação judicial, e qual deve ser o seu destino.

Entramos na velha querela doutrinária e jurisprudencial da distinção entre as ações de estado e as ações de registo.

A doutrina tem procedido à referida distinção, essencialmente com base no critério da correspondência ou não do registo à verdade na altura da sua feitura. Nessa perspetiva, tem considerado, por um lado, que se o registo em causa corresponder à verdade ao tempo da sua feitura e se pretende alterar o estado civil que ele reflete, a modificação só pode operar por via de uma ação de estado pessoal. Mas se se tratar de um erro ou de uma omissão no registo, a ação será de registo. A jurisprudência tradicional tem, por seu turno, considerado que as ações de registo têm essencialmente por objeto o acerto ou o desacerto de um ato de registo, por exemplo, a omissão, a inexistência jurídica, a nulidade ou o erro de elaboração, e as ações de estado pessoal o apuramento real do facto registado ou registando.[5]

Seguindo aquela jurisprudência, deve ser objeto das ações de registo a correção de erros, o suprimento das omissões e a declaração das consequências dos vícios dos atos de registo civil, e deve ser objeto das ações de estado o apuramento real ou a modificação dos factos relativos ao estado das pessoas. Dir-se-á que as ações de registo, ao invés das ações de estado pessoal, não incidem diretamente sobre o facto registado, antes se reportam ao próprio ato de registo em si, visando suprir uma omissão, operar uma

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reconstituição avulsa, declarar vícios de natureza formal que o afetam, o acerto ou o desacerto de um ato de registo.[6]

Entendeu-se no acórdão da Relação de Lisboa de 9.6.1994[7] que o processo de justificação judicial, previsto no CRC, destina-se suprir uma omissão do registo do facto, tendo como pressuposto que o facto, na realidade, ocorreu.[8]

Assim quanto ao domínio de aplicação do processo de justificação judicial, dispunha o art.º 233º do CRC de 1995[9]:

«1 - Ao suprimento da omissão do registo ou à sua reconstituição avulsa, bem como à declaração da sua inexistência jurídica ou nulidade, deve proceder-se mediante processo de justificação, que corre seus termos na conservatória detentora desse registo ou competente para o lavrar e julgado, a final, pelo juiz de direito da comarca.

2 - O processo de justificação é igualmente aplicável à rectificação das inexactidões, deficiências ou irregularidades do registo insanáveis por via administrativa, mas que o não tornem juridicamente inexistente ou nulo.

3 - O disposto nos números anteriores não obsta a que o pedido de rectificação ou de cancelamento do registo seja formulado em acção de processo ordinário, cumulativamente com outro a que corresponda esta forma de processo, desde que dele seja dependente.»[10]

Já a atual versão do CRC, ainda sob o art.º 233º[11], dispõe:

«1 - O processo de justificação judicial é aplicável à rectificação de registo irregular nos termos do artigo 94.º e às situações de óbito ocorrido nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 204.º e dos artigos 207.º e 208.º 2 - O processo referido no número anterior é autuado, instruído e informado na conservatória competente para lavrar o registo omitido ou detentora do registo irregular e é julgado no tribunal de 1.ª instância competente na área da circunscrição a que pertence a conservatória.

3 - O disposto nos números anteriores não obsta a que o pedido de rectificação ou de cancelamento do registo seja formulado em acção de processo ordinário, cumulativamente com outro a que corresponda esta forma de processo, desde que dele seja dependente.»

O art.º 204º do CRC[12] estabelece:

«1 - Se em viagem a bordo de navio ou aeronave portugueses ocorrer algum falecimento, deve observar- se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 109.º e seguintes.

2 - No caso de falecimento com queda à água ou no espaço, sem que o cadáver seja encontrado, a competente autoridade de bordo deve lavrar, na presença de duas testemunhas, um auto de ocorrência e remetê-lo a qualquer conservatória do registo civil, incumbindo a esta promover a respectiva justificação judicial.

3 - Quando o óbito se verifique em pequenas embarcações, o auto da ocorrência é substituído por auto de averiguações lavrado na capitania competente.

4 - Se o auto lavrado nos termos dos números anteriores não fornecer todos os elementos de identidade do falecido, o conservador deve procurar obter as informações complementares necessárias.

5 - Se o óbito tiver ocorrido nas condições previstas no n.º 1, mas a bordo de navio ou aeronave estrangeiros, e o cadáver vier a ser desembarcado ou encontrado em território português, observa-se o

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disposto no artigo seguinte.»

O art.º 207º, nº 1, determina que cabe ao Ministério Público da comarca em cuja área tiver ocorrido o acidente promover, por intermédio de qualquer conservatória do registo civil, a justificação judicial do óbito no caso em que os cadáveres não sejam encontrados. Segundo o nº 2, se o acidente ocorrer no mar e não for caso de naufrágio, cabe ao magistrado do Ministério Público da comarca da sede da capitania que deve proceder às averiguações promover, por intermédio de uma conservatória do registo civil, a justificação judicial do óbito.

Estes normativos não têm aplicação no caso, porque, não obstante o desaparecimento respeitar a uma pessoa de nacionalidade portuguesa, ocorreu no mar alto da Irlanda, a bordo de uma embarcação espanhola, assim, fora do território nacional e da jurisdição portuguesa.

A 14 de setembro de 1966, foi assinada em Atenas a Convenção Relativa a Verificação de Certos Óbitos (Convenção nº 10 da CIEC), a que Portugal aderiu mediante aprovação pela Lei nº 28/81, de 22 de agosto.

A Espanha também é aderente.

Nos termos do art.º 1º da Convenção, “quando o corpo de uma pessoa desaparecida não pôde ser encontrado, mas, em atenção ao conjunto de circunstâncias, possa haver-se como certo o seu óbito, a autoridade judicial ou a autoridade administrativa habilitada para o efeito terá competência para efectuar a declaração deste óbito:

Se o desaparecimento se tiver dado no território do Estado a que pertence aquela autoridade ou no decurso da viagem de um navio, ou aeronave, matriculado no mesmo Estado; Se o desaparecido for nacional deste Estado ou aí tiver o seu domicílio ou residência.”

Segundo o art.º 2º, “em caso de óbito certo sobrevindo fora do território dos Estados contratantes, e se nenhum registo foi lavrado ou pôde ser apresentado acerca de tal facto, a autoridade judicial ou administrativa habilitada para o efeito terá competência para fazer a declaração deste óbito:

Se o óbito ocorreu no decurso da viagem de um navio, ou aeronave, matriculado no Estado de que depende aquela autoridade; Se o falecido era nacional deste Estado ou aí tinha o seu domicílio ou residência.”

Como D... despareceu no mar alto da Irlanda quando viajava numa embarcação espanhola, é competente a autoridade judicial ou a autoridade administrativa espanhola habilitada para o efeito para efetuar a declaração do respetivo óbito.

De acordo com o art.º 6º, nº 1, do CRC, a declaração de óbito lavrada em Espanha pelas entidades espanholas competentes poderia ingressar no registo civil nacional com base em documento que a comprova, de acordo com a respetiva lei e mediante a prova de que não contrariam os princípios fundamentais da ordem pública internacional do Estado Português.

Não consta que as autoridades espanholas competentes tivessem declarado o óbito de D....

O óbito é um facto sujeito a registo obrigatório (art.º 1º, nº 1, al. p), do CRC).

O processo de justificação administrativa respeita a suprimento de omissão de registo e à declaração da sua inexistência jurídica ou da sua nulidade (art.º 241º do CRC). Não serve sequer a exigência e os fins do

(13)

processo de justificação judicial, nem tem a mesma solenidade, como se extrai dos art.ºs 234º e seg.s e 242º e seg.s do CRC. Desde logo a fortiori ratione, não se destina a justificar ou a declarar um óbito de um português no estrangeiro, nem a coberto da referida Convenção.

O art.º 62º do Código de Processo Civil prevê fatores de atribuição da competência internacional aos tribunais portugueses, entre eles, o que agora pode relevar (al. c)): “Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real”.

A competência interna respeita às situações que, na perspetiva da ordem jurídica portuguesa, não possuem qualquer conexão relevante com outras ordens jurídicas; a competência internacional refere-se aos casos que apresentam uma conexão com outras ordens jurídicas.

As normas de receção não são normas de competência e só determinam, vista a referida conexão, que os tribunais de uma jurisdição nacional são competentes para apreciar uma relação plurilocalizada. Limitam- se a determinar as condições em que uma jurisdição nacional faculta os seus Tribunais para a resolução de um certo litígio com elementos internacionais. Cumprem no direito processual, uma função idêntica àquela que as normas de conflitos desempenham no âmbito substantivo: estas determinam qual a lei aplicável a uma relação jurídica plurilocalizada (se a lei do foro ou uma lei estrangeira); aquelas aferem se essa mesma relação pode ser apreciada pelos Tribunais de uma certa ordem jurídica.

Consagra a referida al. c) o critério ou princípio da necessidade, segundo o qual o direito invocado pelo autor não pode tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta perante os nossos tribunais. Estão em causa as ações para as quais nenhuma outra ordem judiciária se considera competente e em que a intervenção dos tribunais portugueses se torna essencial para que o direito invocado pelo autor seja devidamente tutelado. Mas não basta; é necessário também que a ação tenha qualquer elemento ponderoso de conexão pessoal (na nacionalidade das partes, por exemplo) ou real (por exemplo, a situação dos bens a que o objeto da ação se refere) com o território português.[13] De contrário --- como expressam os mesmos autores --- “o critério da necessidade converter-se-ia numa tola ou pretensiosa lição de altruísmo judiciário que ninguém pediu à legislação portuguesa. E que esta realmente não pretende dar, como não gostaria de receber”.

Tem que haver, portanto, uma ponderosa conexão, pessoal ou real, com o território português.

Hão de ocorrer simultaneamente dois denominadores:

- A existência entre a ordem jurídica nacional e o objeto do litígio de um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real; e

- A efetivação do direito apenas ocorre por meio de ação proposta em Portugal ou que constitua para o autor dificuldade apreciável a sua propositura no estrangeiro.

Abarca-se não só a impossibilidade jurídica, por inexistência de tribunal competente para dirimir o litígio em face das regras de competência internacional das diversas ordens jurídicas com as quais ele apresenta uma conexão relevante, mas também a impossibilidade prática, derivada de factos anómalos impeditivos do funcionamento da jurisdição competente: v.g. conflitos negativos; não reconhecimento, em abstrato, do direito pelo tribunal competente; impossibilidade de facto: guerra; ausência de relações diplomáticas.

(14)

Volvendo ao caso concreto, ocorre um importante elemento de conexão: os AA. e o seu pai desparecido têm nacionalidade portuguesa. Porém, os demandantes não apontam, desde logo na petição inicial, qualquer impossibilidade ou mesmo dificuldade apreciável no exercício do direito em Espanha. Cabendo às autoridades (administrativas ou judiciais) competentes naquele país a emissão da declaração de óbito e sendo esta suficiente, ao abrigo da Convenção nº 10 e do art.º 6º, nº 1, do CRC, para que o óbito ingresse no Registo Civil Português, não vemos como possa admitir-se o exercício da ação para o mesmo efeito nos tribunais portugueses.

A dificuldade dos AA. no exercício do direito junto das autoridades espanholas é tanto menos significativa quanto os próprios afirmam na petição inicial que têm residência em Espanha.

Sendo, assim, a competência das autoridades espanholas, os tribunais portugueses, ao não aceitarem a competência para a ação declarativa interposta para o fim previsto no art.º 68º, nº 3, do Código Civil, não estão a denegar justiça, mas a afirmar que a mesma se deve ser realizada pelo meio adequado, com respeito pelas regras da competência internacional acertadas pelos Estados subscritores e aderentes da Convenção nº 10.

Nas suas alegações, o Ministério Público afirma com acerto que “o óbito de uma pessoa desencadeia inúmeras situações de facto e de direitos que convocam resolução urgente (abertura de sucessão, imposto do selo, seguros, indemnizações …) e que não podem nem devem ficar dependentes da eventual inércia de Estados Estrangeiros”. Não obstante, o que chama também de contactos mínimos como elementos de conexão com o território nacional são claramente insuficientes para fazer funcionar “um elemento ponderoso de conexão pessoal, para mais não estando alegados factos concretos que traduzam o que chama de inércia do estado espanhol e a sua afirmação de que “o caso fica sem qualquer tutela jurídica”.

Nem sequer é de excluir, face aos elementos dos autos, que a emissão da declaração de óbito de D... pelas autoridades competentes espanholas seja um processo expedito e urgente.

Os AA. têm legitimidade para requerer a declaração de óbito junto das autoridades espanholas (art.º 3º da Convenção de Atenas).

Em resumo, os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para conhecer da questão objeto da ação, sendo esta incompetência absoluta do conhecimento oficioso (art.ºs 96º, al. a) e 97º, nº 1, do Código de Processo Civil, o que implica absolvição da instância, não se declarando aqui a morte de D...

(art.ºs 99º e 278º, nº 1, al. a), do mesmo código).

Os AA. são responsáveis pelo pagamento das custas do processo, por não ser declarado o efeito jurídico visado na ação.

*

*

SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)

1. O pedido de declaração de morte presumida do ausente não se confunde com o pedido de declaração de morte. São duas realidades distintas.

2. Se a ação tem por fundamento o disposto no art.º 68º, nº 3, do Código Civil (a declaração da morte de

(15)

alguém), não tem cabimento a aplicação do processo especial de declaração de morte presumida a que se referem os art.ºs 886º e seg.s do Código de Processo Civil.

3. As ações de registo, ao invés das ações de estado pessoal, não incidem diretamente sobre o facto registado, antes se reportam ao próprio ato de registo em si, visando suprir uma omissão, operar uma reconstituição avulsa, declarar vícios de natureza formal que o afetam, o acerto ou o desacerto de um ato de registo.

4. A queda em mar alto e o imediato desaparecimento do corpo de uma pessoa que viajava num navio de pesca de matrícula espanhola pode ter ocorrido em circunstâncias que evidenciam a sua morte, devendo esta ser declarada sem aguardar o decurso do prazo para declaração de morte presumida.

5. Respeitando o dito desaparecimento a uma pessoa de nacionalidade portuguesa, pescador, residente em Espanha, ao serviço num barco de matrícula espanhola, de onde foi arrastado por uma onda, não pode funcionar o processo de justificação judicial previsto nos art.ºs 204º, nºs 2 e 3 e 207º, ex vi art.º 233º, nº 1, do Código do Registo Civil.

6. Neste caso, aplica-se a Convenção nº 10 da CIEC, de que são aderentes Portugal e Espanha, sendo a declaração de óbito da competência das autoridades espanholas, com posterior ingresso no registo civil português, onde o óbito será registado para todos os efeitos legais.

7. Atribuída assim a competência internacional das autoridades espanholas e não tendo sido invocada qualquer dificuldade significativa na propositura da ação ou na emissão da declaração de óbito naquele país, não funciona o princípio da necessidade que, nos termos da al. c) do art.º 62º do Código de Processo Civil, poderia justificar uma extensão de competência com interposição da ação nos tribunais portugueses.

8. Nestas circunstâncias, os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para conhecer da ação declarativa comum destinada a obter a declaração de óbito do desaparecido.

*

IV.

Pelo exposto, acorda-se nesta Relação, em negar provimento às apelações e em declarar a incompetência internacional (absoluta) dos tribunais portugueses para conhecer do pedido da ação, com a necessária absolvição da instância.

*

Custas pelos AA.

*

*

Porto, 23 de novembro de 2017 Filipe Caroço

Judite Pires

Aristides Rodrigues de almeida ____________

(16)

[1] Adiante CRC.

[2] Por transcrição.

[3] Castro Mendes, Direito Civil, Teoria Geral, AADFDL, 1978, vol. I, pág.s 437 e seg.s.

[4] V.d. transcrição do pedido, constante do relatório.

[5] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.4.1978, BMJ nº 276/287; de 7.6.77, BMJ nº 268/229; de 26.11.81, BMJ nº 311/398, e de 7.6.94, BMJ, nº 438/365.

[6] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.6.1994, proc. 085090, in www.dgsi.pt.

[7] Proc. 0088722, in www.dgsi.pt e também publicado na Colectânea de Jurisprudência, III, pág. 118.

[8] Cf. ainda acórdão da Relação de Lisboa de 19.3.1987, Colectânea de Jurisprudência, T. II, pág. 139.

[9] Aprovado pelo Decreto-lei n.º 131/95, de 6 de junho.

[10] Mas já a versão originária do CRC, aprovada pelo Decreto-lei nº 131/95, de 6 de junho, sob o art.º 207º, nº 2, previa o recurso à ação de justificação judicial para o caso de o acidente ocorrer no mar e não ser caso de naufrágio, cabendo ao agente do Ministério Público da comarca da sede da capitania que proceder às averiguações e promover, por intermédio da conservatória competente, a justificação judicial da morte, tendo em vista lavrar o assento de óbito com base nos elementos fornecidos pela sentença e servindo-se de todas as informações complementares recolhidas.

[11] Na versão aprovada pelo Decreto-lei nº 273/2001, de 13 de outubro, sem alteração posterior.

[12] Para onde remete o art.º 233º.

[13] A. Varela, J. Beleza e S. e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e atualizada, Coimbra editora, pág. 205.

Fonte: http://www.dgsi.pt

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